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SENTENÇA ARBITRAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO
TRIBUNAL ESTADUAL
Sumário
I - Em respeito pelo que decorre do preceituado no artigo 46º da LAV – e salvo acordo em sentido contrário – a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do previsto neste mesmo artigo. II - Não compete ao tribunal estadual pronunciar-se sobre o mérito da decisão (vide artigo 46º nº 9 da LAV) e assim quanto a eventual erro de julgamento da decisão de facto ou de direito
Texto Integral
Processo nº. 75/22.1YPRT 3ª Secção Cível CONFERÊNCIA
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Requerente: AA Requerido: “A..., Unipessoal, Lda.”
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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I - Relatório A) AA instaurou a presente ação com processo especial de anulação de decisão arbitral, proferida pelo Centro de Arbitragem do Sector Automóvel nos termos dos artigos 46º nº 3 al. a) - ii), v) e vi e 59º nº 1 al. g) e nº 7 e 8 da Lei 63/2011 de 14/12, contra “A..., Unipessoal, Lda.”
requerendo pela sua procedência: a) (…) a anulação da sentença proferida pelo Centro de Arbitragem do Setor Automóvel no âmbito do processo nº 1019/CASA/2021; Ou caso V. Exas. assim não entendam, b) Se suspenda o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue suscetível de eliminar os fundamentos da anulação.”
Como fundamento do seu pedido de anulação alegou a requerente em primeiro lugar que aquando da notificação da decisão do tribunal arbitral em 27/12/2021, nesse mesmo dia dirigiu a esse tribunal um pedido de retificação (clarificação) da sentença nos termos do artigo 45º da Lei 63/2011, sobre o qual até à data da instauração do processo não obteve resposta.
Aqui se deixa reproduzido o teor do pedido formulado: “1- Foi rececionada a decisão de sentença em 23.12.2021 2- Na sentença, apesar de V. Exa. ter alegado a apensação em sede de audiência, na vossa decisão apenas menciona o processo 1019/CASA/2021, ficando sem saber se foi ou não apenso o processo 132/CASA/2021. 3- Acresce que fixa V. Exa. o valor da causa em 5.000,00 . 4- Não alcança o aqui requerente fundamento para afixação tal valor, pelo que também relativamente a este ponto, requerer a V. Exa, se digne prestar os devidos esclarecimentos. Termos em que se requer a V. Exa. se digne prestar os esclarecimentos acima solicitados pelo aqui requerente”.
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Em segundo lugar invocou:
- a não fundamentação da sentença proferida, por falta de pronúncia quanto a todos os elementos de prova carreados aos autos;
- a não pronúncia quanto a todos os seus pedidos/valores reclamados;
- a não pronúncia sobre o seu pedido de apensação de processos.
Concluindo a requerente, por tal, ser a sentença arbitral ambígua, obscura e ininteligível.
Junto com a petição e para prova do alegado, ofereceu a requerente certidão da sentença proferida pelo tribunal arbitral no processo 1019/CASA/2021 [objeto do pedido de anulação e composta por 7 páginas].
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Citada a requerida, opôs-se ao pedido formulado.
Excecionou a inadmissibilidade da p.i. por não estar acompanhada de cópia certificada da sentença arbitral proferida, como o exige o artigo 46º nº 2 da LAV. E o doc. oferecido não estar completo - juntando sob anexo 1 o que corresponde à sentença integral.
Invocou a inutilidade superveniente da lide, na medida em que na pendência da ação o pedido de esclarecimentos formulado pela requerente foi, entretanto, apreciado. Da decisão proferida tendo junto cópia.
Mais se pronunciou sobre a questão da não apensação, realçando que os processos foram sempre tramitados de forma autónoma e independente, pois em causa estavam reparações de avarias distintas, conforme a própria requerente o reconheceu.
Tendo ainda acrescentado:
- que em função dos esclarecimentos prestados, as dúvidas quanto ao valor da causa foram sanadas;
- a questão da valoração das provas tem na base confusão da requerente quanto aos documentos que ofereceu ao processo em questão – onde apenas consta um orçamento e nenhuma fatura (já que ao processo 132/casa/2021 é que foram juntas faturas);
- o pedido de indemnização por privação de uso foi deduzido não neste processo, mas no processo 132 já mencionado;
- a requerente não juntou com o requerimento inicial prova do que alega, nomeadamente certidão da p.i., para que possa demonstrar o pedido que então formulou.
