ACÇÃO EXECUTIVA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário

Ainda que não tenha deduzido oposição à execução, pode o executado, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, suscitar, por simples requerimento, a apreciação de excepção dilatória de conhecimento oficioso.

Texto Integral

Processo n.º 1493/22.0T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto – J3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. No processo de execução para pagamento de quantia certa instaurado por AA contra BB e CC, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 217.752,92, que engloba capital em dívida, juros vencidos e valor da taxa de justiça paga pelo exequente, no valor de € 51,00, os executados, por requerimento nele apresentado a 26.04.2022, convocando o disposto no artigo 734.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, vieram, entre o mais, invocar a ilegitimidade activa do exequente, falta ou insuficiência de título executivo e não interpelação dos executados.
O exequente pronunciou-se sobre tal requerimento, alegando, designadamente, que os embargos são o único meio processual de oposição à execução previsto na lei. Não o tendo feito tempestivamente, o princípio da preclusão obsta que os executados venham posteriormente suscitar questões que podiam e deviam tê-lo sido por meio de embargos.
Seguidamente, foi proferido o seguinte despacho:
Indefiro o requerido pelo executado na medida em que tendo decorrido o prazo para deduzir embargos de executado sem o ter feito, ficou precludido o seu direito de invocar nos autos questões que apenas nessa sede podem ser esgrimidas – vide art. 139.º, n.º 3, do CPC.
No mais, após ser efectuada alguma penhora de bem comum deverá a Srª AE citar o cônjuge do executado para os termos e efeitos previstos no art. 740º do CPC.
Destarte, indefiro o requerido.
Notifique”.
2. Não se conformando com o decidido, interpuseram os executados recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1. Se a hipoteca voluntária foi a favor de AA e mulher DD, casados no regime geral da comunhão de adquiridos, têm que estar os dois no processo executivo no lado activo.
2. A presente execução só foi intentada pelo marido AA, quando devia ser intentada também pela sua mulher DD.
3. O Sr. Dr. Juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso. – artigo 726º número 1 alínea b) do C.P.C.
4. A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 577.º alínea e) e artigo 578º do C.P.C. e nos presentes autos é insanável, devendo indeferir liminarmente a petição inicial/requerimento executivo.
5. (...).
Termos em que, deve ser revogado o despacho em crise, e, consequentemente, deve ser indeferido liminarmente o requerimento executivo, dado que ocorre excepção dilatória não suprível de conhecimento oficioso, ilegitimidade [...]”.
O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se devia o tribunal recorrido conhecer da excepção dilatória de ilegitimidade suscitada pelos executados no requerimento apresentado a 26.04.2022.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais com relevância para o conhecimento do objecto do recurso são os descritos no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Dispõe o n.º 1 do artigo 728.º do Código de Processo Civil: “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”, estabelecendo, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo: “Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado”.
O prazo fixado no citado normativo tem claramente natureza peremptória.
Segundo o n.º 3 do artigo 139.º do referido diploma, “O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato”.
Como refere Fernando Pereira Rodrigues[1], “Uma vez iniciada a instância pela propositura da ação, os atos processuais carecem de ser praticados dentro dos prazos previstos na lei, que, por regra, são prazos perentórios, isto é, prazos cujo termo faz extinguir, ou perimir, o direito de praticar o ato (artigo 139.º, n.º 3, do CPC).
A possibilidade da prática dos atos processuais, após decorrido o prazo normal, apenas está prevista para os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa (artigo 139.º, n.º 5), para o caso de invocação de justo impedimento, que venha a considerar-se como verificado (artigo 140.º) e para o caso do acordo das partes para uma única prorrogação e por igual período (artigo 141.º, n.º 2)”.
No caso em apreço, os executados, citados para os termos da execução contra eles instaurada, não deduziram oposição no prazo fixado, para o efeito, no artigo 728.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Só posteriormente, há muito ultrapassado aquele prazo, vieram à acção executiva, por meio de requerimento, invocar factos e argumentos que podiam ter sido oportunamente alegados em sede de oposição à execução.
De entre eles destaca-se a ilegitimidade activa do exequente, por ter instaurado a execução desacompanhado do seu cônjuge quando este interveio no título que lhe serve de suporte.
A ilegitimidade de alguma das partes constitui excepção dilatória[2].
De acordo com o artigo 578.º do Código de Processo Civil, “O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º”, norma aplicável à execução por via do disposto no artigo 551.º do mesmo diploma legal.
Dispõe o artigo 726.º do Código de Processo Civil que, apresentado o requerimento executivo, o processo é concluso ao juiz para proferir despacho liminar, que será de indeferimento quando ocorra alguma das circunstâncias enumeradas no seu n.º 2, designadamente, quando “Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso”.
Segundo o n.º 4 do mesmo normativo, “Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º”, cabendo nesta previsão o convite ao suprimento da ilegitimidade activa por preterição do litisconsórcio necessário, podendo o não acatamento do convite conduzir a posterior indeferimento do requerimento executivo.
Pode, no entanto, o juiz conhecer posteriormente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, de questões susceptíveis de conhecimento oficioso que, se apreciadas nos termos do disposto no citado artigo 726º, poderiam ter conduzido ao indeferimento liminar ou aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Estabelece, com efeito, o artigo 734.º, n.º 1 do Código de Processo Civil: “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
Segundo José Lebre de Freitas[3], “passado o momento do despacho liminar, é ainda possível ao juiz vir a conhecer, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados (venda, adjudicação, entrega de dinheiro) ou, por extensão, de consignação dos respectivos rendimentos, de qualquer das questões que, nos termos do art. 726, n.o 2 a 5, podiam ter conduzido ao convite ao aperfeiçoamento ou ao indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 734). Só com esse primeiro acto de transmissão preclude, pois, a possibilidade de apreciação, no âmbito do processo executivo, dos pressupostos processuais gerais e das questões de mérito respeitantes à existência da obrigação exequenda, diversamente do que acontecia no direito anterior à revisão do Código. Até esse momento, o juiz deve convidar à supressão da irregularidade ou da falta do pressuposto ou rejeitar oficiosamente a execução, proferindo neste caso despacho de extinção da instância, logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o aperfeiçoamento ou indeferimento liminar, quer tenha ou não havido despacho liminar e quer tal situação fosse já manifesta à data em que este foi proferido, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou, mesmo, no processo declarativo dos embargos de executado”.
Mas poderá o executado, por simples requerimento, suscitar questões que não alegou em sede de embargos de executado, tratando-se de questões de conhecimento oficioso que não foram até então apreciadas pelo juiz?
A tal questão, nuclear no presente recurso, responde também o mesmo autor:
Resta, porém, saber se, não obstante a letra da lei e a mens legislatoris, a interpretação extensiva do art. 729 não se imporá, por necessidade, de ouro modo insuperável, de configuração de outros fundamentos de oposição. Foi o que defenderam, na vigência do Código de Processo Civil anterior à revisão, Castro Mendes e Anselmo de Castro. Para o primeiro, o executado podia deduzir oposição à execução de sentença, não só com algum dos fundamentos indicados, mas também com base em outro qualquer fundamento que fosse de conhecimento oficioso, designadamente a incompetência absoluta e a litispendência. O segundo, entendendo que podia fundar a oposição a falta de qualquer pressuposto processual geral, citava a incompetência e a nulidade por erro na forma de processo como devendo engrossar a enumeração legal. Quer a incompetência absoluta, como falta de pressuposto processual, quer a litispendência, como pressuposto processual negativo, passaram, com a revisão do Código, a ser abrangidas na previsão da norma hoje na alínea c) do artigo 729. Mas, fora do campo dos pressupostos, outros fundamentos processuais de oposição do executado são hipotizáveis. Assim, além do erro na forma do processo, que constitui uma nulidade, pode dar-se o exemplo da não indicação do valor da acção no requerimento executivo, que dá lugar a que o juiz convide o exequente a declará-lo, sob pena de extinção da instância (arts. 305-3); o mesmo acontece se faltar outro requisito legal da petição (arts. 590-3, 726-4 e 734). Se, ocorrendo um destes casos, o juiz tiver proferido despacho de citação, ou se não tiver havido despacho liminar, o executado poderá querer levantar a questão, no primeiro caso não precludida (art. 226-5), após a sua citação para a acção executiva. Através da oposição à execução ou por simples requerimento? Tratando-se de vícios cuja demonstração não carece de alegação de factos novos nem de prova, o meio da oposição à execução seria demasiado pesado, pelo que basta um requerimento do executado em que este suscite a questão no próprio processo executivo. O preceito do art. 723-1-d (admissibilidade, em geral, do requerimento da parte ao juiz do processo - sem prejuízo da multa a que pode dar lugar quando manifestamente infundado: art. 723-2), não permite duvidar da admissibilidade deste meio”.
Ou seja: a falta de um pressuposto processual deve ser apurada no despacho liminar da execução, proferindo-se convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo quando o vício possa ser sanado.
Pode, no entanto, o vício ser conhecido, para além dessa fase liminar, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, ou por iniciativa oficiosa do juiz quando dele se aperceba, ou quando a questão lhe seja suscitada por qualquer das partes, designadamente pelo executado, independentemente do facto de o mesmo não haver deduzido oposição à execução e de tal direito haver precludido pelo decurso do respectivo prazo.
O que é de conhecimento oficioso não carece de invocação das partes. Nada obsta, todavia, que estas tomem a iniciativa de impulsionar tal conhecimento quando este, sendo devido, foi omitido.
Mal se compreenderia, de resto, que assim não fosse, recusando-se o juiz a apreciar questão que é do seu conhecimento oficioso pelo facto de a mesma não ter sido suscitada pelo executado em sede de oposição, que não deduziu, mas por simples requerimento.
Tal solução, a admitir-se, constituiria flagrante violação de princípios estruturantes da lei processual civil, designadamente os da cooperação, da economia e da celeridade processuais, assim como do princípio da adequação formal, expressamente consagrado no artigo 547.º do Código de Processo Civil.
Haverá, assim, de proceder o recurso, com a consequente revogação da decisão impugnada, devendo o tribunal recorrido apreciar a questão da ilegitimidade activa suscitada pelos executados através do requerimento formulado, a 26.04.2022, na acção executiva.

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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, determinando-se que o tribunal a quo conheça da excepção da ilegitimidade activa invocada pelos executados, ora apelantes.
As custas da apelação são da responsabilidade do recorrido.

Porto, 24.11.2022
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] O Novo Processo Civil Os Princípios Estruturantes”, 2013, Almedina, pág. 177.
[2] Artigo 577.º, al. e) do Código de Processo Civil.
[3] A acção executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, página 188.