EXECUÇÃO
VENDA POR LEILÃO ELECTRÓNICO
CANCELAMENTO
FUNDAMENTOS
INDISPONIBILIDADE DE ACESSO À PLATAFORMA
Sumário

I - A indisponibilidade de acesso à plataforma onde decorre venda por leilão eletrónico contém um regime próprio, determinando-se que «Ao longo do período em que vigora a venda, a plataforma está acessível em pelo menos 95 /prct. do tempo contado entre as 08.00 horas da manhã e as 24.00 horas, sob pena de ter de ser fixado novo período para realização do leilão».

II - O legislador previu, assim, um período mínimo de 95% de disponibilidade da plataforma  como requisito da realização válida do leilão eletrónico. Caso não ocorra esse período mínimo de 95% de disponibilidade da plataforma, a sanção correspondente é a repetição do leilão.

III - A informação do apoio técnico no sentido de que, no dia do leilão eletrónico, «(…) verificaram-se alguns registos de indisponibilidade da plataforma» constitui realidade diversa do registo de indisponibilidade da plataforma por um período igual ou superior a 5% do tempo em que a mesma devia estar disponível para o leilão eletrónico. Da informação prestada não cabe extrair por presunção judicial que tais registos de indisponibilidade tenham somado um período de tempo igual ou superior a 5% do tempo devido. Não há regra de experiência que seja convocável como nexo lógico neste circunspecto.

IV - Assim, não havia razões para dar sem efeito tal leilão e designar data para a realização de outro.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

Em 12.2.2020, foi enviado correio eletrónico subscrito por EF, proveniente de OSAE – Helpdesk [suporte@solicitador.net] para 2667@solicitador.net, com o seguinte teor: «Na sequência do v/ e-mail infra, e após análise pela equipa técnica, informamos que no dia 9 de Janeiro verificaram-se alguns registos de indisponibilidade da plataforma
 Em 26.2.2020, o Agente de Execução proferiu a seguinte decisão:
«No decurso da venda judicial, mediante leilão eletrónico, realizado no dia 09-01-2020, do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (...), da freguesia e concelho de (...), vieram interessados na venda informar que ficaram impedidos de licitar, uma vez que a plataforma e-leilões não permitiu que a licitação fosse efetuada no dia de fecho do leilão.
Neste seguimento, foi remetido ofício à plataforma do e-leilões, que veio confirmar que, naquele dia, verificaram-se alguns registos de indisponibilidade da plataforma.
Face aos impedimentos acima invocados e de acordo com a resposta emitida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, decide a Agente de Execução pela repetição do leilão.
Da presente decisão serão notificados todos os intervenientes processuais e a discordância da mesma deve ser suscitada perante o Juiz, no prazo de 10 dias.»
Em 13.3.2020, o interveniente acidental GC apresentou requerimento dirigido ao Juiz do processo , nestes termos:
« (…) notificado da decisão de anulação do leilão por parte da Exma. Sra. Agente de Execução, e por dela discordar, da mesma reclamar, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
(…)
Diz a Exma. Sra. Agente de Execução que "vieram interessados na venda informar que ficaram impedidos de licitar, uma vez que a plataforma e-leilões não permitiu que a licitação fosse efetuada no dia de fecho do leilão ".
                                       
O requerente não sabe, desde logo, quem são esses interessados, qual o seu ID de participação no leilão, que licitações fizeram e se constam ou não da lista das 10 licitações mais altas;
Acto contínuo, e porque (diz-se no despacho recorrido) foi recebida a informação de que "verificaram-se alguns registos de indisponibilidade na plataforma", conclui-se, sem mais, pela anulação do leilão.
Ou seja, porque no dia 9 de Janeiro se verificaram registos de indisponibilidade na plataforma, sem se dizer e demonstrar se este leilão em particular teve algum período de indisponibilidade, não obstante nesse dia se terem realizado cerca de106 leilões, com o valor total de 8.113.756,66€,e um total de 1472 licitações, de acordo com a Cerimónia 401 de 09-Jan-2020, pelas 14:30h, Certificada por AE MF, com a cédula (...),
A verdade é que pelos motivos invocados, foi o leilão dos autos, provavelmente, o único a ser anulado.
É entendimento do requerente que não existe qualquer fundamento legal para a anulação do leilão.
Com efeito, e considerando que o fundamento invocado é o que está previsto no artigo 9º do Despacho n.º 12624/2015, de 09 de Novembro, em concreto, a não verificação dos requisitos previstos no nº 10 do artigo 4º do mesmo diploma- "Ao longo do período em que vigora a venda, a plataforma está acessível em pelo menos 95 /pra. do tempo contado entre as 08.00 horas da manhã e as 24.00 horas, sob pena de ter de ser fixado novo período para realização do leilão.", sempre seria necessário, para efeitos de anulação do presente leilão, aferir se a plataforma esteve indisponível por mais de 5% do tempo contado entre as 08:00h da manhã e as 24:00 horas, neste caso, do dia 9 de Janeiro, tal como é indicado no despacho de que se reclama.
Atendendo a que o leilão, nesse dia, teve uma duração de 3 horas e 2 minutos (terminou às 11:02h), essa indisponibilidade teria de ter a duração de, pelo menos, 9 minutos.
Nada disto é alegado e muito menos demonstrado na decisão de anulação a que se responde.
Em conclusão, e porque o invocado pela Exma. Sra. Agente de Execução não cabe em nenhuma das causas previstas para anulação de leilão, não tendo qualquer fundamento, devem os resultados do leilão de 9 de Janeiro manter-se, seguindo-se os demais trâmites.
Por todo o exposto, e atendendo à profunda discordância do requerente em face da decisão de anulação do leilão, respeitosamente se requer a V. Exa. seja dado sem efeito o despacho da Exma. Sra. Agente de Execução, mantendo-se o resultado do leilão e sejam ordenadas as diligências subsequentes por forma ao requerente efectivar a compra do bem que licitou.»
Sobre tal requerimento, foi proferido despacho em 16.5.2022 com o seguinte teor:
«Não existe qualquer fundamento legal para a reclamação apresentada.
Se o Agente de Execução constatou a existência de contingências de ordem informática que impediram alguns interessados de apresentar as suas propostas, é seu dever proceder à anulação e repetição do acto, como já foi referido no despacho de 15.09.2020.
A reclamação é pois despicienda e nada mais visa do que entorpecer o andamento do processo.
Pelo exposto, se indefere à reclamação apresentada.
Custas do incidente pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 7º e Tabela II do RCP).
Notifique e informe o Agente de Execução.»
Em 29.5.2022, o mesmo requerente apresentou recurso de tal despacho, apresentando as seguintes:
« CONCLUSÕES:
1. Não pode admitir-se um pedido de repetição de leilão electrónico feito por alguém que refere ser proponente mas não se identifica completamente e não comprova sequer estar registado no portal dos leilões electrónicos, pois que, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 21.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, só pode apresentar propostas quem esteja registado;
2. É que, admitindo-se que os autores das propostas sejam desconhecidos uns dos outros, não é admissível que um pedido de repetição de leilão seja feito por alguém que não se identifique, sem que haja um mínimo de controlo sobre se é um verdadeiro proponente frustrado ou alguém que se arrependeu de não ter apresentado proposta.
3. Não constando dos autos qualquer informação da entidade gestora dos leilões electrónicos, de acordo com a qual a plataforma não tenha permitido licitações no dia do fecho, antes constando apenas a informação de que " no dia 9 de Janeiro  verificaram-se alguns registos de ádisponibilidade da plataforma", e constando da certidão do encerramento do leilão que foram apresentadas diversas propostas no dia do seu encerramento, não pode concluir-se, como concluiu a agente de execução na decisão de anulação do leilão electrónico e sua repetição, que "a plataforma e-leilões não permitiu que a licitação fosse efetuada no dia de fecho do leilão';
4. A ocorrência de "alguns registos de indisponibilidade da plataforma" dos leilões electrónicos, ainda que no dia do seu encerramento, não é motivo, de acordo com as Regras de Funcionamento da Plataforma de Leilão Eletrónico a que se refere o artigo 20.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que foram homologadas pelo Despacho da Ex.mª Sr.ª Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, para anular e repetir o leilão, pois que só constitui motivo para isso, nos termos das disposições conjugadas do n.º 10, do artigo 4.º, e do n.º 5, do artigo 7.º, das mesmas Regras, a indisponibilidade da plataforma que se verifique ocorrer em mais do que 5% do tempo contado entre as 08.00 horas da manhã e as 24.00 horas, ao longo do tempo que gorou a venda.
5. De resto e ainda que isso fosse motivo para anulação e repetição de leilões, sempre seria de exigir que isso ocorresse no concreto leilão cuja repetição se pondera, pois que no dia do encerramento do leilão dos autos encerram muitos outros, informação que, com origem na entidade gestora da plataforma dos leilões, não consta dos autos;
6. Fosse como fosse, não pode concluir-se ter ocorrido, no caso do leilão dos autos, qualquer dificuldade, pois que é patente que foram apresentadas diversas propostas, incluindo no dia do encerramento, não havendo notícia, na cerimónia de encerramento do leilão, de qualquer dificuldade na apresentação de propostas, para lá do que, como referiu a agente de execução noutro momento processual "Não consta da referida certidão de encerramento de leilão a indisponibilidade da plataforma, nem foi emitido nenhum aviso na plataforma com essa informação, como habitualmente."
7. As Regras de Funcionamento da Plataforma de Leilão Eletrónico a que se refere o artigo 20., da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, que foram homologadas pelo Despacho da Ex.mª Sr.ª Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, são aceites por todos os que se registam no portal dos leilões electrónicos, como determina o n.º 3, do artigo 10.º, das mesmas Regras, "regras do sistema" que estão sempre disponíveis no portal, nos termos do disposto no n.º 1, do mesmo artigo 21.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, razão por que não pode aceitar-se que alguém que, tendo declarado aceitar as regras, incluindo aquela, de que só constitui motivo de repetição a indisponibilidade da plataforma por tempo superior a 5%, venha pedir a repetição com a invocação de que ocorreu indisponibilidade em cinco, ou três, ou dois minutos, como não é aceitável que, com essa invocação, o leilão seja anulado e repetido.
8. Tendo a agente de execução, apenas com aqueles motivos, decidido repetir o leilão, e disso reclamado alguém interessado na manutenção do leilão, com os fundamentos aqui referidos, incluindo os relativos às Regras de Funcionamento da Plataforma de Leilão Eletrónico a que se refere o artigo 20.º, da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, que foram homologadas pelo Despacho da Ex.mª Sr.ª Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, deve aquela decisão da agente de execução ser revogada, porque violadora destas regras e porque, nos termos do n.º 3, do artigo 837.º, do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 20.º, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, as vendas em leilão electrónico se fazem de acordo com essas regras, o que, de resto, não constitui qualquer novidade, na medida em que o n.º 3, do artigo 834.º, do Código de Processo Civil, que é de aplicação subsidiária, já previa, para os leilões, que "a venda é feita pelo pessoal do estabelecimento e segundo as regras que estejam em uso, aplicando-se o n.º 5 do artigo anterior e, quando o objeto da venda seja uma coisa imóvel, o disposto no n.º 6 do mesmo artigo."
9. Pelo exposto, a decisão da agente de execução, como o despacho recorrido, violaram o disposto no n.º 3, do artigo 837.º, n.º 3, do artigo 834.º, ambos do Código de Processo Civil, o disposto no artigo 20.º, da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, bem como o disposto no n.º 10, do artigo 4.º, e no n.º 5, do artigo 7.º, das Regras de Funcionamento da Plataforma de Leilão Eletrónico, homologadas pelo Despacho da Ex.mª Sr.ª Ministra da Justiça n.º 12624/2015, de 9 de Novembro.
10. Para lá disso e na decisão impugnada, cometeu-se a nulidade da falta de especificação dos factos e do direito, tal como determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, em conjugação com o n.º 3, do artigo 613.º, do Código de Processo Civil, pois que é absolutamente omissa quanto aos factos em que se sustenta, como omite por completo qualquer fonte do direito que possa estar subjacente à decisão;
11. Ainda para lá disso e na decisão impugnada, cometeu-se a nulidade da omissão de pronuncia, tal como determina a alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, em conjugação com o n.º 3, do artigo 613., do Código de Processo Civil, na medida em que nela não há qualquer referência a qualquer dos argumentos de legalidade referidos na reclamação que importava decidir, antes se refere apenas que "não existe qualquer fundamento legal para a reclamação apresentada", e que "se o Agente de Execução constatou a existência de contingências de ordem informática que impediram alguns interessados de apresentar as suas propostas, é seu dever procederá anulação e repetição do acto', o que tudo denota que o tribunal recorrido não consultou as fontes do direito invocadas, antes fez assentar a sua decisão na opinião da agente de execução, sem analisar nenhum dos fundamentos da reclamação.
12. Nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 7.º, do Regulamento das Custas Processuais, "a taxa de justiça devida pelos incidentes[...] é determinada de acordo coma tabela ii[...]", acrescentando o n.º 7 que "quando o incidente [...] revista especial complexidade, o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela ii , razão por que a tributação dos incidentes é paga pelo mínimo, podendo ser corrigido a final, apenas no caso em que o incidente se revista de especial complexidade, e não nos casos em que o requerente se mostra persistente.
13. Não revelando o incidente especial complexidade, como é o caso em que a decisão do tribunal não mostra ter feito aturado estudo do assunto, não há lugar a tributação superior à mínima legal.
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que revogue a decisão, da agente de execução, de anular e  repetir o leilão electrónico para venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...), da freguesia de (...), e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo (...).º, a que foi atribuído o n.º L0541882019, e que ordene o prosseguimento das diligências de adjudicação daquele prédio ao maior proponente, aqui recorrente.
Se assim se não entender, o que não se concebe nem concede, sempre o despacho recorrido deve ser revogado, na parte em que fixa a tributação pela reclamação em 3 Ucs (três unidades de conta) e o mesmo substituído por acórdão que fixe aquela taxa no mínimo legal, de 0.25 UCs (um quarto da unidade de conta).»
Em 8.7.2022, foi proferido despacho que não admitiu o recurso, vindo este Tribunal da Relação a deferir a reclamação apresentada e, em consequência, ordenando ao tribunal recorrido que fizesse subir o recurso no prazo de dez dias.
Não se mostram juntas contra-alegações.

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidades da decisão impugnada (conclusões 10 e 11);
ii. Inexistência de fundamento para anular o leilão eletrónico (restantes conclusões).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nulidades da decisão impugnada.
Sustenta a apelante que a decisão impugnada é nula por falta de especificação dos factos e do direito, sendo «absolutamente omissa quanto aos factos em que se sustenta, como omite por completo qualquer fonte do direito que possa estar subjacente à decisão». Mais argui a decisão é nula por omissão de pronúncia na medida em que «nela não há qualquer referência a qualquer dos argumentos de legalidade referidos na reclamação que importava decidir».
E, de facto, a decisão impugnada é completamente omissa quanto ao quadro legal que a justifica, sendo certo que, no requerimento formulado pelo interveniente acidental em 13.3.2020, era expressamente invocado o regime do Artigo 9º do Despacho nº 12624/2015, de 9.11. Assim, houve também omissão de apreciação da questão suscitada em tal requerimento.
Em suma, a decisão é nula por falta de fundamentação de direito bem como por omissão de pronúncia (Artigo 615º, nº 1, als. b) e d), do Código de Processo Civil).
Em cumprimento do princípio da substituição (Artigo 665º, nº1, do Código de Processo Civil), este Tribunal da Relação conhece do objeto da apelação, apesar da nulidade da decisão impugnada.
Inexistência de fundamento para anular o leilão eletrónico
A venda em leilão eletrónico encontra-se regulada no Artigo 837º do Código de Processo Civil, bem como nos Artigos 20º a 26º da Portaria nº 282/13, de 29.8 e no Despacho nº 12624/15, de 9.11, da Sra. Ministra da Justiça.
Nos termos dos Artigos 21º, 23º e 26º da Portaria citada:
«Artigo 21.º
Regras gerais
1 - A entidade gestora da plataforma eletrónica, a qual é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, disponibiliza a todos os interessados, em sítio da Internet de acesso público definido nas regras do sistema, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão eletrónico bem como as regras do sistema.
2 - A plataforma eletrónica mencionada no artigo anterior dispõe de um módulo de acesso restrito a utilizadores registados no sistema, no qual se processa a negociação dos bens a vender em leilão eletrónico, estando permanente e publicamente visível em cada leilão o preço base dos bens a vender, o valor da última oferta e o valor de venda efetiva dos bens leiloados.
3 - Só podem efetuar ofertas de licitação no leilão eletrónico regulado na presente portaria utilizadores que se encontrem registados, após autenticação efetuada de acordo com as regras do sistema.
4 - As regras do sistema regulam o processo de registo referido no número anterior, devendo assegurar a completa, inequívoca e verdadeira identificação de cada uma das pessoas registadas como utilizadores da plataforma a que alude o artigo anterior.
5 - A cada utilizador registado são fornecidas credenciais de acesso constituídas por um nome de utilizador e uma palavra-chave pessoais e intransmissíveis, que permitam a sua autenticação na plataforma referida no artigo anterior.»
Artigo 23.º
Ofertas
1 - As ofertas de licitação para aquisição dos bens em leilão são introduzidas na plataforma a que se refere o artigo 20.º, entre o momento de abertura do leilão e o dia e hora designados na plataforma eletrónica referida no artigo anterior para o seu termo.
2 - Só podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda.
3 - As ofertas, uma vez introduzidas no sistema, não podem ser retiradas.
Artigo 26.º
Adjudicação dos bens
1 - Compete ao agente de execução a decisão de adjudicação dos bens.
2 - Os direitos ou deveres legalmente previstos podem ser exercidos até ao momento da adjudicação.»
Nos termos dos Artigos 4º, 5º, 7º e 9º do Despacho da Sra. Ministra da Justiça nº 12624/2015, de 9.11:
(…)
«8 - O termo do leilão é fixado para dia em que, nos termos da lei processual, os tribunais estejam abertos, num período não inferior a 20 dias nem superior aos 60 dias seguintes ao pagamento da taxa de colocação.
9 - A hora de termo do leilão é fixada entre as 9.30 horas e as 12.30 horas.
10 - Ao longo do período em que vigora a venda, a plataforma está acessível em pelo menos 95 /prct. do tempo contado entre as 08.00 horas da manhã e as 24.00 horas, sob pena de ter de ser fixado novo período para realização do leilão.
(…)» (sublinhado nosso).
Artigo 5.º
Cancelamento, suspensão do leilão e retificações
(…)
4 - O cancelamento do leilão é expressamente fundamentado pelo agente de execução, com indicação do motivo que lhe deu origem, designadamente o de haver erro na identificação do bem, na identificação das partes, na indicação dos valores ou outros elementos que possam inviabilizar o leilão.
5 - Nos casos a que se reportam os n.ºs 3 e 4 e uma vez corrigidos os erros que deram fundamento ao cancelamento do leilão, o agente de execução submete o bem ou lote de bens a novo leilão.
(…)».
Artigo 7.º
Apresentação de proposta
(…)
5 - A impossibilidade de apresentação da proposta por indisponibilidade do serviço que respeite o critério de disponibilidade da plataforma previsto no n.º 10 do artigo 4.º, não é fundamento para anulação do leilão.
(…)
15 - Na primeira licitação que o utente apresente na plataforma, surge o aviso constante do anexo I, só podendo formular a proposta depois de escolher a opção «compreendi e quero licitar», valendo esta declaração como aceitação das condições para o leilão em causa e para todos os leilões posteriores em que licite.
Artigo 9.º
Repetição de leilão por indisponibilidade da plataforma
1 - Verificando-se indisponibilidade da plataforma por não cumprimento do n.º 10 do artigo 4.º, é agendada nova data para realização do leilão, sem que haja lugar a pagamento de nova taxa de colocação em leilão.
2 - A decisão de repetição do leilão, que deve ser justificada e notificada aos intervenientes processuais, cabe ao agente de execução titular do processo.

Analisando este regime, infere-se que a indisponibilidade de acesso à plataforma eletrónica onde decorre o leilão contém um regime próprio,  determinando-se que «Ao longo do período em que vigora a venda, a plataforma está acessível em pelo menos 95 /prct. do tempo contado entre as 08.00 horas da manhã e as 24.00 horas, sob pena de ter de ser fixado novo período para realização do leilão». Ou seja, o legislador previu um período mínimo de 95% de disponibilidade da plataforma (leia-se de acesso à mesma sem contingências impeditivas) como requisito da realização válida do leilão eletrónico. Caso não ocorra esse período mínimo de 95% de disponibilidade da plataforma, a sanção correspondente é a repetição do leilão (artigo 9º Despacho da Sra. Ministra da Justiça nº 12624/2015, de 9.11), sendo que a repetição do leilão coenvolve – pela natureza das coisas – efeitos equivalentes à anulação do leilão em que se demonstre que não ocorreu uma disponibilidade da plataforma durante 95% do tempo (cf. Artigos 839.º, n.º 1, al. c) e 195.º, n.º1, do Código de Processo Civil ).
Ora, no caso em apreço, não está demonstrado que, no dia do leilão, tenha ocorrido uma indisponibilidade da plataforma igual ou superior a 5% do tempo em que decorreu o leilão. Com efeito, a informação do apoio técnico foi apenas no sentido de que « (…) no dia 9 de Janeiro verificaram-se alguns registos de indisponibilidade da plataforma.» A notícia de alguns registos de indisponibilidade da plataforma constitui realidade diversa do registo de indisponibilidade da plataforma por um período igual ou superior a 5% do tempo em que a mesma devia estar disponível para o leilão eletrónico desse dia, sendo que esta circunstância temporal não foi atestada pelo apoio técnico. Por outro lado, da informação prestada não cabe extrair por presunção judicial (sequer) que tais registos de indisponibilidade tenham somado um período de tempo igual ou superior a 5% do tempo devido. Não há regra de experiência que seja convocável como nexo lógico neste circunspecto.
Em suma, a assunção feita pelo Agente de Execução (e sancionada pelo Sr. Juiz a quo) foi precipitada, sem respaldo fáctico suficiente para concluir pela indisponibilidade da plataforma por período igual ou superior a 5% do tempo devido.
O modo de proceder adotado pelo Sr. Agente de Execução (e sancionado pelo Sr. Juiz), a ser atendido, daria azo a que qualquer leilão eletrónico pudesse ser postergado por pontuais indisponibilidades da plataforma quando o que revela é uma indisponibilidade igual ou superior a 5% do tempo devido. Apenas a indisponibilidade igual ou superior a 5% é suscetível de interferir relevantemente na realização do leilão (cf. Artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil e Artigo 9.º do Despacho).
Termos em que deve proceder a apelação, sendo revogado o despacho impugnado de 16.5.2022, prosseguindo a execução os seus termos com atendibilidade dos termos do leilão eletrónico realizado no dia 9.1.2020.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho impugnado de 16.5.2022, ordenando-se o prosseguimento dos termos da execução, atendendo-se aos termos do leilão eletrónico realizado no dia 9.1.2020, com a consequente invalidação de leilão realizado no pressuposto da invalidade do realizado em 9.1.2020.
Sem custas porquanto a apelação é procedente, não tendo ocorrido oposição à posição do apelante por parte de outros intervenientes.

Lisboa, 6.12.2022
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
                                              
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).