Concluiu assim pela inexistência de qualquer obscuridade, ambiguidade ou ininteligibilidade da sentença arbitral em crise.
E consequentemente pugnou pela não procedência das invocadas deficiências da decisão arbitral.
Com a consequente improcedência da ação.
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Do anexo oferecido pela requerida com a contestação e que corresponde aos esclarecimentos prestados pelo tribunal arbitral, resulta o teor da decisão que aqui se reproduz: “Nos termos do disposto no n. 2 do Artigo 45.º da LAV, nos 30 dias seguintes à receção da notificação da sentença arbitral, qualquer das partes pode, notificando disso a outra, requerer ao tribunal arbitral que esclareça alguma obscuridade ou ambiguidade da sentença ou dos seus fundamentos. Apesar deste Tribunal não vislumbrar qualquer obscuridade na sentença proferida, e na realidade não ser tal alegado pela Requerente, ao abrigo da cooperação e boa-fé processual que pauta a atuação deste Tribunal arbitral, esclarece-se que, no que se reporta ao valor fixado em sede de sentença o mesmo resulta da cumulação dos pedidos da Requerente, ou seja, "condenação da Reclamada no pagamento da quantia de €3.264,03 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no montante diário de €10,00/ dia, desde entrada da ação até data de julgamento", o que o Tribunal computou num valor de €5.000,00 nos termos do disposto no n.1 do artigo 306º do CPC. Já no que se reporta à apensação das ações, nos termos do disposto no artigo 30º da LAV, ponderou este Tribunal, perante as peças processuais apresentadas pela Reclamante em ambos os processos, a causa de pedir, e o pagamento de emolumentos em ambos os autos arbitrais, e ausência de fundamento alegado pelo Ilustre Representante da Reclamante, que a mesma não devia operar, motivo pelo qual não ordenou a apensação dos mesmos. Notifique-se as partes dos esclarecimentos prestados, fazendo o presente parte integrante da sentença dos termos do disposto na parte final do n.3 do artigo 45º da LAV.”
Ofereceu ainda a requerida como prova do por si alegado na oposição e junto com a mesma, cópia das atas de audiência de julgamento relativas ao processo 132/CASA/2021 e processo nº 1019/CASA/2021 ambas datadas de 17/12/2021 e em que são as mesmas as partes, das quais resulta em ambas ter sido tentada a conciliação entre as partes e por frustrada, ordenada a conclusão dos autos para proferir sentença, após ter sido dada a palavra às partes para alegações finais que dela usaram.
Sem que destas mesmas atas resulte a menção a qualquer outro requerimento ou despacho.
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Foi proferida decisão singular nesta Relação, decidindo-se julgar improcedente a presente ação de anulação da decisão arbitral.
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Notificado a requerente do assim decidido, veio nos termos do artigo 652º nº 3 do NCPC, requerer que sobre a decisão recaia acórdão por com a mesma não concordar, tendo para tanto alegado entre o mais:
“(…) 4. Por não se conformar com a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo nº 1019/CASA/2021, a ora Recorrente propôs junto do Tribunal da Relação, ação especial de anulação da referida decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem do Setor Automóvel, nos termos dos artigos 46º nº3 al.a) -ii), v) e vi) e 59º nº 1 al. g) e nº 7 e 8 da Lei 63/2011 de 14/12, contra AC. S..., Unipessoal Lda.”, pugnando, assim, pela anulação de tal sentença. 5. Alegou a Recorrente a falta de fundamentação da sentença proferida por falta de pronúncia quanto a todos os elementos de prova carreados para os autos, nomeadamente faturas de valores por si efetivamente pagos. 6. A decisão singular data de 11-10-2022 e notificada às partes, por via eletrónica, nessa mesma data. (…) 8. Face à decisão ora proferida, a Recorrente é confrontada, salvo o devido respeito por opinião diversa, com a não apreciação da prova produzida pelo Tribunal da Relação. 9. Nas suas alegações, a Recorrente expressou os fundamentos da sua discordância acerca do julgamento de facto e de direito, que deveria resumir nas conclusões, de modo a que o tribunal “ad quem” soubesse, de forma precisa, os motivos da discordância, sobretudo no que diz respeito à fatura paga pela Recorrente, relativa à reparação do veículo e que foi junta posteriormente pela mesma. (sublinhado nosso). (…) 12. Ora, no caso em apreço, a Recorrente deu a conhecer ao Tribunal ad quem, e modo inquestionável, que pretendia recorrer da decisão da 1ª Instância no que respeita ao julgamento da matéria de facto (cujos pontos e fundamentos indicou). 13. As conclusões das alegações devem informar o julgador das questões sobre que versa o Recurso, pelo que, só a completa omissão acerca da alusão à impugnação da matéria de facto (que no caso não existe), poderia precludir o conhecimento dessa questão, caso nem sequer tivesse sido insinuada nas conclusões. 14. Nesta perspetiva entendemos que o Tribunal da Relação não apreciou a prova produzida (fatura paga e não orçamento), nem sequer sendo caso de enfocar a questão na perspetiva do convite para aperfeiçoamento das alegações. (…). 15. Ora, havendo uma convicção diferente quanto à prova produzida, mas não uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o tribunal da Relação, atuando como instância, deveria conceder na existência de dúvida séria e renovar a prova ou produzir novos meios de prova, já que o legislador, ciente de que a imediação, a oralidade e a completude estão bem mais presentes na primeira instância do que na segunda, lho impõe. Isto porque, 16. Na sequência do julgamento realizado em 17 de dezembro de 2021 nas Instalações do ACP do Porto, pelo Tribunal Arbitral CASA, foi proferida decisão final, julga-se a ação totalmente improcedente. 17. No dia 25.02.2022 veio a Recorrente apresentar pedido de anulação de sentença ao Tribunal da Relação do Porto. 18. A recorrente já tinha junto à sua PI em 19.08.2021, fatura paga por si à posteriori.(…). 19. O tribunal arbitral não efetuou a retificação de erros materiais e/ou o esclarecimento de ambiguidades ou obscuridades, cuja apreciação lhe foi colocada, ou seja, não se tratava de orçamentos, mas sim de faturas já pagas com relevância para a causa, bem como em conjugação com outros elementos de prova produzidos em juízo (corrigir datas das avarias) , poderia modificar a decisão em sentido mais favorável à parte, aqui Recorrente. 20. O tribunal Arbitral ao não se pronunciar, sobre o pedido da aqui Recorrente, designadamente quanto às faturas pagas apresentadas à posteriori, da retificação das datas das avarias e retificação das datas de imobilização do veiculo automóvel, toldou o raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo, levando à errónea apreciação dos factos. 21. Motivo esse, que levou a Recorrente a intentar junto do Tribunal da Relação do Porto ação de anulação da decisão arbitral. 22. O Tribunal da Relação, ao alegar na decisão singular“(…) Mas falta de pronúncia sobre pedido formulado pela requerente não se verifica em função dos elementos aportados aos autos (…)” que é o mesmo que dizer, que a recorrente não deu cumprimento àquele ónus e é deixar de analisar prova, levando à errónea apreciação dos factos e por conseguinte à sentença da qual a aqui Recorrente não se conforma. (sublinhado nosso). 23. É certo que se pode considerar que a Recorrente não tenha cumprido convenientemente, nas conclusões, os sobreditos ónus jurisprudencialmente afirmados. Mas perante a expressa indicação dos factos que fez no corpo das alegações em que também consignou especificadamente a decisão que entendia dever ser proferida relativamente a cada um deles, e que reproduziu nas conclusões, e a indicação que nestas fez das partes das alegações em que fazia aquela indicação. 24. Em suma, tendo por bússola os referidos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e que «o cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil não pode redundar na adoção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto», entendemos que a recorrente cumpriu suficientemente, nas conclusões, os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC. 25. Contudo, o Tribunal da Relação não deu uso, ou podemos considerar que fez “mau uso” dos seus poderes de controlo relativamente à decisão da matéria de facto. Ou seja, o Tribunal da Relação teve conhecimento da prova (falta da fatura paga), mas mesmo assim, manteve a decisão igual á primeira instância. (…). 