DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
PRÉDIO RÚSTICO
PRESSUPOSTOS
UNIDADE DE CULTURA
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
REVOGAÇÃO
EMPARCELAMENTO
AUTONOMIA PRIVADA
CONHECIMENTO PREJUDICADO
Sumário


I – Havendo sido o Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, integralmente revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, e em particular o artigo 18º, nº 1, do primeiro daqueles diplomas, isso significa que haverá que analisar os actuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes à luz do disposto no artigo 1380º do Código Civil, na redacção do Código Civil de 1966, sem atender à dita alteração (que deixou assim de vigorar).
II – Em conformidade com o que se dispõe no artigo 1380º, nº 1 (antes do artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro) e na Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, demonstrando-se nos autos que os terrenos confinantes não têm ambos área inferior à unidade de cultura, e inexistindo prova (e mesmo alegação) de que os referidos prédios rústicos se encontram abrangidos por um projecto de emparcelamento ou que se integram em Reserva Agrícola Nacional (RAN), não se encontra o A. preferente, por isso mesmo, em condições legais para exercer o pretendido direito de preferência sobre o terreno alienado e confinante com o seu.

Texto Integral





Processo nº 769/17.3T8LRS.L1.S1

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
AA instaurou a presente acção de preferência, com processo comum, contra a Massa Insolvente de Avipor – Aves e Representações, S.A. e Buildon – Compra e Venda de Imóveis, S.A..
Essencialmente, alegou:
É comproprietário, em conjunto com mais quatro outras pessoas, que já renunciaram ao exercício do direito de preferência, do prédio rústico denominado “Casais ...” ou “Casais ...”, sito em Casais ... ou Casais ..., no concelho ..., com área de 17.400m2, descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...14.
Por outro lado, a 1.ª R., que foi declarada insolvente por sentença de 19 de Fevereiro de 2015, era a proprietária do prédio rústico confinante com o prédio do A., denominado “Quinta ...”, com área de 947.760m2, descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...30, o qual foi transmitido a favor da 2.ª R., por venda judicial no âmbito do processo de insolvência da 1.ª R., vindo esse prédio a ser adjudicado à adquirente a 27 de Julho de 2016, que o registou a seu favor em 8 de Outubro de 2016.
Sucede que, o A. só veio a ter conhecimento da venda a 22 de Agosto de 2016, tendo logo manifestado a pretensão de exercer o direito de preferência.
Todavia, o o administrador da insolvência só veio a dar conhecimento da adjudicação em 5 de Setembro de 2016, tendo assim sido violado o seu direito de preferência, tendo em atenção o disposto no artigo 1380.º do Código Civil e artigo 21.º da Lei n.º 111/2015 de 27 de Agosto.
Conclui pedindo que sejam as R.R. condenadas a reconhecer o direito de preferência do A., que seja declarada a transmissão do direito de propriedade do prédio a favor do A. e determinado oficiosamente o cancelamento de todos os registos de aquisição pela 2ª R., efetuados ou que se venham a efectuar, relativamente ao prédio vendido e objeto da preferência.
Ambas as R.R. contestaram a acção, defendendo a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade activa do A. por preterição de litisconsórcio necessário, a inexistência do direito de preferência e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, para além de impugnarem os factos e a pretensão formulada, concluindo pela procedência das exceções alegadas e pela improcedência da acção.
As R.R. também suscitaram a questão do valor do depósito, para efeitos do exercício do direito de preferência, que deveria, no seu entender, abranger os restantes bens objeto de adjudicação a favor da 2.ª R..
Convidado para o efeito, o A. respondeu às exceções alegadas pelas R.R., pugnando pela sua improcedência.
Findos os articulados, veio ser designada audiência prévia, no âmbito da qual veio a ser proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções alegadas nas contestações das R.R., quer quanto à ineptidão, quer quanto à legitimidade activa.
Foi o A. convidado a, no prazo de 30 dias, praticar os atos necessários à sanação dos vícios verificados relativos à renúncia ao direito de preferência pelos restantes comproprietários, nomeadamente no que se referia a BB, que teria falecido, devendo a renúncia ao direito considerado ser assinado por todos os seus herdeiros e não apenas pela cabeça-de-casal, como até então se verificava.
Na sequência, foi ainda decidido que o A. estaria apenas obrigado ao depósito do valor do imóvel a que se refere o exercício do direito de preferência e não também quanto aos restantes imóveis.
Tendo o A. junto declarações de renúncia ao direito de preferência relativas aos herdeiros do comproprietário BB, bem como aos cônjuges dos restantes comproprietários igualmente renunciantes, veio a ser proferido despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova, admitindo os requerimentos probatórios apresentados e designando data para audiência final.
A 2.ª R., Buildon, veio apresentar articulado superveniente, sustentando haver abuso de direito de preferência e que o A. simulou a sua pretensão, por não querer ele pessoalmente adquirir o imóvel para si, tendo um acordo com um terceiro para esse efeito.
 Invocou também que teve conhecimento de que alguns dos comproprietários não assinaram presencialmente as renúncias ao exercício do direito de preferência, defendendo que o A. deveria por isso ser considerado parte ilegítima, pois os documentos de renúncia seriam nulos ou, se assim se não entendesse, que fosse julgado haver abuso de direito do A., sendo a preferência simulada.
Após contraditório, esse articulado veio a ser rejeitado, por irrelevância, sendo indeferida a alegada falsidade dos documentos.
A 2.ª R. veio a interpor recurso dessas decisões, tendo a respetiva apelação sido julgada parcialmente procedente por provada, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de junho de 2020, constante do apenso “A”, que julgou que deveria ser admitido o articulado superveniente.
Foi proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e, em consequência, declarou que assiste ao A. o direito de preferência na venda que a 1.ª R., Massa Insolvente da Avipor, fez à 2.ª R., Buildon, do prédio rústico denominado “Quinta ...”, sítio da Quinta ..., composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974.760 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...30, inscrito na matriz rústica da extinta Freguesia ... sob o Artigo Matricial nº ... da Secção ..., pelo preço de €197.095,21, declarando transmitido para o A., por via dessa preferência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio.
Mais determinou o cancelamento de todos os registos de aquisição a favor da 2.ª R., Buildon, condenado ainda o administrador de insolvência da Massa Insolvente da Avipor, como litigante de má-fé, na multa de 10 U.C.s, e a 2.ª R., Buildon, também como litigante de má-fé, na multa de 60 U.C.s.
Apresentaram as RR. recurso de apelação que veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14 de Setembro de 2021, nos seguintes termos:
“julgar as apelações apresentadas pelas R.R. procedentes por provadas e, ainda que procedendo a impugnação da matéria de facto apenas parcialmente, quando ao mérito da causa e quanto à condenação das R.R. como litigantes de má-fé julgamos revogar a sentença recorrida, substituindo a parte dispositiva dessa sentença pela decisão de absolver as R.R.. dos pedidos contra si formulados nesta acção, não condenando as mesmas como litigantes de má-fé”.
Veio a A. interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1) É pacificamente aceite pela jurisprudência a interpretação de que o exercício do direito de preferência decorrente do artigo 1380.º não está limitado pelo facto de um dos terrenos (o objeto de preferência ou o confinante) não ter área inferior à unidade mínima de cultura;
2) Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao decidir alterar a decisão de mérito que havia sido proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, sobretudo tendo em conta que considerou que as conclusões das Recorrentes não mereciam qualquer provimento no seu essencial, e que proferiu a decisão que proferiu somente com base numa matéria que não foi sequer objeto de alegação por qualquer uma das R.R.
3) Nunca, em momento algum, em qualquer articulado, nem tão pouco nas alegações de Recurso, invocaram os R.R. que não se encontravam reunidos os pressupostos do direito de preferência por um dos terrenos confinantes não ter área inferior à unidade de cultura.
4) No entanto, foi com base neste entendimento, oficiosamente adotado pelo Tribunal a quo, que o mesmo proferiu a decisão agora objeto de Recurso de Revista.
5) Com efeito, analisado o Acórdão do T.R.L., objeto do presente recurso, verifica-se que, na perspetiva dos Juízes Desembargadores, a revogação do D.L. n.º 384/88, de 25 de Outubro é suficiente para que deixe de valer a interpretação e aplicação feita pela Doutrina e pela Jurisprudência dominante nos últimos 30 anos, recuando-se à interpretação vigente em 1966 e negando-se, assim, a possibilidade de acesso ao direito de preferência nos casos em que somente um dos terrenos em causa tenha área inferior à unidade mínima de cultura.
6) Não pode o Autor, aqui recorrente, concordar com tal entendimento, porquanto
7) Desde a entrada em vigor do D.L. n.º 384/88 de 25 de Outubro, a visão da maioria da Doutrina e da Jurisprudência passou a consistir no entendimento uniforme de que o direito de preferência recíproco é de conceder aos proprietários de terrenos confinantes, sempre que um deles tenha área inferior à unidade de cultura, podendo o outro ter área superior (vide Tribunal da Relação do Porto no Acórdão datado de 21.10.2019, reproduzido supra).
8) Esse entendimento não se alterou, apesar de o Diploma de 1988 já não se encontrar em vigor, tanto mais que esse facto é expressamente mencionado pelo Tribunal da Relação do Porto no supra referido acórdão, onde se lê que, apesar da entrada em vigor da Lei n.º 111/2015, de 25 de Agosto, mantém-se plenamente  válida a orientação doutrinal e jurisprudêncial até então vigente.
9) Conforme resulta do preâmbulo do D.L. n.º 384/88, de 25 de Outubro, nessa data e num ainda recente pós 25 de Abril, surgiu a preocupação de rentabilizar os meios de produção e de aumentar a competitividade da atividade agrícola nacional, tendo em conta que até então o nosso setor agro-alimentar era “retardado por uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as explorações com dimensão insuficiente e conduzidas por agricultores idosos com baixo grau de instrução”.
10) Reconhecia-se naquela data que a fragmentação e dispersão da propriedade e das explorações agrícolas representava uma condicionante negativa ao desenvolvimento do meio rural, motivo pelo qual existiam já medidas legislativas adequadas à alteração deste paradigma, com resultados porém “demasiado modestos”.
11) O Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro pretendia então adaptar o regime jurídico de operações de emparcelamento e introduzir alterações que permitissem concretizar o grande objetivo de as alargar, de modo a “atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas”.
12) Assim, a grande finalidade do emparcelamento era – tal como ainda hoje é -, a de substituir várias pequenas parcelas dispersas por uma só, ou por um número mínimo de parcelas não tão pequenas, de modo a otimizar a exploração agrícola e a obter um melhoramento fundiário.
13) Também este era o desiderado do direito legal de preferência já consagrado no artigo 1380.º do Código Civil desde 1966, mas que até então não produzira ainda os efeitos desejados, precisamente porque a interpretação baseada somente na letra da Lei era demasiado limitativa.
14) Com a introdução no nosso sistema jurídico do D.L. n.º 384/88, de25 de Outubro, a insuficiência desta norma do Código Civil passou a ser colmatada pelo artigo 18.º daquele “novo” diploma legal, no qual se determinava expressamente que: “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
15) Passada uma fase inicial de alguma confusão, a redação deste artigo acabou por gerar um entendimento dominante que se aplicou sem reservas durante mais de 30 anos e que se sedimentou de forma irreversível na nossa ordem jurídica. (Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datato de 18.05.2021, reproduzido supra, no qual se escreve que é hoje entendimento dominante que a preferência legal remodelada pelo citado DL nº. 348/88 continua a ser um direito recíproco que aproveita quer aos donos dos minifúndios, quer aos titulares de prédios com área superior à unidade de cultura, contanto que um deles.
16) Este entendimento tem vigorado de forma perfeitamente pacífica nos últimos 30 anos, e prova disso mesmo é o facto de o acórdão supra enunciado ser datado de Maio de 2021 e ainda assim refletir esse mesmo pensamento (tal como todos os outros Acórdãos que se reproduzem ao longo das presentes alegações).
17) Aliás, analisando o novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, implementado através da Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, bem se verifica que continua a ser premente a preocupação em “criar melhores condições para o desenvolvimento das atividades agrícolas e florestais…”, tal como o objetivo de “melhorar as condições técnicas e económicas do desenvolvimento das atividades agrícolas ou florestais através da concentração e correção da configuração dos prédios rústicos”.
18) Sendo certo que a Lei veio introduzir uma maior sistematização no regime do emparcelamento, organizando as suas operações e descrevendo o modus operandi das mesmas, mais certo ainda é que isso não significa uma redução ou limitação à possibilidade de emparcelamento.
19) Aliás, em bom rigor a Lei nem sequer determina um certo timming ou prazo para a iniciativa da operação ou para a elaboração de um projeto de emparcelamento,
20) Sendo que, por outro lado, existe um prazo certo para que o Autor, ou qualquer outro proprietário na sua situação, possa exercer o seu direito de preferência, tendo sido esse o motivo que levou o Autor a agir judicialmente quando verificou que o terreno em causa nestes autos foi vendido sem que lhe tenha sido dada a opção de, querendo, exercer a preferência.
21) Não se pode considerar, portanto, que o regime ou o sistema decorrente da Lei n.º 111/2015 constitua uma qualquer limitação à prerrogativa que resulta do disposto no artigo 1380.º do Código Civil e aquilo que tão sedimentado se encontra no nosso sistema jurídico.
22) O espírito e o objetivo do legislador, em 2015, foi precisamente o mesmo daquele que enredou a elaboração e publicação do D.L. n.º 384/88, de 25 de outubro.
23) Pelo que, pensar nos termos que vêm apostos no Acórdão Recorrido é negar essa evidência e, em sentido contrário ao que decorre expressamente da Lei, admitir um recuo legislativo e civilizacional que claramente não é o pretendido pelo legislador.
24) Exemplo da manutenção da política de incentivo ao emparcelamento rural é o que vem escrito no n.º 1 do artigo 21.º do Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, onde se lê que:
“1 - Os proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos pelo projeto de emparcelamento gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de transmissão a título oneroso de qualquer das parcelas ou prédios rústicos aí inscritos, inclusive nas transmissões decorrentes de venda forçada.” (itálido e sublinhado nosso).
25) Ademais, o próprio diploma assume-se expressamente como complementar, e não substitutivo ou preferencial, ao regime aposto nos artigos 1376.º a 1381.º do Código Civil (cfr. n.º 1 do artigo 48.º do D.L.).
25) Assim, a tendência continua a ser a de alargar a reciprocidade do direito de preferência,
26) Não se entendendo o que motivou a limitação feita no Acórdão recorrido, que aplicou estritamente o 1380º C.C., sem levar em consideração o seu contexto e ignorando por completo a interpretação que tem vindo a ser feita ao longo dos anos, como se este fosse um artigo que “acabou de aterrar” no Código Civil, sem qualquer enquadramento ou história prévia.
27) E isto, apesar do preâmbulo da própria lei de 2015 e da sua única alteração até agora – lei 89/2019 -, continuarem a reforçar a importância do emparcelamento e até a impulsionar a criação de incentivos “destinados a fomentar a venda à reserva de terras de prédios rústicos de reduzida dimensão ou pertencentes a proprietários de idade superior a 65 anos.”. (cfr. artigo 53.º da Lei n.º 111/2015).
28)A Lei n.º111/2015,de27deAgostoveioapenas introduzir alguma organização ao regime do emparcelamento rural, mas não, de todo, qualquer tipo de limitação.
29) Por sua vez, o Diploma de 1988 foi revogado como um todo, não significando isto que, por esse motivo, o legislador pretendia voltar a limitar o direito de preferência decorrente do artigo 1380.º do C.C. apenas aos casos em que estivessem em causa dois minifúndios.
30) É precisamente esta a interpretação que foi e tem sido levada a cabo pela jurisprudência: a de que a possibilidade de exercer o direito de preferência no caso em que somente um dos terrenos tem área inferior à unidade de cultura é uma solução mais amplae a solução verdadeiramente lógica e coerente com o fim a que se destina, que é o de eliminar os minifúndios (cfr. Ac. Do STJ datado de 19.04.2016 e reproduzido supra).
31) A tendência no ordenamento do território continua a ser a de limitar o minifúndio, incentivando o emparcelamento e, naturalmente, deixando margem para que a interpretação do artigo 1380.º do Código Civil se mantenha nos exatos termos daqueles que já se encontram enraizados na nossa doutrina, jurisprudência e comunidade em geral.
32) Pelo que, errou ao Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, impondo-se que seja a decisão recorrida revogada no que a esta parte diz respeito e substituída por outra que, reconhecendo que o caso em concreto reúne os requisitos necessários para tal, atribua ao Autor o direito legal de preferência e, em consequência, julgue procedentes os pedidos por este elaborados na presente ação.
33) Conforme já se realçou supra, não foi este o entendimento do Tribunal de 1.ª instância, o qual julgou verificados todos os requisitos e referiu expressamente que: “A área do prédio o autor é inferior à unidade de cultura, o que basta para preencher o requisito, não sendo necessário que ambos os prédios o sejam.”
34) É convicção do Autor que a razão assiste ao Tribunal 1.ª Instância e que a análise efetuada pelo Tribunal da Relação, em sede de Apelação, não tomou em consideração a ratio do artigo 1380.º do C.C. e a sua articulação com o regime do emparcelamento,
35) Nem tão pouco o facto de ainda hoje se manterem refletidas as mesmas preocupações que existiam em 1988 e que levaram à introdução do artigo 18.º no D.L. n.º 384/88, de 25 de outubro.
36) Do Acórdão objeto do presente recurso resulta que, no caso em concreto, se encontram reunidos todos os pressupostos exigidos para o direito de preferência que resulta do artigo 1380.º do C.C., com exceção daquele que o Tribunal recorrido interpreta num sentido mais restritivo, ao contrário da esmagadora maioria da Doutrina e da Jurisprudência que, indiscutivelmente, faz uma interpretação maisalargada(cfr.Acórdão doTribunaldaRelação deÉvora, datado de 03.12.2020, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 15.12.2020, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 10.05.2018 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 18.05.2021, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.)
37) Todos os requisitos para o exercício do direito de preferência decorrente do artigo 1380.º do C.C. encontram-se reunidos no caso do Autor: o prédio do Autor é indiscutivelmente confinante com o prédio objeto de preferência; a área do seu prédio é inferior à unidade mínima de cultura; e a Ré Buildon, adquirente do prédio em causa nestes autos, não era, à data da aquisição, proprietária de terreno confinante. – Todos estes factos foram dados como provados e estão assentes nos autos, uma vez que não mereceram qualquer alteração por parte do Tribunal da Relação.
38) A perspetiva doTribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, aparenta ser a de que a Lei n.º 111/2015, ao não conter uma disposição semelhante à do artigo 18.º do D.L. 384/88, determina com que se volte à aplicação mais restritiva do artigo 1380.º do C.C., e que é a interpretação que existia aquando a aprovação do Código Civil, em 1966.
39) Salvo o devido respeito por entendimento diverso, que é muito, não é crível que tenha sido esta a intenção do legislador.
40) A Lei n.º 111/2015 de 27 de Agosto de facto eliminou a referência expressa à possível utilização do direito de preferência decorrente do artigo 1380.º do C.C. em casos como o dos presentes autos, mas tendo em conta o espírito da lei, do sistema, e do próprio regime do emparcelamento, resulta evidente que o facto de tal referência expressa já não existir tem somente a ver com o profundo enraizamento da interpretação, feita ao longo dos últimos 30 anos, de que basta que um dos prédios tenha a área inferior à unidade mínima de cultura.
41) O espírito da Lei n.º 111/2015 é o de manutenção da preocupação com o emparcelamento, pelo que não poderá ter pretendido o legislador consagrar o abandono da ideia de que o sentido plasmado no e ao artigo 1380.º seja aquele que é mais abrangente e que permite um maior leque de possibilidades de emparcelamento.
42) Não é coerente, em termos do espírito do sistema, nem é crível que o legislador tenha querido eliminar uma prerrogativa que estava consagrada e profundamente enraizada na ordem jurídica, por uma outra possibilidade – a de restringir o emparcelamento – que nem sequer vem expressamente escrita na Lei.
43) Analisado o diploma legal de 2015, verifica-se que no mesmo não é tomada uma posição expressa em sentido contrário ao que já se tinha consagrado na nossa ordem jurídica, o que faria sentido, se fosse de facto essa a intenção do legislador; pelo que, salvo o devido respeito, não há fundamento nem base legal para que se entenda nesse sentido.
44) Mais, esteentendimento não tem cabimento enão podeser considerado, pois representa um retrocesso civilizacional nos que diz respeito aos valores que eram objeto de proteção jurídica.
45) Ademais, nada no atual Regime Jurídico da Estruturação Fundiária ou em qualquer outro Diploma legal indica que passa ou que se pretende que passe a haver uma intenção de abrandar a intensidade da lógica do emparcelamento, ou uma intenção de eliminar o direito de preferência como forma de alcançar esse objetivo.
46) É certamente por estes motivos que a jurisprudência continua a perfilhar o entendimento de que basta que um dos prédios tenha área inferior à unidade mínima de cultura para que se possa recorrer ao disposto no artigo 1380.º do Código Civil.
47) Aliás, todos os Acórdãos reproduzidos nas alegações supra são posteriores à revogação do D.L. n.º 384/88, de 25 de outubro, e à promulgação da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, e mesmo assim todos continuam a perfilhar este entendimento.
48) Nestes termos, e tendo em conta o espírito da lei – que se mantém firme na lógica do emparcelamento -, a decisão recorrida erra ao entender que, por não conterumadisposiçãosemelhante ao artigo 18.ºdo D.L.388/88,jánãose aplicará o direito de preferência decorrente do artigo 1380.º a casos como o dos presentes autos.
49) Esquecendo que o entendimento de que basta que um dos prédios tenha área inferior à unidade mínima de cultura está tão sedimentado, na nossa Doutrina, jurisprudência, e até na nossa sociedade em geral, que porventura o legislador não terá vislumbrado que a revogação da totalidade do D.L. n.º 384/88 geraria um retorno à interpretação primitiva do Código Civil de 1966, e que a sua eliminação poderia implicar alterações e abrir espaço a visões mais formalistas e relegadas à mera letra da lei.
50) Aliás, tendo em conta a tão grande sedimentação do que vem escrito no mencionado artigo 18.º do D.L. n.º 384/88 na nossa ordem jurídica, crê-se que se o legislador quisesse, de facto, alterar essa linha de pensamento, teria inserido no novo diploma legal um artigo que contrariasse expressamente o teor daquela norma, de modo a não deixar margens para dúvidas de que essa era o novo entendimento a seguir.
51) Aliás, analisando-se o teor dos artigos n.ºs 21 e 49.º da Lei n.º 111/2015 de 27 de Agosto retira-se precisamente o contrário. Isto é: que não era nem nunca foi intenção do legislador, ao revogar o D.L. n.º 388/88, limitar o acesso ao instituto do direito de preferência e eliminar a interpretação já tão sedimentada na nossa ordem jurídica de que o direito de preferência do artigo 1380.º poderia ser utilizado no caso de somente um dos terrenos ter área inferior à unidade de cultura.
52) O D.L. 384/88 de 25 de outubro era um Diploma interpretativo e, como se lê no seu preâmbulo, foi promulgado em virtude da nova realidade constitucional saída do 25 de Abril e do facto de se impôr adaptação à mesma.
53) Este Decreto-Lei constitutiu um diploma de interpretação autêntica do conteúdo axiológico do artigo 1380.º do Código Civil, sendo que o seu artigo 18.º dispunha o que dispunha, por ter sido intenção expressa do legislador adaptar à nova realidade jurídico-constitucional e definir que o direito de preferência poderia existir em casos mais alargados do que os que se pensavam com uma interpretação meramente baseada na letra da norma.
54) É, pois, absolutamente errada a interpretação que é feita pelo Acórdão Recorrido de que a revogação deste diploma fez cair o entendimento criado, gerado etãoprofundamente assentepelo artigo18.º.Arriscariamo-nosaté adizer ser uma insensibilidade jurídica, perante uma situação de facto e de direito consolidada num diploma como o de 1988, que pretendia fazer a adaptação das regras da disciplina fundiária a uma nova realidade constitucional.
55) O D.L. n.º 384/88 era um diploma interpretativo, e isso perdura, já que foram criados entendimentos jurídico-constitucionais baseados no mesmo e que esses entendimentos não são objeto de contradição expressa. Por outro lado, o preâmbulo desse Diploma assume expressamente uma missão pedagógica, vinculativa, desde logo nascida num quadro constitucional diferente do dos anos 60, nos quais o Código Civil foi concebido.
56) Daí que, conforme já se mencionou supra, vários anos decorridos desde a revogação do Diploma de 88 e a aprovação da Lei n.º 111/2015, continua a jurisprudência a entender que se mantém “plenamente válida aquela orientação doutrinal e jurisprudencial” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 21.10.2019 no âmbito do processo n.º 2065/17.7T8LOU.P1).
57) Assim, a realidade é que o entendimento da maioria da jurisprudência era e continua a ser o de que, num caso como o dos presentes autos, para que o Autor possa exercer o direito legal de preferência decorrente do artigo 1380.º do C.C. basta que um dos prédios tenha área inferior à unidade mínima de cultura.
58) Prova disso é precisamente o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 18.05.2021 (o mais recente de tantos outros que se reproduzem supra), que entende que basta que um dos prédios tenha área inferior à unidade mínima de cultura para que validamente se possa exercer o direito legal de preferência.
59) Ora, tendo em conta o facto de as preocupações com o emparcelamento se mantêm, é esta a interpretação – e não aquela que recua 50 anos no tempo -, que faz sentido permanecer vigente,
60) Pelo que andou mal o Tribunal a quo ao interpretar a Lei nos termos em que o fez, sendo este o fundamento para a interposição do presente Recurso de Revista, conforme resulta do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 674.º do C.P.C., impondo-se por isso a revogação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa nestes autos,
61) E, bem assim, areposição daSentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, a qual julgou totalmente procedentes os pedidos formulados pelo Autor e, consequentemente, declarou que:
“(…) assiste ao autor AA o direito de preferência na venda que a Massa Insolvente de AVIPOR AVES E REPRESENTAÇÕES, S.A., fez à BUILDON COMPRA E VENDA DE IMÓVES, S.A., do prédio rústico, designado “Quinta ...”, sítio da Quinta ..., composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974760 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...30, inscrito na matriz rústica da extinta Freguesia ... sob o Artigo Matricial nº ... da Secção ..., pelo preço de 197.095,21€, declarando transmitidopara o autor, por via dessa preferência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio.”.
Apresentaram as RR. contra-alegações que sintetizaram nos seguintes termos:
 1. O A. veio recorrer para este Egrégio Tribunal, impugnando a decisão recorrida, exclusivamente com base no argumento de que, vários anos decorridos desde a revogação do Dec.Lei n.º 384/88 de 25/10 e a aprovação da Lei n.º 111/2015, continuará a jurisprudência a entender que é válida a orientação doutrinal e jurisprudencial aplicada antes de tais alterações legislativas, ou seja, será de aplicar a interpretação que defende que para o A. poder exercer o direito legal de preferência decorrente do artigo 1380.º do C.C. basta que apenas um dos prédios tenha área inferior à unidade mínima de cultura.
2. A mera leitura do nº1 do art. 1380º do C.C., por si só, não deixa margem para duvidas, pois rigorosamente, resulta lei que só os proprietários de terrenos confinantes, em que ambos tenham área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente de direito de preferência.
3. A norma em apreço não refere, nem inculca de qualquer forma, que goza de direito de preferência o proprietário de um terreno com a área inferior à unidade de cultura aplicável na zona, na aquisição de um terreno confinante que tenha uma área superior a essa unidade de cultura.
4. Enquanto esteve vigente o artigo 18.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, ao prescrever que «os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura», veio a consubstanciar, o entendimento, na doutrina e na jurisprudência foi no sentido de conceder o direito de preferência recíprocoaosproprietários de terrenos confinantes, sempre queum deles (seja o terreno alienado, seja o terreno do preferente) tenha área inferior à unidade de cultura, podendo o outro ter área superior.
5. Contudo, o citado diploma legal foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto, que veio estabelecer o novo Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, o que, por sua vez, deverá determinar a modificação da orientação jurisprudencial e doutrinal até esse momento seguida, precisamente, porque os pressupostos da mesma deixaram de existir com a alteração legislativa.
6. In casu, não existindo qualquer elemento exógeno à norma a interpretar, esta actividade deve, essencialmente, centrar-se no texto da norma.
7. O legislador revogou a única norma ao abrigo da qual o A. poderia defender o seu alegado direito de preferência, precisamente porque entendeu que a realidade que presidiu à sua criação mudou.
8. Tendo sido revogado o Dec.Lei n.º 384/88 de 25/10, o direito de preferência de proprietários de prédios rústicos confinantes, salvo quando esteja em causa um projeto de emparcelamento – com os requisitos formais previstos na Lei n.º 111/2015 de 27/8, nomeadamente tendo em atenção o disposto no seu Art. 21.º – , ou a integração dos prédios em apreço numa RAN – aqui tendo em atenção o disposto no Art. 26.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 73/2009 de 31/3 – ficará subordinado exclusivamente aos pressupostos estabelecidos no Art. 1380.º n.º 1do C.C., pelo que, atento a esta norma ambos os prédios rústicos confinantes devem ter dimensão inferior à unidade de cultura.
9. Na situação controvertida, o prédio de que o A. é comproprietário tem uma área de 1,74 ha (17.400 m2) e o prédio alienado tem 97,476 ha (974.760 m2), pelo não se verifica o direito real de preferência que o A. pretende brandir, devendo, em consequência a presente ação falecer, conjugando o disposto no Art. 1380.º n.º 1 com o Art. 342.º n.º 1 do C.C..
10. A pretensão recursória do A. deve decair por violação manifesta do art. 1380º do C.C.
Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido
11. Subsidiariamente, a recorrida requer, nos termos do Artigo 636.º (art.º 684.º-A CPC 1961), a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, pois existem pluralidade de fundamentos da defesa, e considerando deferir-se a pretensão do recorrente, se solicita que o tribunal de recurso conheça desses fundamentos, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
12. Este expediente só é utilizado pela subscritora do presente articulado, por uma questão de zelo depatrocínio, e principalmente porque a doutadecisãodoTribunal a quo, determinou a prejudicialidade de outros fundamentoss avançados pela R., a aqui recorrida.
13. O Tribunal da Relação de Lisboa alterou parcialmente a decisão sobre a matéria de facto, tendo, na parte que interessa nesta fase analisar, reformulado de forma muito diferente os números 10 e 11 dessa fundamentação.
14. A R. aqui recorrida, sustentou, em Recurso de Apelação, a ilegitimidade do A. porquanto as renúncias apresentadas não são válidas, tendo defendido a esse propósitoqueas declarações de renúncia dodireito de preferência juntas aosautos são genéricas porquanto referem “renúncia ao direito de preferência e de todo e qualquer direito, sobre o imóvel confinante com o qual é comproprietário, concretamente o prédio rústico…
15. A posição acima vertida tinha como referência as declarações juntas aos autos a Fls. 208 e 210, as quais, como vimos, o Tribunal a quo não considerou válidas,
16. Ora, se o raciocínio acima vertido era adequado para as declarações juntas aos autos, mais apropriado ficou com a alteração a matéria assente, mormente aquelas que se fez constar nos números 10 e 11 do elenco da decisão sobre a matéria de facto.
17. Realçamos que nestes números apenas se fez constar que CC e DD manifestaram “a vontade de renunciar ao direito de preferência relativamente à aquisição do prédio a que se reporta a escritura pública mencionada em 20.º”
18. A factualidade assente não chega para preencher os requisitos de uma declaração abdicativa de renúncia.
19. Só deve ser admissível a renuncia a um direito e preferência, quando o declarante renunciante seja informado dos elementos essenciais da transação a que está a renunciar.
20. O expediente de colher uma renuncia a um direito previsto legalmente, sem conceder ao renunciante o mínimo de informação acerca daquilo a que está a renunciar é um exemplo paradigmático duma violação do principio da Boa Fé, e violação do artigo 227 do Código Civil.
21. No caso concreto, o A. abordou as titulares do direito de preferência e, no mínimo, de forma manifestamente desleal, terá pedido que renunciassem a um direito, sem sequer as informar dos mais básicos contornos do negócio sobre o qual recaia o direito a que estariam a renunciar. Na realidade, o A., deu mesmo a entender coisa diversa daquilo que se verificava na realidade, ao questionar CC e DD se queriam comprar o prédio do lado ou vender aquele sobre o qual tinham direito de compropriedade…
22. Mais, não é admissível a renúncia antecipada ao direito de preferência legal; a renúncia apenas é possível relativamente ao exercício em concreto do direito de preferência, depois de verificados os pressupostos que o condicionam, designadamente depois de ser notificado ao preferente determinado projecto de alienação.
23. Não sendo as renúncias válidas para efeitos de abdicação de direito de preferência carece o A/Recorrido de legitimidade para instaurar a presente ação.
24. Ademais, a questão agora em apreço, prende-se com o fato das próprias renúncias serem genéricas e abstratas, não referentes a um negócio especifico ou a um projeto de venda, pelo que aquelas em apreço, não podem ser admissíveis, ou eficazes.
25. De realçar que a matéria assente (nºs 10 e 11) apenas refere que DD e CC renunciaram o direito de preferência do prédio que consta na escritura junta aos autos, e nada mais se encontra provado a esse respeito, mormente que a renúncias tiveram por base o negócio concreto que consta na escritura e não apenas que tiveram em apreço o prédio.
26. Com relevo para a nossa análise resulta ainda claro que nada está assente em relação aos dados que foram comunicados a DD e a CC aquando do pedido que lhes foi dirigido para suposta renunciarem aos seus direitos de preferência.
27. O que está provando nosnúmeros 10 e 11 da matéria de facto (após a sua alteração pelo Tribunal a quo) representam apenas declarações genéricas e abstractas, não relacionadas directamente com o negócio que está na base dos presentes autos.
