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COMUNHÃO GERAL DE BENS
BENS COMUNS DO CASAL
HERANÇA INDIVISA
LEGADO
QUOTA DISPONÍVEL
Sumário
1 – Sendo os cônjuges casados em regime de comunhão geral de bens, o direito e acção de um deles sobre a herança de seus pais, ainda indivisa, constitui bem comum do casal. 2 – Tendo o cônjuge herdeiro feito testamento deixando como legado o seu direito e acção na herança dos pais, esse legado tem que entender-se como limitado à quota de que podia dispor, atenta a comunhão conjugal. 3 – E de igual modo esse legado não pode ofender as legítimas dos seus próprios herdeiros legitimários, nomeadamente o cônjuge e os filhos, ou quem os substitua por direito de representação. (Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
1 – Nos presentes autos de inventário, que correm por óbito do casal que foi formado por AA e BB, foi proferido despacho determinativo da forma da partilha, que vem a ser o recorrido, com o seguinte teor: “Encontra-se a realizar o presente processo de inventário por óbito de AA, falecida no dia .../.../1983, e de BB, falecido em .../.../1989, que foram casados um com o outro sob o regime de comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos, e que tiveram a sua última residência em Fátima, Ourém, na área de competência deste Juízo local civil do Tribunal de Ourém. Os Inventariados AA e BB não deixaram testamento ou qualquer disposição de última vontade, nem fizeram doações. Os Inventariados tinham os seguintes 5 filhos: - CC, DD, EE, FF e GG, melhor identificados nas declarações de cabeça de casal realizadas no requerimento inicial do cabeça de casal. Serão assim os seus 5 filhos, os herdeiros dos inventariados, nos termos dos artigos 2.133º, nº1, alínea a), e 2.134º, ambos do Código Civil. Por sua vez, a filha dos inventariados, EE, assim como o seu marido, HH, com quem era casada sob o regime de comunhão geral de bens, faleceram posteriormente aos mesmos, ou seja em .../.../1998 e .../.../2015, respectivamente. Deixaram como sua herdeira, a sua única filha, II, melhor identificada nos autos, de acordo com o disposto no artigo 2.133º, nº1, alínea a), do Código Civil. Nos termos do artigo 2.058º, do Código Civil, a referida filha daquela falecida filha dos inventariados, EE, ou seja a mencionada II, sucedeu na parte da herança dos Inventariados, a que aquela tinha direito, ou seja no seu quinhão hereditário. Por outro lado, o filho dos inventariados, DD, faleceu posteriormente aos mesmos, ou seja em .../.../2012. Deixou como herdeiros, a sua cônjuge, JJ, com quem era casado sob o regime de comunhão de adquiridos, e o seu filho único, KK, melhor identificados nos autos, de acordo com o disposto no artigo 2.133º, nº1, alínea a), do Código Civil. Nos termos do artigo 2.058º, do Código Civil, os referidos esposa e filho daquele falecido filho dos inventariados, DD, ou seja os mencionados JJ e KK, sucederam na parte da herança dos Inventariados, a que aquela tinha direito, ou seja no seu quinhão hereditário. Por sua vez, o filho dos inventariados, FF, assim como a sua esposa, LL, com quem era casado sob o regime de comunhão geral de bens, faleceram posteriormente aos mesmos, ou seja em .../.../2015 e .../.../2020, respectivamente. Os referidos FF e LL outorgaram testamento em que legaram aos seus filhos MM e NN, o quinhão hereditário de que eram titulares na herança dos inventariados. Consequentemente, com o falecimento daquele FF e LL, atenta a realização deste legado, o quinhão hereditário de que eles eram titulares na herança dos inventariados foi transmitido aos referidos MM e NN. Posteriormente, os referidos MM e NN outorgaram escritura em que doaram à empresa CONSTRUÇÕES DIVIREIS, LDª, o quinhão hereditário na herança dos inventariados de que eram titulares. Em conformidade, actualmente aquela empresa DIVIREIS será a titular do quinhão hereditário na herança dos inventariados, de que era titular o falecido filho destes, FF. Em consequência do relato feito, a partilha entre os herdeiros dos inventariados será efectuada da seguinte forma: Divide-se o total da soma do valor dos bens da herança, descritos na relação de bens junta aos autos, em 5 partes iguais, devido ao facto dos inventariados terem cinco filhos. Cada uma de duas dessas cinco partes será adjudicada a cada um dos herdeiros e filhos dos inventariados que ainda se encontram vivos, ou seja os referidos CC e GG, e constituirá o seu quinhão hereditário na herança dos inventariados. Outra daquelas cinco partes, ou seja o quinhão que pertencia à filha dos inventariados, entretanto falecida, EE, na herança dos inventariados, será adjudicada à filha da falecida EE, neta dos inventariados, ou seja a mencionada II, e também constituirá o seu quinhão hereditário. Outra daquelas cinco partes, ou seja o quinhão que pertencia ao filho dos inventariados, entretanto falecido, DD, na herança dos inventariados, será dividida em duas partes iguais. Uma dessas duas partes será adjudicado à esposa sobreviva do referido DD, a mencionada JJ, constituindo o seu quinhão hereditário. Por sua vez, a outra metade será adjudicada ao filho do falecido DD, neto dos inventariados, ou seja o mencionado KK, e também constituirá o seu quinhão hereditário. A última daquelas cinco partes, ou seja o quinhão que pertencia ao filho dos inventariados, entretanto falecido, FF, na herança dos inventariados, será adjudicada à mencionada empresa DIVIREIS, que adquiriu o mesmo nos termos referidos supra, e também constituirá o seu quinhão hereditário.”
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2 – Não se conformando com o assim decidido, veio o recorrente OO, que é filho de um filho pré-falecido do também falecido FF, interpor o presente recurso de apelação, para defender os direitos que alega ter na herança de seus bisavós, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I – O presente recurso versa sobre o D. Despacho que deu forma à partilha por óbito dos ora inventariados, BB e AA, dela excluindo, como herdeiros legitimários, o recorrente e seu irmão, PP, ainda menor. II – Entre os cinco filhos dos ora inventariados conta-se FF, que foi casado, no regime de comunhão geral de bens, com LL, ambos já falecidos e de quem o recorrente e o irmão são netos. III – Lê-se no D. Despacho recorrido, contrariamente ao que reflectem os autos e o Ac. RE datado de 10.03.2022, relatado pelo Exm.º Senhor Desembargador José Lúcio, proferido no Apenso A dos presentes, que, quer o FF, quer a esposa Maria Prazeres dispuseram, por testamento, do seu quinhão hereditário na herança dos ora inventariados, o que, na verdade, não sucedeu nem resulta dos autos. IV – Dos autos consta, apenas, que, a 15 de junho de 2015 no Cartório Notarial de Ourém a cargo da Exm.ª Senhora Dr.ª QQ, o mencionado FF legou a MM e NN, seus filhos, POR CONTA DA QUOTA DISPONÍVEL, o quinhão hereditário de que era titular na herança dos ora inventariados. V – Tendo o FF e a Maria Prazeres sido casados no regime da comunhão geral, aquele quinhão hereditário constituía bem comum do casal, tal como preceituam os Art.os 1732º e 1733º a contrario do Código Civil (CC), VI – Pelo que, nos termos do Art.º 1682º-A CC, é necessário o consentimento do outro cônjuge para que um possa dispor da sua alíquota no referido bem comum. VII – Com efeito, a LL assentiu, expressamente, a que o FF dispusesse da sua parte no mencionado quinhão nos termos constantes do seu testamento. VIII – Porém, tal consentimento não poderá ser tomado nem confundido com uma disposição, pela Maria Prazeres, da sua quota ideal no mesmo bem comum. Motivo pelo qual se tenha que partir do facto de que apenas o marido daquela, e não ambos, tenha feito testamento do quinhão hereditário por óbito dos ora inventariados. IX – Desfeitos os enganos, tem de concluir-se que, falecidos o FF e a Maria Prazeres, serão herdeiros dos ora inventariados, os sucessores daqueles, i.e., os seus filhos MM, NN e RR, este pré-falecido e aqui representado pelos seus filhos OO e PP nos termos do Artº 2139º nº 2 CC. X – Pelo que se expôs supra, o Mm.º Juiz a quo não só partiu de uma realidade que não existe, qual seja a de que Maria Prazeres, por testamento, dispôs da sua quota ideal no quinhão hereditário dos ora inventariados, mas também incorreu em erro de julgamento ao não considerar o recorrente e seu irmão como herdeiros da sua avó, Maria Prazeres, no que respeita à alíquota que esta detinha no quinhão hereditário na herança dos ora inventariados. XI–Sendo certo que FF deixou, por conta da quota disponível, o seu direito e acção no presente inventário, a parte indisponível, i.e., a legítima, é reservada aos sucessores legitimários – in casu a viúva Maria Prazeres, os filhos MM e NN, também legatários, e aos netos OO e PP, em representação do filho RR, pré-falecido. XII – A qualidade de herdeiros legitimários, nomeadamente dos netos OO e PP, não pode ser, nem é retirada pelo simples facto do avô destes, FF, ter disposto, por testamento e por conta da quota disponível, do seu direito e acção no presente inventário. XIII – Por isso, violou o D. Despacho recorrido os Art. os 1682º-A, 1732º, 1733º a contrario, 2039º, 2041º, 2139º, 2140º e 2157º do Código Civil, fazendo “letra morta” do D. Ac. RE já proferido no âmbito destes mesmos autos, não o acatando, ao não incluir o recorrente e seu irmão PP como herdeiros de seus bisavós, ora inventariados, cabendo-lhes, a cada, o equivalente a 10/360, conforme requerimento com Ref. 8816982 CITIUS, datado de 23 de Junho de 2022. Termos em que, não certamente pelo alegado, mas pelo douto suprimento de V. Exc.as, revogando-se o D. Despacho recorrido e substituindo por outro que atribua, ao recorrente e seu irmão, na qualidade de herdeiros, a proporção de 10/360 da herança dos ora inventariados, seus bisavós, se fará, como sempre a tão costumada justiça”.
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3 – Foram apresentadas respostas, tanto pela legatária “Construções Divireis Lda” como pelo Ministério Público, ambas defendendo a improcedência do recurso.
Anota o MP, no entanto, depois de admitir que a existência do legado a favor da DIVIREIS afasta o recorrente e seu irmão da partilha a fazer nos presentes autos, que coisa diferente e em aberto será “apurar se com a existência de tal legado está ou não salvaguardada a quota indisponível a que concorre o Recorrente e seu irmão na qualidade de herdeiros legitimários na herança de FF, o que cremos que apenas será possível aferir se o Recorrente e o seu irmão PP terão ou não uma quota ideal neste Inventário e qual a sua proporção, realizado que seja o inventário por óbito de FF.”
E idêntica observação se encontra nas contra-alegações da DIVIREIS, quando alega que “a legítima é apurada pela totalidade da herança e não por cada bem individualmente, e, no caso concreto, atendendo à universalidade de bens e direitos que FF e esposa Maria Prazeres deixaram, é muito provável que a mesma não esteja ofendida” e que “não obstante, a sua inoficiosidade apenas poderá ser verificada no inventário que corre por óbito de FF e LL e por confronto todos os demais bens que por óbito daqueles ficaram.”
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4 – Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso vertente, em face das conclusões do recorrente, e não se perfilando outra a conhecer oficiosamente, a questão a decidir resume-se em saber se deve manter-se o decidido quanto ao destino do quinhão de FF, avô do recorrente, no despacho que incidiu sobre a forma da partilha a efectuar no presente inventário.