26. O tribunal da Relação, atuando como instância, deveria conceder na existência de dúvida séria e renovar a prova. Vide acórdão do STJ de 2020, nos termos do qual, «Se a Relação, em contrário da 1ª instância, considerou a prova documental insuficiente, mas não deixou de considerar que a incerteza decorrente dos documentos apresentados era suscetível de ser suprida com a apresentação de outros documentos cuja obtenção estava ao alcance das partes, deveria ter diligenciado pela obtenção e junção aos autos desses outros documentos.» 27. Pode dizer-se sem erro que, em face dos dados que a lei disponibiliza ao interprete e ao aplicador, não há outra resposta exata que não entender que a Relação não deve limitar-se a corrigir erros manifestos ou grosseiros da instância a quo, e que, na busca de uma solução mais acerta e justa para o objeto da causa, deve valorar de novo a prova (fatura paga), sem estar vinculada às razões e às valoração do juiz da 1ª instância – embora, no caso de divergência deva cumprir, com particular escrúpulo, o dever de motivação a que está adstrita, através da indicação das razões que justificam a discordância. 28. O controlo da correção da decisão da matéria de facto da 1ª instância exige, realmente, que a Relação construa não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente. 29. Aliás, por aplicação de um claro princípio de economia e eficiência processuais, que se a Relação, tendo disponíveis todos os elementos de prova, notar que a decisão da matéria de facto é intrinsecamente contraditória ou lhe falte clareza, harmonize ela mesma as respostas contraditórias ou esclareça os pontos obscuros, o que não aconteceu. 30. O facto é que a fatura paga e junto à PI inicial se propõe demonstrar que é juridicamente relevante no processo anterior onde foi proferida a decisão a rever (foi, e deveria ter sido, aí alegado), mas por falta de tal documento, a decisão sobre esse concreto ponto da matéria de facto foi, num determinado sentido desfavorável à recorrente, que, agora, com o documento entretanto apresentado, se constata ter sido mal julgado. (sublinhado nosso). 31. Ou seja, a fatura paga é a indemnização pelo valor da reparação e consubstancia uma forma de reconstituição natural a que a recorrente tem direito e que não deve ser afastada por aquela ter procedido à reparação do veículo. O dano existiu e impõe-se a sua reparação mediante a atribuição do valor necessário. 32. Segundo o acordo do TRP, “No cumprimento defeituoso de uma obrigação o devedor até pode realizar a totalidade da prestação, mas fá-lo mal, ao arrepio das condições devidas. II - No caso da garantia de bom funcionamento, quando prevista contratualmente, o vendedor assegura, por certo período de tempo um determinado resultado: a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento da coisa III - Este facto tem óbvias consequências no campo probatório: assim, ao comprador basta provar o mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia; para o vendedor fica a prova mais difícil, ou seja, demonstrar que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa. IV - De tal modo, que a responsabilidade só será afastada se o garante demonstrar e provar que o mau funcionamento ou a existência dos defeitos denunciados se ficaram a dever ao mau uso feito da coisa vendida por ação dolosa ou negligente do comprador sobre a coisa que a desvirtua ou incapacita para as suas funções.”, pelo que também não cabe aqui à requerente obter. 33. Assim, as dúvidas sérias ou fundadas da Relação sobre a credibilidade ou o sentido dos depoimentos ou sobre os elementos de prova examinados na 1ª instância – para as quais sejam oferecidas como justificação o facto de a assunção daquelas provas não ter sido decorrido sob o signo do principio da imediação – não são, hoje, procedentes: nesta conjuntura a Relação devia ordenar a renovação da prova ou a produção das provas novas, conforme o caso, de modo a dissipar quaisquer dúvidas que a reponderação da prova, sem atuação daquele princípio, lhe tenha eventualmente suscitado, o que também não aconteceu. 34. Pelo que se entende que os factos que o documento visa demonstrar devem constar do processo, até porque o documento pode ser um documento superveniente desde que os fatos a que se refere tenham sido já discutidos no processo e não, eles mesmos, novos. 35. Mais se considera que, os factos que o documento visa demonstrar devem constar do processo, até porque o documento pode ser um documento superveniente desde que os fatos a que se refere tenham sido já discutidos no processo e não, eles mesmos, novos. 36. A reclamação para a conferência, é assim o procedimento que visa garantir o controlo horizontal das decisões do relator, tornando viável a substituição de uma decisão singular por uma decisão colegial. 37. Por tudo o supra exposto, impõe-se a revogação da Decisão Singular ora reclamada. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. a revogação da Decisão Singular ora reclamada, e em consequência anulação da sentença proferida pelo Centro de Arbitragem do Setor Automóvel no âmbito do Processo nº 1019/CASA/2021.”