28. O A.., aqui recorrente, não informou as declarantes do negócio sobre o qual lhe solicita uma declaração de renúncia , razão pela qual, as renúncias colhidas (a terem existido) não passam de declarações genéricas e abstractas, não reconduzíveis a negócio nenhum em concreto.
29. In casu, parece-nos, teráaplicação a primeira parte do nº1 do art. 246º do C.C., pois a declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial.
30. Face ao exposto, ainda que se considere terem existido declarações de renúncia as mesmas jamais poderão ser consideradas eficazes, decaindo, em consequência, o direito do A., ora recorrente, de intentar a presente acção de preferência.
31. Seguidamente importa trazer à colação de novo a nossa posição em relação à não verificação, in casu, dos requisitos do direito de preferência do A., ainda que s ultrapassasse os obstáculos acima enunciado referentes às (inexistentes) declarações de renuncia, porquanto no caso sub iudice, decorre da matéria considerada assente que o A. não é proprietário do prédio confinante com o prédio alienado. O A. e aqui recorrente é apenas detentor de uma “quota ideal” de ¼ e ainda assim em compropriedade com EE e herdeiros e FF e GG – fato provado 1.
32. Na legislação anterior ao vigente Código Civil, admitia-se expressamente a preferência em relação à venda de parte alíquota ou ideal, na redação do Código Civil vigente no art.º 1380º só se refere a “propriedade” de terrenos confinantes, o que demonstra que o legislador quis, expressamente, excluir a preferência a comproprietários de prédios rústicos confinantes.
33. Esta posição que defendemos é aquela que melhor se adequa à ratio prevista no art.º 1380º do C.C.
34. O legislador por entender que é relevante promover o alargamento das áreas de cultura, de forma a promover a eficácia das culturas, o que, em regra, é melhor conseguido através da exploração agrícola de áreas grandes de terreno, por contraste com pequenas explorações agrícolas, determinou a concessão e um direito de preferência ao proprietário do prédio confinante com qualquer outro que se pretenda vender, desde que ambos tenham áreas inferiores à unidade de cultura aplicável na zona.
35. Esta ratio não é servida pela atribuição do direito de preferência a um mero comproprietário de um dos terrenos contíguos àquele que se pretende alienar, uma vez que, não existindo identidade entre os proprietários dos prédios, é evidente que a exploração de ambos as propriedades agrícolas não será desenvolvida de forma una e eficaz, ao contrário do que se passaria se ambos pertencessem ao mesmo dono.
36. O exercício de um direito de preferência não representa um acto inócuo, no limite, o mesmo representa sempre a frustração das expectativas das partes originais, do vendedor e especialmente do comprador,daíquedevaserconcedido amiúde, em casos em que se verifiquem razões poderosas.
37. Face ao acima exposto, não existe fundamento para a atribuição do direito de preferência a um mero um comproprietário do terreno confinante com o prédio que se pretende alienar, até porque esses caos não são suceptiveis de lograr o objetivo do emparcelamento consagrado no art.º 1380º do C.C.
38. O direito de preferência constante do art.º 1380º do CC deverá ser entendido e interpretado no sentido de não ser atribuído a um comproprietário sob pena de ser inconstitucional por violar um dos princípios básicos de um Estado de direito que constitui a liberdade contratual e o direito de propriedade, atendendo à ratio do preceito do artigo 1380 CC.
39. O direito de preferência constante do art.º 1380º do CC entendido e interpretado no sentido de ser atribuído a um comproprietário do prédio confinante, viola o "princípio da confiança do cidadão, emanado do princípio do Estado de direito democrático na sua vertente de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa".
40. Na situação em causa, não se verifica fundamento que suporte limitações à liberdade contratual, devendo as partes negociar e contratar livremente, incluindo as cláusulas que lhes aprouver, conforme decorre do disposto no artigo 405.º do Código Civil', sem estarem restritas à observância de um direito de preferência infundado.
41. Acresce ainda outro fundamento que constitui um obstáculo ao reconhecimento do direito de preferência do A., aqui recorrente, pois este não logrou alegar e muito menos provar, conforme lhe competia, qual o fim a que pretende destinar o imóvel de que é comproprietário e aquele sobre o qual visa obter a preferência.
42. O sucesso da pretensão do A. carece da demonstração dos prédios do tipo de finalidade que é efectivamente praticada nos prédios, e, bem assim , entendemos nós, da finalidade a que pretende destiná-los, pois essa é razão primordial da concessão do direito de preferência invocado pelo A.
43. O legislador pretendeu conceder o direito de preferência, como forma de tornar mais eficaz o aproveitamento dos terrenos rústicos, designadamente ao nível do seu cultivo ou mesmo aproveitamento florestal, pelo que não é admissível que o preferente destine o mesmo, ou qualquer um dos imóveis a outro fim que não aqueles, nomeadamente à sua conversão em urbano e subsequente construção.
44. O exercício de um direito de preferência com base no art. 1380º do C.C., com a finalidade de destino dos prédios a outro fim que não a cultura dos solos, consubstancia uma autentica fraude à Lei.
45. Finalmente, importa invocar que decorre da matéria assente pelo Tribunal a quo algo muito relevante, pois este, curialmente aditou o numero 27º ao elenco de factos considerados provados, designadamente:
«27.º O valor do depósito mencionado em 26.º foi disponibilizado ao A. por intermédio de HH».
46. Esse facto, a ter sido considerado assente logo em 1ª instância deveria ter conduzido, no mínimo, ao apuramento da razão pela qual esse facto ocorreu, mormente se tal se deveu a acordo entre o suposto titular da preferência e HH, com vista a este vir a adquirir o prédio àquele.
47. Ainda para mais quando as RR. alegam que HH seria aquele que, na realidade, pretende adquirir o prédio alienado, tendo para o efeito feito um “trato” com oA.deforma a este poder exercera preferência, mas,na realidade, será aquele primeiro que irá adquirir o imóvel, nem que seja numa aquisição subsequente, provavelmente, mediante dação em pagamento da divida de 197.101,17€.
48. Assim se demonstrando, será mais uma situação enquadrável na figura da Fraude à Lei, ou no limite no Abuso de Direito por banda do A.
49. No limite, sempre se imporá a este Sábio Tribunal anular a decisão recorrida, na parte em que não considerou relevante a matéria alegada em sede de articulado superveniente, mormente, quandoeste alega factos tendentesademonstrar oabuso do direito na modalidade de exercício em desequilíbrio, os quais podem ter a relevância de, segundo as várias soluções plausíveis de direito, uma vez provados, conjuntamente com outros factos que possam despontar da instrução, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), doCPC, impedirem o exercício do direito de preferência do Autor”.
50. E ordenar o Tribunal da Relação a apreciar tais factos como relevante para o mérito dos autos, nem que seja para concluir que os mesmos deveriam ter sido considerados pertinentes pelo Tribunal de inª Instância, e ordenar a anulação a sentença, mais determinando que o Juiz de 1ª Instância reabra a audiência de forma a que seja produzida prova circunscrita esta matéria.

II – FACTOS PROVADOS.  
 1.º- Encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial, a favor do Autor e de II, EE e de JJ, a aquisição do direito de propriedade por partilha de herança quanto ao último e por doação e partilha quanto aos restantes, na proporção de ¼ para cada, sobre o prédio rústico denominado por “Casais ...” ou “Casais ...”, sito em Casais ... ou  Casais ..., União das Freguesias ... e ... de ..., concelho ..., Distrito ..., composto por “cultura arvense, oliveiras, vinha, macieiras e dependência agrícola”, com a área total de 17400 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...14, inscrito na matriz rústica da União de Freguesias ... e ... de ... sob o Artigo nº ..., Secção F.
2.º- Na mencionada inscrição do registo predial o autor consta como sendo casado no regime da comunhão geral com KK, II consta como sendo casada no regime da comunhão geral com LL, EE consta como sendo casada no regime da comunhão geral com BB, e JJ consta como sendo casado no regime da comunhão de adquiridos com MM.
3.º- NN subscreveu, a rogo de II, por esta não saber assinar, a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 25, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 26.
4.º- JJ subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 28, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 29.
5.º- LL subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 31, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 32.
6.º- NN subscreveu, a rogo de EE, por esta não poder assinar, a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 34, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu marido BB, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 35.
7.º- BB faleceu em .../.../2012 no estado de casado com EE, tendo-lhe sucedido como herdeiros a referida viúva e os filhos PP e QQ.
8.º- PP em 6 de junho de 2017, no estado de solteiro, tendo-lhe sucedido como herdeira a sua mãe EE.
9.º- QQ faleceu em .../.../2014 no estado de casado com CC, tendo-lhe sucedido como herdeiros a referida viúva e os filhos DD, solteira e maior, e RR, solteiro, menor.
10.º- CC subscreveu, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido QQ e em representação do seu filho menor RR, a declaração de renúncia ao direito de preferência contante de 210, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 210 verso.
11.º- DD subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 208 verso, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 209.
12.º- MM subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 216 verso, reconhecida pela Senhora Solicitadora OO nos termos constantes de fls. 217.
13.º- No dia 19 de Fevereiro de 2015 foi proferida sentença de declaração de insolvência da AVIPOR – AVES E REPRESENTAÇÕES, S.A.
14.º- O Autor teve conhecimento a 22 de Agosto de 2016 de que o prédio mencionado infra em 18.º estava para venda.
15.º- Nessa data manifestou por escrito, nos termos do mail de fls. 37 e através do seu mandatário forense, a pretensão de exercício do seu direito de preferência.
16.º- Em 26 de Agosto de 2016, o Administrador de Insolvência remeteu ao Autor o auto de apreensão de bens imóveis, onde se incluía o imóvel em causa como Verba nº 19.
17.º- Em 05 de Setembro de 2016, o Administrador de Insolvência remeteu ao Autor os autos de adjudicação, datado de 27 de julho de 2016.
18.º- O prédio cujo direito de propriedade está inscrito a favor da 2ª Ré na Conservatória do Registo Predial é rústico, sendo designado de “Quinta ...”, sítio da Quinta ..., composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974.760 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...30, inscrito na matriz rústica da extinta Freguesia ... sob o Artigo Matricial nº ... da Secção ....
19.º- O prédio referido em 18º confina a poente com o prédio do Autor.
 20.º- O direito de propriedade sobre este prédio foi transmitido pela 1.ª para a 2ª Ré, mediante compra formalizada por escritura pública celebrada no dia 30 de setembro de 2016, no âmbito do processo de insolvência nº 1495/13.... que correu termos Tribunal Judicial da Comarca ... – Instância Central ... – Secção de Comércio – J4, pelo preço de 197.095,21€.
21.º- O Autor nunca foi notificado para exercer o direito de preferência nem ocorreu publicação de editais para efeitos de convocatória dos preferentes.
22.º- Em 27 de Julho de 2016, o referido prédio foi adjudicado em lote com outros imóveis à 2ª Ré.
23.º- Em 6 de Outubro de 2016 foi registada a aquisição definitiva, por compra, do prédio em causa a favor da 2.ª Ré.
24.º- 2ª Ré não era proprietária de qualquer prédio confinante com o mencionado em 18º aquando da aquisição.
25.º- A presente ação foi instaurada em 20 de janeiro de 2017.
26.º- Em 2 de fevereiro de 2017 o autor procedeu ao depósito à ordem destes autos da quantia de € 197.101,17.


III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
 Direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes. Pressupostos legais para o seu exercício à luz do regime fixado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, e pelo artigo 1380º, nº 1, do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo Código Civil de 1966, após a revogação do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro (em especial do respectivo artigo 18º, nº 1).
Passemos à sua análise:
A questão essencial que se coloca na apreciação da presente revista prende-se, no fundo, com o alcance da revogação operada pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, através do seu artigo 64º, relativamente às disposições constantes do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, e em especial o seu artigo 18º, nº 1, onde se previa que:
“Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
Dispunha, a este propósito, o artigo 1380º, nº 1, do Código Civil de 1966, antes da mencionada alteração operada pelo artigo 18º, nº 1, Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro:
“Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência em casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
Ora, tendo o Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, no seu artigo 18º, nº 1, alargado o âmbito do exercício do direito de preferência ao proprietário do prédio confinante no caso de (apenas) um dos prédios ser de área superior à unidade de cultura, a questão que agora se coloca consiste em saber se a revogação integral do diploma em referência impõe, por isso mesmo, nova alteração desse regime, com recuperação daquele que fora precisamente alterado pelo diploma citado, ou se haverá ainda lugar ao estabelecimento de novas condicionantes ao exercício do direito de preferência em apreço.
Vejamos:
Cumpre antes de mais proceder a uma breve resenha da evolução histórica, legislativa e jurisprudencial do regime de exercício do direito de preferência entre proprietários de prédios confinantes.
A atribuição pelo legislador deste direito de preferência ao proprietário de terrenos confinantes teve por objectivo essencial obviar aos efeitos negativos, do ponto de vista social e económico, associados à excessiva fragmentação da exploração agrícola, com a proliferação de minifúndios, que, por sua própria natureza, não permitem nem viabilizam o devido aproveitamento e a desejada rentabilidade da actividade em causa, gerando ao invés a sistemática ineficiência produtiva da estrutura fundiária assim caracterizada.
(Sobre o tema, em geral, com pormenorizada descrição histórica sobre o instituto em referência – isto é, o emparcelamento rural e o direito de preferência do proprietário de terrenos confinantes - vide José Gualberto de Sá Carneiro, in “Revista dos Tribunais”, Ano 83, nº 1804, Outubro de 1965, a páginas 339 a 344; nº 84, nº 1807, Janeiro de 1966, páginas 5 a 10).
Este direito de preferência foi introduzido na nossa ordem jurídica pela Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, a que se seguiu a respectiva regulamentação por via do Decreto-lei 44647, de 26 de Outubro de 1962.
Tal direito de preferência veio, anos depois, a ser acolhido no Código Civil de 1966, no seu artigo 1380º, nº 1, do Código Civil.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume III, de Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 1987, a página 270:
“Há entre o nº 1 da Base VI da referida Lei (2116, de 14 de Agosto de 1962) uma diferença a assinalar. Enquanto que, nos termos desta base, qualquer proprietário confinante gozava do direito de preferência em relação aos terrenos com área inferior à unidade de cultura que fossem transmitidos a proprietário não confinante, pelo Código só gozam deste direito os proprietários de área inferior à unidade de cultura. Trata-se, como se diz no texto legal, de um direito recíproco entre proprietários de terrenos confinantes, com áreas que não atingem essa unidade.
A razão da alteração introduzida pelo Código está em não se justificar que a grande propriedade obsorva a pequena propriedade que lhe é contígua. Desde que já está formada uma unidade de cultura, desaparece o interesse económico da absorção, ou, pelo menos, trata-se de um interesse que não justifica a restrição da preferência, que apresenta igualmente inconvenientes do ponto de vista social e económico”.
Mais tarde, entrou em vigor do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, que, no seu artigo 18º, nº 1, alterou o regime até aí consagrado na lei, determinando agora que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
Interpretando o alcance desta nova previsão normativa, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo nº 0A3838, publicado in www.dgsi.pt:
“(...) a melhor doutrina e jurisprudência é no sentido de que o art. 18, nº1, do citado Dec-Lei 484/88, estabelece um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes desde que um deles (o preferente ou o alienado ) tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro.
Visando o legislador eliminar os minifúndios, pelos graves inconvenientes duma exploração rural que não reuna condições mínimas de rentabilidade, ela possibilita a extinção da qualquer minifúndio, seja quando é o minifúndio o objecto da alienação e se concede a preferência aos terrenos confinantes, seja quando é o dono do minifúndio a preferir na alienação do terreno confiante da área inferior ou superior à unidade de cultura. Assim, com a referida interpretação do art. 18, nº1, do mencionado dec-lei 484/88, consegue-se estender o âmbito, então existente, da regulamentação da extinção dos minifúndios, sem cair no polo oposto de favorecer a criação de latifúndios.
Colocam-se em pé de igualdade os proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura com os de terrenos de área superior, nesta matéria de direito de preferência.
Com efeito, num salutar princípio de reciprocidade, tem iguais consequências de facto, conceder ao titular de terrenos de área superior à unidade de cultura direito de preferir na alienação de terrenos de área inferior ou conceder tal direito a proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura, na alienação de terrenos de área superior.
E afasta-se o regime que fora estabelecido pela Base VI, nº1, da Lei 2.116, de 14 de Agosto de 1962, o qual, segundo o relatório que antecede o articulado do aludido dec-lei 384/88, não conduziria a bons a resultados, pelo que tal Lei foi revogada pelo art. 25 desse mesmo dec-lei.
Na verdade e como escreve Antunes Varela ( R.L.J. Ano 124-371), “seria de facto, uma verdadeira enormidade a solução de estender a preferência legal à alienação de qualquer prédio rústico ( fosse qual fosse a sua área), em benefício de todos os proprietários rurais vizinhos ou confinantes, independentemente também da dimensão do prédio destes .

E nenhuma indicação existe no texto ou no espírito do diploma de 1988 de que o legislador tenha pretendido consagrar tal disparate económico-jurídico, estendendo a todo o território do País um sistema de verdadeira asfixia da liberdade de alienação dos proprietários rurais”.
Ainda sobre a interpretação deste artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, quanto ao seu âmbito, fundamentos e alcance, pronunciou-se igualmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007 (relator Santos Bernardino), proferido no processo nº 7B2739, publicado in www.dgsi.pt.
No que concerne às características e alcance do exercício do direito de preferência, vide outrossim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2016 (relator Gabriel Catarino), proferido no processo nº 113/06.5TBORQ.E1.S2, publicado in www.dgsi, no qual se enfatiza que a melhor interpretação do artigo 18º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, conforme à Constituição da Republica Portuguesa, será aquela segundo a qual é reconhecido ao proprietário de prédios confinantes o direito de preferência, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura, mas desde que o exercício desse direito não envolva a constituição ou ampliação de um latifúndio.
Sobre esta temática, pode ler-se também o Parecer de Henrique Mesquita, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, Tomo II, 1991, a páginas 36 a 39, sob o título “Alienação de prédios minifundiários”, concluindo o autor que, mesmo após a vigência do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, o direito de preferência dependeria sempre da circunstância do prédio alienado (objecto da preferência) ter área inferior à Unidade de Cultura e o artigo da autoria de Inocêncio Galvão Telles, in “O Direito”, Ano 124º, 1992, I-II (Janeiro-Junho), intitulado “Direito de preferência na alienação de prédios confinantes”, páginas 7 a 15, concluindo o autor que o Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, regressou à solução da anterior Lei 2116 que permitia que um não minifúndio absorvesse um minifúndio e “nada mais”.
Ambos estes autores partilharam, portanto, o entendimento de que a preferência não é atribuída ao proprietário de terrenos com área superior à unidade de cultura na venda ou dação em cumprimento de um terreno confinente com área superior à unidade de cultura.
 Sobre a mesma questão jurídica, vide a desenvolvida e judiciosa anotação de Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 127º, nº 3847, de 1 de Fevereiro de 1995, em comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 1993, no qual o insigne autor, com a sua habitual mestria, desfere contundentes e assertivas críticas ao legislador daquele diploma legal, explicando em contrapartida as soluções que o sistema jurídico, analisado em termos de coerência e harmonia e assim devidamente interpretado, passou a exigir.
 Refere, por seu turno e sobre a mesma temática, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2014 (relator Silva Gonçalves), proferido no processo nº 610/07.5TCGMR.G3.S1, publicado in www.jusnet.pt:
“O direito de preferência prescrito no art.º 1380.º do C.Civil tem como objetivo, tal e qual o emparcelamento, pôr fim ao desmembramento e difusão de prédios agrícolas de curta dimensão, isto é, busca fazer desaparecer os incómodos que da exploração da exígua fazenda resultam para o seu titular, muito frequente no norte do país, desta feita dando uma oportunidade a quem, no caso de alienação operada pelo dono do prédio que com o seu confina, poder fazer acrescer ao seu a área do imóvel que se encontrava nesta desvantajosa circunstância de exploração e, assim, projetar a majoração das condições técnicas e económicas a esta conjuntura inerente.
Diferentemente do que estatuía o n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2116, de 14/8/1962 - qualquer proprietário confinante gozava do direito de preferência em relação aos terrenos com área inferior à unidade de cultura que fossem transmitidos a proprietário não confinante - este normativo legal dispõe que só gozam deste direito os proprietários de área inferior à unidade de cultura.
A razão da alteração introduzida pelo Código está em não se justificar que a grande propriedade absorva a pequena propriedade que lhe é contígua. Desde que já está formada uma unidade de cultura, desaparece o interesse económico da absorção, ou, pelo menos, trata-se de um interesse que não justifica a restrição da preferência, que apresenta igualmente inconvenientes sob o ponto de vista social e económico.
Conferindo a descrição posta neste particularizado preceito legal (art.º 1380.º do C.Civil), são estes os requisitos exigidos, amplamente difundidos pela doutrina e jurisprudência, para que se possa deferir o direito de preferência nele consignado:
(...) Não obstante a interpretação mais restritiva que lhe concede o Prof. Galvão Telles - a Lei n.º 2116 permitia que um "não minifúndio" absorvesse um "minifúndio"; o Código Civil exigiu que a absorção só pudesse dar-se a favor de um terreno que também fosse minifúndio; o Dec. Lei n.º 384/88, devidamente interpretado, limitou-se a afastar esta solução e a regressar à consagrada na Lei n.º 2116. Nada mais - o certo é que, tanto a doutrina (Professor Antunes Varela, RLJ, Ano 127.º, pág. 294 e segs.), como a jurisprudência deste STJ (v.g. os acórdãos de 13/10/1993, de 28/02/2002 e de 20.05.2003 - o primeiro publicado na CJ; Ano I, Tomo III, pág. 64 e segs; os dois restantes disponíveis em www.dgsi.pt) assentaram em que o legislador de 1988 pretendeu, afastando o regime do Código Civil, aumentar a elisão dos minifúndios e não querendo regressar à disciplina legal de 1962; e, assim sendo, concluir, como o faz o Professor Antunes Varela (RLJ; ano 127.º, págs. 373/374) que "uma única solução é capaz de corresponder simultaneamente a esse duplo objectivo - que é a de estabelecer um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura".
(...) Já vimos, e procurámos demonstrar, que o direito de preferência, conferido pelo art.º 1380.º do C.Civil, devidamente conjugado com o art.º 18.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 384/88, de 25/10 (diploma que regula o novo regime jurídico do emparcelamento rural), está dependente apenas de que um dos prédios (seja aquele cujo dono quer vender, seja o outro contíguo que o preferente pretende comprar) tenha área inferior à unidade de cultura”.
 Extraindo a síntese essencial sobre esta matéria – ou seja, a interpretação do âmbito e alcance deste artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro -, conclui Agostinho Cardoso Guedes, in “O exercício do direito de preferência”, Publicações Universidade Católica, Teses Porto 2006, a página 119:
“(....) a conclusão só pode ser uma: o legislador quis consagrar um direito de preferência a favor dos proprietários rurais na alienação de prédios confinantes com os seus, desde que qualquer um deles (prédio a alienar ou prédio do preferente) tenha área inferior à unidade de cultura”.
(Sobre este ponto, impõe-se também a consulta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2007 (relator Silva Salazar) proferido no processo nº 2136/07 e de 7 de Novembro de 2006 (relator Sousa Leite), proferido no processo nº 3262/06, este último publicado in www.dgsi.pt).
Finalmente, há que tomar em consideração a entrada em vigor da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, ocorrida em 27 de Setembro de 2015, que estabelece o regime jurídico da estruturação fundiária e procede, além do mais, à revogação em bloco do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, incluindo o citado artigo 18º.
Sustenta, a este propósito, a ora recorrente que tal revogação não alterou o regime precedente, consolidado jurisprudencial e doutrinariamente, quanto à atribuição do direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes, não sendo esse, de modo algum, o propósito do legislador deste diploma legal de 2015.
Vejamos:
A pretendida (pelo recorrente) manutenção da vigência neste ponto do regime jurídico introduzido pelo Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, quando o mesmo foi integralmente revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, e em particular o artigo 18º do primeiro daqueles diplomas, supõe que possa sobrelevar qualquer razão primordial e decisiva que conduza, com toda a segurança e certeza, a concluir pela existência de um eventual lapso ou de qualquer inadvertido equívoco do legislador ao não ressalvar (como desejaria tê-lo feito se estivesse mais atento) a regra especial aí contida.
Ora, não se encontram razões fundamentais, relevantes ou prevalentes, de qualquer natureza, que justifiquem fundadamente chegar à dita conclusão de engano ou desatenção do legislador, a qual se manifesta, desde logo e em princípio, oposta ao regime regra constante do artigo 9º, nº 3, do Código Civil.
No mesmo sentido, ressalva o nº 2 do artigo 9º do Código Civil que: “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Na situação sub judice, o que se retira da letra da lei é tão simplesmente a indiscutível revogação da vigência de uma determinada norma legal (o artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro), sem que em qualquer outro local (deste ou doutro diploma) o legislador tenha deixado subentendido que foi longe demais e que afinal não quereria revogar aquilo que efectivamente revogou.
Como se compreende, não basta, para este efeito, aludir à circunstância de diversos acórdãos dos tribunais superiores o afirmarem em termos estritamente dogmáticos e sem nenhuma explicação minimamente consistente e convincente (neste caso, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Julho de 2021 (relator Rodrigues Pires), proferido no processo nº 102/13.3T2SVV.P1, e de 21 de Outubro de 2019 (relator Joaquim Moura), proferido no processo nº 2065/17.7T8LOU.P1, publicados in www.dgsi.pt; acrescentando-se ainda que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2021 (relator Isaías Pádua), proferido no processo nº 178/19.0TMBR.C1, publicado in www.dgsi, citado pelo recorrentes nas suas alegações de recurso, não faz qualquer alusão à Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto; o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3 de Dezembro de 2020 (relator Francisco Matos), proferido no processo nº 132/19.1T8SRP.E1, publicado in www.dgsi, onde não é feita referência à Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, nem verdadeiramente equacionada a vigência do artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, não obstante a sua expressa revogação; o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10 de Maio de 2018 (relator Rui Machado Moura), proferido no processo nº 159/14.0TBETZ.E2, publicado in www.dgsi.pt, onde se considerou que a Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto não se aplicava à situação sub judice, atenta a anterioridade da entrada em acção em juízo relativamente à vigência daquele diploma legal; o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de Dezembro de 2020 (relator Isaías Pádua), proferido no processo nº 281/13.0TBPCV.C2, publicado in www.dgsi.pt, que se refere a uma acção entrada em juízo em data anterior à vigência da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto).
 E o que é certo é que a revogação da norma (o artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro) que alterava o âmbito e alcance do citado artigo 1380º do Código Civil, alargando-o, desapareceu do panorama jurídico, pura e simplesmente.
(Sobre os fundamentos gerais subjacentes aos propósitos da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 1011/16.0T8STB.E1.S1).
Logo, neste particular, não existe qualquer outra hipótese interpretativa que não a de passar a analisar os actuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência à luz do disposto no artigo 1380º do Código Civil, na redacção do Código Civil de 1966, sem a dita alteração (que deixou objectivamente de subsistir, tendo sido expressamente eliminada).
(Sobre este ponto concreto vide “Comentário ao Código Civil. Direito das coisas”, Universidade Católica Editora, Outubro de 2021, a página 320, da responsabilidade de Agostinho Cardoso Guedes, onde pode ler-se:
“Com a revogação deste diploma pela Lei 111/2015 (...) o direito de preferência estabelecido no preceito readquiriu os seus contornos originais referidos à venda ou dação em cumprimento”.).
E segundo esse normativo, constituem condições legais para o exercício do direito de preferência:
- a existência de uma venda de um terreno;
- ser o preferente proprietário de um terreno confinante;
- serem os prédios confinantes, ambos, de área inferior à unidade de cultura.
Neste mesmo sentido, pronunciou-se aliás o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 892/18.7T8BJA.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt., quando aí se afirmou que os pressupostos cumulativos do exercício do direito de preferência consistem em “ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura” e “ter o prédio do proprietário que se apresenta a preferir área inferior à unidade de cultura”.
 Refere outrossim sobre esta temática específica, Luís Menezes Leitão sobre esta temática, in “Direitos Reais”, Almedina, 2022, 10ª edição, a páginas 535 a 536:
“O artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 348/88, viria, porém, a ser revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, (artigo 64º), cujo artigo 21º passou a limitar a preferência aos proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos por um projecto de emparcelamento.”.
(Sobre a coincidência de objectivos entre o artigo 1380º, nº 1, do Código Civil e a Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Novembro de 2015 (relatora Ana Cristina Duarte), proferido no processo nº 3224/13.7TBVCT.G1, publicado in www.dgsi.pt, onde se consignou:
O emparcelamento, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 111/2015, de 27/08, que estabeleceu o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, consiste na correção da divisão parcelar de prédios rústicos ou de parcelas pertencentes a dois ou mais proprietários ou na aquisição de prédios contíguos, através da concentração, do redimensionamento, da retificação de estremas e da extinção de encraves e de servidões e outros direitos de superfície.
É exatamente o objetivo deste artigo 1380.º do CC: fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis”).
Assim sendo, em conformidade com o que se dispõe no artigo 1380º, nº 1 (na redacção anterior ao Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro) e na Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, demonstrando-se nos autos que os terrenos confinantes não têm ambos área inferior à unidade de cultura, e inexistindo prova (e mesmo alegação) de que os referidos prédios rústicos se encontram abrangidos por um projecto de emparcelamento ou que se integram em Reserva Agrícola Nacional (RAN), não se encontra, desde logo e por isso mesmo, o A. preferente, ora recorrente, em condições legais para exercer o pretendido direito de preferência.
Refira-se, a este propósito, que, à data dos factos, a unidade de cultura para a Zona Oeste, Nut II Centro, onde se insere o concelho ..., era de 2,5 ha, para terrenos de regadio, e de 8 ha para terrenos de sequeiro, em conformidade com o anexo II para o qual remete a Portaria nº 219/2016, de 9 de Agosto, aprovada na sequência da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto (entretanto alterada pela Portaria nº 19/2019, de 15 de Janeiro).
Não estando na presença de terrenos com culturas de regadio, verificamos que o imóvel do preferente apresenta uma área inferior à unidade de cultura (17.400m2, isto é, 1,74 ha), mas que o imóvel objecto do exercício do direito de preferência tem uma área largamento superior à dita unidade de cultura (947.760m2, isto é, 94,476ha).
A própria natureza imperativa e profundamente reordenadora da nova organização da estrutura fundiária que ressalta, à evidência, da análise da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, levam-nos a concluir que se está perante um quadro jurídico absolutamente inovador e totalmente divergente daquele que o precedeu, sendo assim absolutamente incompatível com a manutenção das soluções que o diploma expressamente revogou (excluindo, portanto, de todo, a subsistência do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro e em particular do seu artigo 18º, nº 1).
Neste sentido, preceitua do artigo 21º da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, sob a epígrafe “Direito de Preferência”:
“Os proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos pelo projecto de emparcelamento gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de transmissão a título oneroso de qualquer das parcelas ou prédios rústicos aí inscritos, inclusive nas transmissões decorrentes de venda forçada” (nº 1).
“Ao exercício do direito de preferência é aplicável, com as necessárias adaptações o regime previsto no Código Civil para os pactos de preferência” (nº 4).
A ressalva que é feita no artigo 48º, nº 1, da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, ao consignar-se “ao fraccionamento e à troca de parcelas aplicam-se, além das regras dos artigos 1376º a 1381º do Código Civil, as disposições da presente lei”, só pode naturalmente valer por remissão para a aplicação do artigo 1380º do Código Civil, mas sem o alargamento que resultava do artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, que pura e simplesmente deixou de vigorar no nosso ordenamento jurídico.
(A referência nas conclusões de recurso, sobre este ponto, ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2016 (relator Gabriel Catarino), proferido no processo nº 113/06.5TBORQ.E1.S2, publicado in www.dgsi, é totalmente inócua e perfeitamene inútil, na medida em que se reporta a um contrato de compra e venda celebrado em 30 de Setembro de 2005 – ou seja, dez anos antes da entrada em vigor da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto).
No fundo, as limitações ou condicionantes ora estabelecidas por esta lei acabam de certo modo por reforçar o carácter circunscrito e parcimonioso da aplicação deste instituto (o direito de preferência), confinando-o a determinadas situações específicas, superiormente salvaguardas pelo legislador, na medida em que o mesmo constitui, como se compreende, uma sensível compressão do princípio da autonomia privada, consagrado no artigo 405º do Código Civil,  através do qual é reconhecido a cada sujeito o direito a celebrar os negócios jurídicos que bem lhe aprouver (dentro do perímetro intransponível da sua licitude) e, concretamente, o direito a poder transmitir os seus bens ao adquirente por si individualmente escolhido, fazendo-o livremente enquanto desígnio soberano da sua vontade.
Neste contexto, a Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, encontrou portanto novas fórmulas jurídicas para o exercício do direito de preferência que deveriam ter sido atentadas pelo A. – e não foram -, o qual se estribou, ao invés e paradoxalmente, no regime legal desaparecido por revogação que, nessa mesma medida, sempre seria inaplicável à situação sub judice.
Impõe-se, deste modo, a improcedência da acção de preferência, encontrando-se totalmente prejudicado o conhecimento das restantes matérias suscitadas no presente recurso.
Nesta medida, será outrossim considerado igualmente prejudicado o conhecimento de toda a matéria constante da ampliação do objecto do recurso, apresentada pela recorrida nos termos gerais do artigo 636º do Código de Processo Civil, que, conforme resulta da própria disposição indicada, foi requerida a título meramente subsidiário, no pressuposto de que o fundamento do recurso de revista fosse atendido (o que não sucedeu).
A revista é, portanto, negada.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista.
Custas pelo recorrente.
 
Lisboa, 13 de Dezembro de 2022.


Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Graça Amaral
                                            


V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.