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CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário
A preterição do direito de defesa no processo de contra-ordenação constitui nulidade insanável.
Texto Integral
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto.
Em processo de contra-ordenação que correu termos na Delegação de Viação de Viseu foi aplicada à arguida B.........., devidamente identificada nos autos, a coima de 149,64 euros, por ter infringido os nºs 1 e 2 do artº 10º do DL nº 86/98, de 3/4, conjugado com o nº 1 do Dec-Reg. 5/98, de 9/4.
Notificada da decisão a arguida interpôs recurso de impugnação para o Tribunal Judicial de Lamego.
Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença em que se julgou improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão administrativa.
A arguida, inconformada com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, terminando a sua motivação com as com as seguintes conclusões: A) Da questão prévia (nulidade do procedimento contra-ordenacional)
1- A arguida apresentou a sua defesa, em 22 de Setembro de 2003, junto da Autoridade Administrativa.
2- O prazo concedido, de vinte dias, contado nos termos do art.º 72º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec. Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com a redacção dada pelo Dec. Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, terminava no dia 25 de Setembro de 2003.
3- (no caso não se aplica a regra do art.º 104º do C.P.P. ou a do art.º 144º do C.P.C. como afirma a Autoridade Administrativa na Decisão proferida - e o art.º 155º do C. E., em tal Decisão citado, não define tal prazo como um prazo judicial nem determina que, no caso, se aplica a regra de contagem dos prazos judiciais).
4- O art.º 60º do Regime Geral das Contra-Ordenações preceitua que o prazo para a impugnação da decisão da Autoridade Administrativa (o que não é o caso sub judice) suspende-se aos sábados, domingos e feriados; no caso, aplica-se o legislado no Código de Procedimento Administrativo que consagra idêntico regime.
5- O art.º 41º do Regime Geral das Contra-Ordenações não é aplicável no caso - não estamos perante um prazo judicial; o direito de audição e defesa do arguido está consagrado no art.º 50º do mesmo diploma.
6- A arguida apresentou, tempestivamente, a sua defesa, a qual não foi tida em consideração pela autoridade administrativa.
7- Ao assim não entender, a Meritíssima Juíza a quo violou o exacto entendimento do preceituado nos seguintes normativos:
a) art.º 72º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Dec. Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com a redacção dada pelo Dec. Lei n.º 6/96;
b) art.ºs 41º e 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações (com a redacção dada pelo Dec. Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro)
B) Da decisão (propriamente dita)
8- O ponto 3., da al. A) Factos Provados, é conclusivo não descrevendo qualquer facto relevante para a decisão e, consequentemente, não deve ser levado em consideração.
9- Nos termos 4., da al. A) Factos Provados a arguida cumpriu as suas obrigações como instrutora responsável pela leccionação das aulas
10- Nomeadamente procedeu ao total e correcto preenchimento da caderneta, na parte que era da sua competência não sendo da sua competência o facto da mesma caderneta não estar assinada pelo director da escola.
11- A falta da assinatura do director da escola é da única e exclusiva responsabilidade deste (tanto mais que, como ficou provado, foi alertado pela aqui arguida para tal facto) pelo que só este pode ser sancionado (como aliás foi) por tal falta.
12- Ao assim não entender, a Meritíssima Juíza a quo violou o exacto entendimento dos n.ºs 1 e 2 do art.º 25º do Dec. Regulamentar n.º 5/98, de 9 de Abril e o n.° 5 do art.º 10º do Dec. Lei n.º 86/98, de 3 de Abril.
Termina pedindo a sua absolvição ou, subsidiariamente a substituição da coima por uma admoestação.
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Respondeu o Mº Pº defendendo a rejeição do recurso por manifesta improcedência.
A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da procedência da questão prévia levantada, ficando prejudicada a questão do conhecimento da parte relativa à impugnação da decisão.
Cumprido o nº 2 do artº 417º do CPP, não houve resposta.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Na sentença recorrida sobre a questão prévia levantada foi proferida a seguinte decisão:
«Questão Prévia
Antes de entrarmos no elenco e análise dos factos apurados em sede de audiência de julgamento, importa apreciar se procede ou não a invocada nulidade do procedimento contra-ordenacional.
Dispõe o art.º 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas ( DL 433/82 actualizado pelos Decretos-Lei 356/89, de 17.10 e DL 244/95, de 14.09) que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”
Tal normativo é, nada mais nada menos, do que uma importante refracção do direito constitucionalmente consagrado de audição do arguido (art.º 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa).
Parece-nos não subsistirem quaisquer dúvidas de que de que a falta de audição do arguido sobre a matéria objecto do processo, ainda na fase administrativa do processo contra-ordenacional constitui nulidade insanável, por, desde logo, corresponder a uma violação do referido art.º 32.º, n.º 8, da CRP.[Vide, neste sentido, Ac. Tribunal da Relação de Évora de 24.03.1992, proferido no recurso n.º 121, publicado na Col. Jur., ano XVII, tomo e, pág. 308.]
É que, neste caso, o que está em causa são os direitos de defesa que supõem, naturalmente, que o arguido conheça o processo contra si dirigido, por forma a poder apresentar provas em contrário dos factos que lhe são imputados.