A requerida nada respondeu.
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II.Âmbito do pedido de conferência.
Apreciando os fundamentos do pedido de conferência aduzidos pela requerente, resulta que a mesma imputa à decisão singular:
i- omissão, por este tribunal, de reapreciação da decisão de facto por no seu entender existir erro de julgamento da decisão de facto constante da sentença arbitral;
ii- não retificação por parte do tribunal arbitral dos erros materiais e/u esclarecimento de ambiguidades ou obscuridades;
iii- ainda falta de pronúncia por parte do tribunal arbitral “quanto às faturas apresentadas a posteriori (…)” [vide conclusão 20];
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Tal como tivemos oportunidade de afirmar na decisão singular sobre a tramitação processual e que aqui, em conferência, reiteramos:
A questão da regularidade da certidão da sentença arbitral proferida, apresentada pela requerente com a sua p.i., encontra-se sanada na sequência do despacho proferido em 14/09/2022.
Tal como assente está a não reação à decisão proferida quanto aos esclarecimentos prestados.
A resposta da requerente de 22/09/22 não colocou em causa nenhum destes pressupostos – fundamento do despacho proferido em 14/09/2022.
Note-se que a pretensa (e alegada na resposta de 22/09/2022) extemporaneidade dos esclarecimentos prestados – do ponto de vista processual - a merecer censura, teria de ter sido suscitada perante aquele tribunal em primeiro lugar. O que não ocorreu, atendendo a que nesse sentido nada foi alegado nestes autos, permitindo a já supra afirmada inexistente reação aos esclarecimentos prestados.
Tendo em conta a possibilidade de prorrogação do prazo para retificar, esclarecer ou completar a sentença previsto no artigo 45º nº 6 da LAV, sem prejuízo do prazo máximo fixado de acordo com o artigo 43º da mesma LAV, não resulta dos elementos processuais juntos aos autos que tenha sido desrespeitado tal prazo máximo.
Por outro lado, a pendência destes autos nunca poderia ser fundamento para tal extemporaneidade.
Bem ao contrário, fazendo os esclarecimentos parte integrante da decisão recorrida, era antes o mérito da pretensão da requerente formulada nestes autos que daqueles estaria dependente.
No mais, a requerente aproveitou o ensejo para reiterar o já antes alegado e ainda acrescentar nova alegação em resposta ao articulado da opoente e oferecer prova adicional.
O que por ser processualmente inadmissível [vide artigo 46º nº 2 als. a), c) e f) da LAV], não pode ser considerada.
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Já quanto ao mérito da questão, importa realçar que e ao contrário do que parece ser o entendimento da requerente, em respeito pelo que decorre do preceituado no artigo 46º da LAV– e salvo acordo em sentido contrário que in casu não foi invocado – a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do previsto neste mesmo artigo.
Não competindo ao tribunal estadual pronunciar-se sobre o mérito da decisão (vide artigo 46º nº 9 da LAV) e assim quanto a eventual erro de julgamento da decisão de facto ou de direito.
Erro de julgamento que neste pedido de conferência a requerente insiste ter ocorrido e pretende seja reapreciado por este tribunal com base na prova produzida.
O que é manifestamente improcedente por extravasar as competências deste tribunal.
Entendendo-se não merecer a decisão singular censura, reiteram-se aqui os fundamentos da mesma por merecerem o acordo em sede de conferência.