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5 – Vistos os autos, e para além do que resulta do próprio despacho recorrido e das alegações do recorrente, acima transcritas, são os seguintes os dados que se afiguram relevantes para a decisão a proferir, tal como constam das declarações da cabeça de casal e dos documentos juntos:
a) Procede-se a inventário por óbito de AA, falecida em 15-12-1983, e de seu marido, BB, falecido em 28-07-1989.
b) Foram seus sucessores os cinco filhos do casal, entre os quais FF, que à data do falecimento de seus pais era casado sob o regime da comunhão geral de bens com LL.
c) O referido FF faleceu a 02-09-2015, tendo nessa data como sucessores a sua viúva, Maria Prazeres, e dois filhos do casal, MM e NN, e ainda dois netos, OO e PP, por serem filhos do filho pré-falecido RR.
d) O falecido FF fez testamento, a .../.../2015, no qual legou a seus filhos MM e NN o direito e acção que tinha sobre a herança de seus pais, os inventariados AA e BB.
e) Nesse testamento FF declarou que esse legado era feito “por conta da quota disponível de seus bens”.
f) A esposa de FF, Maria Prazeres, declarou nesse acto que “presta o necessário consentimento ao cônjuge para os legados contidos neste testamento”.
g) Posteriormente, a 29-06-2017, os referidos MM e NN outorgaram uma escritura de doação do mesmo quinhão hereditário do seu pai nas heranças dos aqui inventariados a favor da sociedade comercial “Divireis Lda.”
h) A 26-08-2020, já na pendência deste inventário, veio a falecer também a viúva de FF, Maria Prazeres, deixando como sucessores os dois filhos MM e NN e os dois netos OO e PP, filhos do filho pré-falecido RR.
i) Corre termos no mesmo Tribunal Judicial o inventário para partilha das heranças de FF e Maria Prazeres, com o número 45/21.7T8ORM, sendo interessados os dois aludidos filhos, MM e NN, e os dois netos referidos, OO e PP, em representação do pai, filho pré-falecido dos inventariados.
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6- APRECIANDO E DECIDINDO
Tendo presentes todos os elementos supra referidos, resta-nos conhecer da questão colocada a este tribunal de recurso.
Como se pode verificar, entendeu o tribunal recorrido que o legado feito pelo falecido FF, no seu testamento, a .../.../2015, no qual legou a seus filhos MM e NN o direito e acção que tinha sobre a herança de seus pais, os inventariados AA e BB, tem como consequência afastar completamente das heranças a partilhar nestes autos os interessados OO e PP, filhos de um filho pré-falecido do referido FF, RR.
A instituição de legado por ele feita em testamento, declarando que legava aos dois filhos vivos o seu próprio direito e acção sobre a herança de seus pais, direito este que os legatários posteriormente doaram à sociedade DIVIREIS, teria como consequência afastar totalmente da sucessão dos aqui inventariados tanto a esposa do testador como os filhos do filho pré-falecido, acima referidos.
Lembramos, para começar, que ao referido FF corresponde um quinto do valor da partilha discutida no despacho impugnado, conclusão que não é questionada nem se afigura questionável.
Porém, neste ponto importa sublinhar que nessa data em que FF outorgou testamento o direito e acção sobre a herança de seus pais, falecidos havia muito, e que foi objecto do legado, constituía já bem comum do casal formado pelo próprio e por sua mulher Maria Prazeres, com quem era casado sob o regime da comunhão geral de bens.
Ou seja, uma vez que à data da abertura da sucessão dos aqui inventariados, que coincide com a morte destes (cfr. art. 2031º do Código Civil) o dito FF era casado em regime de comunhão geral de bens com Maria Prazeres, resulta consequentemente do disposto no art. 1732º do mesmo Código que tal direito constituía bem comum do casal (a comunhão de bens só não abrange aqueles bens que forem excepcionalmente excluídos dessa comunhão, como os previstos no art. 1733º, pelo que em regra a sucessão também significa a aquisição pelo cônjuge não herdeiro, por via da comunhão conjugal).
Logo, o direito e acção de FF na herança de seus pais, ora inventariados, pertencia ao património do casal formado por ele e por sua mulher – sendo certo que só ele é que testou, deixando em legado aos filhos MM e NN aquilo que lhe pertencia por essa via hereditária.
