TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Sumário


I - A realização dos serviços de vigilância e segurança em instalações de um cliente implicam, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constitui uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objetivo de prosseguir uma atividade económica.
II - Verifica-se a transmissão dessa unidade, para efeitos do artigo 285.º do Código do Trabalho, se a nova prestadora desses serviços continua a assegurar, sem interrupções, o mesmo serviço de vigilância, nas mesmas condições essenciais, e mantém o mesmo número de vigilantes que a antecessora ali havia colocado.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, que AA intentou contra Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A. e Especial 1, Segurança Privada, S.A., foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
« Em face do exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
1- Declara-se ilícito o despedimento do Autor AA pela 2.ª Ré ESPECIAL 1, SEGURANÇA PRIVADA, S.A.
2- Condena-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1, SEGURANÇA PRIVADA, S.A. a pagar ao Autor AA a quantia global de € 13.004,44 (treze mil e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de indemnização em substituição de reintegração, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%, contados desde a data da respetiva citação até efetivo e integral pagamento.
3- Condena-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1, SEGURANÇA PRIVADA, S.A. a pagar ao Autor AA a quantia correspondente às retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o respetivo despedimento (1 de Janeiro de 2021), até ao trânsito em julgado da presente decisão – incluindo os montantes devidos a título de férias e subsídio de férias que se venceram em 1 de Janeiro de 2021, bem como de proporcionais de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data –, à qual deverão ser deduzidas (i) as importâncias que o trabalhador tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, (ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e (iii) o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período em causa, devendo a 2.ª Ré entregar essa quantia ao Instituto da Segurança Social, I.P., sendo a referida quantia acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, que se fixa presentemente em 4%, contados desde a data do respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento, e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação.
4- Absolve-se a 2.ª Ré ESPECIAL 1, SEGURANÇA PRIVADA, S.A. do demais peticionado pelo Autor AA nos presentes autos.
5- Absolve-se a 1.ª Ré STRONG CHARON – SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. de tudo quanto peticionado pelo Autor AA nos presentes autos.
6- Condena-se o Autor AA e a 2.ª Ré ESPECIAL 1, SEGURANÇA PRIVADA, S.A. no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 5 % e 95 %, respetivamente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário e/ou isenção de que eventualmente beneficiem.
Registe e notifique.
Após trânsito, remeta cópia da presente sentença ao Instituto da Segurança Social, I.P., para os efeitos tidos por convenientes (cf. artigo 390.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho).»
Não se conformando com o decidido, veio a Ré Especial 1, Segurança Privada, S.A. interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A) O presente recurso é da decisão que decidiu do mérito da ação, concluindo pela procedência parcial da mesma e, em consequência, condenou parcialmente a Recorrente nos pedidos.
B) Com o devido respeito, verifica-se que a prova foi apreciada erradamente e que, nessa medida, remeteu a conclusões erradas.
C) Assim, se fossem valorados de outra forma os depoimentos das testemunhas, a conclusão seria outra.
D) Ora, como já referido, considerou o Meritíssimo Juiz a quo que não ficou provado que a Ré, ora Recorrente, foi contactada diretamente pela “Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa”, para que a mesma procedesse à prestação de serviços de segurança e vigilância na Herdade do Perdiganito.
E) Diga-se, com a devida vénia, que não se aquilata em toda a fundamentação da sentença, nem tão pouco na prova produzida, a razão pela qual não ficou provada a matéria supra.
F) Ora, resulta dos depoimentos supra que efetivamente houve uma contratação direta por parte da Discovery, pelo que se pergunta porque não são valorados esses depoimentos do representante legal da ora Recorrente e da testemunha!?
G) Mais, no que aos factos provados respeita, considerou o Meritíssimo Juiz a quo que ficou provado que “ Para além do conjunto de chaves acima referido, os vigilantes utilizavam, no exercício das referidas funções, fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.”
H) Ora, não se entende de todo qual a base em que se sustentou esta convicção, uma vez que inexistem nos autos quaisquer elementos que levem a essa conclusão!
I) Claro é que, em momento algum foi produzida prova no sentido dos materiais fornecidos pela 1.ª Ré Strong Charon conterem o modelo e imagem identificativos da mesma, sendo que alguns deles até eram dos próprios vigilantes, tal como se deduz dos depoimentos supra.
J) Mais, todas as testemunhas se pronunciam no sentido de não serem ou serem apenas excecionalmente elaborados relatórios, pelo que não se entende como pode o Tribunal a quo considerar esta matéria provada!
K) quanto à redução do número de vigilantes ao serviço da 2.ª Ré Especial 1 (ponto 37. da factualidade provada), que, tal como alega o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo em sede de Motivação, trata-se de um facto de natureza instrumental e/ou complementar com relevância para os termos da presente ação, o qual, tendo resultado da instrução da causa – designadamente do depoimento prestado pelas testemunhas BB e CC, e das declarações de parte prestadas pelo legal representante da 2.ª Ré, foi devidamente considerado nesta sede.
L) O certo é, no entanto, que não obstante a discrepância temporal assinalada, esta redução já estava convencionada pelas partes desde a contratação entre a Recorrente e a Discovery, originando uma relação contratual diversa da já existente (sem contrato), facto determinante para uma decisão contrária à que ora recorremos, quer em termos de transmissão do estabelecimento/unidade económica, quer em termos de oposição do trabalhador, como infra se alegará.
M) A douta decisão recorrida não foi formada com base nos critérios de avaliação da prova com sentido de responsabilidade e com bom senso, e valorada segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, como impõe a Lei e a Jurisprudência unânime.
N) Para além das supra explanadas, a sentença também apresenta graves e insanáveis deficiências no que diz respeito à aplicação do Direito.
O) Não contesta, obviamente, ou pretende beliscar, nem ao de leve, o princípio da livre apreciação da prova.
P) Aquilo com que não pode a A. conformar-se é com a valoração da prova produzida, cujo exame crítico não se entende ou está ausente.
Q) A douta decisão recorrida não foi formada com base nos critérios de avaliação da prova com sentido de responsabilidade e com bom senso, e valorada segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, como impõe a Lei e a Jurisprudência unânime.
R) Ora, e mesmo dando como provada a matéria que como tal foi considerada na sentença, as conclusões não podiam ser as decididas por aquela sentença.
S) A correta aplicação do Direito levaria a uma decisão de sentido oposto ao que foi tomada.
T) A questão essencial que se coloca na presente apelação consiste em determinar se se verificou ou não a transmissão da titularidade de uma empresa ou de um estabelecimento ou de parte de uma empresa ou de um estabelecimento.
U) A Recorrente foi contactada pela Discovery e por esta foi-lhe adjudicada uma prestação de serviços de vigilância e segurança preventiva nas instalações da Herdade do Perdiganito.