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Tal como decorre do previsto no artigo 46º da LAV – e salvo acordo em sentido contrário que in casu não foi invocado – a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do previsto neste mesmo artigo.
O pedido de anulação tem de ser acompanhado de uma cópia certificada da sentença arbitral proferida - o que a requerente observou.
É ainda com o requerimento inicial que a prova deve ser oferecida pelo requerente – vide al. a) do nº 2 deste mesmo artigo 46º.
In casu, a requerente sobre a qual recai o ónus de provar a factualidade que consubstancia os fundamentos de nulidade por si invocados, apenas ofereceu aos autos a certidão da sentença proferida. Pelo que qualquer fundamento de nulidade terá de ser aferido em função do teor da própria sentença, analisado de forma conjugada com a demais prova oferecida pela requerida.
Desta sentença fazem parte os esclarecimentos que, entretanto, à mesma foram prestados e que a requerida ofereceu aos autos, juntamente com a sua oposição.
Tendo presente a prova oferecida aos autos, cumpre apreciar os diversos fundamentos invocados pela requerente para anulação da decisão.
Em primeiro lugar e no que respeita ao pedido de retificação da sentença proferida, temos que os esclarecimentos já foram prestados.
O que prejudica o pedido da requerente formulado sobre a al. b) a título subsidiário.
Sem prejuízo de o conhecimento deste pedido – bem como do fundamento de omissão de pronúncia por referência ao pedido de esclarecimento - ter ficado prejudicado em função da posterior prolação de decisão sobre o mesmo, sempre se reitera o entendimento de que a pretensão da requerente de anulação da decisão apenas poderia ser apreciada, uma vez que fossem prestados os mencionados esclarecimentos, ou demonstrada a inviabilidade dos mesmos.
Ultrapassada esta questão, cumpre apreciar se da sentença proferida [esclarecimentos incluídos] se extraem os vícios que a recorrente à mesma imputa, fundamento da pretendida anulação.
Alegou a requerente a falta de fundamentação da sentença proferida por falta de pronúncia quanto a todos os elementos de prova carreados para os autos – nomeadamente faturas de valores por si pagos.
Por remissão do artigo 46º nº 3 al. vi) para o artigo 42º nº 3, a sentença deve ser fundamentada (salvo acordo nos termos referidos neste nº 3).
A fundamentação deverá evidenciar tanto os fundamentos de facto como de direito dos quais decorre a decisão.
A aferir de acordo com a tramitação específica dos processos arbitrais. Da qual decorre nomeadamente não ser exigida uma fundamentação tal como a prevista no artigo 607º do CPC, pois o grau de fundamentação exigido é menor, compatível com a simplicidade da tramitação e economia de meios, de forma a tornar este processo menos formal e de mais rápida resolução o litígio[1].
Da falta de fundamentação – de facto ou de direito - distingue-se o erro de julgamento de facto ou de direito.
A nulidade da decisão por falta de fundamentação, tal como entendido por referência ao previsto no artigo 615º do CPC, reporta-se a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[2], não se confundindo como tal com os já referidos erros de julgamento da matéria de facto ou de direito que apenas podem ser reapreciados em sede de mérito da pretensão.
Tendo como pressuposto estes considerandos, incluindo a menor exigência de fundamentação, resulta claro que a sentença arbitral não padece do vício de falta de fundamentação. Nem de facto nem de direito.
Basta para tanto atentar no teor da mesma, da qual se retira a motivação para a fixação da matéria dada como provada e não provada.
Bem como a motivação da subsunção jurídica dos factos ao direito.
A requerente manifesta o seu desacordo quanto à decisão do tribunal arbitral, é certo, sustentando este seu desacordo em prova que alega ter oferecido e não terá sido considerada pelo tribunal arbitral [e que reiterou na resposta de 22/09/2022].
Para além de a requerente nem sequer ter oportunamente [aquando da interposição deste recurso] identificado qual a prova que é fundamento desta pretensão, ou demonstrado que a mesma constava dos autos, o que está realmente em causa na perspetiva da requerente (e de acordo com o pela mesma alegado) é uma errada valoração da prova [errada valoração que reiterou no requerimento de 22/09/2022].
E se assim é, tal respeita ao erro de julgamento e não a nulidade da decisão por falta de fundamentação.
Como é sabido ao tribunal estadual não compete pronunciar-se sobre o mérito da decisão (vide artigo 46º nº 9 da LAV).
Resta concluir pela improcedência da arguida falta de fundamentação da decisão arbitral.
Em segundo lugar a requerente alegou que a decisão arbitral omitiu pronúncia quanto a todos os seus pedidos/valores reclamados, bem como sobre o seu pedido de apensação de processos.
No que respeita à apensação de processos, da decisão que deferiu os esclarecimentos prestados – e acima reproduzida - resulta que o tribunal arbitral, suprindo a omissão de pronúncia sobre tal questão, justificou por que não ordenou / indeferiu a pretendida apensação.
Esta questão de falta de pronúncia ficou assim suprida por via dos esclarecimentos prestados que só aquele tribunal poderia prestar e sobre os quais nada mais foi requerido. Implicando a improcedência de tal arguição aferida a este momento processual[3].
Já no que respeita à não pronúncia de um alegado pedido indemnizatório por privação de uso de veículo, extrai-se da decisão arbitral, após identificação do pedido formulado no “Relatório”, nos seguintes termos:
“condenação da reclamada no pagamento, a título de danos patrimoniais no montante de €3.264,03 e a título de danos não patrimoniais na razão de €10,00/ dia sem carro até à data de julgamento.”
e da identificação do “Objeto de Litígio” nos seguintes termos: “ se se verifica ou não a existência de causa justificativa para pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais no montante de €3.264,03 e não patrimoniais no montante diário de €10,00/ dia, desde entrada da presente ação até data de julgamento.”
ter sido julgado, na subsunção jurídica dos factos ao direito, que a ora requerente ali não fez a prova que sobre si recaía quanto à prova da “não coincidência do bem de consumo adquirido às qualidades e ao desempenho habituais nos bens do mesmo tipo”.
Motivo do decaimento da totalidade da pretensão formulada pela requerente. Assim tendo sido julgada a ação totalmente improcedente e a requerida absolvida do pedido.
Perante o assim decidido, é de concluir que o tribunal arbitral emitiu pronúncia sobre a totalidade do pedido, julgando a ação totalmente improcedente por não demonstração por parte da requerente dos pressupostos de que dependeria o reconhecimento a qualquer direito indemnizatório.
Mais uma vez, se ocorre errada subsunção jurídica é questão que a este tribunal está vedada conhecer.
Mas falta de pronúncia sobre pedido formulado pela requerente não se verifica em função dos elementos aportados aos autos.
Assim, improcede também este fundamento de anulação da decisão arbitral.
Termos em que se conclui inexistir fundamento para a pretendida anulação da decisão arbitral.
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III. Decisão.
Pelo exposto decidem em conferência os juízes do Tribunal da Relação do Porto em confirmar a decisão reclamada e julgar improcedente a presente ação de anulação de sentença arbitral.
Custas pela requerente.
Porto, 2022-11-28.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
______________ [1] Cfr. “Lei de Arbitragem Anotada” de Manuel Pereira Barrocas, ed. Almedina 2013, em anotação ao artigo 46º da LAV, p. 169 – nota 2; ainda e no mesmo sentido Ac. TRC de 21/02/2018, nº de processo 194/17.6YRCBR in www.dgsi.pt [2] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Manuel Tomé Gomes, in www.dgsi.pt, neste convocando ainda o ensinamento de José Alberto dos Reis in CPC anotado, vol. V, 1981, p. 144-146 sobre a distinção entre erro de julgamento e nulidade de sentença nos seguintes termos (ainda por referência ao anterior 664º do CPC, hoje artigo 5º do CPC e no caso considerando o excesso de pronúncia, mas aplicável por identidade de razões à omissão): “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» [3] Sendo certo, conforme já referido, que a apreciação dos fundamentos de anulação da decisão arbitral sempre teriam de levar em consideração os esclarecimentos solicitados e prestados já na pendência desta ação.