Ao dispor do seu direito e acção na herança dos pais, FF declarou, porém, que esse legado era feito “por conta da quota disponível de seus bens”, e sua esposa, Maria Prazeres, teve intervenção no testamento dele para declarar que “presta o necessário consentimento ao cônjuge para os legados contidos neste testamento”.
A esposa não outorgou como testadora, não deixou testamento, circunstância que se julga relevante para efeitos da posterior partilha dos bens do seu casal.
A intervenção da referida Maria Prazeres no testamento do marido, nos termos descritos, tem que ser compreendida à luz do disposto no art.º 1682º-A do Código Civil, segundo o qual é necessário o consentimento do outro cônjuge para que um deles possa dispor da sua parte num bem comum do casal, e os mencionados FF e Maria Prazeres eram casados no regime da comunhão geral, pelo que o quinhão hereditário sobre a herança dos pais dele constituía bem comum do casal (cfr. art.s 1732º e 1733º, a contrario, do Código Civil).
E a verdade é que o falecido FF, ao fazer testamento do modo como o fez, declarando deixar em legado o seu direito à herança dos progenitores, não retirou a qualidade de herdeiros seus aos filhos e netos que como tal estão acertadamente referidos nas declarações de cabeça de casal. A viúva Maria Prazeres, os filhos MM e NN (estes também legatários), e os netos OO e PP, representando o filho pré-falecido, eram na data do óbito deste os herdeiros legitimários de FF (cfr. art. 2157º do Código Civil).
Essa sua condição resulta da lei, não lhes podendo ser retirada por disposição testamentária; e isso mesmo reconhece a própria disposição do testador, ao dizer que a deixa do legado é feita “por conta da quota disponível”.
Ou seja, o próprio testador previu que na partilha da sua herança teria que ser considerada a existência de uma quota disponível, a preencher com aquele legado em que deixava aos dois filhos vivos a sua parte na herança dos seus próprios pais, e uma quota indisponível, constituída pelas legítimas de quem tivesse essa condição de herdeiro legitimário.
Quando do seu falecimento, e consequente abertura da sucessão, repete-se, eram seus herdeiros legitimários a viúva (posteriormente falecida) e dois dos filhos, MM e NN, e ainda os netos OO e PP, por direito de representação. Daí que nas declarações de cabeça de casal tenham sido estes indicados como interessados no inventário em curso.
Julgamos, pois, estar a razão do lado do recorrente quando conclui que essa disposição (que o testador sublinhou que era feita por conta da sua quota disponível) por um lado só incidia sobre a sua parte nesse bem comum (a esposa apenas autorizou a disposição feita pelo marido, de forma a assegurar a sua validade, mas não foi ela mesma testadora, não podendo de forma alguma dizer-se que legou a parte que a ela pertencia no direito em causa) e por outro lado não podia lesar os imperativos legais respeitantes à legítima.
Assim sendo, o legado em referência não pode implicar lesão da legítima, de qualquer dos herdeiros legitimários, sendo certo que os referidos OO e PP são herdeiros legitimários, em representação de seu falecido pai, tanto na herança de seu avô, FF, como na herança de sua avó, Maria Prazeres, que, entretanto, também faleceu.
Aliás, isto mesmo está expressamente admitido nas contra-alegações do Ministério Público e da legatária DIVIREIS, que, todavia, retiram dessa consideração a conclusão de que a discussão sobre a eventual inoficiosidade do legado deve ter lugar apenas no inventário para partilha das heranças dos referidos avós, FF e LL, que também está pendente no mesmo tribunal.
Porém, dessa argumentação ressalta o problema evidente de vir a apurar-se em tal inventário que a inoficiosidade existiu mas tal constatação já ser irremediável – basta que as heranças de FF e Maria Prazeres não tenham outros bens cujos valores possam compensar, de forma a respeitar as legítimas, aquilo que foi entretanto atribuído no inventário corrente, a título de legado, sem que os legitimários possam nessa altura defender-se da inoficiosidade existente e consumada na herança já partilhada.
Basta para tanto que os bens integrantes do património do casal formado por FF e Maria Prazeres coincidam com aqueles que integravam o aludido “direito e acção” na herança dos pais dele.
Recordamos que, como explica a própria recorrida DIVIREIS, a legítima é a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art.º 2156 do C. Civil), e, portanto, a legítima do recorrente RR e de seu irmão PP é inatingível.
Ora na herança de FF, que fez o testamento onde se inclui o legado em causa, a legítima será de dois terços da sua herança (art.º 2159º, do C. Civil), a distribuir pelos herdeiros legitimários, onde se inclui o recorrente e seu irmão.
E quanto à herança da esposa de FF surgem como herdeiros, além dos filhos NN e MM, novamente os mesmos netos, RR e PP, como representantes do filho pré-falecido.
Assim sendo, torna-se oportuno recordar que o inventário é um processo tendencialmente universal, onde podem e devem ser conhecidas todas as questões pertinentes aos fins a que se destina (v. g. a partilha de uma herança indivisa), sendo, portanto, a sede adequada para discutir todas as questões pertinentes à boa e correcta aplicação da lei com vista à cessação das situações de comunhão hereditária.
Como se julga consensual, o inventário é o lugar próprio para resolver todas as questões que se mostrem necessárias à correcta composição das legítimas, o que pode implicar a discussão sobre os legados, e não só sobre a sua validade mas também sobre o seu valor, a eventual inoficiosidade, a eventual redução, etc.
Repetindo o alerta que já consta de acórdão anterior proferido nestes autos, a concreta definição das questões levantadas pela disposição testamentária de FF, levanta o risco evidente de estas aparecerem depois no inventário para partilha da herança de FF e mulher como questões já irremediavelmente decididas, e prejudicadas.
Isso mesmo ressalta das considerações do MP quando considera que é necessário “apurar se com a existência de tal legado está ou não salvaguardada a quota indisponível a que concorre o Recorrente e seu irmão na qualidade de herdeiros legitimários na herança de FF, o que cremos que apenas será possível aferir se o Recorrente e o seu irmão PP terão ou não uma quota ideal neste Inventário e qual a sua proporção, realizado que seja o inventário por óbito de FF.”
E o mesmo se diga das contra-alegações da DIVIREIS, quando esta discorre que “a legítima é apurada pela totalidade da herança e não por cada bem individualmente, e, no caso concreto, atendendo à universalidade de bens e direitos que FF e esposa Maria Prazeres deixaram, é muito provável que a mesma não esteja ofendida” e que “não obstante, a sua inoficiosidade apenas poderá ser verificada no inventário que corre por óbito de FF e LL e por confronto todos os demais bens que por óbito daqueles ficaram.”
Porém, sendo assim, e julgamos que sim, então a conclusão que se impõe é a imperiosa necessidade de determinar a cumulação dos dois inventários pendentes, este e aquele destinado à partilha dos bens do casal FF e Maria Prazeres, de forma a permitir a boa decisão das questões suscitadas.
Tal decisão de cumulação tem naturalmente a sua sede no processo em curso, e afigura-se, sempre com o devido respeito, que se mostra de toda a conveniência, competindo à primeira instância verificar da subsistência dos respectivos pressupostos legais.
Tendo em conta o objecto do presente recurso, a que estamos limitados, impõe-se, portanto, a revogação do despacho proferido, na parte impugnada, de forma a permitir o prosseguimento dos autos com a tomada das decisões apropriadas com vista à boa composição do litígio.
Julgamos, pois, que o recurso em apreço é procedente, impondo-se a revogação da decisão impugnada (que consiste no segmento do despacho recorrido referente ao destino da quota hereditário de FF na herança indivisa de seus pais, aqui inventariados).
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DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, concretamente o segmento da forma da partilha respeitante ao quinhão de FF na herança dos inventariados.
Custas pelos apelados, sendo metade para a apelada “Divireis, Lda”, e metade para os apelados NN e MM.
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Évora, 24 de Novembro de 2022
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso