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PER
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
ADMISSIBILIDADE DE NOVO ARTICULADO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DO DESPACHO
Sumário
I. A decisão de mérito onde esteja absolutamente omissa qualquer fundamentação (de facto e de direito), é nula, assim devendo ser reconhecido no recurso dela interposto. II. Ainda que a decisão seja nula, se os autos reunirem já todos os elementos necessários para a decisão de mérito, a Relação deve conhecer do mérito do recurso, nos termos do art. 665.º, do CPC. III. A consideração e aplicação do disposto no art. 665.º, do CPC, não pode ser feita de forma tão ampla que pretira a garantia, legal e constitucional, do duplo grau de jurisdição na apreciação, julgamento e decisão da matéria de facto; e, assim, será inaplicável quando tenha ocorrido omissão absoluta de fundamentação de facto. IV. Apresentada uma impugnação de créditos, em processo especial de revitalização, é legalmente inadmissível a apresentação posterior, pelo credor impugnante, de um novo articulado, quer como alegação complementar daquele primeiro (inexistindo a possibilidade de apresentação de segundos ou outros ulteriores articulados, para completar ou perfectibilizar aqueles que previamente tenham sido oferecidos pelas partes, no exercício de um direito ou no cumprimento de um ónus, fora da limitada hipótese de cumprimento de um prévio despacho de aperfeiçoamento), quer como requerimento probatório da dita impugnação de créditos (já que aquele teria que ter sido junto logo com esta).
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1.Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., propôs um processo especial de revitalização, pedindo que fosse promovida a sua tramitação.
Alegou para o efeito, em síntese, ser titular de uma empresa agropecuária, encontrar-se numa situação económica difícil, enfrentando sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, (nomeadamente, por falta de liquidez e de acesso ao crédito), mas não estar, porém, ainda insolvente.
Juntou uma declaração, assinada por si e por um credor, certificando a comum intenção de encetarem negociações, tendentes à aprovação de um plano de revitalização (que desde logo juntou) que viabilizasse a respectiva recuperação económica.
1.1.2. Foi proferido despacho, nomeando administradora judicial provisória e ordenando a citação dos credores identificados e dos demais interessados, para que reclamassem eventuais créditos.
1.1.3. BB apresentou uma reclamação de créditos, pedindo que lhe fosse reconhecido um crédito de € 170.361,10 (sendo € 145.000,00 a título de capital e € 25.361,10 a título de juros de mora).
Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo emprestado diversas quantias em dinheiro a T.I. - E..., Limitada, no valor global de € 145.000,00, emitiu aquela para seu pagamento uma letra de igual valor, avalizada por diversas pessoas singulares, nomeadamente a aqui Devedora (AA).
Mais alegou que, não tendo sido a mesma paga no seu vencimento, instaurou uma acção executiva para sua cobrança (que, com o n.º 928/22...., corre termos pelo Juízo de Execução ..., Juiz ...), nela demandando a dita Avalista (AA), que, citada, não deduziu oposição, assim reconhecendo a dívida.
Juntou a referida letra de câmbio, onde ele próprio surge como sacador, tendo aquela como data de emissão 15 de Maio de 2017, como data de vencimento 15 de Setembro de 2017, e como valor € 145.000,00.
1.1.4. Em 13 de Maio de 2022, a Administradora Judicial Provisória apresentou a lista provisória de créditos, dela constando como credor BB (com um crédito de € 170.361,10, tendo como fundamento a falta de pagamento de dívida avalizada pela Devedora, sem garantias nem condições, e como natureza comum); e a dita lista foi publicitada nesse mesmo dia.
1.1.5. Em 20 de Maio de 2022 (sexta-feira), A... Unipessoal, Limitada (na qualidade de credora reclamante e igualmente constante da dita lista) impugnou a lista provisória de créditos, pedindo nomeadamente que se excluísse da mesma o crédito reclamado por BB.
Alegou para o efeito, em síntese, ser incompreensível que este credor aceitasse o plano de recuperação apresentado pela Requerente (AA) - por meio do qual apenas receberá € 70.000,00, em 150 prestações mensais, vencendo-se a primeira no prazo de um ano após a aprovação do PER -, quando poderia receber a totalidade do seu crédito dos demais avalistas da letra de câmbio que invocou nos autos.
Mais alegou inexistir qualquer relação entre a actividade agropecuária levada a efeito pela Requerente (AA), em ..., e uma e... sita em ... (T.I. - E..., Limitada, sacadora da dita letra de câmbio), que pudesse originar uma dívida tão avultada; e ainda por cima uma dívida assumida solidariamente por outras pessoas singulares, que não se dedicam à mesma actividade.
Alegou ainda não figurar o credor reconhecido BB como sócio ou gerente da dita sacadora da letra (T.I. - E..., Limitada), não se vislumbrando ainda qual a relação entre ambos e a Requerente (AA).
Por fim, alegou encontrar-se T.I. - E..., Limitada, com a respectiva matrícula cancelada por dissolução, no âmbito de procedimento administrativo de dissolução e liquidação.
A final, juntou certidão comercial de T.I. - E..., Limitada (por forma a demonstrar que nem o Credor impugnado, nem a Requerente possuiriam qualquer relação com aquela empresa - alegada sacadora da letra de câmbio executada -, e que a mesma teria a respetiva matrícula cancelada por dissolução, no âmbito de procedimento administrativo de dissolução e liquidação); e requereu «a notificação dos titulares dos créditos ora impugnados para junção de toda a documentação de suporte apta a demonstrar a existência das dívidas, bem como dos respectivos montantes».
1.1.6. Em 24 de Maio de 2022 (terça-feira), A... Unipessoal, Limitada, veio «proceder à junção de prova», alegando que «não lhe foi possível facultar em tempo útil», tendente a demonstrar que a reclamação de créditos de BB «não passa de uma manobra para que este credor tenha quórum maioritário com vista a conseguir sozinho a aprovação do PER, com as devidas e nefastas consequências para os demais credores».
Apresentou para o efeito cinco documentos, alegadamente aptos a demonstrar que a Devedora (AA) apenas intentou este processo especial de revitalização após confrontada com a penhora de gado seu, em processo executivo movido por ela própria (e unicamente para suspender aquela execução), possuindo ainda diverso património imobiliário sem quaisquer ónus ou encargos (por ela omitido no requerimento inicial destes autos) e celebrou já negócios simulados (conforme reconhecido judicialmente).
1.1.7. Convidada para o efeito, a Administradora Judicial Provisória veio pronunciar-se.
Defendeu ter sido a impugnação de A... Unipessoal, Limitada apresentada fora de prazo (sem, porém, o justificar por qualquer modo); e ter reconhecido o crédito de BB tendo como fundamento a acção executiva que o mesmo moveu com vista à sua cobrança coerciva (processo n.º 928/22....-J..., do Juízo de Execução ..., Juiz ...), onde nenhum dos aí executados, citados, deduziu oposição.
1.1.8. Em 30 de Maio de 2022, foi proferido despacho, ordenando o desentranhamento do requerimento probatório da credora A... Unipessoal, Limitadae julgando improcedente a sua impugnação de créditos, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Impugnação de A..., Unipessoal, Lda de 20.05.2022 [...70], requerimento probatório subsequente de 24.05.2022 [...63] e resposta da ... de 27.05.2022 [...76] Por manifestamente intempestivo, ordena-se o desentranhamento do articulado e requerimento probatório datado de 24.05.2022, que tem em vista suportar a impugnação em sujeito, a qual, em consequência, se tem por infundada e julgando-se assim improcedente. Sem custas, atenta a simplicidade da decisão. (…)»
1.1.9. A Administradora Judicial Provisória juntou «Proposta de Plano de Recuperação de AA», onde nomeadamente se previa, quanto aos créditos da Segurança Social, «o pagamento do valor em dívida em 150 prestações, vencendo-se a primeira prestação um mês após a data da sentença homologatória do presente Plano Especial de Revitalização».
1.1.10.Votado o mesmo, foi aprovado por 74,66% dos créditos reconhecidos, titulados, nomeadamente, por BB (60,10%), CC (9,15%) e DD%); e votaram desfavoravelmente 25,34% dos ditos créditos (mas sem que fosse pedida por quem quer que fosse a sua não homologação), titulados, nomeadamente, por A... Unipessoal, Limitada (11,62%), Banco 1... (2,39%), Banco 2..., S.A. (8,03%), Fazenda Nacional (2,20%) e Instituto da Segurança Social IP (1,10%). 1.1.11. A Administradora da Insolvência emitiu parecer, onde defendeu que o plano de recuperação aprovado «é adequado a garantir a viabilidade da devedora», pugnando pela sua homologação.
1.1.12. Foi proferida sentença, homologando o plano de revitalização aprovado, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Atendendo ao disposto no art.º 17.º-F, n.º 5 do CIRE, resulta pois que, no caso, o plano foi aprovado, tendovotadocredoresrepresentando100%doscréditosconstantesdalistadefinitivadecredores,comosvotosafavorde74,66%doscréditoscomvotoexpresso. Acresce, nãoocorrerviolaçãonãonegligenciáveldenormasprocedimentaisouaplicáveisaoconteúdodoplanoqueimpeçamasuahomologação,nãoprevendoaquelequaisquercondiçõessuspensivasouquaisqueratosoumedidasquedevemprecedera homologação [art.º 215.º do CIRE aplicável ex vi art. 17.º-F, n.º 7 do mesmo diploma], nemter sidosolicitadaemconcretoanãohomologaçãodoplanoporqualquercredor [art.º 216.º aplicável ex vi art.º 17.º-F, n.º 7].
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3. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artºs 17.º-F, n.ºs 5 a 7 do CIRE, homologa-se por sentença o plano de revitalização apresentado nos autos pela Devedora AA. A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações [art.º 17.º-F, n.º 11 do CIRE]. Custas pela Requerente, com taxa de justiça reduzida a ½ [art.ºs 222.º-F, n.º 12 e 302.º,n.º 1 do CIRE]. Valordaação: o equivalente à alçada da Relação [art.º 301.º do CIRE]. Registe, notifique e publicite. (…)»
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1.2. Recursos
Inconformados com esta decisão, os credores reclamantes Instituto da Segurança Social, I.P. e A... Unipessoal, Limitada, interpuseram os presentes recursos de apelação.
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1.2.1. Recurso do credorInstituto da Segurança Social, I.P.
1.2.1.1. Fundamentos
O credor Instituto da Segurança Social, I.P. pediu, no recurso de apelação que interpôs, que se revogasse a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por decisão a determinar a não homologação do Plano de Revitalização aprovado; e, subsidariamente (caso se entendesse que a dita homologação era válida) se considerasse que o mesmo não seria idóneo a produzir efeitos quanto a si, sendo considerado ineficaz nessa medida.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
A - A douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 30º, nº 1, 2, 3, 36º, nº 2 e 3 da Lei Geral Tributária, 190.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e 192.º do CIRE. B - Nos presentes autos foram reclamados créditos no valor global de € 3.125,46 (três mil cento e vinte e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), referentes a contribuições e juros de mora vencidos. C - Foi apresentado pela Devedora AA, plano de revitalização, o qual foi objeto de aprovação pela maioria dos credores. D - A proposta constante do plano de revitalização para a regularização quanto aos créditos da Segurança Social, prevê, o seguinte: “Os créditos da segurança social serão pagos em 150 prestações, vencendo-se a primeira prestação um mês após a data da sentença homologatória do Presente Plano Especial de Revitalização”. F - O Recorrente votou expressamente desfavorável o referido plano. G - Assim, salvo melhor entendimento, o plano de revitalização da devedora, não deveria ter sido aprovado, e ainda que o tivesse sido, não poderia ter sido homologado oficiosamente, uma vez que se verifica a desconformidade do mesmo com a lei. H - O plano de revitalização ora em apreço, não se harmoniza com o grau de disponibilidade dos créditos públicos, violando por isso, as normas aplicáveis, em matéria de regularização de dívida ao Estado, bem como contraria o disposto no artigo 190.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (adiante designado por CRCSPSS). I - O artigo 190.º do CRSPSS dispõe que a possibilidade do pagamento da dívida em prestações não deixa de ter carácter de excecionalidade, aplicável somente nos casos previstos na lei e requer sempre autorização, conforme plasmado no n.º 6 do mesmo artigo. J - Ora, no caso sub judice, ao referido plano de revitalização homologado, não foi concedida autorização. L - A doutrina, quer a jurisprudência têm vindo a entender que, as contribuições devidas ao Instituto da Segurança Social devem considerar-se como verdadeiros impostos, logo, as dívidas provenientes dessas contribuições assumem natureza tributária e, como tal, é-lhes também aplicável a LGT para todos os efeitos que não se encontrem regulados por lei especial, de acordo com o disposto no seu artigo 30.º, n.º 3. M - O n.º 3 do supracitado artigo na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, veio, estipular que o crédito tributário é também indisponível no âmbito dos processos de insolvência, o que será, também, aplicável aos processos de revitalização por força do preceituado no artigo 17.º - F, n.º 5 do CIRE no que respeita a regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência. N - No mais, o n.º 3 do supracitado artigo, realça e reforça, assim, a natureza indisponível dos créditos tributários ao referir que tal indisponibilidade prevalece sobre qualquer legislação especial. O - Com a introdução desse n.º 3 do artigo 30.º da LGT, a maioria da jurisprudência veio considerar que, nas situações em que o Estado não dá o seu consentimento ou acordo quanto à redução do valor e prorrogação do prazo de pagamento dos seus créditos, encontramo-nos perante créditos tributários indisponíveis e, como tal, não sujeitos à vontade das partes, pelo que em tais casos os referidos Planos não devem ser homologados. P - De referir, ainda que, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º da LGT, a administração não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previsto na lei. Q - Assim, os art.ºs 30.º e 36.º da LGT, aplicáveis às obrigações contributivas da Segurança Social por força do disposto nos seus artºs 1.º e 3.º - que dispõe que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária - não foram respeitados. R - Com efeito, o Tribunal a quo, enquanto guardião da legalidade, cabia-lhe sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano, quer as que concerne a aspetos de procedimento, como as que concerne ao conteúdo do plano. S - Deste modo, ao ser homologado um plano, sem o acordo do Recorrente, verifica-se que o mesmo constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, caindo na previsão do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, devia o juiz a quo recusar oficiosamente a homologação do acordo na parte que viola as regras legais imperativas, o que não aconteceu. T - O ora recorrente, não consentiu na forma de pagamento dos seus créditos, nem emitiu qualquer autorização expressa para se iniciar o pagamento da dívida em prestações. U - Pelo que, a homologação do plano sem o consentimento do recorrente, é ilegal por violação da norma é ilegal por violação da norma plasmada no artigo no n.º 2 do artigo 192º do CIRE, que exige o consentimento do credor. V - Por outro lado, se interpretarmos o artigo 192.º do CIRE por forma a permitir a disponibilidade de créditos fiscais, isto é, deixar-se ao livre arbítrio dos credores presentes numa assembleia a decisão sobre o modo de pagamento de créditos tributários, que nem sequer são partes na relação jurídico tributaria, tal enquadramento legal é organicamente inconstitucional por violação direta do princípio de reserva absoluta de lei formal, consagrado no artigo 165.º n.º 1 alínea i) da CRP. W - Do mesmo modo, as normas constante do Título IX do CIRE, designadamente os artigos 194.º n.º 1, 195.º, n.º 1 e 2, 106.º n.º 1, alíneas a) e d) e 197.º se foram interpretadas no sentido de permitirem que os credores aprovem um plano de revitalização que defina os prazos de pagamento dos créditos fiscais e alterem as respetivas condições de cobrança, sem o consentimento do órgão competente para o efeito, são também organicamente inconstitucionais por violação do principio da legalidade tributária e indisponibilidade dos créditos fiscais e de normas constitucionais. X - Assim, a homologação do plano de revitalização é ilegal, porque para tal, foram aplicadas normas que conduzem a uma interpretação inconstitucional, pois que de acordo com a interpretação que serviu de base à homologação do plano tais normas violam diretamente os princípios da legalidade tributária e da reserva absoluta de lei formal constante dos artigos 103.º n.ºs 2 e 3 e 165.º, n.º 1, al. I) do CRP. Y - Mas ainda que se entenda que a homologação do plano de revitalização é válida, o que não se concede, ainda assim, esta homologação não deverá produzir efeitos em relação ao recorrente, devendo ser-lhe considerado ineficaz.
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1.2.1.2. Contra-alegações
A Requerente (AA) contra-alegou, pedindo que se mantivesse a decisão de homologação do plano de revitalização; ou, subsidiariamente (caso se entendesse que fere a indisponibilidade dos créditos da segurança social), se aditasse à sentença recorrida a menção de que o dito plano de revitalização será ineficaz perante o credor recorrente Instituto da Segurança Social, I.P..
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
I - Quanto às alegações de recurso apresentadas pelo credor Instituto da Segurança Social - I.P. (doravante, apenas S.S.) A) DA INADMISSIBILIDADE LEGAL DO OBJETO DO RECURSO QUANTO À PETICIONADA NÃO HOMOLOGAÇÃO DO PLANO:
2 - Em primeiro lugar, cumpre referir desde que já que a S.S. apenas agora, em sede de recurso, pugna pela não homologação do plano apresentado pela devedora. 3 - É que, como até bem refere a sentença ora recorrida, a ora credora, em momento algum anterior à sua apresentação das alegações do presente recurso, peticionou a não homologação do plano de revitalização apresentado. 4 - Isto é, o recurso apresentado por esta credora excede o limite permitido ao objeto do recurso, determinado nos termos do artigo 635º do Código de Processo Civil (aplicável por remissão do artigo 17º do C.I.R.E.), por suscitar uma questão que não foi apresentada para decisão perante o Tribunal a quo. 5 - Portanto, verifica-se que o recurso apresentado é legalmente inadmissível quanto à matéria relativa à não homologação do mesmo por violação de qualquer norma legal (designadamente nos termos dos artigos 190º e 192º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), motivo pelo qual deverá ser rejeitado nesta parte.
Ademais,
B) DA IMPROCEDÊNCIA DO OBJETO DO RECURSO QUANTO À PETICIONADA NÃO HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE REVITALIZAÇÃO:
6 - É verdade que estes créditos estão são indisponíveis pela sua natureza, ao abrigo da Lei Geral Tributária; 7 - Atendendo aos interesses em jogo e à função do PER, não seria razoável recusar-se a homologação de um plano que obteve a votação favorável da esmagadora maioria dos credores apenas por via da afetação de dois créditos que representam valores diminutos no universo creditício. 8 - Assim, a solução mais adequada e que a maioria da jurisprudência tem vindo a adotar é a de permitir a homologação de um plano (PER ou PEAP) que afete créditos indisponíveis, com a cominação de que o mesmo é simplesmente ineficaz perante estas entidades - conforme os arestos já referidos supra no corpo da motivação. 9 - Reitere-se, o plano ora em causa foi aprovado pelos credores, na sua generalidade e para todos os efeitos legais, pelo que a sua não homologação com base na não aprovação por credores com créditos tão diminutos (ainda que indisponíveis) é um obstáculo desproporcional e injusto à recuperação da devedora. 10 - Pelo que deverá manter-se a decisão homologatória do plano de revitalização apresentado pela contra-alegante e, caso se entenda que o referido plano fere os créditos da S.S. e Autoridade Tributária, deverá apenas apor-se a simples declaração de que o mesmo é ineficaz perante essas credoras.
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1.2.1.3. Rectificação do Recorrente
Sob convite, o credor recorrente Instituto da Segurança Social, I.P. veio pedir a «retificação/aclaração» do recurso por si apresentado, esclarecendo pedir apenas no mesmo «que o Plano de Revitalização homologado não o vincule, sendo por isso declarado ineficaz em relação a este credor».
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1.2.2. Recurso da credoraA... Unipessoal, Limitada
1.2.2.1. Fundamentos
A credora A... Unipessoal, Limitada pediu, no recurso de apelação que interpôs, que se revogasse a sentença recorrida, e bem assim o despacho proferido em 30 de Maio de 2022 (que considerou intempestivo o seu requerimento probatório, e improcedente a sua impugnação ao crédito reconhecido ao credor BB).
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
A - da nulidade do despacho.
I - O despacho em crise está ferido de nulidade - que importa conhecer, - porquanto omite qualquer fundamentação, quer de facto quer de direito, tanto quanto à (in) tempestividade do requerimento de prova, como quanto à própria impugnação à lista provisória de credores; II - Entende a recorrente que, dizer que o requerimento de prova é intempestivo e, por via disso, sem mais, a impugnação infundada, viola o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do CPC, o que, até, dificulta a elaboração deste recurso por não se vislumbrar a razão de ciência objectiva que motivou a decisão do julgador.
B - da tempestividade do articulado de 24/05/2022.
III - a Lista provisória é disponibilizada no citius dia 13 de maio, sem qualquer notificação eletrónica aos credores que constavam na plataforma Citius, IV - pese embora, a Recorrente apraz-se a apresentar impugnação à lista provisória no dia 20/05/2022, portanto, no 5º dia útil, como prescreve a lei. V - o articulado apresentado cumpre os requisitos necessários e carreou, desde logo, factualidade que coloca em causa a existência de créditos constantes da lista, VI - junta ainda um documento de prova e requer que o douto Tribunal diligencie por solicitar à Srª Administradora judicial provisória outros meios de prova que se encontram (ou deveriam encontrar) na sua posse. VII - em complemento, e em cumprimento do princípio da colaboração e até da celeridade processual, decidiu juntar, no 2º dia útil após a apresentação da impugnação, requerimento probatório onde junta prova bastante para demonstrar o vasto património imobiliário (e mobiliário) da devedora, isento de quaisquer ónus e encargos, bem ainda como demonstra que a devedora celebrou já negócios simulados; VIII - sendo este requerimento considerado intempestivo pela MM Juiz a quo. IX - A recorrente entende que o mesmo é tempestivo, por tratar-se de requerimento de prova e não da própria impugnação, pese embora a complementaridade que se pretende, X - sendo ainda da opinião que, considerando-se a obrigatoriedade da junção de prova com a impugnação, ou dentro do prazo para a mesma ser deduzida, este pressuposto se encontra validado pelo que regula os artigos 139º e seguintes do CPC. C - da existência de prova bastante para a pronúncia sobre o mérito no articulado de 20/05/2022 XI - A impugnação da lista provisória de credores deu entrada em 20/05/2022, XII - pelo que não se pode colocar em causa a sua tempestividade. XIII - O referido articulado, que consubstancia uma impugnação, de per se, tem factualidade e elementos probatórios bastantes para que seja conhecido de mérito. XIV - Entendendo a MM juiz a quo que o requerimento que lhe seguiu não deveria ser considerado, tal facto não poderia levar à rejeição da impugnação por infundada, XV - devendo a mesma ser recebida e julgada.
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1.2.2.2. Contra-alegações
A Requerente (AA) contra-alegou, pedindo que se julgasse improcedente o recurso da credora A... Unipessoal, Limitada.
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
II - Quanto às alegações de recurso apresentadas pela credora A..., Unipessoal, Lda (doravante, A...):
11- Em primeiro lugar, estas alegações de recurso são intempestivas: o prazo de recurso de 15 dias começou a contar-se a partir de dia 16/09/2022 (data da publicação da sentença homologatória), sem a ocorrência de qualquer dilação ou presunção de notificação, pelo que terminaria no dia 01 de Outubro (sábado), passando para o 1º dia útil seguinte (dia 03 de Outubro) - tendo o recurso sido apresentado no dia 04/10/2022. [1] 12 - Em segundo lugar, há que salientar que este recurso tem como objeto apenas e só a matéria que ficou decidida no âmbito do despacho de 30/05/2022, referente à impugnação da lista de créditos. 13 - Significa isto que a credora não tem quaisquer objeções concretas quanto à decisão homologatória propriamente dita, não imputando a esta qualquer vício ou erro. 14 - E, não se verificando qualquer vício naquele despacho, todo o recurso apresentado será inútil, inexistindo qualquer consequência para a decisão homologatória quanto a este ponto, devendo a decisão homologatória manter-se, de harmonia com o já exposto supra.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Identificação das questões
Mercê do exposto, e dos recursos de apelação interpostos pelos credores Instituto da Segurança Social, I.P. e A... Unipessoal, Limitada, 04 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem: 1.ª- Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação da lei, ao homologar a aprovação do plano de revitalização quando não estavam reunidos os pressupostos legais para o efeito (nomeadamente, por se verificar uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo - no caso, as relativas à natureza indisponível de créditos tributários ou equiparados, sob pena de violação dos princípios da legalidade tributária e da reserva absoluta de lei formal), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida a propósito (nomeadamente, considerando ineficaz o dito plano de revitalização quanto ao credor Instituto da Segurança Social, I.P.) ? 2.ª-É o despacho recorrido nulo, nomeadamente por não especificar os fundamentos de facto e de direito que o justificam (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC) ?
3.ª- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao ordenar o desentranhamento do articulado complementar / requerimento probatório apresentado pela credora impugnante A... Unipessoal, Limitada (nomeadamente, por ter desconsiderado essa sua natureza própria, ou por - entendendo não existir a mesma - não ter permitido a sua apresentação mediante o pagamento da multa prevista no art. 139.º, do CPC),devendo ser alterada a decisão proferida (nomeadamente, admitindo e considerando o dito articulado complementar / requerimento probatório) ?
4.ª- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao considerar improcedente a impugnação de créditos apresentada pela credora A... Unipessoal, Limitada (nomeadamente, por existir prova bastante dos seus fundamentos, ou poder ainda ser obtida da Requerente e do credor reconhecido BB),devendo ser alterada a decisão proferida (nomeadamente, julgando procedente a mesma, ou ordenando a produção de ulterior prova) ?
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2.2.2. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art. 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pela recorrente A... Unipessoal, Limitada (credora impugnante) a nulidade do despacho proferido em 30 de Maio de 2022 pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade e poderá afectar a validade da subsequente sentença), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais [4].
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1.Vícios da decisão de mérito 4.1.1.1.Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC [5][6].
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4.1.1.2. Nulidades da sentença -Omissão de fundamentação
Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:
. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art. 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4 do mesmo art. 608.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5 do mesmo art. 607º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».
Reafirma-se, assim, em sede de sentença cível, a obrigação imposta pelo art. 154.º, do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [7].
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) [8].
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine osfactos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza).
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
Este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causapelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
De seguida, e do mesmo modo, o art. 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art. 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666) [9].
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Contudo, vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [10].
Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Réis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140).
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1).
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Todo o exposto é extensível aos próprios despachos, com as necessárias adaptações, conforme decorre do art. 613.º, n.º 3, do CPC.
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4.1.1.3. Consequência da nulidade no ulterior processamento dos autos - Decisão imediata de mérito versusReenvio à primeira instância
Lê-se ainda, no art. 665.º, do CPC, que, ainda «que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação» (n.º 1); e, se «o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários» (n.º 2).
Defende-se, assim, que, «ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2». Logo, «a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários», já que só «nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo»(António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 261).
Importa, porém, ter igualmente presente que «os Recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram ainda submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal Recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, págs. 98 e 99).
Por outras palavras, «o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de (…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último» (Ac. da RC, de 27.05.2015, Isabel Silva, Processo n.º 416/13.2TBCBR.C1).
Defende-se, assim, que a consideração e aplicação do disposto no art. 665.º, do CPC, não pode ser feita de forma tão ampla que pretira a garantia, legal e constitucional, do duplo grau de jurisdição na apreciação, julgamento e decisão da matéria de facto; e, assim, será inaplicável quando tenha ocorrido omissão absoluta de fundamentação de facto [11], ou de conhecimento de qualquer das questões de mérito submetidas à apreciação do Tribunal a quo [12].
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4.1.2.Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Recorrente (A... Unipessoal, Limitada) arguir a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 30 de Maio de 2022, que ordenou «o desentranhamento do articulado e requerimento probatório» que ela própria apresentara em 24 de Maio de 2022, por «manifestamente intempestivo», e julgou «improcedente», «por infundada» a impugnação de créditos que ela própria apresentara em 20 de Maio de 2022, já que aquele teria «em vista suportar» esta, por alegada violação do art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Com efeito, e segundo a Recorrente (credora impugnante), não se consegue «visualizar nesse despacho qualquer fundamento de facto ou de direito» que «concretizasse essa extemporaneidade», o mesmo sucedendo quando ao julgamento de manifesta improcedência da impugnação de créditos por si apresentada, sendo que esta «encerrava prova bastante, mesmo que desacompanhado do articulado junto mais adiante» por si própria (o dito tido depois por extemporâneo).
Ora, compulsada o despacho em causa, verifica-se que no mesmo se omitiu completamente qualquer indicação de factos e de normas que permitissem ter, quer por extemporâneo o articulado apresentado pela Recorrente (A... Unipessoal, Limitada) em 24 de Maio de 2022, quer por manifestamente improcedente a impugnação de créditos que previamente apresentara, em 20 de Maio de 2022.
Precisando, o juízo de extemporaneidade do articulado apresentado em 24 de Maio de 2022 deveu-se ao facto de não se ter aceitado o seu «propósito de complementar a impugnação da lista provisória de credores», tempestivamente apresentada, ou por se considerar o mesmo como mero requerimento probatório, mercê da junção de cinco novos documentos [13], ou ambos ? Desconsiderou-se ainda, e em qualquer uma daquelas duas hipóteses, a viabilidade da sua apresentação contra o pagamento da multa prevista no art. 139.º, n.º 5, do CPC, e, se sim, com que razões ?
Já relativamente ao juízo de improcedência da impugnação de créditos apresentada em 20 de Maio de 2022, estribou-se o mesmo na prova e na não prova de que factos alegados (considerando quer a reclamação/o reconhecimento do crédito em causa, quer a sua posterior impugnação), de acordo com que repartição de ónus de prova e com que prova considerada (da efectivamente produzida nos autos) ? Tem-se, ainda, por tacitamente indeferida a pretensão probatória constante a final da dita impugnação de créditos (de «a notificação dos titulares dos créditos ora impugnados para junção de toda a documentação de suporte apta a demonstrar a existência das dívidas, bem como dos respectivos montantes») e, se sim, com que fundamento ?
Não constando do dito despacho recorrido quaisquer fundamentos dos juízos nele enunciados, ficou do mesmo modo a Recorrente (A... Unipessoal, Limitada) impedida de a eles aderir, ou de eficazmente os procurar contrariar (nomeadamente, em sede de recurso respectivo).
Logo, tem-se como verificada a nulidade dessa decisão, consistente na falta de especificação dos respectivos fundamentos, de factoe de direito, prevista na al. b), do n.º 1, do art. 615.º do CPC [14].
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Importa, pois, decidir pela procedência, nesta parte, do recurso deapelação da Credora impugnante(A... Unipessoal, Limitada).
Deverá ainda este Tribunal ad quem verificar, face ao regime legal aplicável às pretensões em causa, se os autos reúnem já todos os elementos necessário para que se possa conhecer do mérito respectivo, ou se, pelo contrário, terão de ser devolvido ao Tribunal a quo(para prévia prolação de decisão própria).
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4.2. Reclamação e reconhecimento de créditos (em processo especial de revitalização) 4.2.1.1. Reclamação (de créditos)
Lê-se no art. 17.º-A, n.º 1, do CIRE [15], que o «processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização».
Precisando o que seja «situação económica difícil», lê-se no art. 17.º-B, do CIRE, que, para «efeitos do presente processo», será aquela em que a empresa enfrenta «dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito»; e precisando o que seja «situação de insolvência meramente iminente», dir-se-á ser aquela em que o devedor ainda não se encontra «impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas», já que esta é a definição de insolvência dada pelo art. 3.º, n.º 1, do CIRE.
Mais se lê, no art. 17.º-C, do CIRE, que o «processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação» (n.º 1); e, recebido o requerimento, «o juiz nomeia, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto no n.º 1 do artigo 32.º e nos artigos 33.º e 34.º, com as devidas adaptações» (n.º 5).
Logo, a partir desse momento, a empresa requerente fica a coberto da instauração, ou prosseguimento, de quaisquer acções executivas contra si, beneficiando ainda da suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que poderá opor a outrem, e da proibição de suspensão da prestação de serviços públicos essenciais (conforme art. 17.º-E, n.ºs 1, 9,10 e 11).
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Lê-se ainda, no art. 17.º-D, n.º 2, do CIRE, que os «credores dispõem de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere o n.º 5 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório», indicando a «sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros», as «condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas», a «sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral, se aplicável», a «existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes» e a «taxa de juros moratórios aplicável».
Contudo, e ao contrário do que sucede no processo de insolvência, esta reclamação de créditos não se destina a possibilitar o seu futuro pagamento (ali, por força do património apreendido ao insolvente, depois liquidado, e segundo a devida graduação legal). Destina-se sim, e tão somente, a viabilizar a participação dos credores nas negociações (com vista à elaboração do plano de revitalização), no procedimento de aprovação do plano de revitalização e na eventual oposição ao mesmo, estabelecendo ainda a futura base de cálculo das maiorias necessárias (conforme arts. 17.º-D, n.ºs 1, 6, 7, 8 e 9, 17.º-F, n.ºs 1, 2, 3 e 4, e 17.º-G, n.º 1, todos do CIRE) [16].
Compreende-se que assim seja, porque o objectivo do PER é precisamente o de permitir que a empresa continue íntegra e actuante no mercado (o que é necessariamente incompatível com qualquer apreensão e liquidação dos seus activos).
Ora, esta radical diferença de propósito, entre uma e outra reclamação de créditos (em sede de processo de insolvência e em sede de PER), justifica a diferença de soluções legais que se verifica entre ambas, nomeadamente, e no que tange ao PER, uma maior celeridade e superficialidade da apreciação dos créditos [17], o efeito não preclusivo da sua falta de reclamação (face à possibilidade do seu reconhecimento posterior noutra sede) [18], ou a não formação de caso julgado sobre o reconhecimento que nele se faça dos ditos créditos [19].
Precisa-se, porém, que a reclamação de créditos em sede de PER não deixa de constituir um verdadeiro ónus de reclamação (a cargo de cada credor do devedor requerente), cujo incumprimento impedirá o onerado respectivo de vir a agir do modo referido supra; e poderá o mesmo vir a ser prejudicado pela concessão de garantias especiais a alguns credores, conforme art. 17.º-H, do CIRE [20].
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4.2.1.2. Reconhecimento provisório (de créditos)
Lê-se no mesmo art. 17.º-D, n.º 3, do CIRE, que, findo o prazo de reclamação, o administrador judicial provisório «no prazo de cinco dias elabora uma lista provisória de créditos, indicando, quando aplicável, a classificação dos créditos de acordo com a proposta da empresa, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo anterior», isto é, mercê de «categorias distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados e querendo, de entre estes, refletir o universo de credores da empresa em função da existência de suficientes interesses comuns» (designadamente, trabalhadores, sócios, entidades bancárias que tenham financiado a empresa, fornecedores de bens e prestadores de serviços e credores públicos).
Defende-se, porém, que (à semelhança do que sucede no processo de insolvência, face ao art. 129.º, n.º 1, do CIRE), o administrador judicial provisório deverá incluir na lista provisória de créditos aqueles que, ainda que não reclamados, constem dos elementos da contabilidade do devedor, ou sejam por outra forma do seu conhecimento [21].
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4.2.1.3. Impugnação (de créditos)
Lê-se no art. 17.º-D, n.º 4, do CIRE, que esta «lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos ou na incorreção do montante, da qualificação ou da classificação dos créditos relacionados, designadamente por inexistência de suficientes interesses comuns, devendo a impugnação, nos casos de incorreção da classificação dos créditos relacionados, ser acompanhada de proposta alternativa de classificação dos créditos».
Logo, qualquer credor tem o direito de contestar a lista provisória de créditos quer por nela não constar devidamente o crédito por si reclamado, quer quanto aos termos que nela constam o crédito atribuído a outrem, tendo em conta as implicações que a sua aprovação, ou não aprovação, terá na determinação do cálculo das maiorias de aprovação do acordo de pagamento.
«A impugnação da lista de créditos pode consistir em impugnação por excepção (facto impeditivo ou extintivo do crédito) ou impugnação pura (negação da constituição do crédito) e o seu fundamento pode ser qualquer circunstância que conduza à afirmação da existência do crédito não reconhecido ou da inexistência do crédito reconhecido» (Ac. da RP, de 26.06.2014, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1).
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4.2.1.4. Decisão (de reconhecimento definitivo de créditos)
Lê-se igualmente no art. 17.º-D, n.º 5, do CIRE, que, tendo existido impugnações, o juiz dispõe do prazo «de cinco dias úteis para decidir sobre as impugnações formuladas».
Logo, e ao contrário do que se prevê no art. 131.º, do CIRE, para o processo de insolvência, no PER não se consagrou qualquer faculdade de resposta relativamente aos créditos reconhecidos pelo administrador judicial provisório mas que venham a ser impugnados, nomeadamente por parte de qualquer interessado que assuma a posição contrária (v.g. titular), incluindo o devedor, ou por parte do administrador judicial provisório [22]. O contraditório está, assim, aligeirado, de acordo com a maior celeridade e simplificação que aqui se quis imprimir ao reconhecimento dos créditos.
Precisa-se ainda que, na decisão das impugnações de crédito apresentadas, inexiste qualquer presunção de prova decorrente do prévio reconhecimento do crédito, e das suas garantias, pela inclusão na lista provisória elaborada pelo administrador judicial provisório. Logo, mantem-se sobre os credores cujos créditos sejam impugnados o ónus de provar os factos consubstanciadores dos créditos e das garantias que invoquem, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CPC: o que está em discussão é o direito de crédito que reclamaram ou que lhes foi provisoriamente reconhecido, sendo os requisitos deste que têm de ser demonstrados para que possa ser definitivamente reconhecido [23].
Discute-se, porém (na inexistência de previsão legal de resposta às impugnações, bem como de qualquer fase de instrução e julgamento), se a decisão a proferir deve, ou não, permitir a produção de qualquer provaque não seja a documental; mas, em qualquer caso, junta logo com os articulados de reclamação e de impugnação.
Com efeito, e quanto a esta última exigência (prova junta logo com o articulado respectivo), inexistindo qualquer disposição expressa editada para o PER, defende-se a aplicação ao mesmo do disposto no processo de insolvência (nos termos do art. 17.º-A, n.º 3, do CIRE), quer no art. 128.º, n.º 1, do CIRE (para a reclamação de créditos), quer no art. 25.º, n.º 2, in limine, aplicável ex vi do art. 134.º, n.º 1, ambos do CIRE (para a impugnação respectiva) [24].
Já quanto à natureza da prova a produzir, e na defesa da admissibilidade de qualquer uma, pondera-se nomeadamente o facto do art. 17.º-E, n.º 5, do CIRE, prever que a decisão das impugnações possa ocorrer depois de esgotado o prazo de cinco dias úteis previsto para o efeito (o que se poderá ficar a dever precisamente a uma mais demorada produção de prova); e ainda quer o direito à prova, estruturante da legislação processual civil (e constitucionalmente apoiado nos arts. 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 6, ambos da CRP), quer o dever imposto ao juiz de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, quanto aos factos de que lhe é licito conhecer (conforme art. 411.º, do CPC, que consagra o principio do inquisitório ou o princípio do juiz activo) [25].
Contudo, na defesa da inadmissibilidade de produção de prova que não seja meramente documental, pondera-se nomeadamente a inexistência de qualquer disposição legal que o autorize, o curto prazo (cinco dias úteis) de que o Tribunal dispõe para decidir (que, de outro modo, ficaria quase sempre precludido), e a especial natureza e finalidade da reclamação e reconhecimento de créditos aqui em causa (única e exclusivamente compor o quórum deliberativo previsto no art. 17.º-F, n.º 3, do CIRE), que por isso não impede a reclamação de créditos num futuro processo de insolvência, então já com recurso a outras garantias processuais e meios probatórios [26].
Por fim, lê-se no art. 17.º-D, n.º 6, do CIRE que, não «sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em definitiva».
Logo, tendo o crédito sido reconhecido pelo administrador judicial provisório, e não vindo a ser impugnado, terá de ser tido como tal pelo Tribunal, o que se compreende, atenta a natureza e a finalidade do processo em causa: se neste processo concursal de reclamação de créditos, todos os que a ele concorrem admitem como válido um deles, compreende-se que não seja exigível ao respectivo titular prova adicional da respectiva existência; e as reclamações de créditos não se destinam aqui a viabilizar qualquer futuro pagamento (face à inexistência de futura liquidação do património do devedor), mas apenas a possibilitar a participação nas negociações e na aprovação do plano de pagamentos.
De forma conforme, lê-se no art. 17.º-G, n.º 9, do CIRE, que, havendo «lista definitiva de créditos reclamados, e sendo declarada a insolvência do devedor por aplicação do disposto no n.º 7 [conclusão do processo negocial sem aprovação de plano de revitalização, não se opondo a empresa à respectiva insolvência], os credores constantes daquela lista não necessitam de reclamar os créditos ali relacionados nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º» [no prazo fixado na sentença de insolvência para o efeito, quanto a todos os demais credores], tendo porém os ditos créditos que ser então verificados, nos termos gerais aplicáveis, por o prévio reconhecimento que mereceram em sede de PER não fazer caso julgado.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável) 4.2.2.1. Articulado complementar e/ou Requerimento probatório
Concretizando, tendo sido reconhecida supra a nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que ordenou «o desentranhamento do articulado e requerimento probatório datado de 24.05.2022», por «manifestamente intempestivo», e face ao regime legal exposto antes, considera neste momento o Tribunal ad quem que os autos reúnem já todos os elementos que lhe permitem conhecer a questão.
Com efeito, verifica-se que, tendo A... Unipessoal, Limitada (credora reconhecida) vindo, em 20 de Maio de 2022, impugnar o crédito reconhecido a BB, fê-lo no último dia do prazo de que dispunha para o efeito (conforme consensualmente admitido nos autos).
Mais se verifica que, no dia 24 de Maio de 2022, veio a mesma Credora impugnante juntar novo articulado, afirmando que com ele procedia «à junção de prova que não lhe foi possível facultar em tempo útil com tal articulado» [o de 20 de Maio de 2022] juntando efectivamente cinco novos documentos, alegadamente tendentes a demonstrar que a Devedora (AA) apenas intentou este processo especial de revitalização após confrontada com a penhora de gado seu, em processo executivo movido por ela própria (e unicamente para suspender aquela execução), possuindo ainda diverso património imobiliário sem quaisquer ónus ou encargos (por ela omitido no requerimento inicial dos autos) e celebrara já negócios simulados (conforme reconhecido judicialmente).
Contudo, e tal como admitiu posteriormente, nas suas alegações de recurso, aproveitou ainda o mesmo articulado para «reforço da impugnação anteriormente feita e sempre com a intenção de auxiliar o tribunal a tomar a mais acertada decisão no curto prazo de cinco dias estipulado para o efeito», usando-o para «complementar a impugnação da lista provisória de credores», por meio de articulação adicional.
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, em qualquer uma das hipóteses propostas para consideração do dito articulado (de mero requerimento probatório, ou de articulado complementar), o mesmo não é legalmente admissível.
Com efeito, e considerando-o como mero requerimento probatório, teria de ter sido junto com o articulado de impugnação de créditos, apresentado em 20 de Maio de 2022, conforme imposto pelos arts. 128.º, n.º 1 e 25.º, n.º 2, in limine, este último aplicável ex vi do art. 134.º, n.º 1, nos termos do art. 17.º-A, n.º 3, in fine, todos do CIRE, e não posteriormente, por inexistir qualquer norma legal que o autorizasse.
Já considerando o mesmo como articulado complementar da prévia impugnação de créditos apresentada, dir-se-á que não se prevê em parte alguma do CIRE, ou do processo civil (aplicável subsidiariamente ao mesmo, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do CIRE), a possibilidade de apresentação de segundos ou outros ulteriores articulados, para completar ou perfectibilizar aqueles que previamente tenham sido oferecidos pelas partes, no exercício de um direito ou no cumprimento de um ónus (fora da limitada hipótese de surgirem em cumprimento de um prévio despacho de aperfeiçoamento).
Dir-se-á ainda, e ao contrário do igualmente admitido pela Recorrente (A... Unipessoal, Limitada) nas suas alegações de recurso, que nunca poderia estar aqui em causa a aplicação do art. 139.º, n.º 5, do CPC, isto é, a autorização da junção do dito articulado complementar mediante o pagamento de uma multa, como se de uma primeira e única impugnação de créditos se tratasse.
Com efeito, tendo ela própria apresentado para esse efeito um articulado em 20 de Maio de 2022, no último dia do prazo de que dispunha para tal, exerceu desse modo o respectivo direito, nos termos em que entendeu fazê-lo, esgotando definitivamente esse exercício. Não podia, por isso, pretender depois renová-lo, com novo articulado, apresentado para o mesmo efeito, sendo que só para aquela prévia apresentação poderia eventualmente beneficiar do regime previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC [27].
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Importa, pois, decidir pela improcedência, nesta parte, do recurso deapelação da Credora impugnante (A... Unipessoal, Limitada), declarando legalmente inadmissível o articulado e/ou requerimento probatório que apresentou em 24 de Maio de 2022, devendo o mesmo ser desentranhado dos autos.
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4.2.2.2. Decisão da impugnação (de créditos)
Concretizando novamente, tendo sido igualmente reconhecida supra a nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que julgou «improcedente» a impugnação de créditos apresentada por A... Unipessoal, Limitada, «por infundada», e face ao regime legal exposto antes, considera o Tribunal ad quem que o teor dos autos não lhe permite conhecer a questão.
Com efeito, verifica-se que BB reclamou um crédito de € 170.361,10, alegando ter emprestado diversas quantias em dinheiro a T.I. - E..., Limitada, emitindo aquela para seu pagamento uma letra de igual valor, avalizada por diversas pessoas singulares, nomeadamente a aqui Devedora (AA); e que, não tendo o título de crédito sido pago seu vencimento, instaurou uma acção executiva para sua cobrança, nela demandando a dita Avalista (AA), que, citada, não deduziu oposição, assim reconhecendo a dívida.
Mais se verifica que a Administradora Judicial Provisória reconheceu o seu crédito, com base no teor da dita acção executiva.
Verifica-se ainda que A... Unipessoal, Limitada, impugnou a existência daquele crédito, alegando: ser incompreensível que o credor BB aceitasse aqui reduzir a sua cobrança a € 70.000,00 (e mediante pagamento faseado em 150 prestações mensais, vencendo-se a primeira no prazo de um ano após a aprovação do PER), quando poderia receber a totalidade do mesmo, dos demais avalistas da letra de câmbio que invocou nos autos; inexistir qualquer relação entre a actividade agropecuária levada a efeito pela Requerente (AA), em ..., e uma e... sita em ... (T.I. - E..., Limitada, sacadora da dita letra de câmbio), que pudesse originar uma dívida tão avultada, e ainda por cima uma dívida assumida solidariamente por outras pessoas singulares, que não se dedicam à mesma actividade; não figurar o credor reconhecido BB como sócio ou gerente da dita sacadora da letra (T.I. - E..., Limitada), não se vislumbrando ainda qual a relação entre ambos e a Requerente (AA); e encontrar-se T.I. - E..., Limitada, com a respectiva matrícula cancelada por dissolução, no âmbito de procedimento administrativo de dissolução e liquidação.
Por fim, verifica-se que, no final do seu articulado de impugnação de créditos, A... Unipessoal, Limitada, juntou certidão comercial de T.I. - E..., Limitada (por forma a demonstrar que nem o Credor impugnado, nem a Requerente possuiriam qualquer relação com aquela empresa - alegada sacadora da letra de câmbio executada -, e que a mesma teria a respetiva matrícula cancelada por dissolução, no âmbito de procedimento administrativo de dissolução e liquidação); e requereu «a notificação dos titulares dos créditos ora impugnados para junção de toda a documentação de suporte apta a demonstrar a existência das dívidas, bem como dos respectivos montantes».
Ora, e conforme referido supra, impunha-se que o Tribunal a quose pronunciasse previamente sobre esta pretensão probatória da Credora impugnante (A... Unipessoal, Limitada), deferindo-a ou indeferindo-a, com expressa indicação do respectivo fundamento legal.
Depois, mediante o teor da sua prévia decisão, impunha-se ainda que: apreciasse criticamente a prova documental efectivamente produzida (desde logo, a junta com o requerimento de reclamação do crédito em causa e a junta com o articulado de impugnação respectiva); mercê do ónus de prova aplicável, declarasse quais os factos provados e quais os factos não provados; os subsumisse de seguida às disposições legais aplicáveis; e só então concluísse por um juízo de procedência, ou de improcedência, da dita impugnação de créditos.
Ora, não pode este Tribunal ad quem substituir-se-lhe naquela sua devida actividade, já que, desse modo, estaria necessariamente a suprimir o segundo grau de apreciação da decisão sobre a matéria de facto, legal e constitucionalmente garantido.
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Importa, pois, reenviar os autos ao Tribunal a quo, para que proceda em conformidade.
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4.3. Remanescente objecto dos recursos em apreciação - Prejudicado o seu conhecimento
Tendo sido reconhecida a nulidade do despacho do Tribunal a quo, que julgou improcedente a impugnação de créditos apresentada por A... Unipessoal, Limitada, do mesmo passo, e nos termos do art. 195.º, do CPC, aplicável ex vi do art. 17.º, n.º 1, do CIRE, ficou afectada a validade de todos os actos posteriores praticados nos autos radicados naquela decisão (nomeadamente, o reconhecimento definitivo do crédito reclamado por BB, a votação do plano de revitalização apresentado pela Devedora - cuja aprovação resultou precisamente do voto favorável daquele Credor -, e a posterior sentença de homologação do dito plano de revitalização) [28].
Logo, e com tal motivo, mostra-se prejudicado o conhecimento da remanescente questão colocada à apreciação deste Tribunal ad quem, contida no recurso apresentado pelo credor Instituto da Segurança Social, I.P. (de ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e aplicação da lei, ao homologar a aprovação do plano de revitalização quando não estavam reunidos os pressupostos legais para o efeito - nomeadamente, por se verificar uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, aqui relativas à natureza indisponível de créditos tributários ou equiparados, sob pena de violação dos princípios da legalidade tributária e da reserva absoluta de lei formal), o que aqui se declara, nos termos do art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em
1. Julgar parcialmente procedente e parcialmente improcedente o recurso de apelação interposto pela credora impugnante A... Unipessoal, Limitada, e, em consequência, em
· Declarar a nulidade, por falta de fundamentação, do despacho recorrido, proferido em 30 de Maio de 2022 (que ordenou o desentranhamento do articulado e/ou requerimento probatório datado de 24 de Maio de 2022, por manifestamente intempestivo, e julgou improcedente, por infundada, a impugnação de créditos de A... Unipessoal, Limitada).
· Declarar legalmente inadmissível o articulado e/ou requerimento probatório datado de 24 de Maio de 2022, apresentado por A... Unipessoal, Limitada, devendo o mesmo ser desentranhado dos autos.
· Ordenar a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que se pronuncie sobre a pretensão probatória expressa por A... Unipessoal, Limitada, no final da impugnação de créditos que apresentou (deferindo-a ou indeferindo-a, com expressa indicação do respectivo fundamento legal); e, oportunamente, para que profira decisão de mérito sobre a dita impugnação de créditos, devidamente fundamentada de facto (nomeadamente, com elaboração de um elenco de factos provados e de factos não provados, mercê da apreciação crítica da prova produzida e do ónus de prova aplicável) e de direito (com subsunção daqueles factos às disposições legais aplicáveis). 2. Declarar prejudicado o conhecimento da questão objecto do recurso de apelação interposto pelo Instituto da Segurança Social, I.P..
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Custas das apelações pela Devedora (AA), que ficou vencida no recurso apresentado pela Credora Impugnante (A... Unipessoal, Limitada), resultando inteiramente do êxito da pretensão desta o não conhecimento da apresentada pelo credor Instituto da Segurança Social, I.P. (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 30 de Novembro de 2022
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes
[1]Sob convite doTribunal a quo, a recorrente Agriapúlia, Unipessoal, Limitada, veio responder a esta alegação de intempestividade do seu recurso, defendendo que, estando em causa uma sentença (de homologação da aprovação do Plano de Revitalização) teria de ser notificada, e não apenas publicada, conforme art. 17.º-F, n.º 11, do CIRE; e, tendo a dita notificação ocorrido, quando a si, no dia 16 de Setembro de 2022, presumindo-se notificada no dia 19 de Setembro de 2022, sendo o prazo de recurso de 15 dias, tendo-se iniciado no dia 20 de Setembro de 2022 e terminado no dia 04 de Outubro de 2022, o recurso por si apresentado nesta última data não poderia deixar de ser considerado tempestivo.
O Tribunal a quo viria a sufragar este seu entendimento, no despacho de admissão do recurso; e a Relatora deste Tribunal ad quem, no seu despacho inicial, reiteraria o mesmo, recebendo o dito recurso. [2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [3]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [4]Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2. [5]Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14. [6] Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133). [7] Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348. [8] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 12.01.2010, António da Costa Fernandes, Processo n.º 809/1996.G1, onde se lê que o «dever de fundamentar as sentenças visa tornar possível um duplo controlo. Em primeiro lugar, um controlo intraprocessual, permitindo às partes o fácil exercício dos meios de impugnação, através do conhecimento dos motivos da decisão, e em facilitar o trabalho das instâncias superiores de recurso. Em segundo lugar, um controlo extraprocessual. Este último traduz-se na possibilidade de a comunidade jurídica e a opinião pública controlarem o modo como os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes está atribuído. Trata-se, neste caso, de um “controlo democrático difuso que deve poder ser exercido por aquele mesmo povo em nome do qual a sentença é proferida” - cfr. o art. 202º, 1, da CRP». [9] Enfatiza-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277). [10]No mesmo sentido:Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manuela de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 687; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 221; ou José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
Contudo, e para este último autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta absoluta de fundamentação integra a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a respectiva mediocridade ou deficiência (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art. 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). [11] Neste sentido, Ac. da RG, de 18.12.2017, Helena Melo, Processo n.º 1099/17.6T8VNF.G1, onde se lê que a «regra da substituição do Tribunal de recurso ao tribunal recorrido não pode ser entendida como tendo aplicação nos casos em que o tribunal recorrido simplesmente não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer. Pretendeu-se que o tribunal de recurso supra alguma nulidade pontual que possa ter ocorrido, mas não que seja ele a proferir totalmente a decisão, deste modo suprimindo totalmente um grau de jurisdição. A intenção subjacente à regra da substituição que tem como fundamento a celeridade não se aplica aos casos de total ausência de pronúncia, devendo, nesses casos, a decisão ser anulada».
Ainda Ac. da RL, de 07.12.2021, Ana Rodrigues da Silva, Processo n.º 8513/09.2YYLSB-B.L2-7, onde se lê que, quando «exista uma ausência da fundamentação de facto, por falta de especificação de factos provados e não provados, bem como por omissão de qualquer apreciação crítica da prova produzida, e sua subsunção ao direito aplicado, impedindo, assim, a sua sindicância, estamos perante uma situação de falta de fundamentação, o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC».
Contudo, esta «nulidade apenas pode ser colmatada pelo tribunal que proferiu a sentença, porquanto a apreciação da prova produzida pelo tribunal de recurso significaria a diminuição de um grau de jurisdição na apreciação e julgamento da matéria de facto». [12] Neste sentido, Ac. da RL, de 19.05.2016, Maria Teresa Pardal, Processo n.º 478-14.5TBCSC.L1-6, onde se lê que, tendo «a decisão recorrida conhecido de um pressuposto processual e não do fundo da causa, não deverá operar a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no artigo 665º nº2, que só deverá aplicar-se nas situações em que o tribunal recorrido já apreciou o fundo da causa, não se pronunciando sobre questões que ficaram prejudicadas (artigo 608º nº2 do CPC), como parece indicar a expressão “por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio”. Já não será assim quando, como é o caso, a decisão recorrida se limitou a conhecer de um pressuposto processual e a absolver da instância, sob pena de a Relação poder eventualmente decidir a causa em 1ª instância, com a consequente supressão de um grau de jurisdição». [13] Recorda-se que, com estes cinco novos documentos, a Credora impugnante (Agriapúlia Unipessoal, Limitada) procurava demonstrar que a Requerente (Maria Celeste da Costa Cardoso), confrontada com a penhora de gado seu, em processo executivo movido por ela própria, intentou de imediato o presente processo especial de revitalização (unicamente para suspender aquela execução), possuindo ainda diverso património imobiliário sem quaisquer ónus ou encargos (por ela omitido no requerimento inicial destes autos), e tendo procedido a aquisições de património nulas, por simulação (conforme judicialmente reconhecido). [14]Neste sentido, no que a um juízo de improcedência de impugnação de créditos apresentada respeita, Ac. da RP, de 27.06.2022, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 1472/21.5T8STS.P1, onde se lê que a decisão de uma «impugnação de crédito reclamado», «como decisão incidental, está, sob pena de nulidade (artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil ex vi do artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), subordinada ao dever de nela se enunciarem os factos provados e não provados e bem assim de motivação da respetiva decisão de facto, maxime através da análise crítica dos meios de prova apresentados pelo credor reclamante que tenha visto o seu crédito ser excluído da lista definitiva». [15] Os arts. 1.º, n.º 2, 17.º-A a 17.º-J - pertinentes ao processo especial de revitalização (aqui e doravante PER) - foram aditados ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, com o objectivo de se assumir «como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual» (conforme Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30.12.2011).
Trata-se de um processo que consiste basicamente num regime pré-insolvencial (no sentido de preventivo de uma potencial insolvência) para devedores empresários, que tem como maior vantagem a «possibilidade de o devedor (…) obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente»; e, como «maior risco, (…) o de, depois de tudo, o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Para os credores fica, mais uma vez, reservado o papel fundamental: ou consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem» o PER «ou então manterem-se irredutíveis, caso em que o plano de» pagamento «não é aprovado e aquele risco» se poderá concretizar» (Catarina Serra, «Processo Especial de Revitalização - contributos para uma “rectificação”», ROA, Ano 72, II/III, pág. 716).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o processo especial de revitalização reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial. [16] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, págs. 154 e 155.
Na jurisprudência: Ac. da RP, de 08.06.2022, Rita Romeira, Processo n.º22434/18.4T8PRT-A.P1; ou Ac. da RP, de 27.06.2022, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 1472/21.5T8STS.P1. [17]Neste sentido, Ac. da RL, de 12.07.2018, Rosário Gonçalves, Processo n.º 70/18.5T8RGR-A.L1-1. [18] Neste sentido: Ac. da RG, de 21.04.2016, Antero Veiga, Processo n.º 4726/15.6T8BRG.G1; ou Ac. da RG, de 19.06.2019, Conceição Bucho, Processo n.º 1712/16.2YIPRT.G1. [19] Neste sentido: Ac. da RG, de 19.03.2015, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 6245/13.6TBBRG.G1; Ac. da RG, de 26.03.2015, Raquel Rego, Processo n.º 3576/14.1T8GMR-C.G1; Ac. da RC, de 14.04.2015, Luís Cravo, Processo n.º 904/14.3TBPBL-A.C1; Ac. da RG, de 09.02.2017, José Cravo, Processo n.º 3820/15.8T8VNF-B.G1; Ac. do STJ, de 27.11.2019, José Raínho, Processo n.º 3266/17.3T8BRG.E1.S1; Ac. da RL, de 16.12.2020, Leopoldo Soares, Processo n.º 21940/18.5T8LSB.L1-4; Ac. da RG, de 18.02.2021, Jorge Teixeira, Processo n.º 4470/20.2T8GMR-B.G1; Ac. da RC, de 07.09.2021, Maria João Areias, Processo n.º 744/20.0T8FND-A.C1; ou Ac. da RP, de 15.12.2021, Carlos Gil, Processo n.º 685/12.5STBGDM-A.P1. [20] Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 74; e Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, págs. 408. [21]Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 152; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, págs. 408, 411 e 412; e Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER. O processo especial de revitalização. Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 73.
Contudo, discordando desta solução, no que ao processo de insolvência diz respeito, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016-6.ª edição, Almedina, Outubro de 2014, pág. 229, nota 755, onde se lê que se está-se, assim, perante uma solução «que constitui um desvio ao princípio do pedido», criticável porque «pode levar ao reconhecimento de créditos que já estão extintos (porque já foram pagos, apesar de a contabilidade não o reflectir)».
Neste último sentido, na jurisprudência, Ac. da RL, de 11.10.2016, Carla Câmara, Processo nº 2801/15.6T8PDL-A-7. [22] Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, págs. 150 e 153; e Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, pág. 417.
Na jurisprudência: Ac. da RL, de 20.10.2015, Maria da Conceição Saavedra, Processo n.º 749/14.0TBFUN-A.L1-7; ou Ac. da RG, de 03.02.2022, Pedro Maurício, Processo n.º 3985/20.7T8VNF-A.G1.
Contudo, em sentido contrário, enfatizando o princípio do contraditório, Ac. da RG, de 01.06.2015, Jorge Teixeira, Processo n.º 3066/14.2T8GMR-A.G1. [23]Neste sentido: Ac. da RL, de 29.03.2012, Jorge Leal, Processo n.º 3083/10.1T2SNT-C.L2-2; Ac. da RC, de 20.06.2014, Arlindo Oliveira, Processo n.º 3106/13.2TBVIS-A.C1; Ac. da RP, de 26.06.2014, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1; Ac. da RP, de 24.01.2018, , Processo n.º 60/17.5T8VNG.P1; Ac. da RP, de 12.07.2021, Maria José Simões, Processo n.º 2752/20.2T8STS-A.P1; ou Ac. da RP, de 02.12.2021, João Venade, Processo n.º 3407/18.3T8STS-A.P2.
Contudo, e aparentemente em sentido contrário, Elisabete Assunção, «IMPUGNAÇÃO E DECISÃO DA IMPUGNAÇÃO DA LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS, NO ÂMBITO DO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO», Julgar, n.º 31, 2017, pág. 54, quando aí se lê que «compete ao impugnante provar os fundamentos da impugnação, devendo pois o mesmo, em rigor, juntar cópia da reclamação de créditos apresentada, que não está disponível no processo, uma vez que, como vimos, é remetida para o administrador (no caso de a ter apresentado), assim como os documentos necessários para provar os fundamentos da sua impugnação». [24] Recorda-se, a propósito, que a generalidade do processo civil actual consagra a mesma solução, isto é, de apresentação do requerimento probatório no articulado onde se aleguem os factos a provar, podendo apenas o dito requerimento probatório ser depois eventualmente aditado ou alterado (conforme, nomeadamente, arts. 293.º, n.º 1, 365.º, n.º 1, 367.º, n.º 1, 552.º, n.º 6, 572.º, al. d), 588.º, n.º 5 e 598.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC). [25] No sentido da admissão de qualquer prova, e na doutrina, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, págs. 413 a 415.
Na jurisprudência: Ac. da RG, de 26.06.2014, Manuela Fialho, Processo n.º 180/14.8TBBRG-A.G1; Ac. da RE, de 05.11.2015, Francisco Matos, Processo n.º 696/15.9T8STR-A.P1; ou Ac. da RG, de 02.05.2016, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 5180/15.8T8VNF.G1. [26] No sentido da limitação da prova a considerar à documental inicialmente junta, e na doutrina: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 154, onde se lê que estas «circunstâncias [os argumentos referidos supra] induzem que o tribunal deva decidir exclusivamente com base nos elementos trazidos ao processo com os requerimentos, aí se incluindo a documentação com eles oferecida, devendo, além disso, levar em conta somente o que o processo já contenha, como será o caso da documentação de suporte ao requerimento inicial do credor».
Ainda: Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização - Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, Porto, 2014, págs. 43-46; ou Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER. O processo especial de revitalização. Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra 2014, págs. 77 e 78.
Na jurisprudência: Ac. da RL, de 29.05.2014, Tomé Ramião, Processo n.º 723/13.4TYLSB.L1-6; Ac. da RC, de 17.06.2014, Fernando Monteiro, Processo n.º 728/13.5TBSCD-A.C1; Ac. da RC, de 20.06.2014, Arlindo Oliveira, Processo n.º 3106/13.2TBVIS-A.C1; Ac. da RC, de 23.09.2014, Carlos Moreira, Processo n.º 142/14.5TBMS-A.C1; Ac. da RP, de 24.03.2015, Maria Graça Mira, Processo n.º 353/14.3TBAMT.P1; Ac. da RG, de 26.03.2015, Raquel Rego, Processo n.º 3576/14.1T8GMR-C.G1; Ac. da RG, de 01.06.2015, Jorge Teixeira, Processo n.º 3066/14.2T8GMR-A.G1; Ac. da RG, de 15.03.2016, Heitor Gonçalves, Processo n.º 1947/15.5T8CHV-A.G1; Ac. da RG, de 09.02.2017, José Cravo, Processo n.º 3820/15.8T8VNF-B.G1; Ac. da RG, de 29.06.2017, Rita Romeira,Processo n.º 6977/16.7T8VNF-A.G1; Ac. da RP, de 13.09.2018, Carlos Portela, Processo n.º 4689/17.3T8VNG.P1; Ac. da RG, de 10.07.2019, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 2253/18.9T8VNF.G1; Ac. da RP, de 12.07.2021, Maria José Simões, Processo n.º 2752/20.2T8STS-A.P1; Ac. da RP, de 22.11.2021, Joaquim Moura, Processo n.º 3434/20.0T8STS-A.P1; ou Ac. da RG, de 03.02.2022, Pedro Maurício, Processo n.º 3985/20.7T8VNF-A.G1. [27] Defendendo a aplicação do art. 139.º, n.º 5, do CPC, ao processo especial de revitalização (em geral, e no particular caso de apresentação de uma impugnação de créditos) - com extensa indicação de prévia jurisprudência conforme e desconforme -, Ac. do STJ, de 22.06.2021, Luís Espírito Santo,Processo n.º 3985/20.7T8VNF.G1.S1. [28] Precisando, «sempre que a prática de um ato da sequência pressuponha a prática de um ato anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do primeiro, se entretanto tiver sido praticado, pelo que a invalidade do ato processual é mais uma invalidade do ato enquanto elemento da sequência do que do ato em si mesmo considerado» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 381).