V) A sentença não menciona qualquer indício de que a Recorrente tenha recebido da anterior prestadora dos serviços, quer diretamente, quer através da Cliente, quaisquer bens materiais ou corpóreos que estivessem afetos à atividade que vinha sendo desenvolvida, nem quaisquer bens imateriais ou incorpóreos (v.g. licenças, alvarás, know-how específico, tecnologia ou organização de meios ou de recursos) e que a Recorrente os utilize ou necessitasse de utilizar para a execução dos serviços que passou a prestar ao abrigo do contrato celebrado.
W) Pelo contrário, conforme resulta dos factos provados.
X) Tão pouco a Recorrente recebeu da 1ª Ré qualquer dos trabalhadores anteriormente ao serviço desta; aliás o presente processo decorre precisamente do facto de a Recorrente não ter aceite ao seu serviço o Autor, trabalhador da 1ª R.
Y) A verificação da existência de uma transferência depende da constatação de haver uma empresa ou estabelecimento ou um seu núcleo ou ramo (conjunto de meios dotado de uma autonomia técnico-organizativa própria em termos de constituir uma unidade produtiva autónoma, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
Z) A mera circunstância de a prestação sucessivamente fornecida pelo antigo e pelo novo adjudicatário dos serviços ou titular do contrato de prestação de serviços ser similar não permite concluir no sentido da transferência de tal entidade – TJUE, nº 15 do Processo C-13/95. Assim tem sido também decidido pela Jurisprudência do TJUE, para além dos Tribunais Superiores Nacionais.
AA) Uma vez que nada resulta provado, ou sequer alegado, quanto à eventual transferência de quaisquer elementos ou meios organizados suscetíveis de configurarem uma unidade económica, ainda que apenas humanos, estamos perante uma mera situação de sucessão na atividade de prestadores de serviços, da 1ª Ré para a Recorrente “RR”, e à qual não corresponde uma qualquer transmissão de uma entidade económica.
BB) Conclui-se assim que, no caso sub judice, não se verificaram os elementos indiciários de cuja verificação a Doutrina e a Jurisprudência fazem depender a ocorrência de uma transmissão de empresa ou estabelecimento, quer considerados isoladamente, quer no seu conjunto.
CC) Pelo que, a interpretação adotada pelo pela douta Sentença ora recorrida incorreu numa petição de princípio, ao atribuir à mera sucessão na atividade de prestação de serviços de vigilância e segurança na Herdade do Perdiganito, os efeitos de uma transmissão de unidade económica.
DD) Tendo plena aplicação ao caso a norma constante do nº 2, da Cláusula 13ª, do CCT de 2011, celebrado com o STAD, e nº 2, da Cláusula 9ª, do CCT, de 2014, celebrado com a FETESE, que estabelece que “não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com adjudicação de serviço a outro operador”, porque “a simples perda de cliente e a subsequente atribuição do serviço de segurança privada externa a um outro operador, pelo cliente (ou seja, a perda de cliente desacompanhada de qualquer outro indício transmissivo, como a apropriação de outros ativos ou a extinção daquela atividade no transmitente), deve ser qualificada como um fenómeno de sucessão de clientela”…
EE) Este entendimento constitui uma violação grosseira do princípio da igualdade que goza de proteção constitucional – art. 13º da CRP – e também por isso é inadmissível, pois a sentença da 1ª instância dispensou a 1ª Ré de suportar os encargos com as indemnização devidas pela caducidade dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores, transferindo esse encargo para a Recorrente.
FF) E viola também os princípios da justiça e da proporcionalidade/adequação na medida em que adota uma posição injustificadamente limitadora dos direitos da Recorrente, emergentes dos princípios da liberdade de iniciativa económica e da garantia do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 61º e 62º da CRP.
GG) O Acórdão recorrido violou, assim, além da CRP, o disposto no nº 2, da Cláusula 13ª, do CCT aplicável, o artigo 285º do Código do Trabalho, o disposto na Diretiva 2001/23/CE, e contrariou a Jurisprudência do TJUE, bem como a do STJ e das Relações e, ainda, a Doutrina Nacional e Internacional sobre a matéria, conforme detalhadamente se expôs ao longo das alegações.
HH) Por último, no que concerne à apreciação da viabilidade e/ou procedência da oposição comunicada pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon quanto à referida transmissão, concluiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal A quo pela improcedência da mesma.
II) Ora, não só o Meritíssimo Juiz não atendeu ao convencionado no contrato de prestação de serviços existente entre a Recorrente e a Discovery, como formou uma convicção contrária à sua convicção constante na decisão proferida no âmbito do processo 458/21.4T8EVR, que correu termos neste Tribunal, em tudo idêntico a este, divergindo o trabalhador/A. no que concerne às partes, referente ao mesmo Cliente e ao mesmo local de prestação de serviços, nos mesmos termos do presente caso, decisão essa já transitada em julgado, onde foi atendida a oposição do trabalhador pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, com base no seguinte:
JJ) Que de acordo com a sua livre convicção, já tendo conhecimento da redução de efetivos, a qual também foi transmitida pelas testemunhas nos presentes autos, de acordo com os depoimentos prestados pelas testemunhas BB (20220225151108_1504028_2870783, de 15:11:10 a 15:32:52) e CC (20220225153753_1504028_2870783, de 15:37:55 a 16:29:00), e das declarações de parte prestadas pelo legal representante da 2.ª Ré (20220225141412_1504028_2870783 de 14:14:13 a 14:15:08:53).,
KK) Também deveria decidir no sentido de considerar justificada a oposição manifestada pelo Autor, decorrente da previsível redução de efetivos por parte da 2.ª Ré Especial 1.
LL) Pelo que, em consequência, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concluir pela procedência dos fundamentos de oposição comunicados pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon, a qual, em face do exposto, obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, mantendo-se o seu vínculo laboral a esta última entidade (cf. artigo 286.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho).
MM) Assim, para a requerida procedência da ação bastaria que tal prova tivesse sido avaliada de outra forma, para a descoberta da verdade, como compete ao Tribunal.
NN) A douta decisão recorrida não foi formada com base nos critérios de avaliação da prova com sentido de responsabilidade e com bom senso, e valorada segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, como impõe a Lei e a Jurisprudência unânime.
OO) O julgador não pode, de modo algum, com base no mesmo documento, e nas mesmas provas, ter entendimentos diferentes, em processos idênticos, nem pode alear-se um do outro, o que decorre da própria sentença recorrida que, ironicamente, concluiu em sentido contrário daquilo que constitui a sua própria convicção tomada na decisão anterior.
PP) Pelo que, em consequência, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concluir pela procedência dos fundamentos de oposição comunicados pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon, a qual, em face do exposto, obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, mantendo-se o seu vínculo laboral a esta última entidade (cf. artigo 286.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho).
QQ) Razão pela qual deve ser revogado tal sentença, julgando-se procedente o presente recurso.»
Contra-alegaram o Autor e a 1.ª Ré, pugnando, ambos, pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O processo subiu à Relação e foi observado o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- Inexistência de transmissão de unidade económica.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1- A 1.ª Ré Strong Charon e a 2.ª Ré Especial 1 são sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços de segurança privada.
