CITAÇÃO QUASE PESSOAL
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário


I. Para que a citação com hora certa seja válida, é indispensável a certeza que o local da citação corresponde ao domicílio efetivo do citando.
II. Cabe ao AE averiguar e certificar-se que o citando efetivamente reside ou trabalha naquela morada.
III. Se o AE declara que as diligências que levou a efeito para apurar que o citando efetivamente residia na morada se resumiram a examinar a caixa do correio, a constatar que a mesma não estava cheia de publicidade ou com muitas cartas, concluindo que tal indicava que o apartamento não estava desabitado e que «não obteve a confirmação mas ao que tudo indica reside alguém na morada ...e como as cartas estavam no nome do Réu, a AE deduz ser a habitação do mesmo», verifica-se incumprimento das formalidades legais previstas para a citação com hora certa, por tais diligências não corresponderem a um real apuramento de que o citando efetivamente reside naquela morada.
IV. Impendendo sobre o citando que invoca a nulidade da citação com hora certa a alegação e prova de que, ao tempo da citação, não residia (temporariamente) na morada onde ocorreu a citação, arrolando prova para o efeito, e não tendo a mesma sido ouvida, impõe-se a anulação da decisão que julgou a citação validamente realizada e julgou improcedentes os embargos de executado, em ordem a apurar se o citando residia efetivamente na morada onde ocorreu a citação com hora certa.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA

I – RELATÓRIO
Ação
Apenso de oposição por embargos à execução.
Executado/Embargante
AA
Exequente/Embargada
CAMPOAS, S.A.
Pedido
Procedência dos embargos por falta ou nulidade da citação para os termos da ação declarativa comum que correu termos sob o n.º 667/18.3T8LAG – J2, cuja sentença foi dada à execução.
Causa de pedir
É nula e de nenhum efeito a citação com hora certa do Réu, ora Embargante, naquela ação declarativa, por a Agente de Execução (AE) não ter apurado que o citando residia na morada onde afixou o aviso/nota de citação, como se impunha atento o disposto no artigo 232.º, n.º 1, do CPC, não tendo o ora Embargante tomado conhecimento pessoal de qualquer ato processual praticado na referida ação declarativa, só dela conhecendo com o ato de citação nesta execução.
Assim, a sentença proferida não constituí título executivo para a presente execução (artigo 187.º, alínea a), do CPC).
Contestação
Pugnou a Embargada pela improcedência dos embargos por falta de fundamento, uma vez que o Embargante foi devidamente citado na ação declarativa como demonstra a documentação referente à citação levada a cabo pela AE.
Saneador-Sentença
Julgou improcedentes os embargos de executado e determinou o prosseguimento dos autos de execução.
Recurso
Apelou o Embargante, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) O aqui Recorrente não tomou conhecimento de qualquer ato de citação nos referidos autos, por qualquer facto que lhe seja imputável, não interveio por qualquer forma no processo e, também, não chegou a ser notificado de qualquer ato, nomeadamente da Sentença condenatória e que constitui o título executivo dado à presente Execução, pelo que resta concluir que há falta de citação nos termos do art.º188º nº1 al.e) do C.P.Civil.

b) Ainda assim, competia à Agente de Execução indicar os factos concretos em que baseou seu entendimento de que não foi possível “obter a colaboração de terceiros” na realização do ato de citação, e porque não se informou sobre se o ora Recorrente se encontrava a residir no apartamento e prédio em questão (art.º232º nº1 e 4 do C.P.Civil), optando pela afixação da nota de citação em local visível.

c) A violação das formalidades prescritas na lei para a realização da citação por agente de execução, artº231º do C.P.Civil e da citação com hora certa, artigo 232º do C.P.Civil, torna nula a citação, nos termos do artº191º do C.P.Civil.

d) O acto de citação tem natureza receptícia, constituindo pressuposto necessário do exercício do direito de defesa, constitucionalmente garantido – artigo 20.º CRP – pelo que a falta de citação arguida pela Recorrente, tendo como consequência, in casu, a impossibilidade do exercício do direito de defesa, irá inequivocamente influir no exame ou na decisão da causa.

e) A nulidade ou falta da sua citação para os termos da acção declarativa a que esta execução é um mero apenso, torna nulos e de nenhum efeito, quaisquer actos processuais nela praticados após a petição inicial apresentada pela autora e ora exequente, mormente a sentença que serve título à presente execução (artºs.187º al. a) do C. P. Civil).

f) Não obstante, o Recorrente alegou e requereu produção de prova no sentido de demonstrar que não tomou conhecimento do ato de citação em causa, por não se encontrar a residir no local nessa data.

g) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, ao não determinar a produção de prova requerida pelo Recorrente, desconsiderou o princípio do inquisitório especialmente consagrado nos artigos 411º e seguintes do Código de Processo Civil, facto que constitui uma nulidade processual que expressamente se invoca, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 197.º do Código de Processo Civil.

h) Consequentemente, deve ser considerada procedente a arguição da falta e nulidade da citação conforme requerido.

i) Ou, caso assim se não entenda, deverá ser revogada a douta decisão recorrida e remetida a acção ao tribunal a quo para produção de prova.»

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
«1. “CAMPOAS, S.A.” (Embargada) veio propor acção executiva contra AA, com vista à cobrança coerciva da quantia de €24.000,00 e à entrega do arrendado.

2. Para tanto, apresentou a sentença proferida no processo n.º 667/18.3T8LAG, do Tribunal de Lagos, em 01 de Julho de 2020, transitada em julgado em 21 de Setembro de 2020, que decidiu:
a) Declarar validamente resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo matricial ..., da freguesia de Lagos (S. Sebastião), concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o nº ..., sito na Rua ..., ..., Lagos;
b) Condenar o Réu a entregar o locado supra identificado livre de pessoas e bens;
c) Condenar o Réu no pagamento ao autor da quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros) a título de rendas vencidas e não pagas, bem como no pagamento das rendas vencidas e não pagas até entrega efectiva do locado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

3. Na sobredita acção, o Réu não constituiu mandatário, nem lhe foi nomeado patrono.

4. Em 12 de Outubro de 2018, foi remetida ao Embargante carta registada com aviso de recepção nestes termos
AA
Rua ..., ... LAGOS

5. A carta veio devolvida.

6. Em 22 de Outubro de 2018, foi remetida ao Embargante nova carta registada com aviso de recepção nestes termos
Exmo(a) Senhor(a) AA
Rua ..., ...-º... Lagos

7. A carta veio devolvida.

8. Em 09 de Novembro de 2018, foi pedida a citação do Embargante através de Agente de Execução.

9. Em 09 de Janeiro de 2019, a Sr.ª Agente de Execução juntou aos autos certidão de citação por afixação na morada indicada ao Réu.

10. Em 04 de Junho de 2019, a Sr.ª Agente de Execução juntou aos autos comprovativo do cumprimento do disposto no artigo 233.º do CPC, carta esta que veio devolvida por “não reclamada”.

11. Em 02 de Julho de 2019, a Sr.ª Agente de Execução veio informar que
“procedeu à afixação do Edital da citação do Réu porque na caixa de correio [havia]cartas em nome do Réu e a mesma não estava lotada com publicidades ou muitas cartas que indicasse que o apartamento estava sem pessoas;
A AE não obteve a confirmação mas ao que tudo indica reside alguém na morada ...e como as cartas estavam no nome do Réu, a AE deduz ser a habitação do mesmo.”

12. Em 11 de Março de 2020, foi proferido o seguinte despacho
“Considero que o Réu foi citado regularmente na sua pessoa e não apresentou contestação, considero confessados os factos articulados pelo Autor (art.º 567.º, n.º1 do NCPC, aplicável in casu por força do disposto no art.º 5.º, n.º1 da Lei 41/2013, de 26.06).
Cumpra o disposto no n.º2 do art.º 567.º do mesmo diploma”.