Ora, no caso dos autos, a recorrente alega que tal basilar direito lhe foi negado erradamente, em virtude de, segundo pugna, ter apresentado a sua defesa tempestivamente.
Parece-nos que não lhe assiste qualquer razão.
Vejamos.
A arguida foi notificada em 28.08.2003 (cfr. fls. 3 e 5), de que caso desejasse impugnar a autuação de que havia sido objecto o deveria fazer até 20 dias após a data da referida notificação, entregando a aludida impugnação na correspondente Delegação Distrital de Viação - cfr., ainda, fls. 3 v.º.
De facto, a notificação efectuada foi regular, considerando que o aviso de recepção foi assinado pela própria arguida em 28.08.2003, data a que teremos que nos ater para efeitos de início de contagem do prazo concedido à arguida pela entidade administrativa para apresentar, querendo, a sua defesa. [Não nos parece existir qualquer dúvida quanto à circunstância de o conhecimento pessoal por parte da arguida naquele efectivo dia afasta o conhecimento presumido do objecto da notificação previsto pelo art.º 156.º, n.º 6, do Código da Estrada e do art.º 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.]
Ora, assim sendo, o prazo referido terminava em 17 de Setembro de 2003, sendo certo que a exposição apresentada pela arguida deu entrada nos serviços administrativos em causa aos 22 de Setembro de 2003.
É de considerar que a tal prazo fixado pela entidade administrativa não se aplica o disposto no art.º 60.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, uma vez que a suspensão do prazo aos sábados, domingos e feriados a que aí se alude, diz apenas respeito ao prazo para a impugnação judicial da decisão já proferida pela autoridade administrativa.
Assim sendo, e sem necessidade de outros considerandos, forçoso se torna concluir pela improcedência da invocada nulidade.
Decisão.
Face ao exposto, julgo totalmente improcedente a invocada nulidade do procedimento contra-ordenacional.».
Ao contrário do entendimento seguido, consideramos que na fase administrativa os prazos são contados de acordo com o estipulado no Código de Procedimento Administrativo.
Oliveira Mendes e Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, em anotação ao artº 60º (impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa) do DL nº 433/82, de 27/10 (RGCO), referem: O prazo delimitado no presente normativo não é um prazo judicial pois que se reporta a um momento em que não existe uma fase judicial.
Por sua vez Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, 2ª ed., em anotação ao mesmo preceito, referem: O prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima não é um prazo judicial, pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial.
No Ac. da RL de 24/11/98, BMJ 481, pág. 527, foi decidido que: Não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do artigo 59º do D.L. 433/82. O postulado do artigo 60º do RGCO demonstra que este importou ostensivamente as regras de contagem do prazo de impugnação judicial do Código de Procedimento Administrativo, designadamente das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 72º. No mesmo sentido cfr. os Acs. desta Relação de 20/12/00, in CJ, 2000, 5, 239 e de 26/2/97 proferido no recurso nº 11085.
Se para a impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima o prazo tem natureza administrativa, é evidente que, para toda a fase anterior, manifestamente administrativa, a contagem dos prazos terá que ser efectuada de acordo com o estipulado no Código de Procedimento Administrativo.
O prazo fixado pela entidade administrativa (20 dias) para audição e defesa do arguido, nos termos do artº 50º do RGCO é um prazo administrativo, regulado pelo Código de Procedimento Administrativo, não existindo qualquer razão para lançar mão do regime do artº 41º do mesmo diploma legal, que manda remeter subsidiariamente para o processo penal.
Nos termos do artº 72º, nº 1, al. b) do Código do Procedimento Administrativo o prazo “suspende-se nos sábados, domingos e feriados”, pelo que o requerimento apresentado pelo recorrente antes da aplicação da coima, em que apresentou a sua defesa e, caso esta não procedesse, solicitou «seja notificada para proceder ao pagamento voluntário e em prestações», foi tempestivo, ao contrário do decidido na decisão administrativa e na decisão judicial.
Concordamos com a decisão recorrida, no seguimento da jurisprudência citada (ainda Acs. RE de 28/4/98 - BMJ 476, 505 - da RP de 7/5/ 97, recurso nº 10308 e Assento nº 1/2003, in DR, I-A, de 25/1/03), em que a preterição do direito de defesa nos processos de contra-ordenação (consagrado no artº 32º, nº 8 da CRP) constitui uma nulidade insanável.
A consequência dessa nulidade é serem inválidos todos os actos praticados após o requerimento em que a recorrente apresentou a sua defesa (fls. 6), nos termos do artº 122º do CPP.
A procedência da questão prévia inviabiliza o conhecimento das restantes questões.
DECISÃO
Em conformidade, decidem os juízes desta Relação em, na procedência da questão prévia, declarar nulo todo o processado posterior ao requerimento em que a recorrente apresentou a sua defesa, devendo a 1ª instância remeter o processo à entidade administrativa, para proceder de acordo com o decidido.
Sem tributação.
Porto, 1 de Junho de 2005.
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro