RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
REGISTO CRIMINAL
MEDIDA DA PENA
INDEFERIMENTO
Sumário


I - O recurso extraordinário de revisão concretiza no plano infraconstitucional o direito fundamental dos cidadãos, injustamente condenados, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos, inscrito no art. 29.º, n.º 6, da CRP;
II - Se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.
III - Se foram consideradas condenações que já haviam sido canceladas em CRC junto aos autos em momento anterior ao julgamento com a menção de que, em matéria de registo criminal, nada constava acerca do arguido, tal facto não se enquadra na descoberta de novos factos, posto que o documento em causa já se encontrava junto aos autos, antes do julgamento, e era do conhecimento de todos os sujeitos processuais. Tal constatação é bastante para afastar a hipótese de preenchimento do fundamento de revisão prevista na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, porque aquilo que agora se traz ao processo é a reafirmação de algo que já dele constava no momento do julgamento e da condenação.
IV - Não constituem factos novos aqueles que eram já conhecidos no momento do julgamento, como é o caso da existência dos certificados de registo criminal, obrigatoriamente juntos aos autos em momento anterior à realização da audiência.

Texto Integral




Recurso de Revisão

Processo: n.º 174/19.7GAMNC-A.S1

5ª Secção Criminal

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO
1. AA (AA) foi condenado, por sentença de 03/02/2022,  proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica ..., na pena única de 40 (quarenta) meses de prisão efectiva, em cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
a) Pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física, p. e p. nos termos do art.º 143.º, n.º 1 do Código Penal(CP), na pena de 24 meses de prisão;
b) Pela prática de 1 (um) crime de ameaça agravado, p. e p. nos termos do art.º 153.º, n.º 1, e 155.º, por referência ao 131.º do CP, na pena de 20 meses de prisão;

A sentença condenatória transitou em julgado em 21/03/2022, encontrando-se o Requerente em cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.

2. Vem agora o arguido AA pedir a revisão dessa sentença, mediante recurso extraordinário de revisão, apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, invocando o fundamento previsto  na al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do Código de Processo Penal (CPP), por considerar como facto novo um certificado de registo criminal (CRC) emitido em 25/11/2021, pela  Sistema de Informação de Identificação Criminal (SIIC), que se encontrava integrado no processo, mas do qual resultaria, no seu entender, facto novo demonstrativo de que foi injustamente condenado, designadamente e em síntese:
(…)
3ªA sentença revidenda enferma de erro, grave e intolerável, que a torna injusta e penalizadora para o Recorrente, ostensivamente lesiva dos seus direitos fundamentais, designadamente do direito constitucional à liberdade, do direito a ter uma decisão justa, lesiva das garantias do processo criminal;
7ª O novo meio de prova que o Recorrente descobriu e que consiste no Certificado de Registo Criminal (CRC), datado de 25/11/2021, comprova que o arguido, à data da sentença a rever, era arguido primário, o que de per si revela a injustiça da condenação;
8ª O Tribunal a quo, naquele que deveria consubstanciar um acto de solene, cuidadosa e crítica concatenação, apreciação e valoração da globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, agiu com leviandade e incúria reprováveis, produzindo decisão absolutamente injusta, porque inquinada de erro grave e intolerável.
9ª Ao não ter apreciado nem valorado aquele (novo) meio de prova, dando como provados antecedentes criminais inexistentes, o Tribunal a quo, para além de outros, violou o art.355º do C.P.C. e ainda a Lei 37/2015, de 05 de maio, designadamente o seu art.11º, e a própria natureza do cancelamento do registo criminal, que integra um verdadeiro direito subjetivo à reabilitação.
10ª Aquando da prolação da sentença, e nos termos do disposto no art.11º, nº 1, al. a) da Lei 37/2015, de 04 de maio, o CRC do arguido já não tinha averbado qualquer antecedente criminal – facto novo.
11ª O aproveitamento judicial de informação que já não consta do CRC é ilegal, e viola o princípio constitucional da igualdade, ao não permitir distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”.
12ª Analisada a universalidade da factualidade provada (incluindo o novo facto, agora apurado), o grau de ilicitude e de culpa, e o comportamento do Recorrente, anterior e posterior à prática dos crimes por que vem condenado, resulta evidente que a aplicação de uma pena de multa única, fixada próxima dos limites mínimos, para ambos os crimes, satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial, que o caso impõe.
13ª Ou, pelo menos, permite formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão será suficiente, adequada e ressocializadora, admitindo a suspensão da execução da pena privativa da liberdade.
14ª O Recorrente deve ser considerado reabilitado, e por isso falece a argumentação desenvolvida na sentença revidenda suportada em anteriores condenações, e até no falso “anterior contacto com o sistema de justiça” e o “cumprimento de uma pena de prisão efetiva”.
15ª Pelos motivos desenvolvidamente apontados na motivação deste recurso, considera o Recorrente que esta nova factualidade, adveniente deste novo meio de prova, – seja pela justificada oportunidade e originalidade, seja pela certeza e segurança objetiva que confere – tem o condão de tornar qualificada a dúvida sobre a justiça da condenação.
16ª O Recorrente lança mão do presente recurso extraordinário de revisão por só ter tido conhecimento da existência daquele novo meio de prova (CRC atualizado), após o trânsito em julgado da sentença, em consequência de aturada consulta aos autos no escritório dos mandatários ora signatários.
17ª Sem o patrocínio de um advogado, o Recorrente seria incapaz de apreender o alcance, e os efeitos, do cancelamento definitivo de todos os antecedentes criminais, questão que, como ressalta dos autos, não foi suscitada pelo Defensor que oficiosamente foi nomeado ao arguido, para garantia da defesa dos seus direitos, liberdades e garantias.
18ª Doutra maneira, seria impor falibilidade à Justiça, obrigando o Recorrente a defender-se antecipadamente, por ter a obrigação de contar com erro, grave e intolerável, na atividade do Tribunal.
19ª O presente recurso extraordinário de revisão é “o último remédio” contra aquele erro que afeta a decisão condenatória, o único capaz de devolver justiça à decisão revidenda, restituindo o arguido ao gozo pleno dos seus direitos fundamentais.”.

O Ministério Público no tribunal a quo respondeu, em síntese, que “(…) ser autorizada a revisão da douta sentença revivenda e, ser ordenada, cautelarmente, uma vez que o condenado se encontra a cumprir pena de prisão, a suspensão da execução da pena de prisão (art.º 457.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)”, porquanto:

(…)

5. A lei não veda a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão.

6. São factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado.

7. Resulta patente da leitura da douta sentença revivenda o peso e a preponderância que os supostos antecedentes criminais do condenado tiveram na escolha e determinação da medida concreta da pena e no juízo de prognose desfavorável subjacente à não substituição da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

8. A Lei n.º 37/2015, de 05/05, estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26/022009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados membros (cf. art.º 1.º). Essencialmente, o registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do arguido/condenado (cf. art.º 2.º, n.º 1, do mencionado diploma legal).

9. As decisões inscritas estão sujeitas a cancelamento definitivo – ope legis - decorridos que estejam os prazos (peremptórios) previstos no art.º 11.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 05/05.

10. Do compulso dos autos constata-se que, pelo tribunal a quo, foram considerados como factos provados antecedentes criminais que o arguido já não registava aquando da audiência de julgamento e da data da prolação da douta sentença revivenda – basta atentar no certificado de registo criminal que já constava nos autos em 25/11/2021 (cf. Ref.ª ...06), no qual consta inscrito “NADA CONSTA ACERCA DA PESSOA ACIMA IDENTIFICADA”.

11. Para todos os efeitos, o condenado deveria ter sido considerado um arguido primário, pois à data da audiência de julgamento já não contava com antecedentes criminais registados, pelo que o tribunal a quo já mais poderia ter considerado o certificado de registo criminal desactualizado, mas antes o actualizado que constava dos autos e cuja requisição foi por si ordenada, e muito menos poderia, com base em tais antecedentes, fundamentar a escolha e a medida da pena, e formular um juízo de prognose desfavorável para suspender a pena de prisão na sua execução.

12. Entendemos, por isso, que estamos perante um facto novo, no sentido de que, pese embora já existisse nos autos, não foi, contudo, apreciado neste processo e que era desconhecido do condenado até o seu mandatário constituído – após o trânsito em julgado da douta sentença revivenda - ter consultado os autos.

14. E este facto novo suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação, dado que a ausência de antecedentes criminais do condenado é idónea a criar graves dúvidas relativamente à justiça da condenação, pois o tribunal a quo justificou a não substituição da pena de prisão por pena de execução suspensa, nomeadamente com a existência de antecedentes criminais por parte do condenado, e outrossim os valorou na escolha da pena e na medida concreta da pena.

15. É provável que, se o tribunal a quo tivesse considerado o certificado de registo criminal actualizado do condenado – que estava “limpo” – tivesse substituído a pena de prisão aplicada por pena de prisão suspensa na sua execução ou até que a medida concreta da pena fosse inferior à aplicada (não se olvide de que estamos perante uma pena de prisão superior a 3 anos, mas inferior a 5 anos), sendo certo que cumprir uma pena em liberdade não é equivalente a ter de a cumprir na prisão.”.


3. O processo foi remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, com a informação a que se refere o art.º 454.º, do CPP, Referência: ...96, no sentido de ser negada a revisão, por não se verificar o fundamento invocado, uma vez que “(…) é certo que o Tribunal a quo considerou (presumivelmente) os antecedentes criminais constantes do C.R.C. com a Ref.ª ...20, de 05.02.2021. Porém, os C.R.C.´s mais recentes, junto aos autos a 15.09.2021 (ref.ª ...56) e a 25.11.2021 (Ref.ª ...06), previamente à realização da audiência de julgamento, que teve lugar em 02.12.2021, já indicavam que nada constava acerca do arguido.
Ora, assim sendo, não poderá, salvo melhor opinião, ser considerado o C.R.C. com a ref.ª ...56 ou com a Ref.ª ...06 como um novo meio de prova ou a menção de que de nenhum deles nada constava relativamente ao arguido como um novo facto. Com efeito, quer o documento invocado pelo recorrente quer o facto que do mesmo pretende extrair já eram do seu conhecimento – e do processo - previamente à prolação da sentença revidenda. Aliás, à luz dos factos conhecidos no processo à data da prolação desta sentença, a circunstância fundamentadora do pedido de revisão já era fundamento para o recurso ordinário, de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.ºs 1 e 2, als. a) ou c), do C.P.P. (constituindo, de resto, no processo civil, um expresso fundamento de reforma da sentença, nos termos do art.º 616.º, n.º 2, al. b), do C.P.C.). Trata-se, pois, de um erro objectiva e subjectivamente susceptível de ser conhecido ao tempo da prolação da sentença e então corrigido pelos meios de impugnação ordinários previstos no C.P.P.”.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da “(…) negação da revisão da sentença proferida no processo comum 174/19.7GAMNC…”, com o seguinte teor:

“(…)

5. Vista (art. 455.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Acompanhamos a posição do Sr. juiz na 1.ª instância.

Nos termos do artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

(…)

Refira-se, ainda, que segundo reza o art. 449.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, com fundamento na alínea d) do n.º 1, do mesmo normativo não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

No caso sub examine, importa considerar apenas a hipótese contemplada na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal: descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Os factos e/ou os meios de prova são novos quando eram «desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, resultando a sua não oportuna apresentação precisamente desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação em julgamento da prova em causa» [acórdão do STJ de 27.04.2022, processo 1928/16.1PAALM-A.S1, HELENA FAZENDA (relatora), in www.dgsi.pt, que traduz a jurisprudência maioritária do nosso mais alto tribunal].

Pois bem, o recorrente alega que só agora, em resultado da «aturada consulta» dos autos no escritório dos seus mandatários (conclusão 16.ª) [não podemos deixar de consignar a este propósito que de acordo com a informação telefónica obtida junto do Juízo de Competência Genérica ..., o processo comum 174/19.7GAMNC é constituído por um único volume com não mais de 190 folhas …], descobriu o certificado de registo criminal emitido em 25.11.2021 do qual foram já canceladas as condenações dadas como provadas na sentença revivenda.

É, todavia, evidente que não estamos perante um meio de prova novo, inédito, só conhecido após o julgamento.

Em primeiro lugar, o certificado de registo criminal em questão (e um outro de igual teor emitido em 15.09.2021) já integrava o processo aquando da realização do julgamento e, como tal, era do conhecimento do tribunal.

Em segundo lugar, os autos eram públicos e o defensor do recorrente, a quem cabe exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido (art. 63.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), podia tê-los consultado (art. 86.º, n.os 1 e 6, al. c), do Código de Proces-so Penal) e, assim habilitado, podia ter reagido à condenação interpondo o devido recurso ordinário. Se não o fez, sibi imputet. Como salienta o STJ, o recurso de revisão não serve para «dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais» [acórdão do STJ de 17.12.2009, processo 330/04.2JAPTM-B.S1, SOUTO DE MOURA (relator), www.dgsi.pt].

Mais.

Resulta do art. 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal que os novos factos ou meios de prova, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, devem suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

(…)

A este propósito, «[a]lguma jurisprudência tem ido no sentido de que naquele fundamento não está apenas em causa a presunção de inocência do arguido, bastando que os novos factos ou documentos suscitem grave dúvida sobre a justiça da condenação. Mas há também quem entenda que, no essencial, o fundamento em apreço traduz a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques [Recursos em Processo Penal, p. 215] no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa a relação condena-ção-absolvição. Interpretação adoptada por este Supremo Tribunal, nomeadamente no Ac. de 13/03/2003 [Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano 2003, tomo I, p. 231] e no Ac. de 20/11/2003 [em www.dgsi.pt]. Para ser admitida a revisão não é suficiente a descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si sós ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado. Interpretação reafirmada no Ac. STJ de 24/01/2018, onde se sustentou: “não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável” [proc. n.º 3/12.2GAVVC-B.S1, 3.ª sec, www.dgsi.pt/jstj]» [acórdão do STJ de 24.02.2021, processo 95/12.4GAILH-A.S1, NUNO GONÇALVES (relator), in www.dgsi.pt].

Ora, com o “novo” elemento de prova o recorrente não aspira à absolvição, mas, tão só, à condenação numa pena não detentiva (vd. as conclusões 12.ª e 13.ª).

Em suma, uma vez que o certificado de registo criminal em que se funda o recurso (e o correspondente facto que dele se extrai) não era desconhecido, nem do tribunal nem do recorrente, e sequer interfere no juízo condenatório, o mesmo é inaproveitável para efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal.”.


4. Notificado deste parecer, o arguido ora recorrente nada disse.

5. Colhidos os vistos, cumpre decidir se estão verificados os requisitos para que a revisão de sentença seja concedida (juízo rescindente).


II. FUNDAMENTO
1. Perante  decisões condenatórias em processo penal – também, decisões absolutórias transitadas podem dar azo a pedido de revisão, mas só as condenatórias agora interessam –, o recurso extraordinário de revisão concretiza no plano infraconstitucional o direito fundamental dos cidadãos, injustamente condenados, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos, inscrito no art.º 29.º, n.º6, da Constituição da República (CRP).

Trata-se de um meio processual em cuja configuração legal se reflecte, de modo particularmente intenso, a tensão entre o princípio da justiça e o da certeza e segurança do direito e o da intangibilidade do caso julgado, que destes últimos é instrumental. Estes princípios, também estruturantes do Estado de Direito, cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento ou procedimento susceptíveis de pôr em causa a justiça da decisão.

O regime de  admissibilidade da revisão da sentença transitada em julgado traduz o difícil  ponto de equilíbrio, encontrado pelo legislador na margem da credencial constitucional –  “(…) nas condições que a lei prescrever” –, entre a imutabilidade da sentença transitada em julgado e a dúvida fundada e comunitariamente insuportável acerca da justiça da decisão penal ou do modo como foi atingida. Assim, reflectindo o carácter excepcional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o art.º 449.º, do CPP, enuncia, de modo taxativo, as hipóteses em que pode ser concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça a revisão da sentença penal transitada em julgado, dispondo em matéria de fundamentos e admissibilidade da revisão, o seguinte:

“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”

Como este Supremo Tribunal disse no acórdão de 20/01/2021, Proc. 374/11.8FAMD-B.S1, em www.dgsi.pt, de entre muitos de uma jurisprudência constante, “(…) o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”.”.
2. No caso, vêm invocados o fundamento de revisão previsto no art.º 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, ou seja, “(…) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou conciliados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Esse novo facto é um CRC, emitido em 25/11/2021 e que já constava nos autos com a Ref.ª ...06, de cujo teor resulta a menção de que “NADA CONSTA ACERCA DA PESSOA ACIMA IDENTIFICADA”.

E, para o que importa à resolução da questão suscitada nos presentes autos, resulta da decisão revidenda os termos em que o tribunal a fundamentou, tendo para o efeito considerado a factualidade provada e determinado a medida da pena, nos seguintes termos:

“A) FACTOS PROVADOS

Produzida a prova e discutida a causa, o Tribunal julga provados os seguintes factos:

ACUSAÇÃO PÚBLICA

1. No dia 27-08-2019, por volta das 20h00, no interior do estabelecimento comercial C..., sito no Beco ..., em ..., estavam o arguido e ofendido BB sentados a uma mesa, quando, no decurso de uma discussão, o arguido levantou-se, pegou na mesa onde se encontravam, virou-a e atirou-a contra o chão, tendo estragado e inutilizado tal mesa, o que exigiu por CC, dona do estabelecimento, a quem esta pertencia, a sua substituição por uma outra, cujo custo é dois euros e trinta cêntimos;

2. De seguida, o arguido deferiu duas bofetadas, com a mão aberta na face do ofendido e atirou-o, empurrando-o contra as mesas até ao móvel da TV, tendo na sequência de tal o ofendido batido com as costas num banco comprido de madeira, que estava encostado à parede e caiu no solo, o que lhe causou dores e sofrimento físico;

3. O arguido desferiu ainda vários socos, com o punho fechado, na face do ofendido e pegou num (suporte) porta-guardanapos e desferiu, com este, vários golpes, com força, na cabeça do ofendido, o que lhe provocou dor e sofrimento físico e as lesões que infra se irão melhor discriminar, tendo este tido necessidade de receber tratamento médico no H..., EPE;

4. Com a conduta descrita, e como consequência necessária e direta da mesma, o arguido provocou dor e sofrimento no corpo de BB e ainda as seguintes lesões: na face: ferida incisa supraciliar direita com sutura recente, hematoma periorbitário bilateral, equimose da esclerótica à esquerda com sensação de corpo estranho, hematoma frontal, hematoma da pirâmide nasal, escoriações de ambos os lábios, uma escoriação no pescoço na região cervical posterior, no tórax uma escoriação a nível do peitoral esquerdo, no abdómen uma escoriação lombar esquerda com equimose de 10x4cm e outra equimose de 12x6cm no flanco direito. No membro inferior esquerdo: uma escoriação e tumefação do ombro direito, com limitação funcional e dor e lesão no antebraço que apresenta escoriação semicircular de 8 cm e equimose sobreponível de 10x6cm sugestiva de mordedura, as quais terão resultado de um traumatismo de natureza contundente, compatível com os factos relatados, sendo que tais lesões, com data de cura fixada em 12-09-2019, determinariam, em condições normais, 10 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional, sem que, contudo, das mesmas resultem, em condições normais, consequências permanentes;

5. Com o ofendido no chão, o arguido continuou a molestá-lo fisicamente, apenas tendo parado com a intervenção de terceiros;

6. Não satisfeito, quando o ofendido se dirigia para o exterior, o arguido seguiu-o e dirigiu-lhe as seguintes palavras, “vou-te matar, eu mato-te, nem te defendes nem nada” tendo ainda, nesse dia, e logo de seguida, às 20h07m, enviado para o grupo do Whatsapp, denominado “convívio 2019, em que o arguido e o ofendido faziam parte, mensagens com o seguinte teor: “olha maciel estou a porte …aparece meu grande filho da puta, se tens coragem, agora ninguém te defende!! Anda cá menino. Quero ver heróis, se não é hoje é amanhã”;

7. As expressões dirigidas pelo arguido ao ofendido, em conjugação com a sua conduta posterior e cenário/ambiente por este criado, eram idóneas a provocar medo e inquietação em qualquer pessoa, fazendo-a temer que este viesse a atentar contra a sua integridade física e vida, e provocaram-no, de facto;

8. O arguido sabia que, com a conduta acima descrita, nomeadamente ao desferir estaladas e golpes com o suporte de guardanapos no corpo do ofendido, entre o mais, molestava e ofendia o corpo de BB causando-lhe dor e sofrimento e lesões físicas. Como quis e conseguiu;

9. As expressões dirigidas pelo arguido ao ofendido, em conjugação com a sua conduta posterior e cenário/ambiente por este criado, eram idóneas a provocar medo e inquietação em qualquer pessoa, fazendo-o temer que este viesse a atentar contra a sua integridade física e vida, e provocaram-no, de facto. O arguido, ao atuar da forma supra descrita, com as palavras proferidas e atos praticados, quis anunciar ao ofendido que, no futuro, atentaria contra a sua integridade física e vida, querendo e conseguindo provocar nele medo e inquietação, fazendo-o temer pela integridade física, liberdade e, mesmo, pela sua vida, bem sabendo que as expressões que lhe dirigia eram para tanto adequadas;

10. Agiu, assim, de forma livre, voluntária, deliberada e consciente de que, ao atuar das formas supra descritas, estava a praticar uma conduta proibida e punida por lei penal, o que quis e conseguiu;

11. À data da prática dos factos o arguido altura trabalhava numa oficina de mecânica “A...”, residia com a esposa e uma filha com cerca de oito anos de idade;

12. O arguido já foi condenado:

a. Processo abreviado n.º 267/03...., do Tribunal Judicial ..., por sentença de 24-06-2004, transitada em 09-07-2004, pela prática em 13-05-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa;

b. Processo sumaríssimo n.º 121/04...., do Tribunal Judicial ... por sentença de 26-01-2005, transitada em 21-02-2005, pela prática em 06-05-2004 de um crime de dano simples, na pena de 60 dias de multa;

c. Processo comum singular n.º 7/03...., do Tribunal Judicial ..., por sentença de 16-02-2007, transitada em 15-10-2007, pela prática em 11-01-2003, de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período de tempo;

d. Processo comum singular n.º 1/07...., do Tribunal Judicial ..., por sentença de 27-04-2009, transitada em 25-11-2009, pela prática em 01-01-2007, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de um ano de prisão, suspensa por igual período de tempo;

e. Processo comum singular n.º 29/05...., do Tribunal Judicial ..., por sentença de 23-02-2006, transitada em 31-03-2011, pela prática em 08-01-2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa;

f. Processo comum singular n.º 23/07...., do Tribunal Judicial ..., por sentença de 15-07-2010, transitada em 02-02-2015, pela prática em 20-01-2007, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 13 meses de prisão.

(…)

C) MOTIVAÇÃO

(…)

O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, globalmente considerada, e livremente apreciada pelo Tribunal, nos termos dos arts. 125.º a 127.º do CPP, designadamente os seguintes meios de prova:

(…)

ii. Documentos

Auto de notícia, a fls. 3 a 5;

Auto de apreensão, a fls.6;

Suporte fotográfico, a fls. 8 a 11;

Ficha da CRA, a fls. 64 e 65.

Relatório de urgência, a fls. 70 a 71;

Fatura, a fls.91;

*

Desta forma, tendo presente os meios de prova referidos, isoladamente ou conjugados entre si, conforme infra se explicitará, cumpre concretizar em que precisos termos se formou a convicção do tribunal.

Antes de mais, importa referir que todas as testemunhas inquiridas – todas presentes no local aquando a ocorrência dos factos e que os presenciaram - foram coincidentes na descrição dos mesmos. Por ouro lado, todas confirmaram a presença uns dos outros no local.

(…)

FACTOS PROVADOS 12: Os antecedentes criminais resultam do “Certificado de Registo Criminal”.

*

(…)

E) ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA

(…)

No que concerne à determinação da medida da pena concretamente a aplicar ao arguido esta será feita em função da culpa - limite máximo/inultrapassável da medida da pena (artigo 40.º, n.º2 do Código Penal) - e das exigências de prevenção, que fixam o limite mínimo (artigo 71.º, n.º1 do Código Penal), bem como, deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele (devendo o Tribunal atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, à culpa do agente, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas - artigo 71.º, n.º2 do Código Penal).

*

PENA NO CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA

Enquadrado da forma descrita o comportamento do arguido, importa escolher e graduar, dentro da moldura abstracta da pena, a pena concreta a aplicar, sendo que o crime praticado pelo arguido (de ofensa à integridade física simples) é punido com “pena de prisão até três anos ou com pena de multa” (artigo 143º, n.º1, do Código Penal).

Em relação ao presente caso, no que respeita às exigências de prevenção geral, entende-se que as mesmas são elevadas, na medida em que o crime em causa gera alarme social, sendo necessário o reforço da norma jurídica violada, bem como o sentimento de segurança da comunidade.

São igualmente elevadas as necessidades de prevenção especial em face dos antecedentes criminais.

Assim, entende o Tribunal que a pena de multa não é suficiente para prevenir a prática pelo agente de futuros crimes e para repor a estabilidade da norma jurídica violada.

Quanto à determinação da medida concreta da pena (sendo a moldura de um mês a três anos) tendo em conta os princípios supra referidos há a valorar as seguintes circunstâncias:

- No que respeita à ilicitude, a mesma revela-se de intensidade bastante elevada, tendo em conta as consequências da conduta do arguido, descritas em 4;

- No que concerne à culpa, o arguido agiu da forma que representa um maior desvalor jurídico-social, isto é, com dolo directo; o desvalor da acção é igualmente elevadíssimo atendendo às circunstâncias em que as agressões foram praticadas, designadamente, o arguido persistiu no seu intuito de molestar o corpo do ofendido por longos minutos, mesmo face à passividade e falta de resposta do ofendido que não se defendia;

- Em relação aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, fins ou motivos que o determinaram, o mesmo revela-se fútil e gratuito;

- Contra o arguido depõe ainda os antecedentes criminais, tendo averbado no seu CRC 5 condenações, duas das quais por crimes da mesma natureza, de onde se pode concluir pela existência de uma personalidade anti-jurídica.

- Quanto às condições pessoais do agente e sua situação económica, apenas se apurou que o mesmo à data trabalhava e vivia com a companheira e filha;

- Por fim, nada temos a beneficiar o arguido no que diz respeito à conduta posterior e anterior ao facto;

Assim sendo, tendo presente que a pena deverá ser fixada em termos que constitua uma verdadeira sanção, tudo ponderado, e atendendo à personalidade revelada pelo arguido através dos factos praticados (agressiva e violenta) o Tribunal considera adequado à conduta do arguido a pena de 24 meses de prisão.

PENA NO CRIME DE AMEAÇA AGRAVADA

O crime de ameaça agravada é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão.

Contra o arguido temos o seguinte:

- O arguido agiu com dolo intenso - dolo directo - na medida em que representou claramente os factos criminosos e não se absteve de os praticar, querendo praticá-los, violando, desse modo os valores que a ordem jurídica lhe impunha;

- A gravidade da ilicitude atendendo a que o crime em causa foi praticado enquanto agredia violentamente a vítima;

- Deverá ainda atender-se às fortes exigências de prevenção geral, em face dos sentimentos de insegurança que gera na comunidade que urge acautelar;

- as consequências da conduta do arguido que assumem alguma gravidade, designadamente o medo - causou designadamente receio que concretizasse o teor das ameaças;

- o grau da ilicitude do facto, o qual é elevado, como se disse;

- o seu dolo, o qual é intenso, porque directo.

- a sua culpa elevada;

- Contra o arguido depõe ainda os antecedentes criminais, tendo averbado no seu CRC 5 condenações, algumas das quais por violação de bens jurídicos de natureza pessoal.

Atentas as circunstâncias acabadas de referir, julga-se adequada a pena de 20 meses de prisão, uma vez que a mesma se afigura quer suficiente para prevenir a prática pelo arguido de futuros crimes quer para repor a estabilidade da norma jurídica violada.

*

Impõe-se, agora, determinar a pena única do concurso a aplicar ao arguido, cuja moldura abstracta terá como limite máximo a soma das penas (parcelares) concretamente aplicadas aos crimes cometidos pelo arguido (20+24 meses=44 meses) e como limite mínimo a mais elevada das respectivas penas parcelares (24 meses) concretamente aplicadas (art.º 77.º n.º 2 do Código Penal), e cuja medida concreta, a alcançar dentro da dita moldura abstracta, será determinada com base nos critérios gerais referidos no art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal - culpa e prevenção - e no critério especial - consideração conjunta dos factos e personalidade do arguido - a que se refere o art.º 77.º, n.º 1, 2,ª parte, do mesmo Código.

Tendo em conta o que antecede, os critérios gerais de determinação da pena e a personalidade evidenciada pelo arguido bem como o conjunto dos factos praticados, há assim que considerar, no caso concreto, que as penas em concurso se referem a tipos legais de crimes de igual natureza, cometidos no mesmo espaço de tempo (mas que durou alguns minutos), tendo o arguido agido com dolo directo e grau de ilicitude médio, os bens jurídicos em causa, as exigências de prevenção geral, que não são despiciendas em face do alarme social que causam, tendo sempre presente as elevadas necessidades de prevenção especial do caso, em face dos antecedentes criminais do arguido e da sua situação pessoal, julga-se necessária e adequada uma pena única fixada em 40 (quarenta) meses de prisão.”.

– Negritos nossos.

Verifica-se, pois, que na sentença condenatória, o tribunal deu como provados factos que constavam de um CRC do arguido sem referir qual o documento em que se fundou – do facto 12 resulta, apenas, que “o arguido já foi condenado”, enumerando de seguida os processos onde o mesmo foi condenado –, sendo certo que, no elenco dos documentos referidos na sua motivação, Ponto C, ii), não consta a indicação dos certificados de registo criminal do arguido, juntos aos autos, respectivamente em 05/02/2021, com a Ref.ª ...20, em 15/09/2021, com a Ref.ª ...56 e, em 25/11/2021, com a Ref.ª ...06 – conforme certidão com a Ref.ª ...18.


3. Como se frisa quer na Informação elaborada em cumprimento do disposto no art.º 454.º, do CPP, pelo Tribunal que proferiu a decisão a rever, quer no parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal, o documento agora referenciado como novo facto, nada de inovador traz ao processo que seja susceptível de suportar o edifício argumentativo que o Requerente sobre ele constrói.  

No Ac. do STJ de 14-07-2022, Proc. n.º 490/17.2GAPTL-A.S1, em www.dgsi.pt, afirmou-se que “O recurso extraordinário de revisão é o último remédio processual para ultrapassar erros judiciários dando primazia à justiça material, nos casos tipificados pelo legislador, em detrimento da segurança do direito e a força do caso julgado.”, e mais adiante acrescentando que “Novos factos ou meios de prova é uma indicação alternativa. Factos, são os factos probandos; elementos de prova, os meios de prova relativos a esses factos.”.

E, no Ac. do STJ, de 24/06/2021, Proc. n.º 1922/18.8PULSB-A.S1, referiu-se que “A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.

Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico.

Mas, a jurisprudência do STJ foi sendo alterada, tendo avançado, posteriormente, para uma jurisprudência que impõe que a novidade também se refira ao desconhecimento, pelo arguido, dos factos e meios de prova que pretende chamar à colação para rever a decisão condenatória, apelando, nomeadamente, ao princípio da lealdade processual. E nesta jurisprudência atual, ainda se destaca, uma outra interpretação do direito de revisão, definindo-se como “novo” “o facto ou meio de prova que, para além do tribunal, também o arguido desconhecia na altura do julgamento ou que, conhecendo, estava impedido ou impossibilitado de apresentar, justificação”.

Ou seja, nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal. Algo de semelhante ocorre quando o Código de Processo Penal, no art. 453.º, n.º 2, determina que nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor”.

Mas, não basta a novidade, ou seja, a existência de factos ou meios de prova novos. Estes, por si só, ou combinados com os que foram apreciados no processo, terão de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Este requisito é demonstrativo do carácter excecional do recurso de revisão e procura evitar uma desmesurada fratura no caso julgado que redundaria em múltiplos recursos para tentar inverter uma condenação. A fronteira é, justamente, a tutela dos casos que são ostensivamente injustos. A gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponta, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição, em virtude da prova de inocência ou do funcionamento do in dubio pro reo. É uma gravidade séria, acentuada e exigente.” – sublinhados nossos.

 

Ou seja, ponto é que se trate de facto novo, de facto que não existia nem constava do processo à data da prolacção da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento e, que tal facto novo suscite grave dúvida sobre a justiça da condenação. Se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP. Com efeito, a excepcionalidade do recurso de revisão funda-se na verificação cumulativa da existência de um novo facto ou elemento de prova e que deles resulte uma séria e grave dúvida sobre a justiça da condenação.

No caso, não se está em presença de novos factos ou de meios de prova novos, tal como dispõe o art.º 449.º, n.º1, al. d), do CPP, posto que o CRC aqui em causa, emitido em 25/11/2021 e junto aos autos na mesma data, conforme Ref.ª ...06 e com a menção referida de que, em matéria de registo criminal, nada constava acerca do arguido,  já existia no processo, sendo do conhecimento do tribunal e dos sujeitos processuais nele intervenientes, incluindo o Ministério Público e o defensor oficioso do arguido ora recorrente. Por si só, esta constatação bastaria para afastar a hipótese de preenchimento do fundamento de revisão previsto na al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, porque aquilo que agora se traz ao processo é a reafirmação de algo que já dele constava no momento do julgamento e da condenação.

Saliente-se que, no processo, além do CRC invocado pelo recorrente como facto novo, também já constava um outro CRC, com a Ref.ª ...56, com idêntica menção de ausência de registos criminais relativamente ao arguido aqui recorrente, emitido e junto aos autos, em 15/09/2021, conforme certidão do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Competência Genérica ..., Ref.ª ...18.

Tal significa que com o apontado facto novo, o ora recorrente visa, apenas, a alteração da medida concreta da pena aplicada, o que não lhe é permitido, conforme o disposto no art.º 449.º, n.º 3 – “Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada” –. Efectivamente, o que o ora recorrente pretende é impugnar, em sede imprópria de recurso extraordinário de revisão, a matéria de facto apreciada pelo tribunal da condenação, o que a lei lhe não permite, tal como resulta do alegado nas conclusões 3ª, 6.ª a 13.ª.

O recorrente alega, também que, no caso, foram consideradas condenações que já haviam sido canceladas no seu CRC, tal como dispõe o art.º 11.º, Lei 37/2015, de 5 de maio, que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, e que determina a cessação das inscrições no registo criminal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena. Porém, ainda assim, a questão colocada não se enquadra na descoberta de novos factos, posto que o documento em causa já se encontrava junto aos autos, antes do julgamento, e era do conhecimento de todos os sujeitos processuais. Aliás, tal como o próprio recorrente configura a questão nas suas conclusões de recurso, 3.ª “A sentença revidenda enferma de erro, grave e intolerável, que a torna injusta e penalizadora para o Recorrente, ostensivamente lesiva dos seus direitos fundamentais, designadamente do direito constitucional à liberdade, do direito a ter uma decisão justa, lesiva das garantias do processo criminal.”, 8.ª, considerando a  “(…) decisão absolutamente injusta, porque inquinada de erro grave e intolerável erro grave e intolerável”, e 9.ª, por o tribunal “(…) não ter apreciado nem valorado aquele (novo) meio de prova, dando como provados antecedentes criminais inexistentes”, tratando-se de reapreciar um erro imputado à decisão revidenda.

Na verdade, o recorrente contesta a sentença condenatória no que respeita aos factos provados e à sua fundamentação, sendo certo que o fundamento apresentado para o recurso de revisão assenta na descoberta de factos novos que, como se disse, já constavam do processo, pelo que não podem sustentar o recurso de revisão. Neste sentido, se decidiu no Ac. do STJ de 25/01/2017, Proc. n.º 10437/12.7TDLSB-C.S1, em www.dgsi.pt, “É de rejeitar o recurso de revisão se o recorrente não apresenta nenhuns factos que fossem desconhecidos do tribunal da condenação, limitando-se a contestar os factos declarados provados na decisão condenatória e a sua fundamentação, pois o recurso de revisão não se destina, a uma reapreciação dessa decisão, função que cabe aos recursos ordinários.”.

O recurso extraordinário de revisão não serve para justificar a decisão revidenda ou rememorar a prova e respectiva valoração que conduziu à condenação, pois esta vale pelo que se declara na respectiva fundamentação sentença condenatória, dada a conhecer a todos os sujeitos processuais, incluindo o ora recorrente, que deveria ter interposto recurso ordinário antes do trânsito em julgado daquela decisão, o que não fez.

Para a admissibilidade de recurso extraordinário de revisão ao abrigo da al. d), do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, não basta que se alegue, a novidade do facto para o sujeito processual, sendo necessário que tal resulte da descoberta de novos factos ou meios de prova que pressupões um desconhecimento anterior e que, de per si ou combinados com outros que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação. Ou seja, o fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1, do art.º 449.º, do CPP, importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça de condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada, conforme o n.º 3 do mesmo preceito.

O CRC agora invocado pelo recorrente como facto novo, já constava do processo, tendo sido junto aos autos ainda antes do julgamento, pelo que podia e devia ter sido usado pela defesa. Por isso, tal documento não pode constituir agora facto novo ou meio de prova apresentado para nova reapreciação do decidido, nem tal fundamento é admissível, porquanto no recurso de revisão não se visa corrigir a medida da pena que concretamente foi aplicada, ainda que “(…) se afigure “injusta” ou “errada””, como se disse no Ac. STJ de 24/05/2017, Proc. n.º 344/15.7GDCNT-A.S1, em www.dgsi.pt. Assim, não constituem factos novos aqueles que eram já conhecidos no momento do julgamento, como é o caso da existência dos certificados de registo criminal, obrigatoriamente juntos aos autos em momento anterior à realização da audiência.

A revisão extraordinária de sentença transitada, não pode ser usada como meio para colmatar eventuais erros de julgamento ou servir “(…) para colmatar o que pode ter sido uma menor atenção da defesa.” – conforme se disse no Ac. do STJ de  22/02/2017, Proc. n.º 383/07.1TAFIG-C.S1, em www.dgsi.pt – que, tendo tomado conhecimento do teor da sentença condenatória, não apresentou o competente recurso ordinário em tempo. É o caso do presente recurso.

4. Tanto basta para que, nos termos do art.º 456.º, do CPP, seja negada a revisão de sentença requerida por não se verificar  o  fundamento previsto na alínea d), do n.º 1, do art.º 449.º, do mesmo Código ou qualquer outro a que seja possível subsumir o alegado pelo Recorrente.

III. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:
a. Negar a revisão;
b. Condenar o Recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 20 de Outubro de 2022 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

Helena Moniz (Adjunta)

António Gama (Adjunto)

Eduardo Loureiro (Presidente)