13. Este mesmo despacho foi notificado nesse mesmo dia ao Embargante para a morada sita na Rua ..., ...-ºa ... Lagos.

14. Notificação essa também devolvida por “não reclamada”.

15. Na sentença exequenda também se considerou o Réu como regularmente citado.

16. Tal sentença foi notificada, em 01 de Julho de 2020, ao Réu, nos seguintes termos
AA
Rua ..., ...-ºa ... Lagos

17. A carta, registada, não veio devolvida.

18. Na acção executiva, o Embargante foi citado, na pessoa de terceiro, na morada indicada em 06), em 07 de Março de 2022, a saber,
Rua ..., ...-º... Lagos.

19. O imóvel destinava-se a habitação do Réu/Embargante.»

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se em apreciar da falta e/ou nulidade da citação na ação declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução.


2. No caso em apreço, de acordo com a alegação do Embargante, ocorreu falta de citação na ação declarativa por facto que não lhe é imputável (artigo 118.º, n.º 1, alínea e), do CPC), pois nos meses de outubro, novembro e dezembro encontrava-se, por razões de saúde, a viver em Inglaterra, onde esteve a receber tratamentos oncológicos.
Também alega que ocorreu nulidade da citação com hora certa por violação das formalidades prescritas na lei para a citação com hora certa, porquanto a AE não indicou os factos concretos que, no seu entender, determinariam que não foi possível obter a colaboração de terceiros na realização do ato de citação, nem se informou sobre se o Exequente se encontrava a residir na morada onde foi levada a cabo aquela modalidade de citação. Nulidade esta que se encontra prevista no artigo 191.º, n.º 1, por violação do artigo 232.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.
Estipula o artigo 729.º do CPC que, fundando-se oposição à execução em sentença, a oposição por embargos pode ter lugar, nos termos da alínea b) deste normativo, se ocorrer «Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º».
A alínea e) do artigo 696.º do CPC, por seu lado, prescreve que a sentença ainda que tenha transitado em julgado é fundamento de revisão, se «Tendo ocorrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) Se o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;».

Entende a lei que há falta de citação «Quando se mostre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe for imputável», como prescreve o artigo 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
Por sua vez, estipula o artigo 191, n.º 1, do CPC que «Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.»
Quando se frustra a citação via postal, a citação pode ser efetuada por contato pessoal do agente de execução com o citando, nos termos do artigo 231.º do CPC.
A citação com hora certa encontra-se prevista no artigo 232.º do CPC.
Deste preceito decorre que se o AE não encontrar o citando em virtude de este se encontrar temporariamente ausente (ou este se recusar ao contato com o mesmo), nem encontrar terceiro no local a quem deixar a indicação de hora certa para a efetuação da citação, que se encontre disponível para transmitir, com prontidão, tal informação ao citando (artigo 232.º, n.º 1, do CPC), então, o AE afixa no local mais indicado (porta da residência/porta do prédio), com indicação de dia e hora certa para a diligência.
No dia e hora pré definidos, o AE comparecerá no local e cita pessoalmente o citando, se ali o encontrar, ou caso contrário, o ato será executado em pessoa capaz de se encontrar em melhores condições para transmitir os elementos da citação.
Caso esta última situação também não seja viável, o ato será efetuado mediante a afixação de nota de citação, com indicação dos elementos necessários e menção de que o duplicado fica à disposição do citando na secretaria do tribunal (artigo 232.º, n.º 4, do CPC), sendo sempre o ato complementado com o envio de carta registada ao citando nos termos do artigo 233.º do CPC, acrescendo mais cinco dias ao prazo para contestar (artigo 245.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Resulta da factualidade dada como provada que a citação por carta registada com aviso de receção, tentada duas vezes para a morada do locado (sendo que na segunda vez foi completada com a indicação do andar e letra – 5.º-A – cfr. pontos 4 e 6) se frustrou por as cartas terem sido devolvidas.
Tendo sido pedida a citação por AE, em 09-01-2019, a mesma juntou aos autos a certidão de citação por afixação na morada indicada como sendo a do Réu– cfr. pontos 8 e 9 dos factos provados.
Dessa certidão resulta que no dia 20-12-2018 foi deixado aviso com indicação da citação com dia e hora certa a realizar no dia 21-12-2018, pelas 12H00m (doc. fls. 12-12v).
Em 04-06-2019, a AE juntou aos autos comprovativo do cumprimento do artigo 233.º do CPC, tendo a carta sido devolvida com a indicação de «não reclamada» - cfr. ponto10 dos factos provados.
Consta do ponto 11 dos factos provados que, em 02-07-2019, a AE veio informar que «procedeu à afixação do Edital da citação do Réu porque na caixa de correio [havia]cartas em nome do Réu e a mesma não estava lotada com publicidades ou muitas cartas que indicasse que o apartamento estava sem pessoas;
A AE não obteve a confirmação mas ao que tudo indica reside alguém na morada ...e como as cartas estavam no nome do Réu, a AE deduz ser a habitação do mesmo.»
Entrando na concreta apreciação da questão colocada, é preciso começar por evidenciar que juridicamente a falta de citação e a nulidade de citação são realidades distintas e têm um regime próprio, como decorre dos artigos 186.º a 202.º do CPC.
Começando pela falta de citação, e sempre tendo em conta o caso presente, a mesma só se verifica quando o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato por facto que não lhe é imputável.
A falta de citação é uma situação grave, a tal ponto que determina que todo o processado se anula depois da petição inicial, salvando-se apenas esta (artigo 187.º, alínea a), do CPC.
O que justifica que este regime seja afastado quando for imputável ao citando não ter chegado ao seu conhecimento o ato de citação, impendendo sobre o mesmo a alegação e prova de que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável.
Tal alegação consubstanciará a ilisão da presunção estabelecida no artigo 230º do CPC de que foi efetiva e tempestivamente transmitida a citação, permitindo-se assim ao citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação antes do termo do prazo da defesa.
A demonstração permitida pela parte final da alínea e) do artigo 188.º do CPC é limitada ao campo da citação pessoal prevista no artigo 231.º do CPC, impondo a lei ao AE que no cumprimento dessa modalidade de citação cumpra o disposto no artigo 227.º e 231.º do CPC.
No caso em apreço, afigura-se-nos que não é esta a situação que os autos evidenciam, porquanto à data da deslocação do AE à morada do citando, ali não encontrou ninguém, ou seja, não teve qualquer contato com o citando, nem este se recusou ao mesmo, nem com terceira pessoa que estivesse em condições de transmitir, com prontidão, a mensagem ao citando.
Não se nos afigura que, nessa situação, se encontre em causa a falta de citação nos termos previstos no artigo 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC, independentemente da razão que no momento poderia verificar-se para a ausência do citando na morada em causa.
Pode, contudo, estar em causa uma situação de nulidade da citação por preterição das formalidades previstas na lei em relação à citação com hora certa.
Para que a citação com hora certa seja válida, é indispensável a certeza que o local da citação corresponde ao domicílio efetivo do citando, ainda que possa encontrar-se temporariamente ausente do mesmo (ou se recuse ao contato com o AE).
Cabe ao AE averiguar e certificar-se que o citando efetivamente reside ou trabalha naquela morada.
Diríamos que em termos de experiência comum, a forma de apurar essa circunstância será, caso não encontre ninguém na morada, indagar junto de algum vizinho, estabelecimento ou outra pessoa se o citando ali efetivamente reside, e se essas diligências indiciarem que sim, então o AE afixará na porta o respetivo aviso, seguindo-se os demais trâmites acima referidos.
No caso, a AE declara que as diligências que levou a efeito para apurar que o citando residia na morada se resumiram a examinar a caixa do correio, a constatar que a mesma não estava cheia de publicidade ou muitas cartas, concluindo que tal indicava que o apartamento não estava desabitado («sem pessoas») e que «não obteve a confirmação mas ao que tudo indica reside alguém na morada ...e como as cartas estavam no nome do Réu, a AE deduz ser a habitação do mesmo.».
Ora, quando a lei menciona no n.º 1 do artigo 232.º do CPC, que o AE apura se o «citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado» (sublinhado nosso), afigura-se-nos que se pretende o real apuramento do facto, não se basta a lei com este tipo de observação e subsequentes conjeturas, baseadas em raciocínios que podem ser facilmente questionáveis. Por exemplo, o que leva a AE a entender que naquela morada é deixada muita publicidade e que o citando recebe muitas cartas, para concluir que havendo pouca publicidade e cartas, a caixa de correio é esvaziada com frequência?
E o que leva a AE a concluir que havendo cartas endereçadas ao Réu na caixa de correio, o mesmo reside na morada, quando o fundamento da ação declarativa onde o ato de citado ia ser praticado era precisamente a falta de residência permanente no locado e o não pagamento de rendas por parte do Réu?
Não se encontra uma resposta convincente para estas perguntas que permita concluir que foram observadas as formalidades prescritas na lei para a citação com hora certa.
A sentença recorrida envereda por questionar a alegação do Embargante quando refere que nos meses de outubro a dezembro não residiu na fração, por não indicar o ano a que se reporta, nem juntar documento a comprovar que esteve a receber tratamentos no estrangeiro; que posteriormente, já recebeu a sentença naquela morada e que na ação executiva também ali foi citado; que é contraditório defender que para a ação declarativa não reside na morada e para a ação executiva já reside; que a citação pode ser levada a cabo numa morada secundária; que na ação declarativa o Tribunal de Lagos se pronunciou por duas vezes sobre a regularidade da citação e que se não reside no locado deveria ter transmitido à senhoria a alteração da morada.
Salvo o devido respeito, toda esta argumentação não se centra no ponto fulcral em análise e que se traduz numa simples pergunta: a AE cumpriu, ou não, as formalidades da citação com hora certa no momento em que a mesma teve lugar no que concerne a saber se o citando efetivamente residia naquela morada?
E a resposta não pode deixar de ser negativa.
É este o ato de citação que está em causa e não os atos processuais posteriores, ainda que um deles até seja de citação para outra ação, a executiva, ocorrida na mesma morada, mas em momento posterior.
Ademais, o Embargante requereu na petição de embargos a produção de prova testemunhal, que não foi ouvida, sendo que os embargos têm como fundamento exclusivamente a falta/nulidade da citação na ação declarativa.
Se a alegação de que padece de doença oncológica, como refere o Tribunal a quo, exige prova documental idónea, já assim não é em relação à ausência da residência pelos motivos que veio alegar. Sendo que o que está em causa é a ausência (temporária ou não) da residência no momento da citação e não a razão da mesma que, no caso, por ser de natureza pessoalíssima, nem sequer deve ser exigida prova da mesma ao Embargante nos termos referidos pela 1.ª instância, pelo menos, sem consentimento do mesmo.
A falta de menção ao ano a que se reporta a ausência, também é um argumento risível, pois bastaria que fosse pedido ao Embargante que esclarecesse o ano a que se reportava, caso houvesse dúvidas, o que nem seria o caso, pois estando em apreciação um ato de citação levada a cabo numa data concreta, naturalmente que a alegação se reporta ao ano em que o mesmo foi praticado.
Quanto à questão da pronúncia do Tribunal da ação declarativa sobre a regularidade da citação do ali Réu, na verdade, dada a revelia absoluta do mesmo, o Tribunal limitou-se a verificar a existência de citação, como a lei determina, e como não ordenou a repetição do ato, é de concluir que nenhuma irregularidade detetou (artigo 566.º do CPC), o que não significa que, perante a alegação que agora o Embargante vem apresentar, invocando que só com a citação para a ação executiva teve conhecimento daquela ação declarativa, pelas razões que invoca, a comprovarem-se, não se possa concluir de forma diversa.
Deste modo, o Tribunal a quo tem de proceder à averiguação, ouvindo a prova arrolada pelo Embargante, se aquando da citação com hora certa na ação declarativa onde foi proferida a sentença apresentada como título executivo, o ali Réu residia na morada onde foi efetuada aquela modalidade de citação, em ordem a determinar se ocorreu ou não nulidade da citação por preterição das formalidades previstas no artigo 232.º, n.º 1, do CPC, por o Réu ali não residir efetivamente (ainda que temporariamente no momento da citação), daí retirando, conforme o apurado, as consequências legais quanto ao fundamento dos presentes embargos.
O que determina a anulação da decisão recorrida.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, anulando a sentença recorrida pelas razões sobreditas, ordenado o prosseguimento da tramitação processual nos termos acima mencionados.
Custas pelo vencido a final.
Évora, 24-11-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)