FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Sumário


O Tribunal não pode fixar uma prestação, a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA suscitou o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, no segmento de pensão de alimentos, contra o progenitor BB, alegando, em síntese, que este não paga a pensão de alimentos fixada a favor da filha de ambos, CC, nascida a .../.../2018, que foi fixada na sentença proferida nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a que este incidente se encontra apenso, no valor mensal de € 150,00, que o requerido não terá possibilidades de pagar por se encontrar desempregado.
Termina pedindo que «se efetuem as diligências necessárias à cobrança do devido nos termos previstos no art.º 41 do RGPTC e, caso tal não venha a ser possível que se fixe uma prestação substitutiva a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores (…).»
Regularmente notificado, o requerido nada disse.
Foi então proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«V. Em face do exposto, o Tribunal decide julgar o presente incidente procedente, por provado e, em consequência, decide:
- Declarar que o progenitor BB incumpriu o regime de responsabilidades parentais, no segmento de alimentos, relativamente à filha CC, no que respeita à pensão de alimentos a que ficou obrigado, com pagamento em prestações mensais, que em Janeiro de 2021, fruto das actualizações legais, se fixou no valor de 51,00 € e em Janeiro de 2022, em 52,00 € e estando empregado 101,00 € a partir de Janeiro 2021 e 102,00 €, em Janeiro de 2022.»
Tendo ainda constatado não ser viável a cobrança coerciva, nos termos do artigo 48º do RGPTC, mais decidiu o Tribunal a quo «[f]ixar alimentos a favor da menor CC, no valor mensal de 130 € (cento e trinta euros), a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores».
Inconformado, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM) apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I. Na douta decisão recorrida considerou-se provado o incumprimento do requerido no que diz respeito à sua obrigação de prestar alimentos à menor (A. Do Incumprimento - V.), bem como que não é viável a cobrança coerciva dos mesmos nos termos do art. 48º do RGPTC, nomeadamente, porque “… conforme informação retirado do endereço electrónico da Segurança Social o requerido não apresenta registos de rendimentos ou outros subsídios desde Dezembro de 2020, e este último no valor de 199,05 €.
Solicitados os bons ofícios da autoridade policial competente, a mesma constatou que o requerido se encontrava desempregado e não era possuidor de quaisquer bens tinha quaisquer bens móveis ou imóveis.”. (B. Do Recurso ao artigo 48.º do RGPTC) (sublinhado nosso).
II. Deu-se igualmente como provado “… por decisão judicial já transitada em julgado, proferida em 2020 nos autos principais, foi fixada a favor da criança CC uma pensão de alimentos, com prestação mensal a pagar pelo pai no montante de 50,00 € ou 100,00 €, conforme estivesse, respectivamente, desempregado ou empregado, sendo actualizado tal valor em 1,00 €, anualmente, em Janeiro.”
III. Analisando o teor da supra referida decisão judicial e o facto de ser dado como provado “… que o requerido se encontrava desempregado e não era possuidor de quaisquer bens tinha quaisquer bens móveis ou imóveis.”, parece-nos meridianamente claro que no presente incidente só poderá estar em causa o pagamento do valor que o requerido está obrigado caso esteja desempregado, ou seja, € 52,00 mensais, já com as devidas actualizações.
IV. Aliás, não faria sentido o tribunal determinar a intervenção do FGADM caso o requerido tivesse emprego ou outros rendimentos, já que nesse caso a estaria a pagar a pensão a que se obrigou, ou, caso não o fizesse, o tribunal, por certo, faria operar o previsto no art. 48º do RGPTC.
V. Verifica-se, assim, que nos termos judicialmente homologados a prestação a suportar pelo requerido relativamente à sua filha e cujo incumprimento é determinante para a intervenção do FGADM é no valor de € 52,00 (cinquenta e dois euros).
VI. Na decisão recorrida decidiu-se “Fixar alimentos a favor da menor CC, no valor mensal de 130 € (cento e trinta euros), a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores.”.
VII. Verifica-se, assim, que pelo Tribunal a quo foi atribuída uma prestação alimentar a ser suportada pelo FGADM a favor da menor (€ 130,00), de valor bem diferente do fixado judicialmente ao progenitor em incumprimento (€ 52,00 já devidamente actualizado).
VIII. Pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, alterada pelo art. 183º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e aditada pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro, foi constituído o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), o qual se encontra regulado pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio, alterado pela Lei nº 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012, e pelo DL nº 84/2019, de 28 de Junho.
IX. Resulta daqueles normativos que o FGADM não poderá ser condenado no pagamento de uma prestação substitutiva de valor superior à fixada ao devedor originário, tal como se encontra expressamente estipulado no nº 1 do art. 4º-A da Lei 75/98, de 19 de Novembro, aditado pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro, que veio consagrar o já anteriormente decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 19.03.2015, proferido no âmbito do proc. 252/08.8TBSRP- B.E1.S1-A, - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2015, publicado no Diário da República, 1.ª Série - N.º 85 - 4 de Maio de 2015.
X. Ao decidir como decidiu, violou o Mmo. Juiz a quo, o disposto no nº 1 do art. 4º-A da Lei 75/98, de 19 de Novembro, aditado pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro.
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso declarando-se que, nos termos do no nº 1 do art. 4º-A da Lei 75/98, de 19 de Novembro, e na esteira do referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o montante da prestação substitutiva de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo valor da prestação fixada judicialmente ao progenitor da menor, ou seja € 52,00 (cinquenta e dois euros), devendo, consequentemente, ser revogada a douta decisão recorrida na parte que estabelece uma prestação substitutiva de alimentos a pagar pelo FGADM superior à fixada judicialmente para o obrigado a alimentos, tudo com inerentes consequências legais.»

Respondeu o Ministério Público, concluindo no sentido de se julgar procedente o recurso.

A requerente/progenitora contra-alegou, finalizando a respetiva alegação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O recorrente alega que o Tribunal a quo atribuiu uma prestação de alimentos a ser suportada pelo FGADM a favor da menor CC de 130€ mensais, superior à fixada ao devedor originário, o requerido, que se encontra desempregado.
2. Pois, por decisão judicial transitada em julgado e proferida em 2020, foi fixado a favor da criança, a prestação mensal a pagar pelo pai, no montante de 50,00€ ou 100€, conforme estivesse desempregado ou empregado, com atualização anual de 1€, em janeiro.
3. Ora, o recorrente parte da premissa que o requerido, caso estivesse desempregado apenas pagaria 50 € mensais, mas, está assente e acordado que o mesmo também suportaria parte do montante do infantário/creche no valor de 50 €, num total de 100 € mensais.
4. Por outro lado, quando estivesse em funções laborais pagaria a quantia mensal de 100 €, e, parte do montante do infantário/ creche, no valor de 50 €, num valor total de 150 €.
5. O valor de 130 € mensal que o FGADM assegura e que foi atribuído, não ultrapassa o referido valor de 150 €, pelo que, o mesmo se deve manter.
6. Contudo, salvo melhor opinião, e, com o douto suprimento de V. Exas., caso assim não se entenda, pelo menos deverá ser considerado o valor de 102 €, atualizado, a atribuir à prestação mensal, pois, era este o valor mínimo que o requerido sempre pagaria, enquanto estivesse desempregado.
7. A requerente é mãe solteira, muito extremosa com sua filha, tem grandes carências económicas, e não é com a ajuda de 52 € que faz face às constantes necessidades de sua filha de 4 anos e meio, para mais, numa altura em que os preços dos bens essenciais aumentam de dia para dia.
8. Além de que está em causa o superior interesse da criança.
Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas. não se deve dar provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão no montante da prestação a cargo do FGADM no valor mensal de 130€, ou, na hipótese de assim não se entender, que seja fixada a quantia mensal de 102 €, já atualizada, o valor mínimo que o progenitor da menor, sempre teria de suportar, desde que não estivesse em funções laborais, como é o caso.»

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), resume-se à questão de saber se pode, ou não, o FGADM ser condenado numa prestação de alimentos superior ao da prestação judicialmente fixada no âmbito de um processo de regulação das responsabilidades parentais não satisfeita pelo progenitor obrigado.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade:
- Por decisão judicial transitada em julgado, proferida em 2020 nos autos principais, o pai ficou obrigado a pagar uma pensão de alimentos à criança CC no valor mensal de 50,00 € ou 100,00 €, conforme, respetivamente, estivesse desempregado ou empregado, com atualizações anuais no valor de 1,00 €, com início no mês de janeiro de cada ano.
- Em janeiro de 2021 o valor da pensão de alimentos foi atualizado para 51,00 €/101,00 € e em Janeiro de 2022 para 52,00 €/102,00 €, conforme o Requerido esteja ou não empregado.
- O requerido encontra-se desempregado e não é possuidor de quaisquer bens móveis ou imóveis.

O DIREITO
A questão decidenda, acima enunciada, foi objeto de controvérsia jurisprudencial, tendo sido apreciada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2015, publicado no D.R. n.º 85, Série I, de 04.05.2015, que uniformizou assim a jurisprudência:
«Nos termos do disposto no artigo 2° da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário».
Esta jurisprudência veio a ser consagrada expressamente no nº 1 do art. 4º-A da Lei 75/98, de 19 de novembro, aditado pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro, pelo que não há a menor dúvida que o FGADM não pode ser condenado no pagamento de uma prestação substitutiva de valor superior à fixada ao devedor originário.
Na decisão recorrida deu-se como provado que o progenitor ficou obrigado a pagar uma pensão de alimentos à criança CC no valor mensal de 50,00 € ou 100,00 €, conforme, respetivamente, estivesse desempregado ou empregado, com atualizações anuais no valor de 1,00 €, com início no mês de janeiro de cada ano.
Ficou igualmente provado que em janeiro de 2021 o valor da pensão de alimentos foi atualizado para 51,00 €/101,00 € e em janeiro de 2022 para 52,00 €/102,00 €, conforme o Requerido esteja ou não empregado.
Também foi dado como provado que o requerido se encontra desempregado e não é possuidor de quaisquer bens móveis ou imóveis, pelo que é manifesto que no presente incidente só está em causa o pagamento do valor que o requerido está obrigado “caso esteja desempregado”, ou seja, € 52,00 mensais, já com as devidas atualizações.
Ademais, como bem observa o recorrente, «não faria sentido o tribunal determinar a intervenção do FGADM caso o requerido tivesse emprego ou outros rendimentos, já que nesse caso a estaria a pagar a pensão a que se obrigou, ou, caso não o fizesse, o tribunal, por certo, faria operar o previsto no art. 48º do RGPTC».
Não podia, pois, o Tribunal a quo ter decidido fixar alimentos a favor da criança CC, no valor mensal de € 130,00, a cargo do FGADM, pelo que, ao fazê-lo, violou o disposto no nº 1 do art. 4º-A da Lei 75/98, de 19 de novembro, aditado pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro.
Daqui não decorre, porém, que o valor da prestação a cargo do FGADM seja de € 52,00, pois na decisão recorrida não se teve em consideração em toda a sua extensão o acordo de regulação das responsabilidades parentais, designadamente no que respeita à pensão de alimentos.
Com efeito, consta do referido acordo, como decorre da ata da conferência de pais de 07.07.2020, o seguinte:
«Pensão de alimentos:
Enquanto o pai se encontrar de baixa:
5. O pai, a título de pensão de alimentos, contribuirá com a quantia mensal de 50 € que entregará à requerente por transferência bancária.
6. O (pai) suportará parte do montante da mensalidade do infantário/creche no montante de 50 €.»
Dispõe o art. 2003º do Código Civil:
«1 – Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
2 – Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor.»
Ou seja, tendo o progenitor sido condenado a pagar parte da mensalidade do infantário/creche no montante de € 50,00, não pode deixar de se entender que a pensão de alimentos abrange também o pagamento dessa quantia, além dos € 50,00 que foi condenado a entregar à requerente/progenitora.
Assim, a prestação de alimentos a suportar pelo Estado, através do FGADM é, neste momento, com as atualizações já efetuadas, de € 102,00, assistindo neste ponto razão à recorrida/progenitora.
Por conseguinte, o recurso merece provimento apenas parcialmente.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se parcialmente a decisão recorrida na parte em que fixou a prestação mensal de alimentos a favor da criança CC em € 130,00 mensais, a suportar pelo Estado, através do FGADM, fixando-se essa prestação no montante de € 102,00, atualizável nos termos indicados na decisão recorrida, que no mais se confirma.
Sem custas.

*
Évora, 24 de novembro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)