AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
DIVISIBILIDADE
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
LOTEAMENTO URBANO
Sumário

É condição de divisibilidade de um terreno, destinado a construção, a demonstração de aprovação de um loteamento urbano ou a emissão de parecer favorável em sede de pedido de informação prévia, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12.

Texto Integral

Proc. n.º 1074/19.6T8FLG.P1

Sumário.
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1). Relatório.

AA, residente na Rua ..., ..., ..., ...,
BB, residente na Rua ..., ..., ...,
Propuseram contra
Índice G..., S. A., com sede no Lugar ..., Monção
Ação especial de divisão de coisa comum pedindo que se declare a indivisibilidade do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial e se proceda à adjudicação do bem a um dos proprietários, mediante pagamento de tornas aos restantes, ou à venda do imóvel, com repartição do valor pelos mesmos.
Alegaram em síntese, que são comproprietários do prédio urbano, correspondente a terreno para construção sito no Lugar ..., ..., ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ..., descrito na C. R. P. ... sob o n.º ..., ..., na proporção de 1/3 a favor de cada um dos Autores e Réu.
Tal prédio não é passível de divisão por constar de um único artigo.
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A Ré contestou, alegando que o prédio em causa é divisível através da realização de operação de loteamento, concluindo pela sua divisão em conformidade e adjudicação do respetivo quinhão a cada um dos comproprietários.
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Entendeu-se que o litígio assenta somente na questão da divisibilidade ou indivisibilidade, tendo sido ordenada a realização de perícia.
O perito nomeado concluiu pela divisibilidade em substância do prédio em causa nos autos através de uma operação de loteamento e subsequente constituição de três lotes.
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Foi proferida decisão que fixou as quotas para os comproprietários em 1/3 para cada e declarou o prédio indivisível, determinando o prosseguimento dos autos nos termos previstos no artigo 929.º, n.º 2, do C. P. C..
Inconformado, recorre a Ré, formulando as seguintes conclusões:
«1) A douta sentença em sindicância deve ser revogada, porque entendeu quanto à divisibilidade em substância ou indivisibilidade do prédio que “…, a divisão em substância impossibilitaria uma repartição “igualitária” na medida das respetivas proporções entre os proprietários atenta a configuração e demais características de cada um dos lotes a constituir, e de se formarem quinhões na proporção da quota de cada proprietário, havendo necessidade de haver lugar a tornas.”;
2) Previamente, deve ser alterada A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA no facto 13 da sentença, com a redação: “Inexiste, à presente data, qualquer operação de licenciamento de loteamento referente ao prédio referido em 1) aprovado”, dando-se como não provado;
3) Efetivamente, do cotejo da redação dado aos factos 5), 8) e 13) dados como assentes, quanto à fundamentação destes factos, o tribunal socorre-se de uma operação de loteamento, mas quanto ao facto 13 dá como assente que não existe nenhum projeto de licenciamento aprovado.
4) Ora, a operação de loteamento que permite a divisão do prédio em abstrato em 3 parcelas não pode servir para, ao mesmo tempo, considerar a divisão do prédio impossível, em concreto ou substância, por não permitir quinhões igualitários, para os seus três proprietários.
5) Se o tribunal de primeira instância entendia que faltava saber se a operação de loteamento, se mantinha válida ou as partes, estavam interessadas na sua concretização, sempre deveria ter notificado para aperfeiçoamento dos articulados, e, sendo a exceção suprível, devia ter feito atuar os mecanismos do art.º 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, alínea a, b) e c), ex vi art.º 549.º, n.º 1 todos do CPC.
6) É caso para se dizer que, como se refere na nota 5.º de O Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Processo de Execução, Processos especiais e Processo de Inventário Judicial, de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, – art.ºs 703.º a 1139.º, Edição Almedina, página 368.º. “O “prudente arbítrio” do julgador referido no n.º 3 tem de ser entendido como pressuposto do uma apreciação jurisdicional não arbitrária, embora submetida a critérios de conveniência e de oportunidade que estão na sua base, sempre em função da realização dos fins do processo (a justa composição do litígio com respeito pelos direitos e garantias processuais das partes).”.
7) Ademais, em reforço desta incongruência, importa salientar que o tribunal dá como provado o facto 8), qual seja: “Os lotes a constituir nos termos referidos em 5) apresentam áreas idênticas e a mesma capacidade construtiva”, com fundamento na mesma operação de loteamento resultante do juízo pericial.
8) Pelo exposto, o Tribunal a quo, ao entrar em contradição na fundamentação destes factos e na aplicação do direito respetivo cometeu uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível atento plasmado nos art.ºs 615.º, n.º 1, c) do CPC tornam a sentença nula, o que se requer.
9) Sem prescindir, quanto ao direito, resulta que o tribunal decidiu o pleito de acordo com o critério de que a (in) divisibilidade de uma coisa comum tem ainda de ser aferida em função da quota-parte de cada um dos proprietários.
10) Nas palavras de Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Editora Almedina, Ano 2107, páginas 32, 33 e 34, “…, se os comproprietários, não puderem ser todos eles contemplados com frações ou quinhões do imóvel constitutivos de novos prédios, o imóvel terá de ser considerado indivisível.”.
11) No entanto, no caso concreto não podemos concordar com este critério, tal como preconizado nas objeções aduzidas pelo autor sobredito à orientação jurisprudencial supra.
12) Efetivamente, transcrevendo-se o que alude o citado Autor a propósito, “... Salvo o devido respeito, não temos este critério como irrepreensível. Há que não confundir divisão com o conceito de divisibilidade. Divisão significa o cessar da compropriedade pela concentração do direito de cada consorte num objeto determinado e privativo (parte da coisa ou do seu valor). Divisibilidade consiste na possibilidade de fracionamento da coisa sem que as partes daí provenientes percam a essência da coisa dividida, diminuam o seu valor ou vejam alterada a sua função económico-social. O preenchimento de cada quinhão coloca uma questão de divisão e não de divisibilidade. A questão da (in)divisibilidade afere-se em função dos critérios veiculados pelo artigo 209º do Código Civil e outras normas imperativas (como veremos), nela não interferindo a possibilidade de todos os interessados verem a sua quota satisfeita e integrada por uma fração do primitivo prédio. Não devemos esquecer o carácter instrumental do direito processual que não define direitos ou interesses dos particulares mas apenas fornece os instrumentos jurisdicionais para a sua proteção. Não cabe ao processo civil a função de atribuir e, muito menos, de retirar direitos. Estamos em sede de direitos disponíveis, podendo o comproprietário renunciar válida e eficazmente ao seu direito, não dependendo a renúncia do consentimento dos outros comproprietários. A renúncia abdicativa tem como efeito a expansão da posição dos outros comunheiros, numa manifestação da elasticidade dos direitos reais. Por aplicação dos artigos 1411.º, nº 3 e 947º, nº 1 do Código Civil, a renúncia estará sujeita a escritura pública ou a documento particular autenticado caso incida sobre imóveis. Cremos que, em caso de impossibilidade de formação de quinhões em número igual aos dos comproprietários, pode haver apenas redução do número de consortes desde que haja acordo de todos os consortes 68 neles se incluindo necessariamente o consorte que não é contemplado com um quinhão. Com efeito, da interpretação dos nºs 1 e 2 do Artigo 929º do CPC resulta que o critério prevalecente para a divisão é o acordo dos comproprietários (“na falta de acordo entre os interessados presentes” – nº 1; “Na falta de acordo sobre a adjudicação” – nº 2). O que diverge é o objeto mediato de tal acordo: distribuição dos quinhões por adjudicação ou sorteio (nº 1); integração da quota em espécie ou preenchimento daquela em dinheiro, sendo a coisa indivisível (n° 2). Ali ocorre uma divisão em substância; aqui a divisão em substância é convolada para divisão em valor. O regime formalmente exigente da renúncia abdicativa está configurado primacialmente para o seu exercício extrajudicial. Estando pendente ação de divisão de coisa comum, se o consorte comparecer na conferência de interessados e der o seu assentimento à adjudicação de quinhões que não o contemple, não vemos razões para não atender esta sua vontade. Note-se que, frequentemente, a compropriedade existe entre familiares (v.g. na sequência de adjudicação de bens em comum em processo de inventário) o que pode justificar a assunção de tal conduta. Os n°s 1 e 2 do Artigo 929° regem sobre o modo de operar a divisão (com parte da coisa no n° 1 ou com parte do seu valor no n° 2) e não sobre a divisibilidade da coisa. Assim, merece a nossa concordância a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2012, segundo o qual importa «(...) distinguir a questão da divisibilidade da coisa, que depende apenas do preenchimento dos requisitos civis ou administrativos, da sua posterior divisão pelos contitulares, operada através de diversos mecanismos cujo acionamento dependerá das concretas circunstâncias, desde logo, da existência ou não de acordo, da opção pelo sorteio ou da venda a terceiro, com distribuição do respetivo produto.»”.
13) Ora, considerando os factos apurados no processo, a divisão do prédio em 3 partes, por três proprietários, com áreas semelhantes e a mesma capacidade construtiva – facto provado 8 - permite uma repartição igualitária da propriedade.
14) A circunstância de se atender às características do prédio para assegurar a maior capacidade construtiva, e daí resultar que os lotes a constituir teriam características divergentes, 2 lotes, com 3 frentes e um lote, o do meio, apenas com duas frentes, tanto permite aumentar, como reduzir os custos de construção, de uns e de outros, de acordo com as suas características diferentes, pelo que, o seu valor ainda assim podia ser igualitário e ainda que o não fosse, atendendo a que são 3 proprietários, 3 lotes com áreas iguais e com a mesma capacidade construtiva, o prédio sempre seria divisível.
15) Ou seja, a possibilidade de poderem existir 2 quinhões mais valiosos, o que ainda assim não se aceita, sempre permitiria a divisibilidade do prédio, dado que a diferença é insignificante, podendo um qualquer eventual acerto que fosse necessário realizar para igualar os 3 proprietários, ser obtido, não à custa de tornas, mas de outra forma, nomeadamente, a venda a terceiro, com a divisão do preço.
16) Destarte, no que concerne aos custos do loteamento de cerca de 50.000,00€, a liquidação de tais custos sempre poderia ser também uma forma de igualar os 3 proprietários, pagando mais os proprietários a que eventualmente fosse adjudicados os lotes com as três frentes e menos o do lote com 2 frentes, sendo certo que, considerando que o prédio mãe está avaliado em cerca de 620.783,22€, o seu valor é um duodécuplo, ou seja doze vezes maior do que o custo do loteamento.
17) Pelo exposto, aderindo à sapiente doutrina sobredita e à melhor jurisprudência, entendemos que o prédio em dissídio é divisível, pelos 3 proprietários, devendo a sentença sob censura ser revogada e substituída por uma outra que acolha as soluções jurídicas ora preconizadas.
18) A sentença a quo ofendeu, assim, o disposto nos artigos os artigos 6.º, n.º 2; 590.º, n.º 2; 615.º, n.º 1, alínea c); 925.º a 929.º, n.ºs 1 e 2 todos do Código Processo Civil e art.º 209.º e 1412.º do Código Civil.».
Termina peticionando a revogação da sentença recorrida.
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Não houve contra-alegações.
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As questões a decidir são:
- alteração da matéria de facto relativamente à prova de ter havido aprovação processo de loteamento do imóvel a dividir;
- divisibilidade do imóvel tendo em atenção as regras urbanísticas.
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2). Fundamentação.

2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1) O prédio urbano correspondente a terreno para construção com a área total inscrita de 4.700 m2, sito no lugar ... ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana do ..., da Freguesia ..., deste Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sobre o artigo ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., Freguesia ..., na proporção de 1/3 a favor de cada um dos AA. e R. (cfr. cópia de certidão da Conservatória do Registo Predial ... constante dos autos, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido).
2) O prédio referido em 1) trata-se de uma parcela de terreno que, de acordo com o levantamento topográfico, apresenta uma área de 5.984 m2, localizada no centro de ..., na Rua ....
3) De acordo com o Plano Director Municipal ..., o prédio referido em 1) é classificado como “Espaço Urbanos e urbanizáveis – aglomerado principal: alta densidade – cidade ...”, apresentando um índice máximo de utilização de solo correspondente a 1.6 e número máximo de pisos igual a 8.
4) O prédio descrito em 1) apresenta um valor venal de 620.783,22 euros.
5) O prédio referido em 1) é passível de divisão em 3 parcelas mediante a realização de uma operação urbanística de loteamento, 6) Cujos custos administrativos, correspondentes a taxas de compensação ascendem ao valor de 43.411,58 euros,
7) A que acresce o custo de elaboração do projecto de loteamento no valor de cerca de 6.000 euros.
8) Os lotes a constituir nos termos referidos em 5) apresentam áreas idênticas e a mesma capacidade construtiva,
9) Tendo os lotes das estremas da parcela três frentes (principal, lateral e posterior),
10) E o do meio, apenas duas frentes (principal e posterior).
11) Os lotes referidos em 9), dado o maior número de frentes, apresenta o valor de 214.927,74 euros,
12) E o lote referido em 10), apresenta o valor de 198.927,74 euros.