2- Entre o Autor e a Palanca – Serviços de Segurança, Eletrónica e Vigilância S.A. foi celebrado escrito denominado de ‘contrato de trabalho’, em 7 de Setembro de 2007, mediante o qual declararam que a segunda admitia o primeiro ao seu serviço para exercer as funções inerentes à categoria de vigilante, mediante o pagamento de quantia não concretamente apurada a título de retribuição mensal.
3- Em Outubro de 2008, a Palanca – Serviços de Segurança, Eletrónica e Vigilância S.A. foi incorporada, por fusão, na Charon – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, Lda.
4- Em 1 de Junho de 2018, na sequência de um processo de fusão, o Autor foi integrado pela 1.ª Ré Strong Charon como seu trabalhador, mantendo todos os direitos regalias e demais características e condições emergentes do escrito de contrato de trabalho acima referenciado.
(Quanto à prestação de serviços pela 1.ª Ré Strong Charon na Herdade do Perdiganito)
5- Em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré Strong Charon e a sociedade Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A. acordaram na prestação de serviços de vigilância por parte da primeira nas instalações da Herdade do Perdiganito, sita no Lote 52, 7005-671 Nossa Senhora de Machede, mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
6- Os serviços acordados consistiam em assegurar durante 24 horas por dia quatro vigilantes, em regime de turnos rotativos e alternados, nas instalações da Herdade do Perdiganito, os quais deveriam executar: (i) funções de controlo e registo de acessos e permanência de pessoas, viaturas e movimentos de cargas nas instalações, (ii) abertura e encerramento das instalações, (iii) elaboração de relatórios diários de ocorrências e (iv) rondas de vigilância às referidas instalações, com recurso a um sistema de registo/picagem.
7- Desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Janeiro de 2020, e até 31 de Dezembro de 2020, exerceram as suas funções de vigilantes, por conta, sob as ordens e autoridade da 1.ª Ré Strong Charon, nas instalações da Herdade do Perdiganito: (i) o Autor AA, (ii) DD (iii) EE e (iv) EE.
8- Os referidos vigilantes atuavam de forma organizada, executando as funções descritas em 6. e tendo como local de trabalho a portaria existente na Herdade do Perdiganito.
9- Desde data não posterior a 1 de Janeiro de 2020, os serviços acima descritos passaram a ser supervisionados diretamente pelo responsável do cliente FF, o qual transmitia aos vigilantes da 1.ª Ré algumas instruções de serviço a ser realizado nas referidas instalações.
10- Para o exercício das referidas funções, os vigilantes acima identificados utilizavam um conjunto de chaves das instalações, pertencentes à cliente Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A.
11- Para além do conjunto de chaves acima referido, os vigilantes utilizavam, no exercício das referidas funções, fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.
12- Os vigilantes acima identificados utilizavam também, no exercício das respetivas funções, uma secretária e uma cadeira, que os próprios levaram para as instalações em causa.
13- Por carta datada de 17 de Novembro de 2020, enviada pela Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A. à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebida, a primeira comunica à mesma que:
«(…) Assunto: Denúncia da Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança
Exmos Senhores,
Fazemos referência aos serviços de vigilância e segurança privada prestados por V. Exas. À sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A. (a “Perdiganito”), desde 2017.
A Perdiganito vem, pela presente, informar V. Exas. da sua intenção de fazer cessar a prestação de serviços de vigilância e segurança privada.
Assim, informamos V. Exas. que deverão cessar a prestação de serviços de vigilância e segurança privada em 31 de dezembro de 2020».
(Quanto às comunicações trocadas entre o Autor e as Rés)
14- Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente - Herdade do Perdiganito - e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmo Senhor,
V. Ex.ª foi devidamente informado que os serviços de vigilância prestados pela STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. nas instalações do cliente, foram adjudicados à Empresa de Segurança Especial 1, Segurança Privada SA, com efeito a partir do dia 1 de janeiro de 2021.
Assim, e a partir dessa data, a COPS será a entidade patronal de V. Ex.ª, conforme resulta do disposto nos art.º 285.º a 287.º do Código do Trabalho, que regulam a transmissão de empresa ou estabelecimento.
Reiteramos que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos, económicos ou sociais para V. Ex.ª porquanto lhe é garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição, e da categoria profissional em que se enquadra.
Mais informamos V. Exa. que se pretender que esta empresa remeta para a COPS informação relativa à sua situação sindical, deverá solicitá-lo expressamente e por escrito devidamente assinado. É que se trata de informação sensível que, como tal, merece sigilo e proteção especial que não afastaremos sem a sua solicitação.
Informamos também, que a consulta prevista ao abrigo do art.º 286º do CT, se encontra agendada, para o dia 28 de dezembro de 2020 entre as 09:30h-12h e as 14h-17h nas instalações sitas na Rua Dr. Cândido Guerreiro, n.º 49, 8000-123 Faro».
15- Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon à 2.ª Ré Especial 1, e por esta recebida, a primeira comunicou à mesma que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento referente ao cliente:
Herdade do Perdiganito e a consequente transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores que ali prestam serviço.
Exmos Senhores,
Como é do conhecimento de V. Exas., a Especial 1, Segurança Privada SA irá suceder à STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A. (adiante STRONG CHARON) na prestação de serviços de vigilância ao cliente Herdade do Perdiganito.
A transmissão é motivada pela adjudicação da prestação de serviços de vigilância a um novo operador, a Especial 1, Segurança Privada SA, e terá efeitos a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2021.
A transmissão de empresa ou de estabelecimento está prevista e regulada nos artigos 285.º a 287.º do Código do Trabalho, nos quais é definido que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento, ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, “transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores”.
Verificando-se, como se verifica no caso concreto, a transmissão para a Especial 1, Segurança Privada SA da exploração das unidades económicas anteriormente exploradas pela STRONG CHARON, SLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A., a transferência dos contratos de trabalho para a Especial 1, Segurança Privada SA é automática, resulta da imposição da lei e tem por fim salvaguardar a manutenção dos direitos dos trabalhadores, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional que se enquadram, garantindo-lhes o direito à segurança no emprego e a manutenção de todos os seus direitos.
Neste seguimento, para se concretizar a transmissão dos contratos de trabalho em cumprimento do Código do Trabalho e para execução do Contrato Individual de Trabalho de cada trabalhador ao serviço da unidade económica que passará a ser explorada por V. Exas. procederemos ao envio de dados pessoais relativos aos trabalhadores ao serviço em tal/tais unidade(s).
Este envio constitui um tratamento de dados pessoais nos termos do disposto no Regulamento Geral de Dados Pessoais e o respetivo tratamento está legitimado pelo disposto no art.º 6.º, n.º 1, alínea b) e alínea c) do aludido diploma, uma vez que o tratamento é necessário para a execução do contrato de trabalho no qual o titular dos dados é parte, bem como é necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica do responsável pelo tratamento (cfr. art.º 285.º do Código do Trabalho). (…)».
16- Por carta datada de 11 de Dezembro de 2020, a 1.ª Ré Strong Charon comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho que a 2.ª Ré Especial 1 iria suceder-lhe na prestação de serviços de vigilância na Herdade do Perdiganito, a partir do dia 1 de Janeiro de 2021, tendo expedido a todos os trabalhadores da unidade económica em causa e aos seus representantes as «comunicações nos termos e para os efeitos do artigo 286.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4 e n.º 6 do Código do Trabalho».
17- Por carta datada de 16 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Assunto: Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente - Herdade do Perdiganito - e nova Entidade Empregadora – Artigo 286.º do Código do Trabalho.
Exmo Senhor,
No seguimento da missiva de dia 11/12/2020 referente à transmissão do cliente Herdade do Perdiganito, somos a informar que a empresa sucessora é a Especial 1, Segurança Privada SA. Pelo que a referência à empresa COPS não deverá ser considerada».
18- Por carta enviada pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon, em data não concretamente apurada mas posterior a 11 de Dezembro de 2020, e por esta recebida em 17 de Dezembro de 2020, o primeiro comunicou à segunda que:
«(…) Assunto: Troca de entidade empregadora.
Exmos. Srs
Em resposta à vossa carta para mim enviada no passado dia 11 de Dezembro de 2020, venho por este meio informar que não pretendo trocar de entidade empregadora, continuando assim a colaborar com a empresa Strong Charon SA.
Mais informo que estou disponível para exercer as minhas funções noutro posto tendo em conta a adjudicação do meu posto atual, Cliente Herdade do Perdiganito».
19- Por carta datada de 17 de Dezembro de 2020, enviada pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebida, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Exmo(a). Senhor(a),
Acusamos a receção, em 17.12.2020, da carta de V. Ex.ª na qual comunica a sua oposição à transmissão do seu contrato de trabalho para a empresa de Segurança ESPECIAL 1.
A oposição manifestada por V. Ex.ª não está factual nem legalmente sustentada, pelo que não se integra na previsão do número 1 do artigo 286.º-A do CT.
Assim sendo, não existindo fundamente para a oposição apresentada por V. Ex.ª, a mesma é inválida e, consequentemente, não produz quaisquer efeitos, pelo que o seu contrato de trabalho se transmitirá para a ESPECIAL 1 com efeitos a partir de 01.01.2021, mantendo-se inalterado o seu posto de trabalho.
Informamos que V. Ex.ª mantém na íntegra, por força da lei, todos os seus direitos, regalias, antiguidade e categoria profissional, pelo que em caso de incumprimento pela empresa ESPECIAL 1, deverá dar imediatamente conhecimento desta situação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e/ou ao seu Sindicato».
20- Por e-mail datado de 29 de Dezembro de 2020, enviado pelo Autor à 1.ª Ré Strong Charon, e por esta recebido, o primeiro comunicou à mesma que:
«(…) Exmos. Senhores,
Fui informado pela Especial 1, Segurança Privada, S.A. de que não terá ocorrido qualquer transmissão do meu contrato de trabalho, nos termos por vós anunciados. Que o que terá ocorrido, terá sido que o cliente Herdade do Perdiganito cessou contrato com a Charon e celebrou contrato com a Especial 1.
Motivo pelo qual, queiram informar-me com brevidade onde me devo apresentar ao trabalho no dia 1 de Janeiro de 2021».
21- Por e-mail datado de 30 de Dezembro de 2020, enviado pela 1.ª Ré Strong Charon ao Autor, e por este recebido, a primeira comunicou ao mesmo que:
«(…) Exmo. Sr. AA,
Na sequencia do seu email cumpre-nos esclarecer que a Empresa de Segurança Especial 1 está obrigada, nos termos n.º 1 e nº 3 do artigo 285º do CT, a assumir a posição de entidade empregadora nos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos ao cliente em causa, devendo assegurar os direitos dos mesmos, nomeadamente os relativos à retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
Assim, em caso de incumprimento pela Especial 1 – Segurança Privada, S.A. das obrigações decorrentes do regime de transmissão de estabelecimento, deverá dar imediatamente conhecimento desta situação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e/ou ao seu Sindicato».
22- Por carta datada de 5 de Fevereiro de 2021, enviada pelo Autor à 2.ª Ré Especial 1, e por esta recebida, o primeiro comunicou à mesma que:
«(…) Assunto: Despedimento Ilícito. Envio do requerimento de desemprego.
Exmos Senhores membros do Conselho de Administração,
Tendo em consideração a comunicação de transmissão de estabelecimento realizada pela entidade “Strong Charon, Soluções de Segurança S.A.”, em cumprimento do n.º 8 do artigo 285º do Código do Trabalho, quanto à prestação de serviços de vigilância na Herdade do Perdiganito, em Nª Senhora de Machede, a partir do dia 1 de Janeiro de 2021, em que a vossa empresa assumiu a posição de adquirente e, consequentemente, cumpre-me informar que:
a) Com a transmissão que se verificou, os trabalhadores transmitidos à adquirente, onde me incluo, mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos;
b) Por força da transmissão, a cossa empresa, enquanto entidade adquirente ficou investida na posição da entidade empregadora, relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores afetos ao estabelecimento transmitido, na data da transmissão, o que implica a subsistência dos contratos de trabalho com o conteúdo que os mesmos tenham, ou seja, a continuidade dos mesmos como se não tivesse ocorrido qualquer alteração do lado da entidade empregadora;
c) Pelo que, em conjunto com os demais trabalhadores, requeri a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, que interveio e vos notificou em 15/01/2021, para regularização imediata da minha situação laboral;
d) Em face da vossa recusa em considerar a transmissão de estabelecimento, não reconhecendo que sou vosso trabalhador, vejo-me forçado a concluir pela cessação da relação laboral, a qual, porque não motivada e precedida de respetivo procedimento, consiste num despedimento ilícito nos termos do artigo 388.º do Código do Trabalho;
e) O que terá como consequência a interposição da competente ação judicial, caso não procedam ao pagamento da indemnização legal, pelo despedimento ilícito e demais créditos salariais decorrentes da cessação da relação laboral;
f) Por fim, dever-me-á ser remetido, no prazo de 5 dias, o requerimento de desemprego (Modelo 5044) e o certificado de trabalho, em conformidade com o disposto no artigo 341.º do Código do Trabalho».
23- Por carta enviada em 23 de Março de 2021, e recebida pelo Autor, a Autoridade para as Condições do Trabalho remeteu ao mesmo um documento denominado de ‘declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044/2018 – DGSS)’.
(Quanto à prestação de serviços pela 2.ª Ré Especial 1 na Herdade do Perdiganito)
24- Em 29 de Dezembro de 2020, a 2.ª Ré Especial 1 e a sociedade Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A. celebraram um escrito denominado de ‘contrato de prestação de serviço’, mediante o qual declararam que a primeira prestaria à segunda os serviços de segurança e vigilância, na Herdade do Perdiganito, sita no Lote 52, 7005-671 Nossa Senhora de Machede, com início no dia 1 de Janeiro de 2021 e termo em 31 de Dezembro de 2021, com renovação automática por iguais períodos, e mediante o pagamento de um preço acordado pelas partes.
25- A partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020, a 2.ª Ré Especial 1 passou a prestar os referidos serviços de vigilância nas instalações da Herdade do Perdiganito.
26- Os serviços prestados pela 2.ª Ré Especial 1 nas instalações da Herdade do Perdiganito, a partir da data e hora acima referidas, coincidem com os serviços até então prestados pela 1.ª Ré Strong Charon à referida sociedade e melhor discriminados no ponto 6., tendo a mesma ao seu serviço 4 vigilantes no referido local, igualmente organizados em regime de turnos rotativos e alternados, 24 horas por dia.
27- Nem a 1.ª Ré Strong Charon nem a 2ª Ré Especial 1 aceitaram o Autor e os demais vigilantes identificados em 7. como seus trabalhadores, a partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020.
28- Em 1 de Janeiro de 2021, o Autor tinha a respetiva formação profissional e o cartão profissional de vigilante atualizados e em vigor.
29- A partir das 20h00m do dia 31 de Dezembro de 2020, passaram a exercer funções de vigilantes nas instalações da Herdade do Perdiganito, por conta e sob as ordens e direção da 2.ª Ré Especial 1 os trabalhadores GG, HH, II e JJ.
30- Os trabalhadores acima identificados celebraram escritos denominados de ‘contratos de trabalho’ com a 2.ª Ré Especial 1, nos primeiros dias de Janeiro de 2021.
31- A 2.ª Ré Especial 1 não utiliza, nos serviços por si prestados na Herdade do Perdiganito, fardas, impressos, bastões de ronda, alvarás ou licenças da 1.ª Ré Strong Charon.
32- Os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 que exercem funções nas instalações na Herdade do Perdiganito utilizam fardas e registos de relatórios (de ocorrências ou registo de entradas/saídas de pessoas) fornecidas pela 2.ª Ré, com o modelo e imagem identificativos da mesma.
33- Além dos equipamentos acima referidos, os trabalhadores da 2.ª Ré Especial 1 utilizam igualmente, no âmbito das respetivas funções, o conjunto de chaves das instalações da Herdade do Perdiganito acima referenciado, bem como uma mesa, secretária, lanterna e sistema de registo de rondas próprios, tendo como local de trabalho a portaria referida em 8.
34- A 2.ª Ré Especial 1 tem métodos de trabalho próprios, códigos de conduta próprios, normas de serviço próprias e procedimentos internos próprios, diversos dos da 1.ª Ré Strong Charon.
35- A 2.ª Ré Especial 1 organizou a afetação dos seus vigilantes, elaborou mapas de horário de trabalho, planeamento de férias e substituição de trabalhadores tendo em vista o início da prestação de serviços de vigilância nas instalações do hotel Herdade do Perdiganito.
36- A 1.ª Ré Strong Charon não entregou à 2.ª Ré Especial 1 alvarás, licenças ou peças de uniforme para o exercício da atividade, nem quaisquer informações sobre as instalações da Herdade do Perdiganito.
37- Desde data não concretamente apurada, mas ocorrida após Março/Abril de 2021 e coincidente com a abertura do hotel na Herdade do Perdiganito, a 2.ª Ré Especial 1 reduziu para 2 o número de vigilantes a exercer atividade nas referidas instalações.
38- Em 31 de Dezembro de 2020, o Autor auferia € 796,19, a título de retribuição mensal base.
39- Desde o dia 31 de Dezembro de 2020, o Autor não recebeu qualquer quantia a título de retribuição, por parte da 1.ª Ré Strong Charon e/ou da 2.ª Ré Especial 1.
40- O Autor não tem outro meio de subsistência, que não seja o rendimento do seu trabalho.
41- O Autor tem duas filhas menores a cargo.
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E considerou que não se provaram os seguintes factos:
A. A Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa contactou diretamente a 2.ª Ré Especial 1, para que a mesma procedesse à prestação de serviços de segurança e vigilância na Herdade do Perdiganito.
B. A 2.ª Ré Especial 1 é filiada na AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança.
C. Para o exercício das referidas funções, os vigilantes identificados em 7. Utilizavam um telemóvel pertencente à 1.ª Ré Strong Charon e/ou ao cliente Herdade do Perdiganito.
D. A secretária, cadeira, lanterna, sistema de rondas e pistola de picagem utilizados pelos vigilantes acima identificados foram colocados à disposição pelo cliente Herdade do Perdiganito.
E. À data da propositura da presente ação, não havia sido deferido ao Autor o pedido de atribuição de subsídio de desemprego, o que obrigou o mesmo a recorrer a familiares para satisfazer as necessidades do seu agregado familiar.
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IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A Apelante veio impugnar a decisão fáctica, especificamente os pontos 11 e 37 dos factos provados e a alínea A) dos factos não provados.
O ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, foi cumprido, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.
Todavia, antes de se avançar para a reapreciação da prova, importa salientar que a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, baseada em meios de prova sem força probatória vinculativa, deve ser levada a efeito com especiais cautelas tendo em conta os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova.
«A efetivação do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância – um novo julgamento, no sentido de produzir, ex novo, respostas aos quesitos da base instrutória –, mas, apenas, verificar, mediante a análise da prova produzida, nomeadamente a que foi objeto de gravação, se as respostas dadas pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir».[2]
Deste modo, o segundo grau de apreciação da matéria de facto, visa tão só corrigir evidentes erros de julgamento, nos concretos pontos factuais impugnados.
É importante, porém, ter presente os limites da reapreciação da prova. Conforme escreve Luís Filipe Pires de Sousa[3]: «o tribunal “ad quem” não beneficia da imediação que teve a primeira instância. Por isso, a reapreciação pouco mais pode ser de que uma análise racional do conteúdo das declarações prestadas, já que o tribunal de recurso não se pode aperceber de quase todas as formas de comunicação não verbal, onde muitas vezes se revelam os inícios da credibilidade ou não dos depoimentos, nem das reações fisiológicas dos declarantes. Para além dessa análise racional, o tribunal de recurso, ao ouvir as gravações apenas se pode aperceber das pausas, de algumas hesitações, do tempo prolongado das respostas e da forma evasiva destas, tudo indícios de falta de correspondência do declarado com as representações do declarante.»
Acrescenta este autor: «Considerando que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador da 1.ª instância, se encontra muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida – máxime testemunhal – só em situações extremas de ilogicidade, irrazoabilidade e meridiana desconformidade, perante as regras da experiência comum, dos factos dados como provados em face dos elementos probatórios que o recorrente apresente ao tribunal ad quem, pode este alterar, censurando, a decisão sobre a matéria de facto.»
Determinado, assim, o alcance da reapreciação da prova, avancemos para o conhecimento da impugnação deduzida.

Ponto 11 dos factos provados:
Este ponto factual tem o seguinte teor:
- Para além do conjunto de chaves acima referido, os vigilantes utilizavam, no exercício das referidas funções, fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.
A Apelante considera que esta factualidade não deveria ter sido julgada como provada, porque não existem nos autos elementos probatórios que conduzam à conclusão da sua verificação.
Para sustentar a sua posição convoca os depoimentos das testemunhas EE, EE e DD, bem como o depoimento do próprio Autor.
Os quatro foram os vigilantes que exerceram funções na Herdade do Perdiganito, pelo menos, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro (até às 20h) de 2020 – ponto 7 dos factos provados – pelo que, não restam dúvidas, que todos têm conhecimento direto do facto impugnado.
Procedemos à audição integral dos indicados depoimentos.
Relativamente ao depoimento prestado pelo Autor, destacamos que, de modo espontâneo e que se nos afigurou sincero, o mesmo referiu que para o exercício das funções de vigilante, no local em causa, utilizavam um conjunto de chaves pertencente ao Cliente e uma lanterna e uma pistola de picagem, pertencentes à Strong Charon. Mais mencionou que a pistola de picagem era utilizada no sistema de rondas com picagem que tinham de executar.
Por seu turno, a testemunha EE declarou que para o exercício das funções utilizavam um conjunto de chaves, que pertencia ao Cliente, uma lanterna e uma pistola de picagem (que utilizavam nas rondas que tinham de efetuar), ambas fornecidas pela Strong Charon. Mais referiu que preenchiam relatórios, sempre que se justificava.
Quanto à testemunha EE, esta afirmou que, para o exercício das funções, utilizava o fardamento com a identificação da Strong Charon, uma lanterna, folhas de registo da empresa e a pistola de picagem que se destinava a ser usada no sistema de rondas. Igualmente referiu que utilizavam um conjunto de chaves que pertencia ao Cliente.
Finalmente, a testemunha DD também declarou que a Strong Charon lhe forneceu uma lanterna, uma pistola de picagem e folhas para registo da empresa, que utilizava no exercício das suas funções profissionais. O seu depoimento quanto à existência de um conjunto de chaves pertencente ao Cliente foi coincidente com o das anteriores testemunhas.
Embora as três testemunhas tenham processos semelhantes aos presentes autos, afigurou-se-nos que foram naturais e verdadeiras ao referir os instrumentos de trabalho que utilizavam.
Ponderando sobre os quatro depoimentos, concordantes e que se completam, dos vigilantes que exerceram funções na Herdade do Perdiganito, conclui-se que os mesmos sustentam a demonstração da factualidade descrita no ponto impugnado.
Destarte, improcede a impugnação quanto ao ponto factual analisado.

Ponto 37 dos factos provados:
Entende a Apelante que o ponto 37 dos factos provados deveria ter uma redação diferente, que incluísse a referência à circunstância de a redução do número de trabalhadores já ter sido convencionada no contrato de prestação de serviços de fls. 207 verso.
Eis o que consta do ponto 37:
- Desde data não concretamente apurada, mas ocorrida após Março/Abril de 2021 e coincidente com a abertura do hotel na Herdade do Perdiganito, a 2.ª Ré Especial 1 reduziu para 2 o número de vigilantes a exercer atividade nas referidas instalações.
A 1.ª instância escreveu na motivação da sua convicção:
«Quanto à redução do número de vigilantes ao serviço da 2.ª Ré Especial 1 (ponto 37. da factualidade provada), trata-se de um facto de natureza instrumental e/ou complementar com relevância para os termos da presente ação, o qual, tendo resultado da instrução da causa – designadamente do depoimento prestado pelas testemunhas BB e CC, e das declarações de parte prestadas pelo legal representante da 2.ª Ré –, foi devidamente considerado nesta sede.
Com efeito, de acordo com as testemunhas acima identificadas e com o legal representante da 2.ª Ré, após a abertura do hotel sito na Herdade do Perdiganito – o que terá ocorrido em data que os mesmos não souberam precisar, mas que o legal representante da 2.ª Ré estimou ter ocorrido aproximadamente em Março/Abril de 2021 (até àquela data, conforme revelaram todas as testemunhas, o referido local albergava apenas um estaleiro de obras) –, a 2.ª Ré reduziu para metade (2) o número de vigilantes que ali exerciam funções.
Ora, a referida descrição parece encontrar acolhimento no teor do anexo do ‘contrato de prestação de serviços’ de fls. 207 verso, no qual se encontra prevista a referida redução de trabalhadores, pese embora se reporte a período temporal diverso. O certo é, no entanto, que não obstante a discrepância temporal assinalada, resultou pacífico do depoimento das testemunhas que mantêm relações profissionais com a 2.ª Ré, bem como do seu representante legal, que esta manteve ao seu serviço, a partir de 1 de Janeiro de 2021, efetivamente 4 vigilantes na Herdade do Perdiganito; situação que apenas se alterou, conforme se disse, durante o decurso do referido ano, ou seja, após Março/Abril de 2021 (e sublinhe-se, a este propósito, a convicção do tribunal de que a referida alteração terá ocorrido efetivamente após os meses descritos, tendo em consideração a situação pandémica e as sucessivas declarações de ‘estado de emergência’ que foram sendo decretadas durante o período em causa, as quais implicaram constrangimentos relevantes quanto ao funcionamento das unidades hoteleiras, como a que está aqui em causa).»
Analisando.
O aditamento pretendido pela Apelante corresponde a matéria não alegada nos articulados.
É certo que artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho permite a consideração de factos essenciais não articulados, desde que os mesmos sejam relevantes para a boa decisão da causa e sobre eles tenha incidindo discussão.
Todavia, os poderes conferidos pelo aludido artigo são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados[4].
Em face do exposto, inexiste fundamento para aditar a materialidade não alegada que se reclama.

Alínea A) dos factos não provados:
Nesta alínea consta o seguinte:
- A Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa contactou diretamente a 2.ª Ré Especial 1, para que a mesma procedesse à prestação de serviços de segurança e vigilância na Herdade do Perdiganito.
No entender da Apelante a factualidade descrita deveria ter sido considerada provada.
A decisão que se impugna foi assim fundamentada pela 1.ª instância:
«Já no que concerne à factualidade não provada, considerou-se, por um lado, a ausência de prova disponível e/ou suficiente para o efeito, bem como, por outro lado, a circunstância de a mesma se encontrar, em grande medida, em contradição direta com alguns dos factos provados acima referenciados, sendo, nessa medida, extensíveis todas as considerações já antes expressas quanto aos mesmos.
Concretamente no que respeita à identidade do cliente que explora a Herdade do Perdiganito (cf. ponto A. dos factos não provados), considerou-se o teor do escrito contratual celebrado entre a 2.ª Ré Especial e a sociedade Perdiganito -Empreendimentos Turísticos, S.A. (cf. fls. 205 a 208), do qual resulta ser esta – e não a acima identificada empresa ‘Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa’ –, a entidade contratante dos respetivos serviços. Sendo que inexiste qualquer elemento nos autos que corrobore, com um mínimo de verosimilhança, a existência de contactos por parte da empresa acima identificada junto da 2.ª Ré, tendo em vista a prestação dos serviços de vigilância na Herdade do Perdiganito.»
Ora, o contrato de prestação de serviços celebrado com a Apelante[5], a que alude o ponto 24 dos factos provados (não impugnado no recurso), demonstra que quem outorgou tal contrato foi a sociedade Perdiganito -Empreendimentos Turísticos, S.A. e não a empresa Discovery Hotel Management Monchique Resort and Spa.
O depoimento do legal representante da Apelante, bem como o depoimento da testemunha BB não põem em crise o demonstrado.
Como tal, por falta de prova, bem andou a 1:º instância ao considerar não provada a factualidade descrita na alínea A).
Improcede, igualmente, a impugnação nesta parte.

Concluindo, a impugnação da decisão fáctica improcede na totalidade.
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V. Transmissão de unidade económica
A Apelante não se conforma com o facto de a 1.ª instância ter decidido que existiu a transmissão de uma unidade económica entre as Rés e, consequentemente, que a posição de empregadora no contrato de trabalho do Autor foi transmitida, em 01/01/2021, para a Apelante.
Esta é a segunda questão suscitada no recurso.
Apreciemos.
Prescreve o artigo 285.º do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, que é a aplicável ao caso sub judice:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
11 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
12 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 7, 8 ou 9.
Ora, de harmonia com o disposto no n.º 1 do citado artigo, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores. Esta regra é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, nos termos previstos pelo do n.º 2 do normativo, definindo o n. º 5, que se considera unidade económica, “o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnica-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.
A transmissão da posição de empregador prevista no artigo não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica nos termos do artigo 194.º do Código do Trabalho, mantendo-o ao seu serviço – n.º 4 do artigo 285.º.
Conforme se extrai do preceito legal, o conceito jurídico de transmissão consagrado tem um sentido amplo (“transmissão por qualquer título”), que pode abranger uma empresa, um estabelecimento, ou parte de um estabelecimento desde que a parte destacada constitua uma unidade produtiva autónoma, com identidade e organização próprias, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
Tal conceito constitui uma transposição do direito comunitário, designadamente da Diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 13 de março, que substituiu a Diretiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de fevereiro, alterada pela Diretiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de junho[6].
Assim, ao adquirir a empresa/o estabelecimento/a unidade económica, por qualquer meio ou título, o novo titular adquire, automaticamente, por força da lei, a posição ocupada pelo anterior titular, no que concerne aos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores.
Atribui aqui a lei primazia à ligação do trabalhador à empresa e não ao empregador, procurando, por esta via, garantir o direito à segurança no emprego.
No caso vertente, o debate incide, desde logo, sobre a existência de uma unidade económica suscetível de ser transmitida.
Cumpre apreciar.
O n.º 5 do artigo anteriormente transcrito, dá-nos uma definição geral do conceito:
«Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnica-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.»
Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso.
No essencial, importa que os elementos indiciários recolhidos, globalmente considerados, permitam inferir a existência de uma “entidade económica”.
Neste sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 26-09-2012, Proc. 889/03.1TTLSB.L1.S1[7]:
«Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
É, contudo, essencial que a transferência tenha por objeto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».
Em resumo, para que se prove a existência de uma unidade económica, no sentido consagrado no artigo 285.º, mostra-se necessário que fique demonstrado que existe um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.
Posto isto, e com arrimo nos factos assentes, foquemos a nossa atenção no caso dos autos.
Ambas as Rés são sociedades comerciais que se dedicam à prestação de serviços de segurança privada.
No âmbito da atividade a que se dedica, a 1.ª Ré manteve e executou um contrato de prestação de serviços de vigilância, que foi celebrado com a sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A..
Os serviços acordados consistiam em assegurar durante 24 horas por dia quatro vigilantes, em regime de turnos rotativos e alternados, nas instalações da Herdade do Perdiganito, os quais deveriam executar: (i) funções de controlo e registo de acessos e permanência de pessoas, viaturas e movimentos de cargas nas instalações, (ii) abertura e encerramento das instalações, (iii) elaboração de relatórios diários de ocorrências e (iv) rondas de vigilância às referidas instalações, com recurso a um sistema de registo/picagem.
Desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de Janeiro de 2020, e até 31 de Dezembro de 2020, exerceram as suas funções de vigilantes, por conta, sob as ordens e autoridade da 1.ª Ré Strong Charon, nas instalações da Herdade do Perdiganito: (i) o Autor AA, (ii) DD (iii) EE e (iv) EE.
Os referidos vigilantes atuavam de forma organizada, executando as funções anteriormente descritas em 6. e tendo como local de trabalho a portaria existente na Herdade do Perdiganito.
Para o exercício das referidas funções, utilizavam um conjunto de chaves das instalações, pertencentes à cliente Perdiganito - Empreendimentos Turísticos, S.A., bem como fardas, registos de relatório, uma lanterna, um sistema de rondas e pistola de picagem, que pertenciam à 1.ª Ré Strong Charon e que continham o modelo e imagem identificativos da mesma.
Sucede que a partir das 20 horas do dia 31/12/2020, foi a Apelante quem passou a executar os serviços de vigilância na Herdade, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado com a sociedade Perdiganito – Empreendimentos Turísticos, S.A.., com a duração de um ano, renovável automaticamente.
Os serviços prestados pela Apelante nas instalações da Herdade do Perdiganito, a partir da data e hora acima referidas, coincidem com os serviços até então prestados pela Strong Charon à referida sociedade., tendo a mesma ao seu serviço 4 vigilantes no referido local, igualmente organizados em regime de turnos rotativos e alternados, 24 horas por dia.
Os vigilantes contratados pela Apelante utilizam, igualmente, no âmbito das respetivas funções, o conjunto de chaves das instalações, pertencentes ao cliente, tendo como local de trabalho a portaria.
A Apelante organizou a afetação dos seus vigilantes, elaborou mapas de horário de trabalho, planeamento de férias e substituição de trabalhadores.
Para além do anteriormente referido, os vigilantes da Apelante utilizam fardas e registos de relatórios (de ocorrências ou registo de entrada/saída de pessoas) com o modelo e imagem identificativos da empresa, por esta fornecidos.
Também utilizam uma mesa, secretária, lanterna e sistema de registo de rondas próprios.
A Strong Charon não entregou à Apelante alvarás, licenças ou peças de uniforme para o exercício da atividade, nem quaisquer informações sobre as instalações da Herdade do Perdiganito.
Ora, em face do quadro factual descrito, afigura-se-nos que a realização dos serviços de vigilância e segurança nas instalações da aludida Herdade, numa fase anterior à abertura do Hotel, implicava, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constituía uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objetivo de prosseguir uma atividade económica.
Esta unidade era composta por 4 vigilantes, cujo trabalho, necessariamente, tinha de ser coordenado e organizado entre si (horários, folgas, férias, passagem de informações, por exemplo), que utilizavam bens corpóreos destinados ao exercício das funções de vigilância, sendo que o conjunto organizado de todos estes meios visava gerar a realização de um serviço considerado necessário na sociedade em que vivemos, e ao qual é atribuído valor de mercado.
Enfim, atento o quadro factual apurado, ficou demonstrada a verificação de um dos pressupostos do artigo 285.º do Código do Trabalho – a existência de uma unidade económica.
Importa, agora, apreciar se a identificada unidade económica foi transmitida, por qualquer título, da titularidade da 1.ª Ré para a Apelante.
E, desde já adiantamos que a resposta a tal questão, tendo em consideração o circunstancialismo factual provado, só pode ser positiva.
A unidade económica que permitia a efetivação dos serviços de vigilância e segurança nas instalações do cliente, passou, sem interrupções, para a esfera jurídica da Apelante, por força do contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança que esta celebrou.
A partir de então, passou a ser a Apelante a responsável pela exploração, gestão e organização da aludida unidade económica.
A circunstância de a recorrente, aquando do início da prestação de serviço, ter fornecido aos vigilantes fardas, impressos próprios com o logotipo da empresa, mesa, secretária, lanterna e ter implementado um sistema de registo de rondas próprios não desvirtua a transmissão da unidade económica, dado que não está em causa o núcleo essencial identificativo desta.
Repare-se que os 4 vigilantes ao serviço da Strong Charon também utilizavam farda, registos de relatório, uma lanterna e um sistema de rondas e pistola de picagem, que continham o modelo e imagem representativa da empresa.
Nenhum destes elementos ficou no local ou foi entregue à Apelante, por não constituir o núcleo essencial identificativo da unidade económica em causa.
Ademais, o alvará ou licença que permite a prestação de serviços de segurança privada é específico de cada empresa – artigos 14.º e 51.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio – pelo que não poderia ser transmitido.
O que está em causa é que para garantir a segurança e vigilância da Herdade, antes da abertura do Hotel, em que o espaço albergava apenas um estaleiro de obras, conforme referiu o legal representante da Apelante nas declarações que prestou, existia uma estrutura organizada, ainda que assente essencialmente em meios humanos (4 vigilantes) que abriam e encerravam as instalações, faziam rondas pelo espaço e acediam aos locais que se encontravam fechados com o conjunto de chaves do cliente, e que tinham que controlar e registar o acesso e permanência de pessoas, viaturas e movimentos de cargas nas instalações, bem como elaborar relatórios diários de ocorrências.
E esta estrutura, com todas as suas características identificativas, passou, sem interrupções, para o domínio da Apelante, conforme se extrai do circunstancialismo fáctico provado.
Resumindo e concluindo, a titularidade da unidade económica identificada, foi transmitida da Ré Strong Charon para a Apelante, a partir das 20 horas do dia 31/12/2020, nos termos previstos pelo artigo 285.º do Código do Trabalho.[8]
Salientemos que a noção ampla de transmissão, acolhida pelo artigo, não exige a existência de relações contratuais diretas entre as duas empresas de segurança[9].
Finalmente, importa referir que tendo o Autor demonstrado que desde data não concretamente apurada, mas não posterior a 1 de janeiro de 2020 e até 31 de dezembro de 2020, exerceu as funções de vigilante nas instalações da Herdade do Perdiganito, como trabalhador subordinados da Strong Charon, no âmbito do contrato de prestação de serviços que a empresa havia celebrado, o mesmo logrou provar, com sucesso, os pressupostos previstos no artigo 285.º do Código do Trabalho, para que se considere que seu contrato de trabalho foi transferido para a Apelante, a partir de 01/01/2021.
Logo, a não aceitação deste trabalhador a partir da referida data pela Apelante, consubstancia um despedimento ilícito, conforme bem decidiu a 1.ª instância.
Acresce que sendo a Apelante quem procedeu ao despedimento ilegal do Autor, terá de ser a mesma a responsável pelas consequências do ato ilícito que praticou, nomeadamente terá de pagar a indemnização em substituição da reintegração, não existindo qualquer violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.ª da Constituição da República Portuguesa, pelo facto da Ré Strong Charon ter sido absolvida do pedido, nesta parte.
Também não vislumbramos que a decisão condenatória da 1.ª instância viole quaisquer um dos outros princípios constitucionais mencionados na alínea FF) das conclusões do recurso.
Por penúltimo, importa referir que não atendemos à alegada violação da cláusula 13.ª, n.º 2 do CCT/2011 celebrado com o STAD, bem como à alegada violação da cláusula 9.ª do CCT/ 2014 celebrado com a FETESE, porquanto esta questão nunca foi submetida à apreciação da 1.ª instância, tratando-se, pois, de uma questão nova que não é de conhecimento oficioso.
Ora, conforme tem sido decidido, pacificamente, pela nossa jurisprudência, o tribunal de recurso não se pode pronunciar sobre novas questões, não suscitadas no tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso.[10]
Finalmente, no que respeita ao argumento relacionado com a válida oposição do Autor à transmissão do seu contrato de trabalho, importa referir que foi o Autor quem alegou, na petição inicial, que tinha apresentado oposição à comunicada transmissão do seu contrato de trabalho, para fundamentar o pedido deduzido contra a Ré Strong Charon. A 1.ª instância apreciou a questão e decidiu pela improcedência de tal pedido.
Uma vez que só o Autor assume a qualidade de vencido – artigo 631.º do Código de Processo Civil – só o mesmo tinha legitimidade para recorrer desse segmento decisório.
Todavia, o Autor não interpôs recurso, pelo que o decidido está estabilizado, não tendo a Apelante legitimidade para o invocar em sede de recurso.
Por tal motivo, não se aprecia o referido argumento.
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Concluindo, o recurso mostra-se totalmente improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.
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Évora, 24 de novembro de 2022
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2007, Proc. 06S3540, acessível em www.dgsi.pt.
[3] In “Prova testemunhal”, 2013. Almedina, pág. 387.
[4] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22/10/2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Também, Acórdãos da Relação de Évora de 31/10/2018, P. 2216/15.6T8PTM.E1 e de 26/04/2018, P. 491/17.0T8EVR.E1, acessíveis em www.dgs.pt.
[5] Documento n.º 8 junto com o requerimento apresentado em 12/10/2021.
[6] Em todas as Diretivas se consagrava o mesmo conceito amplo de “transmissão”.
[7] Acessível em www.dgsi.pt.
[8] Com interesse, veja-se o Acórdão desta Relação Social de 10/03/2022, proferido no processo 1746/20.2T8PTM.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 19/10/2017, proferido no P. C-200/16, acessível em https://eur-lex.europa.eu.
[10] Neste sentido, a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, P. 09P0308 e de 18/06/2006, P. 06P2536; e Acórdãos da Relação de Évora, de 31/05/2012, P. 245/08.5T8STC.E2 e de 08/05/2012, P. 595/09.3TTFAR.E1.