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DEVER DE ACATAMENTO POR PARTE DOS TRIBUNAIS INFERIORES
Sumário
1 - O artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26/08 e o artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 21/85, de 30/07, impõem o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores. 2 - Tendo a Relação determinado por acórdão devidamente transitado em julgado, que a junta médica deveria voltar a reunir para esclarecer, especificamente, os quesitos expressamente formulados no acórdão, não poderia a junta médica, novamente reunida e presidida pelo juiz, deixar de responder aos aludidos quesitos. 3 - Tal omissão, que foi acolhida na sentença recorrida, constitui um incumprimento do dever de acatamento por parte dos tribunais inferiores. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
I. Relatório
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho intentada por P… contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a seguradora do pedido.
O sinistrado interpôs recurso desta decisão.
No acórdão desta Secção Social proferido em 28/10/2021, decidiu-se julgar o recurso procedente e, em consequência, anulou-se a decisão recorrida com vista à repetição do exame por junta médica, e, se necessário, à realização de exames médicos complementares, proferindo-se, a final, nova sentença.
Na fundamentação do acórdão, fez-se constar o seguinte:
«Estamos perante uma ação especial de acidente de trabalho dotada de uma tramitação própria, e que, no caso concreto, perante a frustração da obtenção de um acordo na fase conciliatória do processo, prosseguiu para a fase contenciosa.
Nesta fase processual, uma das questões a decidir relacionava-se com a existência (ou não) de nexo de causalidade entre o acidente ocorrido no dia 26 de dezembro de 2018 e a lesão que originou as incapacidades temporárias, a submissão do sinistrado a uma intervenção cirúrgica e a situação clínica atual do sinistrado.
Por acordo das partes, ficou demonstrado nos autos (desde a fase conciliatória) que no dia 26 de dezembro de 2018, pelas 14h20m, o sinistrado prestava as suas funções de técnico administrativo, sob as ordens e direção da sua entidade empregadora, na sede desta, em Tavira. Obedecendo a uma ordem emanada da entidade empregadora, procedia à deslocação da secretária a fim de permitir a prossecução de trabalhos de pintura das paredes, quando foi acometido de uma forte dor na coluna dorsal que o obrigou a ajoelhar-se no solo.
A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a seguradora e participou-lhe a ocorrência do acidente.
A seguradora prestou assistência médica ao sinistrado até 23 de janeiro de 2019, data em que lhe atribuiu alta por considerar inexistir nexo causal entre o acidente e as lesões apresentados pelo sinistrado.
Na fase conciliatória do processo, o sinistrado foi submetido, em 22 de janeiro de 2020, a exame médico, feito pelo perito médico do Gabinete Médico-Legal.
Do relatório de tal perícia, infere-se que a conclusão assumida se baseou no exame direto do examinado, nas declarações por este prestadas e nos dados documentais facultados.
Entre os aludidos dados documentais, destaca-se o relatório do Neurocirurgião, Dr. Sérgio M. Ribeiro de Figueiredo, elaborado em 11 de janeiro de 2019, no qual se escreveu: «Informação clínica O doente em epígrafe fez esforço a 26/Dezembro 2018 (Pegou em secretária) e sentiu de imediato “estalo” nas costas e ficou, também de imediato, com total incapacidade funcional. Fez IMR, que revelou fratura recente do trato superior da L1»
Este especialista propôs a realização de uma intervenção cirúrgica e, efetivamente, o sinistrado foi operado, em 25 de fevereiro de 2019, devido a fratura lombar[2].
No relatório da ressonância magnética da coluna lombar, elaborado em 3 de janeiro de 2019, ou seja, poucos dias após o acidente, escreveu-se: «Alteração morfológica e de sinal do corpo vertebral de L1 com redução da altura existindo afundamento do planalto superior apresentando a metade superior do corpo vertebral hipersinal na ponderação STR e hipossinal em T1 o que nos sugere sequela traumática com fratura por afundamento do planalto superior, recente, com algum edema intraósseo.».
Retornando ao exame pericial realizado no Gabinete Médico-Legal, pode ler-se no mesmo: «1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.»
Mais concluiu o perito, que o sinistrado esteve afetado de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, desde 25-02-2019 a 09-03-2019, num total de 13 dias, e que, após a data da alta, ocorrida em 09-03-2019, ficou afetado de uma incapacidade permanente parcial de 3%.
Por conseguinte, os elementos probatórios, que foram apresentados na fase conciliatória do processo, vão no sentido de estabelecer um nexo de causalidade entre o acidente e a fratura lombar diagnosticada.
Já na fase contenciosa do processo, foi designada a realização de um exame por junta médica.
A 1.ª instância teve o cuidado de formular os seguintes quesitos, para serem respondidos pela junta médica:
1) Que lesões sofreu o A. no acidente em apreciação nos autos?
2) Tais lesões têm origem traumática?
3) As lesões implicaram um compromisso neurológico?
4) É possível admitir a existência de uma fratura recente?
5) Em consequência dessas lesões, o A. ficou afetado de incapacidade temporária absoluta (ITA) e incapacidade temporária parcial?
6) Em que período?
7) O A. é portador de sequelas em consequência das lesões sofridas?
8) O A. encontra-se curado? A partir de que data?
9) Em consequência dessas lesões, o A. ficou afetado de incapacidade permanente parcial para o trabalho (IPP)?
10) Qual o grau de desvalorização que lhe deve ser fixado, de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades?
No laudo da junta médica, que foi realizada em 6 de abril de 2021, pode ler-se: «Após análise do processo judicial e entrevista com o sinistrado , bem como consulta dos tratamentos e exames efetuados recentemente (que foram anexados ao processo) os peritos, por unanimidade declaram que: a fratura de L1 tem duas causas primordiais, a saber 1- traumatismo de alta energia (por exemplo acidente de vação (digo viação), queda em altura, etc; 2- causas médicas, lesões tumorais, medicação, hipertiroidismo e osteoporose marcada; Ora na inexistência de qualquer um destes fatores – facto confirmado por várias vezes pelo sinistrado- não podem os peritos considerar qualquer nexo entre o acidente e a fratura descrita. Os peritos respondem por unanimidade aos quesitos das folhas 2 do Apenso A:
1) Prejudicado face à exposição anterior.
2) Prejudicado face à exposição anterior.
3) Prejudicado.
4) Sim, mas sem nexo causal com o acidente em questão.
5) Não.
6) Prejudicado.
7) Prejudicado face à exposição anterior
8) Prejudicado face à exposição anterior
9) Prejudicado.
10) Prejudicado.».
Infere-se, assim, do citado relatório pericial, que a junta médica, não obstante admita que o sinistrado sofreu uma fratura recente na L1, descarta qualquer nexo causal entre a fratura e o acidente e considera que em consequência do acidente, o sinistrado não ficou afetado de incapacidade temporária absoluta (ITA) ou de incapacidade temporária parcial (ITP).
O tribunal de 1.ª instância considerou não existir razão para se desviar do resultado do exame por junta médica.
Todavia, a aludida prova pericial está sujeita a uma atividade crítica racional por parte do julgador, considerando os demais elementos processuais.
Nos presentes autos, existe prova apresentada na fase conciliatória do processo, que estabelece um nexo de causalidade entre a fratura dorsal e o acidente, tendo sido considerado que a incapacidade temporária absoluta que afetou o sinistrado está relacionada com a lesão decorrente do evento, que, inclusive, afetou permanentemente o sinistrado na sua capacidade geral de ganho.
Por outro lado, temos a perícia colegial, que considera que a fratura dorsal nada teve a ver com o acidente, mas ao mesmo tempo admite que tal fratura é recente, revelando, neste ponto, uma certa obscuridade, porque o único evento suscetível de causar dano corporal ao sinistrado foi o acidente de 26 de dezembro de 2018, segundo se apurou.
Ademais, a junta médica nem sequer identifica uma causa concreta para a diagnosticada fratura na L1, pois os fatores primordiais que menciona parece que não se verificam no caso concreto. Será que considera que o sinistrado é portador de alguma doença degenerativa ou que tinha alguma lesão pré-existente que justifique a aludida fratura? A junta médica não esclarece.
Também não esclarece porque é que, no seu entender, o movimento de deslocação da secretária não era causa adequada a causar a fratura dorsal diagnosticada.
Outra questão que suscita dúvidas, e que a junta médica não esclarece, relaciona-se com a explicação para, oito dias depois do acidente, a ressonância magnética realizada ter revelado a existência de fratura recente se a mesma nada ter a ver com o acidente.
Repare-se que, em total contraste com o laudo da junta médica, o exame pericial singular considerou que «existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.»
Enfim, o relatório do exame por junta médica, mostra-se manifestamente insuficiente e obscuro, não podendo ser utilizado para formar a convicção do tribunal.
Nesta conformidade e perante a contradição dos laudos periciais, entendemos que se verifica insuficiência probatória para formar a convicção do julgador, mostrando-se necessário completar a prova produzida, com a repetição do exame por junta médica e a realização de exames médicos complementares, caso tal se justifique.
Sem prejuízo de eventuais outras questões que a 1.ª instância considere pertinentes, deverá a junta médica, especificamente, esclarecer:
1.º O movimento de deslocação da secretária, verificado em 26-12-2018, é causa adequada a provocar a fratura dorsal diagnosticada ao sinistrado? Porquê?
2.ª Em 26 de dezembro de 2018, o sinistrado tinha alguma predisposição patológica ou sofria de alguma doença degenerativa suscetível de provocar a fratura na L1?
3.ª Que lesão sofreu o sinistrado ao deslocar a secretária no dia 26 de dezembro de 2018?
4.ª O sinistrado foi afetado de incapacidades temporárias?
5.ª Em caso afirmativo, o que motivou tais incapacidades temporárias?
6.ª Identifique as incapacidades temporárias (absoluta ou parcial) e os seus períodos temporais.
7.ª O sinistrado é portador de sequelas devido ao movimento de deslocação da secretária, no dia 26 de dezembro de 2018?
8.ª O sinistrado encontra-se curado? A partir de que data?
9.ª Em consequência do sucedido no dia 26 de dezembro de 2018, o sinistrado ficou afetado de incapacidade permanente para o trabalho (IPP)?
10.ª Qual o grau de desvalorização que lhe deve ser fixado, de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades?
Em suma, entendemos que a decisão recorrida deve ser anulada, deve ser repetida a junta médica e realizados, se necessário, exames médicos complementares, proferindo-se, oportunamente, nova decisão.»
O acórdão transitou em julgado e o processo baixou à 1.ª instância, onde se procedeu à repetição da junta médica.
Em 05/08/2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se improcedente a presente ação e, em consequência, absolve-se a R. Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. de tudo o peticionado. Fixa-se o valor da causa em € 5.000,01. Sem custas. Registe e notifique.»
Inconformado, veio o Autor interpor novo recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A. No âmbito dos presentes autos foi proferida, em primeira instância, Sentença que julgou “improcedente a presente ação e, em consequência, absolve a R. Companhia de Seguros Allianz Portugal S.A.”, na medida em que “não ficou demonstrado que como consequência necessária e direta desse acidente, o A. sofreu traumatismo da coluna dorso lombar”.
B. Esta é já a segunda sentença proferida nos presentes autos.
C. Da primeira decisão, o Autor interpôs recurso, no âmbito do qual relevou as divergências e contradições entre o relatório do Perito Médico do Gabinete Médico-Legal, no dia 22.01.2019, o qual concluiu que existe efetivamente nexo causal entre o sinistro e a lesão apresentada pelo Recorrente, e, por outro, o relatório dos Peritos da Junta Médica cuja conclusão vai exatamente no sentido oposto.
D. Veio, em consequência, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora julgar procedente o recurso e, assim, ordenar que fosse “repetido o exame por junta médica e, se necessário, realizados exames médicos complementares, proferindo-se oportunamente nova decisão”.
E. Entendeu o Tribunal da Relação de Évora que o exame por junta médica se mostrou insuficiente e obscuro, pelo que existe um conjunto de questões às quais se afiguraria indispensável dar resposta por parte da junta médica:
“ 1.º O movimento de deslocação da secretária, verificado em 26-12-2018, é causa adequada a provocar a fratura dorsal diagnosticada ao sinistrado? Porquê?
2.ª Em 26 de dezembro de 2018, o sinistrado tinha alguma predisposição patológica ou sofria de alguma doença degenerativa suscetível de provocar a fratura na L1?
3.ª Que lesão sofreu o sinistrado ao deslocar a secretária no dia 26 de dezembro de 2018?
4.ª O sinistrado foi afetado de incapacidades temporárias?
5.ª Em caso afirmativo, o que motivou tais incapacidades temporárias?
6.ª Identifique as incapacidades temporárias (absoluta ou parcial) e os seus períodos temporais.
7.ª O sinistrado é portador de sequelas devido ao movimento de deslocação da secretária, no dia 26 de dezembro de 2018?
8.ª O sinistrado encontra-se curado? A partir de que data?
9.ª Em consequência do sucedido no dia 26 de dezembro de 2018, o sinistrado ficou afetado de incapacidade permanente para o trabalho (IPP)?
10.ª Qual o grau de desvalorização que lhe deve ser fixado, de harmonia com a Tabela Nacional de Incapacidades?”
F. Consequentemente foi ordenado novo exame de junta médica e, em seguida, proferida nova sentença tendo por base esse novo exame de junta médica.
G. O novo exame da junta médica limitou-se a repetir o primeiro exame, sem realizar exames complementares e sem colmatar as obscuridades e insuficiências do primeiro.
H. A Sentença a quo limita-se, uma vez mais, de forma acrítica, a transcrever a posição mantida pela junta médica.
I. Não foram respondidas, esclarecidas ou sequer abordadas as obscuridades e insuficiências do primeiro relatório, não foram explicadas quaisquer das conclusões que o relatório da junta médica chegou.
J. E nem sequer a junta médica respondeu a qualquer das dez questões supra identificadas que foram colocadas pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora tendo em vista o cabal esclarecimento do assunto, por forma a poder-se concluir por uma correta convicção por parte do tribunal.
K. O novo exame de junta médica limita-se a justificar a decisão tomada com a existência de “patologia prévia”, não esclarecendo por que motivo existem dois relatórios médicos divergentes – o exame realizado pelo Perito Médico do Gabinete Médico-Legal e o exame da junta médica – e, essencialmente, qual a posição, explicação, ponderação ou opinião da junta médica para tal divergência.
L. Continuam por esclarecer as questões que o Tribunal da Relação de Évora considerou decisivas para que pudesse ser tomada uma boa decisão da causa, nomeadamente, a) porque é que o movimento de deslocação da secretária – bem pesada, por sinal – não é causa adequada a provocar a fratura dorsal diagnosticada ao sinistrado e b) que lesão sofreu o sinistrado ao deslocar a secretária no dia 26 de Dezembro de 2018.
M. O exame da junta médica contraria integralmente o exame Perito Médico do Gabinete Médico-Legal, mas não apresenta qualquer justificação, ponderação ou juízo para tal.
N. A junta médica também opta pelo absoluto silêncio quanto à questão de saber por que motivo a ressonância magnética realizada oito dias depois do acidente relevou a existência de uma fratura recente se a mesma não tem nada a ver com a acidente.
O. Está assente como provado, que no dia 26 de Dezembro de 2018, pelas 14.20, o Autor, por ordem da sua entidade empregadora e enquanto prestava as funções para as quais foi contratado, procedia à deslocação de uma secretária – bastante pesada, por sinal – tendo sido, nesse exato momento acometido de uma forte dor na colunar dorsal, que o obrigou a ajoelhar-se no solo.
P. Em virtude desse acidente, o Recorrente, viu-se afetado de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho durante 13 dias, tendo sido afetado, após a alta, por uma Incapacidade Parcial Permanente de 3%.
Q. O Relatório do Perito Médico do Gabinete Médico-Legal é perentório na atribuição do nexo de causalidade entre a ocorrência e a lesão (e explica porquê e de que forma); o relatório da junta médica limita-se a negar o nexo causal e, agora, a remeter para a pré-existência patológica – sem nunca fundamento o sentido desta sua posição.
R. O relatório da Junta Médica faz tábua rasa do Acórdão do Tribunal da Relação, pois que não responde nem aclara qualquer das questões por ele levantadas e consideradas fundamentais para a boa decisão da causa.
S. Não se pode, por isso, o Recorrente conformar com tal decisão, a qual se limita a aceitar de forma absoluta e sem quaisquer objeções, observações, dúvidas ou questões, o laudo da Junta Médica, fazendo tábua rasa do laudo do Perito Médico do Gabinete Médico-Legal.
T. Caberia sempre ao decisor, para efeitos de boa decisão da causa, confrontar diretamente a Junta Médica relativamente às questões colocadas pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora e garantir que essas questões fossem respondidas.
U. Ao decidir da forma que decidiu, a sentença do Tribunal a quo limitou-se a seguir acriticamente o parecer da junta médica, sem ponderar e conjugar os demais elementos de prova e sem ter em conta o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora.
V. O presente recurso deve ser julgado procedente, por a decisão a quo ser baseada única e exclusivamente em relatório de junta médica obscuro e incompleto, o qual deverá ser substituído.
W. Existindo doença pré-existente que poderá ter sido agravada pelo acidente ocorrido, como refere o novo relatório da junta médica, tal não poderia nunca ter deixado de ser tido em conta, quer pela Junta Médica, quer pela sentença.
X. Face à factualidade dada como assente, fácil se torna perceber que o acidente terá efetivamente agravado essa doença.
Y. O n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, dispõe que “A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada”, e o n.º 2 do mesmo artigo prescreve que “Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse…”.
Z. O acidente que deu origem aos presentes autos agravou a doença pré-existente. Após o acidente, o Recorrente passou a ter complicações – dores, lesões, contracturas, e até uma intervenção cirúrgica – que não tinha tido até então e “passou a ter” uma doença que até então desconhecia.
AA. A lei e a Jurisprudência são unânimes do sentido entender que, num caso como o presente, a lesão do Recorrente ser avaliada e reparada como se tudo tivesse tratado do acidente.
BB. A título meramente exemplificativo, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.9.2013, proferido no âmbito do processo 118/10.1TTLMG.P1.S1, de acordo com o qual “(…) sendo a situação enquadrável no nº 1 do art.11º, a circunstância da predisposição patológica poder ser a causa única da lesão não exclui o direito à reparação integral, sendo que nem as RR alegaram, nem se provou, que o A. haja ocultado a patologia de que padecia.
Sendo a situação enquadrável no nº 2 desse preceito, verifica-se que a doença anterior, determinante da IPATH, foi agravada pelo acidente, devendo a incapacidade (seja na parte decorrente apenas da doença anterior, seja na parte decorrente do seu agravamento, determinado pelo acidente) ser avaliada como se tudo decorresse do acidente, já que nem as RR alegaram, nem se provou, que o sinistrado, por virtude dessa doença, se encontre a receber pensão ou já tivesse recebido capital de remição”, consultável em www.dgsi.pt.
CC. No mesmo sentido aponta o douto Acórdão to Tribunal da Relação de Lisboa, de acordo com decisão proferido no âmbito do processo 6061/16.3T8SNT.L1-4, datada de 25.09.2019 ao referir que “(…) tendo havido lesão resultante de anterior doença ou acidente, que não de trabalho, e que foi agravada por novo e posterior acidente rege o disposto no art. 11º-2, 2ª parte, da LAT/97, avaliando-se a incapacidade como tudo resultasse do 2º acidente, este de trabalho (Neste sentido, veja-se Ac. do STJ de 21/6/2006, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 06S896, embora referindo-se à equivalente Base VIII da anterior LAT- Lei nº 2127 mas considerando dois acidentes, ambos de trabalho)”, consultável em www.dgsi.pt.
DD. Ao concluir pela inexistência de acidente de trabalho e, nesse sentido, absolver a R. do pedido, a sentença recorrida violou o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 98/2009.
EE. Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente por provada a presente ação, considerando-se que a existência de acidente de trabalho nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro e, em consequência, ser a R. condenada conforme peticionado.»
Contra-alegou a seguradora, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi observado o disposto no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, referindo que a junta médica não se pronunciou sobre os quesitos formulados pelo Tribunal da Relação, pelo que o recorrente tem razão e, por conseguinte, deve ser dado provimento ao recurso.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido e o processo foi aos vistos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, importa analisar: (i) se foi cumprido o decidido no anterior acórdão desta Secção Social; (ii) se o exame por junta médica padece de obscuridade e insuficiência, justificando a revogação da sentença recorrida que nele se baseou; (iii) se a sentença recorrido violou o preceituado no artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
*
III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
A) No dia 26 de Dezembro de 2018, pelas 14.20 horas, o A. prestava as suas funções de técnico administrativo sob as ordens, direção e fiscalização de “Taviraverde, Empresa Municipal do Ambiente E.M.”, na sede desta na Rua 25 de Abril, 1, r/c esqº em Tavira;
B) Auferia nessa data a retribuição anual de € 1.176,00, por 14 meses, acrescido de subsídio de refeição de € 167,86, por 11 meses e € 343,00 por 12 meses, respeitante a outros subsídios, num total anual de € 22.426,46;
C) A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 201447895, que vigorava sob a modalidade de seguro a prémio variável;
D) Na data referida em A), o A., quando, por ordem da entidade empregadora, procedia à deslocação da secretária a fim de permitir a prossecução de trabalhos de pintura das paredes, foi acometido de forte dor na coluna dorsal que o obrigou a ajoelhar-se no solo;
E) Este acidente participado pela sua entidade empregadora à seguradora;
F) Esta prestou assistência médica ao A. até 23.01.2019, data em que lhe atribuiu alta por considerar inexistir nexo causal entre o acidente e as lesões apresentadas pelo A.;
G) Não tendo pago quaisquer indemnizações por incapacidades temporárias;
H) Submetido a exame médico pelo Perito Médico do Gabinete Médico-Legal, em 22 de Janeiro de 2020, o mesmo concluiu pela existência de nexo causal entre o acidente e a lesão apresentada pelo A. E que, em consequência da mesma, o A. esteve afetado de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, desde 25.02.2019 a 9.03.2019, num total de 13 dias, bem como que após a data da alta – 9.03.2019-, o Perito médico considerou o A. afetado de Incapacidade Parcial Permanente de 3%;
I) Em 29 de setembro de 2020 foi realizada a tentativa de conciliação entre o A. e a Ré;
J) Esta reconheceu a existência do contrato de seguro supra referido e a transferência da responsabilidade da entidade empregadora pelo montante da retribuição referida em 2º, bem como a existência e caracterização do acidente como de trabalho na data referida em A);
K) Não aceitou, porém, a existência de nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, nem o resultado do exame médico efetuado pelo Perito médico do tribunal;
L) Em consequência do acidente, o A. não sofreu IT’s nem ficou afetado com qualquer IPP;
M) O A. despendeu 25,80 €, com deslocações obrigatórias que teve de efetuar a este Tribunal – 3x8,60€;
N) Suportou ainda as despesas com consultas médicas, no valor de 49,50€;
O) Com medicamentos que lhe foram prescritos, no valor de 21,44€;
P) Com exames médicos e análises, que lhe foram prescritas, no valor de 30,80€;
Q) Com intervenção cirúrgica e internamento no Hospital da CUF, no valor de 250,00€;
R) E com a deslocação a Lisboa para tratamento, no valor de 53,80;
-
E considerou que não se provou a seguinte factualidade:
A) Como consequência necessária e direta desse acidente, o A. sofreu traumatismo da coluna dorso lombar.
*
IV. Enquadramento jurídico
Conforme já referimos anteriormente, o objeto do recurso comporta as seguintes questões: (i) se foi cumprido o decidido no anterior acórdão desta Secção Social; (ii) se o exame por junta médica padece de obscuridade e insuficiência, que justifique a revogação da sentença recorrida que nele se baseou; (iii) se a sentença recorrido violou o preceituado no artigo 11.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
Principiemos, então, por analisar se o decidido no nosso anterior acórdão foi cumprido, designadamente importa apreciar se as questões que formulámos foram respondidas pelos peritos que intervieram na junta médica.
No auto de exame de junta médica realizada em 10/05/2022, fez-se constar o seguinte:
«Após consulta do resultado dos exames solicitados e ainda entrevista com o sinistrado, constata-se que o mesmo é portador de patologia prévia - osteoporose grave e osteopenia, situação clínica propensa a fraturas espontâneas.
1- A lesão descrita nos autos (fratura de L1) não é compatível com o acidente de trabalho em questão mas sim resultou da patologia acima referida.
2- Não.
3- Prejudicado.
4- É possível mas o evento descrito em autos não é compatível para provocar uma fratura.
5- Não.
6- Prejudicado.
7- Prejudicado.
8- Prejudicado.
9- Prejudicado.
10-Prejudicado.”
Ora, atento o teor das respostas dadas, verifica-se que as mesmas se reportam aos quesitos que constam a fls. 2 do apenso de fixação de incapacidade, quesitos esses formulados aquando da prolação do despacho saneador.
Por conseguinte, a junta médica, que foi presidida pela Meritíssima Juíza a quo, não respondeu aos quesitos/questões formulados no nosso anterior acórdão, transitado em julgado.
E a sentença recorrida, que acolheu o laudo de junta médica, seguiu a mesma linha de indiferença ao que havia sido decidido no acórdão, pelo também não acatou a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, devidamente transitada em julgado.
Ora, como refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, o artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26/08, bem como o artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 21/85, de 30/07, impõem o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.
Também o artigo 152.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, estipula: «Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores»[3].
No vertente caso, este dever foi, notoriamente e inexplicavelmente, incumprido!
Na sequência, continuam a faltar no processo esclarecimentos importantes que foram oportunamente identificados, mantendo-se a insuficiência probatória que levou à prolação da decisão do anterior acórdão.
Impõe-se, assim, a anulação da decisão recorrida , devendo repetir-se a junta médica para cumprimento do determinado no nosso anterior acórdão, proferindo-se, oportunamente, nova decisão.
Face ao decidido, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
Concluindo, a apelação deve proceder.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, anulam a decisão recorrida, para que seja repetido o exame por junta médica para cumprimento do determinado no nosso anterior acórdão, proferindo-se, oportunamente, nova decisão.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique. -------------------------------------------------------------------------------
Évora, 24 de novembro de 2022
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)
__________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Mário Branco Coelho [2] Cf. “Nota de Alta de Neurocirurgia”, junta ao processo. [3] Realce da nossa responsabilidade.