13) Inexiste, à presente data, qualquer operação de licenciamento de loteamento referente ao prédio referido em 1) aprovado.
14) A construção em toda a área do prédio referido em 1), considerando o vertido em 3), e utilizando o máximo da sua capacidade construtiva implica um investimento de valor não concretamente apurado mas superior a 4.000.000 euros.».
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Não há factos não provados.
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2.2). Do mérito do recurso.
A). Dos factos 5 e 13.
A recorrente chama à colação estes dois factos, que têm o seguinte teor:
5). O prédio referido em 1) é passível de divisão em três parcelas mediante a realização de uma operação urbanística de loteamento.
13). Inexiste, à presente data, qualquer operação de licenciamento de loteamento referente ao prédio referido em 1) aprovado.
Tem ainda relevância o facto 8:
Os lotes a constituir nos termos referidos em 5) apresentam áreas idênticas e a mesma capacidade construtiva.
Dos factos 5 e 8 resulta que o imóvel em causa é passível de ser dividido em três lotes (através de loteamento), tendo os mesmos áreas e capacidade construtivas idênticas.
Do que logramos entender da motivação do tribunal recorrido, o suporte para estes dois factos resulta do teor do relatório pericial junto aos autos. E, na verdade, nesse relatório, nomeadamente no complementar junto em 27/12/2021, mas também no inicial de 03/03/2020, é feita a referência à possibilidade de constituição de três lotes, apresentando-se depois como seriam constituídos.
Porém, os autos fornecem mais elementos para além da análise hipotética do perito.
Na contestação apresentada pela Ré em 18/11/2019, a mesma alegou que tinha solicitado um pedido de informação prévia (P. I. P.) junto da Câmara Municipal ... (artigos 9.º a 13.º), pedido cuja cópia se mostra junta como documento n.º 1, com entrada em 13/11/2019 – processo n.º ... -.
E em 17/11/2021, a Ré juntou aos autos o resultado desse P. I. P., numa comunicação daquela edilidade municipal de 16/09/2020, onde o pedido de loteamento do imóvel obtém parecer favorável, condicionada à apresentação de determinados elementos.
Ora, aquele parecer, cujo teor não foi questionado pela contraparte, admite a constituição de três lotes com as seguintes áreas:
- lote 1 – 1.328,90 m2;
- lote 2 – 1.287,30 m2;
- lote 3 – 1.570,90 m2 -.
Somando estes valores, obtém-se a área total de lotes de 4.187,71 m2, tendo por base a área total do prédio de 4.700 m2.
Sucede que, nesse pedido, a requerente menciona que a dimensão real do prédio é de 5.984 m2, motivo pelo qual a Câmara Municipal decide que, para tal poder ser atendido, teria de apresentar um novo levantamento topográfico, assinado pelos proprietários confinantes, a provar a legitimidade de ocupação do terreno confinante a norte.
Por isso, para o licenciamento poder ser aprovado, teria que ser apresentado não só esse documento, como a descrição predial atualizada, além de outras questões de caráter puramente urbanístico, sendo que o prazo para tal seria de um ano.
O relatório pericial junto em 03/03/2020 toma como base a área de 5.984 m2, propondo igualmente três lotes.
Há um outro pedido de informação prévia junto em 17/05/2021, relativamente ao mesmo terreno e um outro, mas que não foi solicitado pelas aqui partes (foi-o por P... Unipessoal, Lda., com prognose de emissão de parecer desfavorável, também por se tratarem de prédios inscritos no nome de outros proprietários, estando em causa dois lotes).
Ora, face ao que acima referimos, efetivamente não existe um pedido de loteamento aprovado pela entidade municipal, não havendo sequer um pedido de informação prévia aprovado face às características do imóvel.
Na verdade, o que consta dos factos é que o imóvel se encontra registado como tendo 4.700 m2 e que num levantamento topográfico (ao que pensamos, efetuado pela Ré), o imóvel tem 5.984 m2. Mas, se é certo que a área registada do imóvel não faz presumir que seja essa a área, também o é que um facto com a referência a um levantamento topográfico não faz assentar que o imóvel tenha a área a que se chegou nesse ato.
O levantamento topográfico seria um meio de prova para se apurar uma área diferente daquela que consta do registo predial.
Não havendo qualquer outra medida dada como provada, então temos de nos socorrer da que se mostra registada pois é a única que está demonstrada (veja-se Ac. da R. C. de 13/11/2018, rel. Maria Areias, www.dgsi.pt[1]
Aliás, afigura-se-nos que a área do imóvel oferece dúvidas, pelo menos à Ré pois na contestação alega que o imóvel tem 5.643,70 m2 e no P. I. P. indica a área como sendo de 5.984 m2, não se tendo, pelo menos face ao que consta dos autos, alterado a área da parte que terá adquirido (1/3 de 4.700 m2, em 20/09/2018 – documento n.º 7, junto com a petição inicial).
Mas, prosseguindo, o P. I. P. conclui que são possíveis constituir aqueles três lotes; mas a Ré não pretende um loteamento com base na área de 4.700 m2 mas antes de 5.984 m2, como expressamente resulta do quadro sinótico do pedido e da legenda do projeto, junto com a petição inicial.
Por seu turno, para esta área de 5.984 m2, o P. I. P. fica aprovado, mas sujeito a que se junte o acima indicado levantamento topográfico com aceitação dos proprietários do terreno confinante a norte, algo que não consta dos autos.
Daí que:
- o terreno é passível de ser dividido em lotes;
- não há projeto de loteamento aprovado;
- O P. I. P. aprovado sujeita a aprovação do imóvel com 5.894 m2 a (também) uma condicionante que não se demonstra que tenha ou vá ser apresentada (nada é alegado no sentido de os proprietários que possam ser abrangidos pelo aumento da área do imóvel aceitam esse aumento nem há qualquer sua intervenção no processo).
Assim, não há motivo para alterar os factos 5 e 13.
A questão de saber se, estando provado que os lotes a formar são idênticos (áreas idênticas e a mesma capacidade construtiva) e depois se concluir que não é permitida a divisão em substância por impossibilitar uma repartição “igualitária” na medida das respetivas proporções entre os proprietários atenta a configuração e demais características de cada um dos lotes a constituir, e de se formarem quinhões na proporção da quota de cada proprietário, havendo necessidade de haver lugar a tornas, tal como fundamentado na sentença, não significa que haja contradição que conduza à nulidade da sentença.
A contradição conducente à nulidade da decisão seria entre a fundamentação e a decisão e não entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito – artigo 615.º, n.º 1, c), 1.ª parte, do C. P. C.-.
A existir uma contradição entre os factos e a fundamentação de direito, tal leva a um erro de julgamento, mas não a uma nulidade da sentença.
Por fim, quanto à eventual necessidade de convite ao aperfeiçoamento (saber se a operação de loteamento se mantinha válida ou se as partes estavam interessadas na sua concretização), será analisada em sede de fundamentação de direito – aferir se há matéria com relevo que importa investigar e, na afirmativa, de que modo -.
Improcede assim esta parte do recurso.
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B). Da divisibilidade do imóvel.
Nos termos do artigo 209.º, do C. C., são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.
Como se menciona na sentença recorrida, está em causa um critério jurídico pois naturalmente tudo será divisível.
Os Autores, na petição inicial, alegam que o imóvel é indivisível por estar descrito num único artigo.
Pensamos que essa afirmação não tem sustento pois através de uma operação de loteamento o prédio pode ser dividido, havendo depois que alterar o registo predial para este se conformar com a divisão[2]. Nada aponta nos autos, antes pelo contrário conforme resulta da prova pericial que, ao ser dividido, o terreno perca a sua substância: continua a deter a qualidade de terreno para construção, ainda que dividido, tal como resulta do facto provado 5.
Quanto ao valor, dos factos, não resulta que haja diminuição. Ao ser dividido em lotes, dois deles têm o valor de 214.927,74 EUR e um outro tem o valor de 198 927,74 EUR, no total de 628.783,22 EUR (factos 9, 11 e 12); o imóvel, sem ser dividido, tem o valor venal de 620.783,22 EUR – facto 4 -.
Note-se que estes valores resultam, do relatório pericial que tem por base um imóvel com 5.984 m2, valores que não são questionados no recurso.
Não há prova de que, com a divisão, haja prejuízo para o uso a que se destina - edificação de construções -.
No entanto, é preciso conjugar estes requisitos com outros que existam no mundo jurídico para que se possa concluir que o imóvel reúne todas as condições jurídicas para ser dividido; ora, sendo um terreno destinado a construção, para o mesmo ser dividido em lotes (única situação que foi sendo colocada nos autos), tem de ou já estar aprovado o competente loteamento pela autoridade administrativa ou, pelo menos, tem de estar emitido parecer favorável do já acima referido P. I. P.[3] (Ac. da R. P. de 10/11/2015, rel. José Igreja Matos, www.dgsi.pt, Luís Sousa, Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, 2017, página 40).
Como se menciona no parecer do Conselho Consultivo do P. G. R. de 02/03/2017, www.dgsi.pt., «a necessidade de os conjuntos de edificações autónomas num mesmo prédio ou em prédios contíguos terem de ser precedidos por uma operação de loteamento e respetiva licença municipal (ou, nos casos previstos na lei, de mera comunicação prévia) deve-se, fundamentalmente, à necessidade de afirmar a precedência da urbanização sobre a edificação, ou seja, garantir que um conjunto de novas edificações autónomas dispõe de infraestruturas adequadas, beneficia de espaços e equipamentos de utilização coletiva próprios, contribui para o bem comum com a cedência de terrenos a favor do domínio público ou do património municipal e assume um programa de edificação nos lotes ao qual se vinculam o promotor, os adquirentes de lotes e o município.».
Não houve prova de loteamento aprovado.
Foi emitido parecer favorável condicionado em pedido de informação prévia mas, apesar de constar no registo o imóvel como tendo a área de 4 700 m2, a Ré pediu esse parecer para uma área maior, como já referimos e, por isso, o mesmo parecer foi favorável mas com um condicionalismo à cabeça: junção de levantamento topográfico onde conste aquela maior área e acordo dos proprietários confinantes.
Ou seja, não consta dos autos um loteamento aprovado, constando antes a emissão de um parecer favorável para três loteamentos, de um imóvel que se alega ter 5 984 m2 mas em que a favorabilidade do mesmo foi sujeita a que se juntasse um levantamento topográfico com o acordo de outros proprietários por se pretender que se possa construir em três lotes de um imóvel com essa área.
Note-se que a questão da área do imóvel não é igualmente objeto do presente recurso nem foi analisada nos autos, tendo-se dado como provado que o imóvel está registado com a área de 4.700 m2, sendo essa a única medida a atender pois nenhuma outra consta dos factos.
Assim, na nossa opinião, estas duas situações demonstram que não se logra provar nos autos que o imóvel de 4.700m2 já tem um projeto de loteamento aprovado ou que se obteve parecer favorável nesse sentido, no âmbito do indicado P. I. P..
Não se tendo obtido uma dessas duas decisões, o tribunal não pode concluir que o prédio é divisível pois não está comprovado que essa divisão cumpre os requisitos legais como emanado pela autoridade competente.
Não está em causa um convite ao aperfeiçoamento de articulados pois não vislumbramos que ocorra qualquer imprecisão nos mesmos ou que importe saber se as partes querem aproveitar a decisão administrativa.
O que sucede é a falta de prova da prolação daquelas duas decisões que eram necessárias para que se pudesse determinar a divisão do imóvel – repete-se, loteamento aprovado ou emissão de parecer em pedido de informação prévia -.
Se o imóvel afinal tiver efetivamente 5.984 m2, poderá colocar-se a questão de aferir se aquele P. I. P. que mereceu parecer favorável, com condicionantes, pode ser aproveitado, mas essa questão extravasa os autos pois a única área que foi dada como provada foi a de 4.700 m2.
E se as partes concordarem que afinal tem os 4 700 m2 conforme o registo predial, então terá de constar um loteamento que tenha sido aprovado para essa área ou um parecer favorável em sede de P. I. P. que não esteja condicionado à concordância de proprietários de outros terrenos (ou seja, a área é a que consta do registo e não há necessidade de bulir com direitos de terceiros).
Esse parecer, como já referimos, para um imóvel somente com a área de 4.700 m2, não foi demonstrado que exista.
Atingida esta conclusão, não é necessário analisar se, ao dividir-se o imóvel, pode aquele comproprietário a quem cabe um lote menor ser compensado com um valor em tornas pois, nestes autos, a conclusão é que o imóvel, com os elementos factuais juntos aos autos, não pode ser dividido.
Assim, conclui-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se o presente recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Registe e notifique.


Porto, 2022/11/24.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
Márcia Vieira.
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[1] Ponto 3 do sumário: Na falta de outros elementos de prova bastantes, a área e as confrontações a atender por parte do tribunal serão as constantes das descrições matriciais e registrais respeitantes ao prédio indiviso.
[2] Artigo 2.º, i), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12) – loteamento é o conjunto de ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes, destinados, imediata ou subsequente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento -.
[3] Artigo 14.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 - qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.