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FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
FIANÇA DO ARRENDATÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário
I - O princípio geral consignado no artigo 12º, nº 1 do C.C. é o de que a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroativa pelo legislador, presumindo-se salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei nova se destina a regular, mesmo perante os casos em que o legislador atribui eficácia retroativa à lei nova. II - Nos casos de fiança ao arrendatário para garantia de cumprimento das rendas devidas, a atual redação dos nº 5 e 6 do artigo 1041º do C.C (lei 13/2019) só é aplicável às rendas vencidas posteriores à data da sua entrada em vigor, 13 de fevereiro de 2019.
Texto Integral
Processo: 15200/20.9T8PRT.P1 Referência: 16295717
Sumário (artigo 663º nº 7 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇAO DO PORTO:
AA DEMANDOU BB e marido CC e DD e marido EE, peticionando:
a) Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento referente às frações “BX”, “GT” e “GU”, do prédio melhor identificado em 1, supra, celebrado em 04.12.2008, entre a primitiva proprietária FF e os Réus, melhor identificado em 3 a 8, supra;
b) Serem os 1ª Réus condenados a despejar imediatamente as identificadas frações, entregando-as à Autora, livre de pessoas e coisas, sendo que, em relação à fração “BX”, a mesma deve incluir o equipamento e mobiliário nele instalado e, constante no Anexo I do aludido contrato de arrendamento e, no estado em que as receberam à data do arrendamento;
c) Serem os Réus solidariamente, condenados a pagar à Autora as rendas vencidas até à data da propositura da presente ação correspondentes aos anos de 2012 a 2020, melhor identificadas nos nºs 24, 32, 34, 38, 39, 40, 43, 44, 45, 46, 47, 50, 51, 52, 53, 56, 57, 58, 59, 60, 63, 66, da p.i. e que totalizam a quantia de 80.500,00€ (oitenta mil e quinhentos euros) e, bem assim, a liquidar as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que decreta o despejo – artigo 557º, nº 1 do C.P.C;
d) Serem os Réus solidariamente, condenados a pagar à Autora as despesas referentes às quotas de condomínio, fundo comum de reserva e seguro multirriscos referentes às identificadas frações, correspondentes aos anos 2012 a 2020 e, melhor identificadas nos nºs 26, 27, 30, 31, 36, 41, 48, 54, 61, 64 e 67, supra, s quais ascendem na presente data, à quantia de 9.396,78 € (nove mil trezentos e noventa seis euros e setenta oito cêntimos) e, bem assim, a liquidarem as vincendas ao mesmo titulo, até à desocupação efetiva do locado, em valor a liquidar em execução de sentença;
e) Serem os Réus, solidariamente, condenados a pagar à Autora, findo o contrato e até à restituição do arrendado, à indemnização prevista no artigo 1045º, 1 e 2 do Código Civil.
Funda-se a ação em arrendamento das frações dos autos celebrado em 04.12.2008, com os 1ºs Réus e no não pagamento das rendas em discussão nos autos e das despesas de condomínio e bem assim na fiança prestada pelos 2ºs RR.
A ação foi contestada
A SENTENÇA DECLAROU PROVADA A SEGUINTE MATÉRIA DE FACTO:
1) Através de escritura de compra e venda, realizada em 20.03.2009, na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, a Autora e o seu marido GG, casados no regime de comunhão geral de bens, adquiriram a FF, em simultâneo, de forma sucessiva e vitalícia, o usufruto das fracções autónomas correspondentes ao prédio sito na Av. ..., ..., Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ... e com a licença de utilização nº ......, emitida em 07.07.2008, pela Câmara Municipal ..., a seguir identificadas: Docs. 1, 2, 3, 4 e 5;
- fracção autónoma designada pelas letras “BX”, correspondente ao oitavo andar, destinada a habitação, sito na Avenida ...;
-fracção autónoma designada pelas letras “GT”, destinada a aparcamento automóvel e arrumo, sita na Avenida ... e Rua ..., ...;
-fracção autónoma designada pelas letras “GU”, destinada a aparcamento automóvel, sita na Avenida ... e Rua ..., ...;
2) A raiz ou nua propriedade das referidas fracções autónomas, foram adquiridas, na mesma data, em comum e sem determinação de parte ou direito, pelas filhas de ambos, HH e II- Cfr. Docs. 1, 2, 3, 4 e 5;
3) Por contrato de arrendamento, celebrado em 04.12.2008, FF havia dado de arrendamento aos 1ºs Réus, que as tomaram, as fracções identificadas em 1, supra, incluindo o equipamento e mobiliário descrito na lista anexa ao mesmo e que dele faz parte integrante.
4) O referido contrato teve início em 01.01.2009 e foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com possibilidade de prorrogação por iguais períodos.
5) A renda anual estipulada foi de 15.000,00€ (quinze mil euros), a pagar em duodécimos de 1.250,00€ (mil duzentos e cinquenta euros), no primeiro dia útil anterior ao mês a que disser respeito, por depósito ou transferência para a conta bancária com o NIB ....
6) Nos termos da cláusula 3º alínea h) do referido contrato, os 1ºs Réus obrigaram-se a liquidar as despesas necessárias à fruição e conservação das partes comuns do edifício correspondentes às referidas frações.
7) O local arrendado destinou-se exclusivamente a habitação dos 1ºs Réus, não podendo estes sublocar ou ceder, no todo ou em parte, os direitos do arrendamento nem darem-lhe outro destino.
8) No âmbito do referido contrato, os 2ºs Réus prestaram fiança aos1ª Réus, com renúncia ao benefício de excussão prévia, constituindo-se solidariamente responsáveis perante os senhorios pelo exato, integral e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do presente contrato para os arrendatários, durante a vigência do mesmo ou de qualquer uma das suas obrigações, incluindo as obrigações decorrentes de quaisquer atualizações de renda nele previstas.
9) Com a aquisição do usufruto nos termos atrás citados, o identificado contrato de arrendamento transmitiu-se para a Autora e marido GG, que desde então passaram a assumir a posição de senhorios, recebendo as rendas mensais por depósito ou transferência para a conta bancária da titularidade dos mesmos, com o NIB ....
10) A partir de Julho de 2016 e, por acordo com os 1ºs Réus, o pagamento das rendas passou a ser efetuado por depósito ou transferência para a conta bancária da titularidade destes, com o IBAN ......
11) Até a presente data, a renda mensal nunca foi objeto de qualquer atualização. 12) O contrato de arrendamento foi já objeto de renovação.
(…)
19) Em 11.07.2020, faleceu o marido da Autora, GG - Doc. 29.
20) Os 1ºs Réus deixaram de pagar pontualmente diversas rendas devidas pelo locado, nos anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2022 cujo montante global perfaz o valor de 80.500,00€
22)Talqualmente, encontram-se, ainda, em dívida em relação às correspondentes despesas de fruição e conservação das partes comuns. no valor global vencido à data da petição no montante de 9.396,78 €
61) Os segundos Réus, por fiança, assumiram solidariamente, com os 1ª Réus e, com a renúncia ao benefício da excussão prévia, o cumprimento de todas as obrigações emergentes do presente contrato, quer pelo seu período inicial, quer pelas suas renovações – Doc. 6,
62) Os 1ºs RR. foram interpelados várias vezes para o pagamento das quantias em dívida até 2019, sempre reconheceram tais dívidas, afirmando constantemente que as iam regularizar assim que pudessem pagar.
A SENTENÇA DECRETOU:
a) Declara-se resolvido o contrato de arrendamento referente às fracções “BX”, “GT” e “GU”, do prédio melhor identificado em 1 dos factos provados, celebrado em 04.12.2008, entre a primitiva proprietária FF e os 1ºs Réus;
b) Condena-se os 1ª Réus BB e marido CC a despejar imediatamente as identificadas fracções, entregando-as à Autora, livre de pessoas e coisas, sendo que, em relação à fracção “BX”, a mesma deve incluir o equipamento e mobiliário nele instalado e, constante no Anexo I do aludido contrato de arrendamento e, no estado em que as receberam à data do arrendamento;
c) Condena-se, solidariamente, os 1ºs RR. BB e marido CC a pagar à Autora as rendas vencidas até à data da propositura da presente ação correspondentes aos anos de 2012 a 2020, conforme constantes da factualidade provada e que totalizam a quantia de 80.500,00€ (oitenta mil e quinhentos euros) e, bem assim, a liquidar as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que decreta o despejo;
Condena-se, solidariamente com os 1ºs RR, os 2ºs RR, DD e marido EE, a pagar à Autora as rendas vencidas até à data de 13/02/2019, no valor de €55.500,00 (cinquenta e cinco mil e quinhentos euros) e, bem assim, a liquidar as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que decreta o despejo;
d) Condena-se, solidariamente, os 1ºs RR., BB e marido CC, a pagar à Autora as despesas referentes às quotas de condomínio, fundo comum de reserva e seguro multirriscos referentes às identificadas frações, correspondentes aos anos 2012 a 2020 e, conforme constantes da factualidade provada, na quantia de 9.396,78 € (nove mil trezentos e noventa seis euros e setenta oito cêntimos) e, bem assim, a liquidarem as vincendas ao mesmo titulo, até à desocupação efetiva do locado, em valor a liquidar em execução de sentença;
Condena-se, solidariamente com os 1ºs RR, os 2ºs RR, DD e marido EE, a pagar à Autora as despesas referentes às quotas de condomínio, fundo comum de reserva e seguro multirriscos referentes às identificadas frações, até 13/02/2019, no valor de €7.567,00 (sete mil quinhentos e sessenta e sete euros) e, bem assim, as vincendas ao mesmo titulo, até à desocupação efetiva do locado, em valor a liquidar em execução de sentença.
e). Condena-se todos os RR., solidariamente, a pagar à Autora, findo o contrato e até à restituição do arrendado, o dobro das rendas, correspondente à indemnização prevista no artigo 1045º, 1 e 2 do Código Civil.
f) Julga-se improcedente o remanescente do pedido quanto aos 2ºs RR. e dele se absolve os mesmos.
DESTA SENTENÇA APELARAM OS 2ºS RR QUE CONCLUÍRAM A SUA ALEGAÇÃO COM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1. Dispõe o nº 5 do artigo 1041º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019 de 12 de fevereiro: “O senhorio deve notificar o fiador da mora do arrendatário”.
2. E dispõe o nº 6 do mesmo artigo que o senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no nº anterior.
3. Mesmo admitindo que os RR. fiadores fossem responsáveis pelas rendas vencidas antes de fevereiro de 2019 – o que, à cautela, se concebe, mas em que se não concede – a A. não podia demandá-los judicialmente, sem previamente os ter notificado da mora dos locatários.
4. É isto que, sem qualquer dúvida, dispões o citado nº 6 do artigo 1041º do C.C..
5. Por isso e porque a A. jamais notificou os fiadores da mora (de qualquer mora) dos arrendatários no pagamento das rendas e outros encargos decorrentes do contrato de arrendamento em causa,
6. Não pode exigir deles (fiadores) a satisfação dos seus direitos de crédito sobre os arrendatários, de que os fiadores seriam solidariamente responsáveis.
7. Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou frontalmente o transcrito nº 6 do artigo 1041º do Código Civil.
Pelo que e nos melhores termos de direito, deve, nessa parte, a sentença em apreço ser revogada e substituída por outra que absolva os 2ºs RR. (fiadores) dos pedidos contra eles formulados.
RESPONDERAM OS AA A SUSTENTAR O ACERTO DA SENTENÇA. Nada obsta ao mérito.
OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente, a única questão a decidir é a de saber se a sentença violou o disposto no artigo 1041º, nºs 5 e 6 do C.C (redação que lhe foi dada pela lei 13/2019 de 12 de fevereiro), ao condenar solidariamente os RR, fiadores do contrato de arrendamento dos autos, no pagamento das rendas vencidas até 13.12.2019.
O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se por reproduzida a factualidade supra. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
I
Os factos provados permitem estabelecer que os 2ºs RR outorgaram o contrato de arrendamento sub iudice na qualidade de fiadores dos arrendatários, 1ºs RR.
Efetivamente, a fiança é uma garantia pessoal típica, prevista nos artigos 627º a 655º do C.C. Nos termos do artigo 627º C.C, o fiador garante a obrigação perante o credor, com o seu património pessoal, daí que se trate de uma garantia pessoal. Trata-se de uma obrigação própria do fiador, na medida que existe um dever de prestar perante o credor, sendo que o património do devedor responde por dívida própria, e o património do fiador responde por dívida alheia.
A fiança, tal como identificado na sentença recorrida, é caracterizada, em primeiro lugar, pela acessoriedade, o que significa que é uma garantia que se determina pela obrigação do devedor principal (artigo 627º, nº 2 C.C e artigo 634º C.C), decalcando-se o seu conteúdo pelo conteúdo daquela.
As partes outorgantes afastaram contratualmente a subsidiariedade, que se expressa no facto de o fiador poder invocar o benefício da excussão prévia, nos termos do artigo 638º C.C.
Resumido o enquadramento jurídico da obrigação dos 2ºs RR, importa reapreciar a questão que é efetivamente colocada no recurso e que é a de saber se a redação atual dos nºs 5 e 6 do artigo 1041º do C.C é aplicável aos 2º RR, o que nos remete para o conflito de aplicação de leis no tempo, em face dos critérios fixados no artigo 12.º/ 1 e 2 do C.C.
Com efeito, a redação do artigo 1041º (mora do locatário), vigente anteriormente à lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, não dispunha de norma equivalente aos atuais nºs 5 e 6 do artigo 1041º do C.C, os quais vieram estabelecer, quanto ao fiador que: “5. Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida. 6. O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior”.
II
Como é consabido, o que está em causa é um problema de definição do âmbito de aplicabilidade de cada uma das leis – a antiga e a nova - e não diretamente um problema de aplicação de normas (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.231.apud Acórdão do STJ, de 23-03-2021 (Consª Maria João Vaz Tomé), processo n.º 6208/19.8T8PRT.P1.S1, consultável no site DGSI.
O princípio geral consignado no artigo 12º, nº 1 do C.C é o de que a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroativa pelo legislador, presumindo-se salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei nova se destina a regular, mesmo perante os casos em que o legislador atribui eficácia retroativa à lei nova.
O artigo 12º, nº 2 do C.C distingue entre as leis ou normas que dispõem sobre os requisitos de validade – formal e substancial – de quaisquer factos jurídicos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte).
Enquanto as primeiras apenas se aplicam a factos novos, as segundas aplicam-se a situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da lei nova, mas que subsistem nessa data.
Além disso, a lei nova pode regular o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, que é o que se verifica no domínio dos contratos, via de regra, quando as disposições da lei nova se revistam de natureza supletiva ou interpretativa e, por isso, não se lhes aplicando” [Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.233 apud cit acórdão do STJ].
“O “estatuto do contrato” (da autonomia privada) é determinado perante a lei vigente ao tempo da sua celebração. Todavia, a lei nova que, inter alia, respeite à organização da economia ou vise a tutela da parte mais vulnerável, limita o domínio da autonomia da vontade e será de aplicação imediata” [ibidem, nota 3].
Neste sentido, esclareceu o acórdão do STJ de 23-05-2002 (Consº Ferreira de Almeida), proc. n.º 1308/02, in www.dgsi.pt, que “as leis relativas às relações jurídicas de arrendamento ou locatícias são, em princípio, de aplicação imediata às relações já constituídas, por visarem, não propriamente o «estatuto contratual» das partes, mas antes o respetivo «estatuto legal», atingindo-as, desse modo, não tanto como partes contratantes, mas enquanto sujeitos de direito entre si ligados por um particular e específico vínculo contratual (…) as normas relativas ao inquilinato e arrendamento, reportam-se à estruturação básica do sistema jurídico e da ordem social, e consequentemente, ao estatuto fundamental das pessoas e das coisas, e que, por isso, são de interesse geral, exigindo a aplicação imediata da lei nova, dado que este tipo de relações se autonomiza, atento o seu estatuto legal, do seu ato criador, conforme resulta da 2ª parte do n° 2 do artº 12° do C. Civil” (apud acórdão do STJ supra citado).
Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, p.8, no mesmo sentido, refere que: “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil”.
III
Sucede que aplicação imediata não se confunde com aplicação retroativa, a qual ocorre sempre que a lei nova se aplica a factos ocorridos anteriores à sua entrada em vigor, pelo que temos por bom o entendimento segundo o qual a Lei n.º 13/2019 de 12.02, ao abrigo do artigo 12º, nº 2, 2.ª parte do C.C, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatárias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.
Daqui que secundamos o critério seguido na sentença apelada com recurso à jurisprudência do acórdão do TRL de 21/05/2020, (CARLOS CASTELO BRANCO) 2804/18.9T8CSC.L1-2 in www.dgsi.pt. que segue citada: “a falta de comunicação e notificação aos 2ºs RR., aqui fiadores, é irrelevante no âmbito do presente contrato, relativamente às rendas/despesas vencidas até à entrada em vigor da Lei 13/2019, de 12.
O que vale por dizer que (sob pena de aplicação retroativa da lei) tal como afirmou a sentença recorrida que, uma vez que não era requisito de procedência do pedido contra os fiadores a falta de comunicação e notificação aos 2ºs RR, não tem quaisquer efeitos no âmbito do presente contrato, relativamente às rendas/despesas vencidas até ao início da vigência da Lei 13/2019, de 12.02, a qual entrou em vigor no dia seguinte (13 de Fevereiro), relevando a falta de comunicação quanto às rendas/despesas vencidas após 13 de Fevereiro.
Com efeito, afirma-se no texto apelado com apoio na citada jurisprudência que “O presente contrato de arrendamento foi celebrado em 04.12.2008, tendo-se mantido em vigor até à presente data e aquando da sua celebração não era necessária a exigência de notificação prevista no actual 1041º, nº 5, do C.C.
No caso dos autos, constata-se que a situação de mora do locatário está consolidada, quanto às rendas/despesas anteriores a 13 de Fevereiro de 2019, não sucedendo o mesmo quanto às rendas despesas posteriores à aludida data. Na verdade, “Uma situação jurídica deve considerar-se constituída quando se verifica o último elemento – o elemento conclusivo – do seu processo de formação, quando estão preenchidos todos os elementos que integram a hipótese legal e assim se desencadeia o evento jurídico (estatuição) – a alteração do mundo do direito (constituição, modificação ou extinção duma relação ou SJ)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-12-2013, Processo 291/12.C1, rel. BARATEIRO MARTINS).
Como se referiu, não há que aplicar a lei nova aos efeitos dos factos passados anteriormente à sua entrada em vigor, já que tal redundaria em aplicação retroativa da lei, proibida pelo artigo 12º nº 1 do CC.
Daí que, tendo a referida Lei n.º 13/2019 entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 13 de Fevereiro de 2019, os fiadores respondem pela mora dos locatários nos termos da lei em vigor ao tempo em que a mesma se consolidou, ou seja, quanto às rendas em dívida, até esta data o regime aplicável é o expresso no anterior texto legislativo que não exigia a notificação aos fiadores, bastando para o exercício do respetivo direito a existência de mora não purgada do locatário.
Em face do exposto, carecem de razão os recorrentes. SEGUE DELIBERAÇÃO:
NÃO PROVIDO O RECURSO.
CONFIRMA-SE A SENTENÇA RECORRIDA.
Custas pelos Recorrentes.
Porto, 24 de novembro de 2022.
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela