CONTRATO DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO
RETENÇÃO DO SINAL
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Assumindo o contraente faltoso perante a outra parte uma conduta expressa e inequívoca de repúdio do contrato-promessa de compra e venda, em termos tais que não subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido, tal comportamento, equiparado à inexecução da prestação dentro de prazo razoável, tem efeito extintivo do vínculo contratual.

II - Perante um tal posicionamento do devedor, de inequívoco e definitivo repúdio do contrato-promessa, qualquer interpelação cominatória da iniciativa do credor seria um acto inútil e destituído de justificação.

III – Estando em causa um contrato-promessa de compra e venda com sinal passado e na ausência de estipulação em contrário, à faculdade de retenção do sinal prestado que assiste aos réus (promitentes vendedores), não devem acrescer as indemnizações por estes pedidas em sede de reconvenção.

IV - Sendo o incumprimento imputável em exclusivo à parte que o prestou, a indemnização é ela própria a perda do sinal (artigo 442.º, n.º 2, 1.ª parte e n.º 4, do Cód. Civil).

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1.1. AA.. LDA., , intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Externato BB…, LDA., CC…e DD.., pedindo seja declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda, objecto da presente acção e os Réus condenados: - à devolução à Autora do valor do sinal, em singelo, no montante de 30.000,00€ (trinta mil euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor relativamente à quantia supramencionada, até integral pagamento; - bem como ao pagamento de uma indemnização à Autora, nos termos dos artigos 908º e 909º do Código Civil, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente tendo em conta a situação económica dos Réus.
2. Alegaram, para o efeito, em substância, a resolução, por via da verificação da condição resolutiva prevista na cláusula sétima n.º 3), do contrato-promessa de compra e venda dos autos (CPCV), celebrado pelas partes no dia 03-05-2019, nos termos do qual os Réus se obrigaram a vender à Autora, pelo valor de 700.000,00€, os dois imóveis nele descritos, tendo esta promitente-compradora constituído sinal no valor de 30.000,00€ (15.000,00€ para a primeira Ré e 15.000,00€ para os segundo e terceira Réus) e que os Réus, apesar de interpelados para o efeito por carta datada de 26 de Julho de 2019, não restituíram à Autora, em singelo, o valor por recebido a título de sinal, como estavam obrigados nos termos da referida cláusula resolutiva acordada entre as partes.
1.2. Os Réus contestaram a acção e deduziram pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora: (i) a indemnizar a 1.ª Ré na quantia de 35.080,00€ pelos danos morais e patrimoniais sofridos; e (ii) a indemnizar o 2.º e 3.ª Réus na importância de 20.000,00€, pelos danos morais e patrimoniais que sofreram.
Em sede de contestação/reconvenção, alegaram que a Autora incumpriu o contrato, por não ter procedido ao reforço do sinal em 18 de Julho de 2019, conforme estabelecido no CPCV, por estar a aguardar o desfecho do pedido de financiamento, embora já lhe tivesse sido comunicado em 17 de Julho de 2019, pela instituição bancária francesa (CEA), que não lhe iria ser concedido o empréstimo solicitado.
Alegaram, ainda, que a Autora perdeu o interesse em instalar o colégio de francês nos imóveis que prometeu adquirir-lhes e desistiu do negócio, por se ter apercebido não conseguiria implementar o seu projecto de abertura junto dos pais dos alunos por escassa afluência destes. Em suma, segundo os réus,
Mais alegaram os 2.º e 3.ª Réus que, na perspectiva de venderam o imóvel onde residiam, encaixotaram todo o recheio da referida habitação, e celebraram contrato-promessa de aquisição de uma nova casa para onde se mudariam, que vendo goradas as suas expectativas e face à impossibilidade de cumprirem o contrato promessa da nova habitação, acabaram por perder o sinal de 15.000,00€ e, desde então, passaram a não dormir, não se alimentarem e a viverem amargurados.
Por fim, alegaram que a 1.ª Ré sofreu prejuízos decorrentes da divulgação feita pela Autora que levou a que muitos dos pais dos alunos não renovassem a inscrição, perdendo 13 alunos.
1.3. A Autora respondeu à reconvenção, alegando que a utilização da imagem do externato foi possível por estar acessível através da rede de Internet. Impugnando que a 1.ª Ré tenha perdido 20% dos seus alunos, apelando para o facto de a Ré já ter reduzido o âmbito da sua actividade, ao manter apenas o jardim de infância, além de que a mensalidade para os antigos alunos se manteria assim como o ensino de português.
1.4. Foi proferido despacho saneador que julgou verificada a excepção dilatória de nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial e absolveu os Réus da instância relativamente ao pedido de pagamento de uma indemnização à Autora.
Na sequência, fixou-se objecto do litígio, procedeu-se à selecção dos factos considerados assentes, a qual foi objecto de reclamação por parte dos Réus, parcialmente deferida, e enunciaram-se os temas da prova.
1.5. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo conforme resulta das respectivas actas.
1.6. Em 18-05-2021 veio a ser proferida sentença, cujo segmento dispositivo aqui se transcreve:
«Pelo exposto, julga-se
a) procedente, por provada, a acção que a autora AA.., LDA. instaurou contra BB…, LDA. e CC… e DD…, declarando-se resolvido o contrato promessa celebrado pela autora enquanto promitente adquirente e os réus como promitentes vendedores, celebrado em 03 de Maio de 2019, condenando os réus a pagar à autora a quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros), acrescida de juros devidos desde a citação, à taxa legal prevista para os créditos das sociedades comerciais.
b) improcedente por não provada a reconvenção, absolvendo a autora integralmente do peticionado.
Custas da acção e reconvenção pelos réus – art.º 527º do CPC.
Notifique e registe.»

16. Inconformados com a sua sucumbência, os Réus interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida, com absolvição dos Réus do pedido e a condenação da Autora no pedido reconvencional.
Formula com a sua alegação as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso incide sobre a sentença no seu todo, na parte em que condenou os Réus a devolver o sinal à sociedade Autora e na parte em que absolveu esta do pedido reconvencional. Abrange matéria de direito e matéria de facto.
2. O tribunal dá por assente, logo no Saneador, os seguintes factos controvertidos:
- Alínea J) “em 23 de julho de 2019 a autora foi notificada da não aprovação do financiamento bancário pela instituição financeira”,
- Alínea K) “O Banco Santander Totta, SA ao qual a Autora recorreu, após tomar conhecimento telefónico da instituição financeira em França, no dia 24 de julho de 2019, informou-a da impossibilidade de concessão de financiamento”,
- Alínea l) “Em 26 de julho de 2019 a autora comunicou aos réus, a não aprovação da obtenção do empréstimo bancário e a devolução em singelo da quantia que pagou”;
3. Os RR. tiveram oportunidade de apresentar reclamação sobre a inclusão destes factos controvertidos nos factos assentes, ou seja, factos não carecidos de instrução por provados através de confissão ou documentalmente.
4. Do teor deste despacho os RR. apenas agora em sede de recurso de sentença podem recorrer, o que o fazem.
5. Acontece que nem os documentos provam minimamente o que consta nas alíneas em causa, antes pelo contrário, sendo que no caso da Alínea J, o tribunal confunde conceitos com os quais deveria estar mais do que familiarizado, como seja “notificação” e “certificação”.
6. Na verdade, da análise do documento 6, declaração do banco francês, não resulta nenhuma notificação à autora, antes pelo contrário, o que resulta claro e de forma expressa, é que o banco em causa certifica a pedido da autora como decorreu o processo.
7. Quanto ao facto provado constante da alínea K, o mesmo não resulta do documento junto pela Autora, nem foi admitido por confissão, pelo que também não devia ser inscrito nos factos provados, em audiência aliás resultou demonstrado o seu contrário, mas como o tribunal erradamente já tinha dado este facto como provado, não foi possível emendar a mão e toda a decisão de facto e de direito deste processo é uma completa fraude, no sentido de que não tem correspondência com a realidade.
8. Temos assim claro que os factos provados constantes de 2.1.10; 2.1.11 e 2.1.12, nunca poderiam ser dados como provados e muito menos antes de se iniciar o julgamento.
9. Não existe nenhuma evidência nos autos que demonstre que a Autora recorreu ela própria a um financiamento bancário para aquisição dos imóveis que esta se comprometeu adquirir aos RR.
10. E esse facto de que a Autora foi notificada de que o empréstimo que solicitou foi recusado, estava impugnada pelos RR.
11. Este era o facto essencial que a Autora teria de fazer prova e não fez!
12. O que foi possível apurar em declarações de parte é que em data anterior a 5 de Julho a Autora já sabia que o empréstimo solicitado pelos cidadãos AB e RB tinha sido aprovado no valor de 300.000,00 (trezentos mil euros), e que em 17 de Julho essas mesmas pessoas singulares desistiram do empréstimo.
13. Temos assim dito pela própria legal representante da Autora, que:
1) Antes do dia 5 de julho já tinham recebido uma carta (notificação) a confirmar o empréstimo de 300.000,00 pelo banco;
2) Que no dia 5 de julho estiveram reunidos com uma conselheira de empréstimo no imóvel, para tentarem obter outro financiamento junto do Banco Santander Totta, desta feita de 400.000,00, uma vez que os 300.000,00 já estavam garantidos;
3) que com o empréstimo dos 300.000,00 adquiriam um dos imóveis e que com o empréstimo dos 400.000,00 adquiriam o segundo imóvel.
14. Da conjugação dos depoimentos da Autora, de LG e RS e dos documentos junto aos autos é possível concluir que a resposta à matéria de facto está errada e que os pontos 2.1.10., 2.1.11 e 2.1.12 devem ser alterados para a seguinte redação:
2.1.10 – A autora nunca solicitou em seu nome nenhum empréstimo bancário com o objectivo de comprar os imóveis objecto da presente acção;
2.1.11 – Os cidadãos franceses AB e RB, casados, no primeiro semestre de 2019 solicitaram a uma instituição francesa um empréstimo no valor de 780.000,00€ para financiamento de uma escola em Portugal (externato …)
2.1.12 – Aquela instituição financeira apenas submeteu à aprovação da sua comissão de crédito o valor de 475.000,00€, tendo sido aprovado o empréstimo de 300.000,00€;
2.1.13 – No dia 5 de julho a Autora já sabia das condições de financiamento do Banco Francês e reuniu com uma conselheira de crédito para tentar obter um novo financiamento;
2.1.14 – No início de julho um funcionário do Banco Santander, a pedido de uma conselheira de crédito, deslocou-se às instalações da Ré BB…, para avaliar as condições do negócio;
2.1.15 – No dia 17 de Julho os cidadãos franceses AB e RB, casados, pediram o cancelamento do empréstimo que haviam solicitado à instituição francesa;
2.1.16 – No dia 22 de julho os cidadãos franceses AB e RB, formalizaram o pedido de empréstimo de 400.000,00€ junto do Banco Santander, tendo obtido no dia 24 de Julho a resposta formal de que o pedido não fora atendido;
2.1.17 – O Banco Santander Totta, não elaborou qualquer dossier sobre o pedido de empréstimo pois desde logo a operação foi considerada muito frágil;
2.1.18 – correspondendo ao 2.1.13 da sentença, seguindo-se os demais factos dados como provados, devendo ao facto aditado com o n.º 2.1.17, ser aditado no final a expressão «, sem o consentimento prévio dos Réus».
15. Existe ainda um facto alegado pelos Réus que não impugnado pela Autora e que certamente por lapso do julgador não ficou a constar dos factos provados. Na verdade, a redacção do facto provado em 2.1.15 encontra-se incompleto. devendo ser aditado sequencialmente àquele facto, o seguinte facto provado: «ao não concretizarem a venda prometida com a Autora, os segundos Réus ficaram impossibilitados de cumprirem com a prometida compra da nova casa e assim perderam o sinal que deram no valor de 15.000,00 euros».
16. Este facto foi alegado pelos Réus na sua contestação/reconvenção, artigo 52º, e sobre este facto a Autora pronunciou-se na réplica e sobre esta matéria em audiência de julgamento referiu a testemunha SS, filha dos segundos réus e directora pedagógica do colégio (00:52:48).
17. factos provados em audiência de julgamento com relevância para a decisão e que não constam da sentença e que deveriam constar:
a) Na reunião de 5 de julho a gerente da Autora apresentou-se perante os trabalhadores, na parte da manhã e perante os pais dos alunos, no período da tarde, como a futura proprietária do colégio;
b) Na referida reunião a gerente da A. garantiu a todos os presentes que no dia 1 de agosto a escola iria abrir com novos proprietários e com a implementação do seu projecto;
c) A Autora obteve reduzida adesão ao projecto de ensino que intentava implementar;
d) A Ré BB… no ano lectivo de 2019/2020 perdeu cerca de 12 a 13 alunos que não se reinscreveram por não se reverem na nova metodologia que iria ser implementada na escola por parte da Autora e em consequência da campanha referida em 2.1.17;
e) Cada aluno paga mensalmente, pelo menos, a quantia de 180,00 euros.
18. Quanto ao Ponto A) e B), Todas as testemunhas ouvidas a esta matéria foram peremptórias a afirmar e comprovar os factos aí indicados, pelo que os mesmos deveriam ter sido dado como provados.
19. Quanto à alínea C) teremos de conjugar as declarações das testemunhas que assistiram à reunião do dia 5 de Julho, em particular a DL administrativa no BB…, HM,  mãe de dois alunos que frequentaram o BB…, e cujo depoimento se encontra gravado na já referida plataforma com inicio no marcador aos 00:00:01 e o eu termo aos 00:07:16 e SS, pai de uma aluna do BB…, cujo depoimento se encontra gravado no já referido programa H@bilus Media Studio com inicio no marcador 00:00:59 e o seu termo aos 00:15:48,
20. Todas estas testemunhas depuseram de forma clara, afirmando que o projecto apresentado pela Autora não foi bem acolhido pelos pais dos alunos que já integravam o Colégio e não houve também grande receptividade dos pais franceses.
21. Mas ao depoimento das testemunhas temos de conjugar com o doc. junto com a contestação (doc.6), em que um órgão de informação franco-português noticia que «A escola do seixal não vai abrir as suas portas em setembro de 2019», trata-se de uma informação jornalística, datada de 22.07.2019, onde se refere: “de acordo com as nossas informações as noticias foram enviadas por email, quinta-feira, 18 de Setembro para os pais de 6 crianças matriculadas nesta escola de ensino fundamental. As razões para essa falta de abertura viriam do fato de que não há registrantes suficientes”.
22. O depoimento dos pais, a notícia do órgão de informação, têm ainda de ser conjugadas com o facto de tendo este tema – da falta de inscrições para a nova escola de francês, ser uma das razões para o incumprimento do contrato promessa por parte da Autora – sido mencionada na contestação dos RR, a Autora não fez chegar aos autos, nenhum processo concluído de inscrição de alunos, tão pouco uma pré-inscrição.
23. Quanto ao Ponto D, atentemos no depoimento das testemunhas SS, a testemunha CS e a testemunha DL. Todos estes testemunhos foram claros, espontâneos e isentos, sem necessidade de intervenção do Juiz sobre a conduta das testemunhas, ao contrário com o aconteceu com o depoimento da legal representante da Autora. Estes depoimentos, porque prestados por quem teve contacto directo com a realidade dos factos, deve, pois, levar a que seja levado aos factos provados a matéria indicada neste Ponto D.
24. Quanto ao ponto E: O valor da mensalidade que os pais dos alunos pagavam, o tribunal não deu este facto como provado, porquanto no seu entender não foi apresentado qualquer documento susceptível de comprovar o pagamento e por que não se julgaram suficientes os testemunhos de CS, cujos netos frequentavam o colégio e DL, administrativa, que referiu valor não coincidente.
25. Decidir por dar como não provado o valor da mensalidade que se indicou ser de 180,00€, porque em quatro testemunhas duas referem o valor de 180,00€ e outras duas referem o valor de 185,00€, não parece ser a melhor forma de decidir, pois não houve nenhum testemunha que dissesse que a frequência no colégio era grátis e não houve nenhuma que dissesse que era inferior a 180,00€, pelo que no mínimo o tribunal deveria ter dado por assente que o valor da mensalidade de cada aluno era, pelo menos, 180,00€ mensais.
26. Entendem os Réus que os factos provados e não provados da douta sentença recorrida devem ser alterados e aditados novos factos conforme se deixou expresso. Tem o Tribunal da Relação de Lisboa poderes para modificar a decisão sobre a matéria de facto nos termos do artigo 662, n.º 1 do C.P.C.
27. A Clausula resolutiva - artigo 271º do Código Civil.
O tribunal não cuidou de se colocar como um bom pai de família, não cuidou desde logo de saber se a Autora agiu de forma diligente na obtenção do respectivo empréstimo. Desde logo a que Bancos recorreu, bancos estrangeiros e bancos portugueses, uma vez que tratando-se de uma operação em que a garantia hipotecária se tratava de imóveis, sempre seria um banco sediado em Portugal quem estaria em melhor posição para conceder o tal empréstimo.
28. O ónus de provar que tudo se fez para obter o empréstimo cabia à Autora. Resulta da prova produzida nos autos que a Autora deste processo, a sociedade comercial por quotas, sediada em Portugal e com número de contribuinte fiscal português não só não obteve qualquer empréstimo bancário, como não fez nenhuma diligência nesse sentido.
29. Se a Autora, promitente compradora não demonstra que agiu de forma diligente na obtenção do empréstimo bancário, como pode vir reclamar a execução da cláusula resolutiva que a beneficia caso não obtenha empréstimo bancário? Não pode.
30. Como reforço de sinal a sociedade aqui Autora comprometia-se a pagar aos Réus a quantia de 335.000,00€ até 18 de Julho de 2019. O que não aconteceu.
31. No contrato promessa de compra e venda, as partes não especificaram qual o montante de financiamento requerido pela sociedade promitente compradora, nem consta como anexo do referido contrato, qualquer elemento que permita saber ou identificar o montante que a sociedade autora solicitar à entidade bancária. Também não existe nos autos nenhum elemento que nos permita perceber que os Réus tinham conhecimento do montante que a sociedade Autora carecia para honrar o contrato promessa.
32. Ora veio-se a saber que o empréstimo, o único pedido de empréstimo que a autora fez (estamos na parte ficcional, aceitando a confusão de sujeitos) foi pasme-se 780.000,00€ (setecentos e oitenta mil euros). O suposto pedido da autora nada teve a ver com a compra efectiva dos dois imóveis, teve a ver como isso e muito mais, pois só assim se justifica que faltando 670.000,00€ tenha pedido mais 110.000,00€.
33. O pedido era tão exagerado que no único banco a que recorreram o balcão reduziu logo esse montante para 475.000,00€ e esse mesmo pedido foi parcialmente deferido em 300.000,00€, sendo este facto do conhecimento da Autora em data anterior a 5 de julho.
34. Não tendo ficado estabelecido no contrato celebrado entre as partes que o financiamento teria de ser no mínimo num determinado valor, não pode assim operar uma clausula que prevê a não concessão de empréstimo, porque na verdade o empréstimo foi concedido.
35. Nenhuma instituição bancária nacional, nacional ou estrangeira, avaliou ou mandou avaliar os imóveis, pela simples razão que a sociedade promitente compradora não diligenciou de forma atempada com nenhuma entidade bancária;
36. É a própria Autora a dizer que inicialmente o negócio foi anunciado pelo valor de 325.000,00€ e que por esse valor a autora nem precisava de recorrer ao financiamento bancário, pois disponha e capitais próprios – cfr. artigos 22º a 29º da réplica.
37. Como entender então que se a Autora não precisava de empréstimo para efectuar a compra de 325.000,00€, porque tinha capitais próprios, porque razão para os 700.000,00€ do negócio teve de pedir 780.000,00€ e que a não concessão do empréstimo por esse valor fosse condição resolutiva do contrato! Na verdade, a Autora apenas precisava de 375.000,00€.
38. Assim, a cláusula resolutiva que impõe a aprovação da quantia requerida, e atenta a que essa quantia peticionada é muito superior ao que a prática comercial dos bancos pratica, a mesma só podia ser indeferida e como tal a referida clausula não pode ser entendia como resolutiva pois o n.º 1 do art.º 271º do Código Civil, fere de nulidade o negócio jurídico subordinado a condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, se ainda que nos termos do n.º 2, se a condição por resolutiva, tem-se por não escrita. Temos assim que esta condição resolutiva se deve ter por não escrita.
39. Refere o artigo 227º do CC que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato, deve, tanto nos preliminares como na formação deles, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
40. O contrato promessa havido sido celebrado em 3 de Maio de 2019 e a escritura prometido dever-se-ia realizar até 31 de Julho de 2019. Ou seja, já tinham decorrido dois meses sobre a assinatura do contrato promessa e estávamos a 26 dias do prazo para a concretização do negócio prometido.
41. O comportamento da Autora nesse dia 5 de Julho de 2019, dia da escola aberta, dia em que se apresentou aos trabalhadores e aos pais dos alunos, como a nova dona da escola, tendo mesmo entregue cartões pessoais aos presentes e tendo apresentado as traves mestras do seu projecto, a Autora fez acreditar aos Réus, aos trabalhadores destes e aos pais dos alunos, que o negócio da compra era certo e que no dia 1 de Agosto o Externato BB.. se extinguia e no lugar desta abriria uma escola francesa.
42. Perante esta postura da Autora, perante toda a assertividade demonstrada não só aos Réus, mas a toda a comunidade, os Réus convenceram-se de que não existia qualquer problema com o financiamento e que a realização da escritura dali a 25/26 dias seria uma realidade.
43. O tribunal não pode sancionar uma conduta de má-fé negocial de uma das partes que a menos de trinta dias da concretização do contrato prometido, esconde uma dificuldade que tem, para posteriormente invocar esta dificuldade como causa resolutiva de um contrato, através de carta que envia a três dias do prazo limite do negócio, carta esta recebida pelos Réus já após o limite do mesmo.
44. Esta violação grosseira dos deveres de boa conduta, não podem aproveitar ao seu autor, pelo que, também, por aqui não podia ser causa de resolução a não aprovação do financiamento, factos este sempre sonegado aos Réus.
45. A presunção legal de culpa do devedor – Artigo 799º do Código Civil. Dúvidas não existem que as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda que envolvia dois imóveis, uma viatura e ainda o equipamento constante de uma listagem, anexa sob o n.º 2.
46. Dúvidas também não se levantam que a condição resolutiva existente no contrato, pressupunha a exclusiva actuação/diligência da promitente compradora, fosse ela na obtenção das licenças para o ensino do Francês, fosse nas diligências necessárias a encetar os contactos com as instituições bancárias, com vista ao financiamento bancário.
47. Dúvidas também não existirão na conclusão de que todos estes prazos foram incumpridos pela Autora, pois teria de ter marcado a escritura no limite até 31 de Julho, pelo que a notificação teria de acontecer quinze dias uteis prévios, ou seja em 10 de Julho de 2019, o que nunca aconteceu; e também não pagou o reforço do sinal na data acordada, qual seja 18 de Julho.
48. Refere a sentença a quo, que os Réus, promitentes vendedores não se insurgiram quanto a tal, nem se propuseram entregar os imóveis à Autora. Por mais boa vontade que se tenha com o julgador, não se percebe este entendimento.
Primeiro não eram os imóveis, era apenas um deles, mal seria que fossem ambos e só se recebesse o valor de um deles.
49.  Mas os Réus em 18 de Julho, a 13 escassos dias da concretização da prometida venda, nada podiam fazer, a não ser aguardar a concretização do negócio. Não podiam resolver o contrato com esse motivo, porque isso sim seria operarem uma resolução, que posteriormente um qualquer tribunal ajuizado consideraria ilegal e abusiva.
50. Nos termos do artigo 762º CC, diz o n.º 1, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e acrescenta o n.º 2, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
51. Nos termos do artigo 798º o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor.
52. Presunção de culpa e apreciação desta. Artigo 799º, n.º 1 incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua; n.º 2 a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil. Remetendo aqui para os artigos 483 e em especial o 487º, n.º 2 a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
53. Quem é que tinha de diligenciar na obtenção de financiamento? A sociedade aqui Autora. Existe nos autos alguma prova de que a sociedade aqui Autora o tenha feito? Não.
54. E o que dizer do embuste criado pela Autora, trazendo à última hora o Banco Santander Totta à liça, tentando justificar o injustificável, o de que nada fez para tentar obter o financiamento bancário que necessitava. Basta ouvir o depoimento do funcionário do banco que lidou com o processo. Este funcionário desconhecia por completo o nome da aqui Autora, ou da sua sócia-gerente, nunca falou directamente com os próprios, recebeu um telefonema em finais de junho, princípios de julho sobre um pedido de financiamento de 400.000,00, sem que lhe fossem entregues quaisquer outros elementos, sem que fosse elaborado um dossier sobre o processo de financiamento, a tudo isto respondeu o funcionário do banco: - Não havia necessidade, era tudo muito frágil!
55. Como embuste a Autora junta uma carta do banco a dizer que na sequência da vossa consulta de 22 de julho de 2019 sobre operação de financiamento para aquisição das instalações do Externato BB, pelo valor de 400.000,00 euros, a formalizar por Madamme et Monsieur AB e RB e após apreciação do Banco, lamentamos informar não nos ser possível corresponder ao solicitado.
56. Temos pois, que o incumprimento do contrato prometido se ficou a dever à culpa exclusiva da Autora, que não logrou ilidir essa mesma presunção de culpa fixada pela lei.
57. Quando após incumprir o prazo de notificação da marcação da escritura, quando após incumprir com o prazo de pagamento do reforço de sinal, a sociedade aqui Autora notifica no dia 27 de Julho, por carta registada, recebida pelo Réus, em 2 de Agosto que rescinde o contrato promessa de compra e venda nos termos já analisados, só se pode concluir que a Autora perdeu definitivamente o interesse no cumprimento do contrato promessa, que tal incumprimento se deve em exclusivo a culpa sua, razão pela qual a consequência não podia ser outra se não cumprir o normativo plasmado no artigo 442º, n.º 2 do CC, ou seja a perda do sinal. Ao decidir de maneira diferente e ao condenar os Réus a devolver o sinal, o tribunal ajuizou mal e violou entre outras o artigo 442º, bem como os normativos já invocados constantes dos artigos 762º,798º e 799º todos do Código Civil.
58. Danos provocados pela conduta ilícita da autora. Existe responsabilidade pré-contratual quando no decurso das negociações preliminares uma das partes assumiu um comportamento que razoavelmente criou na outra parte a convicção de que o contrato se formaria, assim a predispondo a acções ou omissões que não teria adoptado se não tivesse aquela conclusão como certa.
59. Bastava que o comportamento da Autora na reunião de 5 de Julho de 2019 fosse leal e que não omitisse as dificuldades que estavam a encontrar no financiamento e não fizesse os Réus acreditar precisamente no seu contrário, de que tudo corria como o esperado e que dentro de dias se concretizaria o contrato prometido, para que os Réus não fossem sinalizar a compra de uma casa para onde teriam forçosamente de ir, no momento do cumprimento do contrato prometido. E tudo isto a menos de trinta dias da data acordada.
60. Ao não poderem cumprir o contrato promessa, na justa medida em que o contrato promessa objecto dos presentes autos não foi cumprido, os Réus perderam o sinal que deram e esse constituiu o seu prejuízo, o qual deve ser imputado à autora, pois foi a sua conduta desleal que levou a que os Réus assumissem um compromisso, que depois não puderam cumprir e sofreram o respectivo prejuízo.
61. O mesmo se diga para os danos morais causados aos segundos réus, que sendo pessoas de idade, que embalaram todos os móveis e pertences e ao verem-se impedidos de cumprir a promessa de aquisição da casa para onde iriam viver, passaram a não conseguir dormir, perderam o apetite e viveram em estado de amargura, pelo que se considera justa a indemnização peticionada de 5.000,00 euros que a Autora deve ser condenada a pagar aos segundos Réus.
62. Já a conduta da Autora, que na reunião de 5 de julho, se apresentou como a nova dono do colégio, garantindo a todos que no dia 1 de Agosto de 2019 o externato O BB… daria lugar a um colégio francês, tendo publicitado tal situação na internet, divulgação que ainda hoje perdura, fez como que 12 meninos que frequentavam o externato BB.., explorado pela 1.ª Ré, abandonassem o colégio, por não se identificarem com o novo projecto, o que muito penalizou a primeira Ré, uma vez que cada aluno pagava mensalmente 180,00€ de frequência o que a multiplicar por doze meses (ano completo) e a multiplicar por dize alunos, dá a quantia peticionada de 28.080,00 euros, justificando-se a condenação na indemnização pedida de 5.000,00 euros.
63. Razão pela qual deve o pedido reconvencional ser considerado procedente por provado e em consequência deve ser corrigida a douta sentença recorrida, condenando a Autora no pagamento à primeira Ré da quantia de 35.080,00 euros e aos segundos Réus da quantia de 20.000,00 euros.»

1.7. A Autora apresentou contra-alegações a pugnar pela improcedência do recurso.
18. Foram colhidos os vistos legais.

II – Delimitação do objeto do recurso:
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando esta Relação adstrita à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso (art.º 130º do CPC). Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
No caso, atendendo às conclusões do recurso as questões a decidir são as seguintes:
1.ª - saber se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pelos Recorrentes, por erro de julgamento na valoração dos meios de prova;
2.ª - saber se a resolução do contrato-promessa é imputável a incumprimento definitivo e culposo da promitente-compradora (Autora) ou a à verificação da condição resolutiva prevista na cláusula 7.ª, n.º 3, do CPCV;
3.ª - saber se a Autora deve ou não responder pelos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelos Réus.
III – Fundamentação
A) Motivação de facto:
A Primeira Instância considerou provados e não provados os seguintes factos:
A.1) Factos provados:
“2.1.1. O Externato “BB….’’ (1ª ré) é dona e legítima proprietária do prédio urbano de tipo T7, sito na Avenida …, Seixal, composta de cave, com ginásio, 2 (duas) divisões casa de banho e vestíbulo e r/c com 3 (três) divisões, 3 (três) casas de banho e corredor, 1º andar com 2(duas) divisões e 2(duas) casas de banho, corredor e varanda, inscrito na respectiva matriz predial …, conforme documento 1 que se junta e se dá na íntegra por reproduzido e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal (…).
2.1.2. CC… e DD… (2º e 3.ª réus), são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Avenida …, do tipo T7, correspondente ao prédio urbano composto de cave com 2 (duas) divisões, cozinha, wc e garagem, r/c com 3 (três) divisões, cozinha e wc e 1º andar com 4 (quatro) divisões e 2 (duas) casas de banho, inscrito na respectiva matriz predial da …., conforme documento que se junta e se dá na íntegra por reproduzido e descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal …
2.1.3. Por escrito particular outorgado a 03 de Maio de 2019, Autora e Réus acordaram nos termos exarados no documento reduzido a escrito, intitulado ‘’Contrato Promessa de Compra e Venda’’ obrigando-se a autora a adquirir os imóveis supra descritos sob as alíneas a) e b), nos termos constantes do documento 3 e que aqui se dá na íntegra por reproduzido.
2.1.4. A compra e venda prometida foi acordada entre a Autora e os Réus pelo valor global de 700.000,00€ (setecentos mil euros), correspondendo o valor de 350.000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros) à Primeira Ré e a quantia de 350.000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros) aos Segundos Réus, conforme consta na cláusula 4 do contrato promessa de compra e venda, junto de fls. 11 a 14v, cujo restante teor se dá aqui na íntegra por reproduzido.
2.1.5. Foi também acordado entre as partes que com a assinatura do contrato promessa de compra e venda, obrigava-se a Autora a pagar aos Réus a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), por transferência bancária, correspondendo o valor de 15.000,00€ (quinze mil euros) a serem pagos à Primeira Ré e a quantia de também 15.000,00€ (quinze mil euros) a serem pagos aos Segundos Réus, devendo o remanescente do valor acordado ser pago em diversas prestações, liquidando-se a última prestação na outorga da escritura Pública de Compra e Venda.
2.1.6. No dia da assinatura do contrato promessa, pela autora foi efectuado o pagamento, por transferência bancária, da quantia global de 30.000,00€, em duas transferências bancária distintas, referente ao pagamento do sinal e início de pagamento.
2.1.7. Nos termos da cláusula Quinta, nº 2, estipularam as partes que ‘’Até 18 de Julho de 2019 é transmitida a posse dos bens da Primeira à Terceira, obrigando-se esta a pagar à PRIMEIRA e aos SEGUNDOS, a título de reforço de sinal e continuação do pagamento, o valor de €335.000,00 (…)’’.
2.1.8. O contrato promessa de compra e venda prevê ainda que a Escritura Pública de Compra e Venda, conforme cláusula Quinta, nº 3 do Contrato Promessa de Compra e Venda, deveria ser realizada até à data de 31 de Julho de 2019, a marcar pela Autora.
2.1.9. Prevê igualmente o dito contrato promessa de compra e venda, na cláusula Sétima, nº3, que ‘’Caso a escritura de compra e venda não venha a ser outorgada na data designada nos termos do nº 1 da presente cláusula, até 31 de Julho de 2019, pelo facto da Terceira não obter licença para o ensino do francês ou financiamento por si requerido, a Primeira e os Segundos poderão considerar este contrato como resolvido, tendo direito à rescisão unilateral do mesmo e a devolver à Terceira o valor recebido, a título de sinal, em singelo.’’
2.1.10. A autora foi notificada verbalmente no dia 17 de Julho de 2019 da não aprovação do financiamento bancário pela instituição bancária francesa
2.1.11. Em 23 de Julho de 2019 a autora foi notificada da não aprovação do financiamento bancário pela instituição financeira, nos termos constantes da carta de fls. 56v, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. O que já lhe havia sido comunicado verbalmente pela instituição bancária francesa (CEA) em 17 de Julho de 2019.
2.1.12. O Banco Santander Totta, SA ao qual a autora recorreu, após tomar conhecimento telefónico da instituição financeira em França, no dia 24 de Julho de 2019, informou-a da impossibilidade de concessão de financiamento.
2.1.13. Em 26 de Julho de 2019 a autora comunicou aos Réus, a não aprovação da obtenção do empréstimo bancário e a devolução em singelo da quantia que pagou através de carta remetida em 27 de Julho de 2019 e recepcionada pelos réus em 02 de Agosto de 2019.
2.1.14. No dia 05 de Julho de 2019, com a concordância dos réus, realizou-se, no período da manhã, uma reunião nas instalações dos réus a fim de acertar alguns pormenores, nomeadamente, a passagem dos contratos de trabalho dos trabalhadores e no período da tarde, um evento de apresentação do Externato aos pais dos meninos que já frequentavam o estabelecimento e outros potenciais interessados, já com a presença da autora, representada pela sua sócia e gerente, AB, que passaria a ser a Directora Pedagógica do estabelecimento (ponto 2 TP).
2.1.15. Os 2º e 3ª réus procuraram outro imóvel para onde iriam residir, cuja aquisição sinalizaram no valor de €15.000,00. (ponto 5 TP).
2.1.16. Os 2º e 3ª réus embalaram todos os móveis e pertences e ao verem-se impedidos de impedidos de cumprir a promessa de aquisição da casa para onde iriam viver, passaram a não conseguir dormir, perderam o apetite e a viverem em estado de amargura. (ponto 6 TP).
2.1.17. A autora desenvolveu uma campanha nas redes sociais divulgando a abertura de uma escola francesa nas instalações da 1ª ré. (ponto 7 TP).”
A.2) Factos não provados:
“2.2.1. Devido ao facto de a autora aguardar resposta acerca da concessão de financiamento bancário autora e réus acordaram verbalmente que aquela não procederia ao reforço do sinal. (ponto 1 TP).
2.2.2. A Autora obteve reduzida adesão ao projecto de ensino que intentava implementar, o que a fez perder interesse na concretização do negócio que havia sido objecto do contrato-promessa. (ponto 3. TP).
2.2.3. Após a data referida em 1. (26.07.2019) a Autora procurou obter financiamento apenas para a aquisição do imóvel referido em 2. (ponto 4 TP)
2.2.4. Cada aluno paga mensalmente € 180,00. (ponto 8 TP).”
B) Mérito do recurso:
b.1) - Primeira questão – da impugnação da decisão de matéria de facto
Nas conclusões 1 a 14 do recurso os Réus defendem a alteração dos pontos 2.1.10., 2.1.11 e 2.1.12 dos factos dados como provados que não têm suporte no Doc. n.º 6 junto com a petição inicial (declaração do banco francês CEA) e tão pouco no depoimento de parte da Autora, prestado pela legal representante AB, das quais resulta que a Autora já sabia, desde data anterior a 5 de Julho de 2019, que o empréstimo solicitado pelos cidadãos AB e RB àquela instituição bancária francesa tinha sido aprovado pelo valor de 300.000€ e que, em 17 de Julho seguinte essas mesmas pessoas singulares desistiram do empréstimo.
Invocam, ainda, como fundamento da pretendida alteração, a valoração conjugada do depoimento de parte da Autora com o depoimento prestado na audiência de julgamento por RS, gerente da Agência …do Banco Santander, desde Dezembro de 2018, dos quais se conclui que os referidos cidadãos franceses, no dia 22 de Julho de 2019 solicitaram pedido de empréstimo da quantia de 400.000,00€ junto do Banco Santander, tendo obtido a 24 de Julho a resposta de que o pedido não foi atendido.
Defendem, ainda que ao facto dado provado sob o ponto 2.1.17 seja aditado, no final, a expressão «…, sem o consentimento dos Réus».
Vejamos,
Os pontos 2.1.10, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.17 dos factos dados como provados, têm o seguinte conteúdo:
“2.1.10. A autora foi notificada verbalmente no dia 17 de Julho de 2019 da não aprovação do financiamento bancário pela instituição bancária francesa
2.1.11. Em 23 de Julho de 2019 a autora foi notificada da não aprovação do financiamento bancário pela instituição financeira, nos termos constantes da carta de fls. 56v, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. O que já lhe havia sido comunicado verbalmente pela instituição bancária francesa (CEA) em 17 de Julho de 2019.
2.1.12. O Banco Santander Totta, SA ao qual a autora recorreu, após tomar conhecimento telefónico da instituição financeira em França, no dia 24 de Julho de 2019, informou-a da impossibilidade de concessão de financiamento.
(…)
2.1.17. A autora desenvolveu uma campanha nas redes sociais divulgando a abertura de uma escola francesa nas instalações da 1.ª ré. (ponto 7 TP).”
Pretendem os Recorrentes a alteração dos referidos pontos da matéria de facto provada para a seguinte formulação:
“2.1.10 – A autora nunca solicitou em seu nome nenhum empréstimo bancário com o objectivo de comprar os imóveis objecto da presente acção;
2.1.11 – Os cidadãos franceses AB e RB, casados, no primeiro semestre de 2019 solicitaram a uma instituição francesa um empréstimo no valor de 780.000,00€ para financiamento de um escola em Portugal (externato BB…);
2.1.12 – Aquela instituição financeira apenas submeteu à aprovação da sua comissão de crédito o valor de 475.000,00€, tendo sido aprovado o empréstimo de 300.000,00€;
2.1.13 – No dia 5 de julho a Autora já sabia das condições de financiamento do Banco Francês e reuniu com uma conselheira de crédito para tentar obter um novo financiamento;
2.1.14 – No início de julho um funcionário do Banco Santander, a pedido de uma conselheira de crédito, deslocou-se às instalações da Ré BB…, para avaliar as condições do negócio;
2.1.15 – No dia 17 de Julho os cidadãos franceses AB e RB, casados, pediram o cancelamento do empréstimo que haviam solicitado à instituição francesa;
2.1.16 – No dia 22 de julho os cidadãos franceses AB e RB, formalizaram o pedido de empréstimo de 400.000,00€ junto do Banco Santander, tendo obtido no dia 24 de Julho a resposta formal de que o pedido não fora atendido;
2.1.17 – O Banco Santander Totta, não elaborou qualquer dossier sobre o pedido de empréstimo pois desde logo a operação foi considerada muito frágil;
2.1.18 – correspondendo ao 2.1.13 da sentença, seguindo-se os demais factos dado como provados, devendo ao facto aditado com o n.º 2.1.17, ser aditado no final a expressão «.., sem o consentimento prévio dos Réus».”
Os Réus reclamaram oportunamente da selecção, feita no saneador, dos factos considerados assentes sob as alíneas J), K), L), M) e N), mas a sua reclamação só foi atendida parcialmente.
Assim sendo, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 596.º do CPC, é este o momento e o meio próprios para impugnar a decisão proferida sobre aquela reclamação, de 26-07-2021, com a ref.ª 407363774, da qual emergiu a actual redacção dos factos objecto da presente impugnação.
Ora, ouvidos que foram por este tribunal de recurso, integralmente, os depoimentos prestados em audiência de julgamento pela legal representante da Autora, AB e pelo gerente da Agência … do Banco Santander e conjugados estes meios de prova com o teor do Doc. n.º 6 da petição inicial só podemos concluir que a referida matéria de facto não espelha a realidade dos factos apurados em audiência ou sequer está suportada pelo teor daquele documento.
Com efeito, o Doc. 6, intitulado “certificado de pedido e obtenção de financiamento”, emitido em 23 de Julho de 2019 pela CEA e assinado por dois funcionários da referida instituição bancária francesa, sobre o carimbo oficial, segundo os procedimentos bancários usuais, tem o seguinte teor:
Nós, abaixo assinados, vimos pelo presente atestar que nos foi solicitado por AB e RB, casados, um financiamento no valor de 780.000€ no decorrer do primeiro semestre de 2019. Este pedido de crédito teria como objectivo o financiamento de uma escola em Portugal (Externato BB…).
Não sendo possível a concessão do montante integral que foi inicialmente solicitado remetemos para decisão da comissão de crédito uma proposta de financiamento parcial de 475.000,00€. Após uma análise aprofundada, a comissão e crédito deliberou, no entanto, limitar a nossa participação a um montante máximo de 300.000,00€.
Posto isto e no seguimento do v. pedido de 17 de julho, este processo foi definitivamente anulado, encontrando-se à data de hoje classificado como “sem seguimento”.
Por ser verdade e para os devidos efeitos, foi emitido o presente certificado
Assim, o que resulta do referido documento é que os cidadãos franceses AB e RB fizeram junto da CEA um pedido de crédito em seu nome pessoal no primeiro semestre de 2019, de 780.000,00€, que esse crédito tinha como objectivo o financiamento de uma escola em Portugal (Externato BB…) e que a instituição bancária apenas propôs à sua Comissão de Crédito que lhes fosse concedido um financiamento de 475.000,00€ e que a decisão final foi de concessão de um financiamento de apenas 300.000,00€.
Destarte, não se pode ter como provado o alegado pela Autora no artigo 10.º da petição inicial de que a Autora recorreu a um financiamento bancário, na pessoa dos seus representantes legais. Não o fez em França, assim como não o fez em Portugal junto do Banco Santander. Quem sempre actuou junto do banco francês e do banco português foi sempre AB e RB, fazendo-o a título pessoal e com o objectivo de obter financiamento para a escola e não para a aquisição dos imóveis objecto do CPCV. Se tivessem agido em nome da sociedade seguramente que as referidas instituições bancárias teriam processado o pedido de crédito em nome da pessoa colectiva e era isso mesmo que certificariam. A CEA não o certificou, antes pelo contrário certificou que foram as pessoas singulares quem formalizou o pedido de crédito como o objectivo de financiamento de uma escola em Portugal. Aliás, as pessoas em causa arrogam-se nos autos legais representantes dos Autora, como se inculca do intróito da petição inicial e da procuração forense junta a fls. 22, mas não se encontra sequer demonstrada nos autos tal qualidade por documento idóneo a tal desiderato (certidão do registo nacional de pessoas colectivas).
Mais resulta que as referidas pessoas em 17 de Julho de 2019 comunicaram à instituição bancária francesa a sua desistência do requerido financiamento e que o processo foi encerrado a pedido dos mesmos.
Por sua vez, do declarado em audiência pela própria legal representante da Autora, AB, retira-se que:
- antes do dia 5 de Julho de 2019 já tinham recebido um carta (notificação) a confirmar o empréstimo de 300.000,00€ pelo banco;
- no dia 5 de julho estiveram reunidos com uma conselheira de empréstimo no imóvel, para tentarem obter outro financiamento junto do Banco Santander Totta, desta feita de 400.000,00€, uma vez que os 300.000,00€ já estavam garantidos;
- com o empréstimo dos 300.000,00€ adquiriam um dos imóveis e que com o empréstimo dos 400.000,00€ adquiriam o segundo imóvel.
Assim, a impugnação da decisão de facto a que se referem as conclusões 1 a 14 procederá, no essencial. Não procederá relativamente à redação pretendida para o ponto 2.1.10 por encerrar uma conclusão a extrair pelo julgador dos factos provados. E não procederá na parte do ponto 2.1.11 relativa ao estado civil de AB e RB pela singela razão de se tratar de matéria que reclama prova por documento autêntico (assento de casamento, etc.) e essa prova não foi feita.
Ademais, entende-se ser de alterar a redacção do ponto 2.1.13 dos factos provados, de forma a clarificar melhor o seu conteúdo de acordo com o teor do Doc. 8 da petição inicial e aditar aos factos não provados a factualidade constante da primeira parte do artigo 10.º da p. i. (art.º 662.º, n.º 1, do CPC)
Pelo exposto, decide-se dar parcial provimento à impugnação deduzida nas conclusões 1 a 14 e, consequentemente:
a) alterar os pontos 2.1.10, 2.1.11, 2.1.12 e 2.1.13 da matéria de facto provado que passam a ter a seguinte redacção:
 “2.1.10. AB e RB, no primeiro semestre de 2019, formalizaram junto da CEA, em seu nome pessoal, um pedido de crédito no valor de 780.000,00€, destinado ao financiamento de uma escola em Portugal (Externato BB.., Lda.), tendo a comissão de crédito da referida instituição bancária francesa deliberado aprovar apenas um montante máximo de 300.000,00€ de financiamento.
2.1.11. No dia 17 de Julho de 2019, AB e RB comunicaram à referida instituição bancária a sua desistência do pedido de financiamento e pediram a anulação do respectivo processo.
2.1.12. No dia 22 de Julho de 2019 os cidadãos franceses AB e RB solicitaram pedido de empréstimo de 400.000,00€ junto do Banco Santander, tendo obtido no dia 24 de Julho de 2019 a resposta formal de que o pedido não fora atendido.
2.1.13. AB e RB, por carta datada de 26 de Julho de 2019, enviada para o endereço dos Réus em 27 de Julho e recepcionada por estes em 2 de Agosto seguinte, comunicaram a não aprovação da obtenção do empréstimo bancário e solicitaram a devolução do valor entregue a titulo de sinal para a conta com o IBAN FR…, em nome de Mme. AB
b) aditar aos factos não provados o ponto 2.2.15 com a seguinte redacção:
“2.2.15.  A Autora recorreu a financiamento bancário, na pessoa dos seus representantes.
*
Nas conclusões 15 e 16, impetram os Recorrentes que deve ser aditado ao ponto 2.1.15 que «ao não concretizarem a venda prometida com a Autora, os segundos Réus ficaram impossibilitados de cumprirem com a prometida compra da nova casa e assim perderam o sinal que deram no valor de 15.000,00€».
Como fundamento da sua pretensão, argumentam que se trata de factualidade alegada pelos Réus do artigo 52.º da contestação/reconvenção, que não foi impugnada pela Autora.
Esta pretensão dos Réus não será atendida, por entendermos que tal factualidade, como a demais que invocam como fundamento da sua pretensão indemnizatória, não reveste qualquer utilidade para a boa decisão da causa em face da manifesta improcedência da referida pretensão, conforme adiante se explicará.
*
Por sua vez, nas conclusões 17 a 26 os Recorrentes defendem o aditamento à sentença recorrida de factos por esta omitidos, que especificam na primeira daquelas conclusões.
Alegam, para o efeito, que se trata de factualidade com relevância para a decisão da causa e que resultou provada dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas a esta matéria, especificadamente DL, HM, SS, CS e SS.
Os factos que os Recorrentes pretendem aditar ao elenco de factos provados são os seguintes:
«a) Na reunião de 5 de julho a gerente da Autora apresentou-se perante os trabalhadores, na parte da manhã e perante os pais dos alunos, no período da tarde, como a futura proprietária do Colégio;
b) Na referida reunião a gerente da A. garantiu a todos os presentes que no dia 1 de agosto a escola iria abrir com novos proprietários e com a implementação do seu projecto;
c) A Autora obteve reduzida adesão ao projecto de ensino que intentava implementar;
d) A Ré BB… no ano lectivo de 2019/2020 perdeu cerca de 12 a 13 alunos que não se reinscreveram por não se reverem na nova metodologia que iria ser implementada na escola por parte da Autora e em consequência da campanha referida em 2.1.17;
e) Cada aluno paga mensalmente, pelo menos, a quantia de 180,00 euros.»
Ouvimos integralmente toda a prova testemunhal produzida, bem como o depoimento de parte da legal representante da Autora, AB e só podemos acompanhar, pelo ser acerto, a conclusão extraída pela Senhora Juíza a quo, dos referidos depoimentos, em particular dos testemunhos prestados num registo isento, objectivo, esclarecedor e credível por LG, representante local junto da Embaixada de França dos naturais deste país aí registados e representante do Conselho Consular, e por SS, filha dos 2.º e 3.ª Réus, no que concerne ao 2.º tema da prova. O primeiro asseverou que havia grande interesse da comunidade francesa para saber da abertura da escoa e preços, que as famílias francesas estavam à espera da abertura da escola para inscreverem os filhos e que a própria Director do Liceu Francês em Lisboa estava à espera de poder informar as famílias das crianças que estavam em lista de espera para se inscreverem na nova escola de ensino francês.
Como se refere na motivação da sentença recorrida, “Esta testemunha foi particularmente esclarecedora quanto à extensão da comunidade francesa a viver em Portugal, nos anos de 2018 e 2019 e das necessidades atinentes à instrução dos filhos desses membros, bem como da lotação do Liceu Francês, em Lisboa que recusava a inscrição de novos alunos.
Daí que não se tenha adquirido a convicção de ter havido pouco interesse no projecto que a autora se propunha desenvolver, tanto mais que esta testemunha asseverou ter uma lista de alunos que não tinham conseguido ingressar no referido Liceu e que aguardavam a abertura do colégio da autora.”
Sobre a forma como decorreu a reunião de 5 de Julho de 2019 relevam os depoimentos prestados quer pela legal representante da Autora, quer pela filha dos Réus SS, que também participou na referida reunião e explicou os motivos da sua convocação e a presença de pais de alunos, efectivos e potenciais, tendo referido ser sua convicção que a marcação teve a aprovação da sua mãe. Aliás, como se refere na sentença recorrida, faz sentido “na economia do negócio de compra e venda projectado por ambas as partes …, a apresentação e publicitação de um novo projecto para o Colégio”. Assim é à luz da lógica e segundo padrões de normalidade.
A análise crítica e conjugada da prova produzida, ao contrário do que defendem os Recorrentes, não permite concluir que a Autora obteve reduzida adesão ao projecto que pretendia implementar ou que a redução do número de alunos inscritos ou mesmo a redução de renovações de matrículas no ano lectivo 2019/2020 se deveu ao facto de não se reverem na nova metodologia que iria ser implementada no Colégio por parte da Autor ou em consequência da campanha publicitária referida em 2.1.17.
Como referiu nas suas declarações a testemunha SS, filha dos Réus e Directora Pedagógica do Colégio e resulta dos anúncios juntos aos autos (fls. 77 a 83), este estabelecimento de ensino e o conjunto imobiliário onde funcionava, composto pelos dois imóveis pretendidos vender já estava agenciado na imobiliária Remax há muito tempo para venda.
Por outro lado, da prova testemunhal produzida também resulta que a perda de alunos estaria relacionada com a redução da actividade do Externato, dado que deixou de ter ensino básico e manteve apenas o Jardim de Infância. Foi o que asseverou a testemunha HM, cujos filhos frequentaram o Externato BB...”, sendo que o mais velho frequentou no período de 2003 a 2010 e a sua filha frequentou apenas o ATL no período de 2011 a 2019, tendo deixado o referido estabelecimento no ano lectivo 2019/2020 por não ter ensino básico (4.º ano) e apenas ATL.
No que se refere à pretensão de aditamento do suposto valor da mensalidade a pagar por cada aluno, que segundo os Réus seria de 180,00€, a mesma também não pode ser acolhida, por se concordar com o entendimento da Exma. Juíza a quoNão tendo sido apresentado qualquer documento susceptível de comprovar o pagamento da mensalidade por cada aluno, o que não seria certamente difícil, não se julgaram suficientes os testemunhos de CS, cozinheira do Colégio BB…, frequentado pelos netos, e DL, administrativa, que referiu valor não coincidente com o mencionado pela anterior
Improcede, portanto, a impugnação da matéria de facto sintetizada nas conclusões 17 a 26.
b.2) Segunda questão:         
Fixados os factos, importa aquilatar se a resolução do CPCV é imputável a incumprimento definitivo e culposo da promitente-compradora (Autora) ou a à verificação da condição resolutiva prevista na cláusula 7.ª, n.º 3.
Só em caso de se verificar a primeira hipótese é que assiste aos Réus o direito à retenção da quantia entregue pela Autora a título de sinal (e principio de pagamento).
Se, pelo contrário, os factos demonstrarem a verificação da condição resolutiva expressamente estipulada pelas partes na cláusula 7.ª, n.º 3, do CPCV por ambas celebrado, ficam os Réus – promitentes vendedores – constituídos na obrigação de restituição à Autora das quantias que receberam a título de sinal e como antecipação do pagamento do preço acordado.
Vejamos então,
Não está em causa a qualificação jurídica do contrato ajuizado como contrato-promessa de compra e venda, nem existe divergência entre as partes relativamente ao regime jurídico aplicável ao caso, pelo que nos dispensamos de qualquer consideração sobre a referida temática.
E também é consensual que a cláusula 7.ª, n.º 3, ao subordinar a resolução do negócio a um acontecimento futuro e incerto (não obtenção de financiamento ou de licença administrativa pela Autora, até 31-07-2019) configura uma cláusula resolutiva expressa (artigo 270.º, n.º 1 do Cód. Civil).
Relembramos que na referida cláusula, as partes acordaram que “caso a escritura de compra e venda não venha a ser outorgada na data designada nos termos do nº 1 da presente cláusula, até 31 de Julho de 2019, pelo facto da Terceira não obter licença para o ensino do francês ou financiamento por si requerido, a Primeira e os Segundos poderão considerar este contrato como resolvido, tendo direito à rescisão unilateral do mesmo e a devolver à Terceira o valor recebido, a título de sinal, em singelo’’.
A Primeira Instância considerou resolvido o contrato por verificação da cláusula resolutiva expressa prevista pelas partes (cláusula 7.ª, n.º 3), não atribuindo qualquer relevo à circunstância de a Autora não ter procedido ao reforço do sinal no dia 18 de Julho de 2019, como estipulado no CPCV (cláusula 5.ª, n.º 3), pelo facto de nenhum dos Réus se ter insurgido contra tal, sequer terem oferecido a sua contraprestação, isto é, terem proposto entregar a posse dos bens prometidos vender ou ainda nunca terem manifestado interesse em manter o CPCV nem se terem oposto à resolução, assim inferindo que ambas as partes aceitaram a prorrogação do contrato.
Salvo o devido respeito não podemos acompanhar, quer a fundamentação quer a solução jurídica dada ao caso pela Primeira Instância, no que concerne à acção.
Era à Autora, por se tratar de facto constitutivo do seu direito, que cabia o ónus de provar que requereu financiamento bancário para a aquisição dos imóveis que prometeu adquirir e onde pretendia implementar uma escola de ensino de francês e que não logrou obter o referido financiamento bancário (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil).
Ou que requereu e não obteve licença administrativa para leccionar francês no referido estabelecimento escolar.
Da economia do CPCV retira-se que a obtenção, pela Autora, pessoa coletiva AA..., LDA., de financiamento bancário e de licença administrativa para leccionar francês eram condições sine qua non do negócio. Daí terem as partes previsto a referida cláusula resolutiva, estabelecida no interesse da Autora.
Acontece que a Autora não logrou alcançar tal prova. Na verdade, não foi produzida qualquer prova de que a Autora, pessoa colectiva sediada em Portugal e com número de contribuinte fiscal emitido pela autoridade tributária portuguesa, não obteve qualquer empréstimo bancário ou que sequer tenha feito qualquer diligência nesse sentido.
Dos factos provados o que respiga é que os cidadãos franceses, AB e RB formalizaram pedidos de crédito em França, junto da CEA e em Portugal, junto do Banco Santander. Resulta, ainda, que a instituição bancária francesa se propunha emprestar apenas a quantia de 300.00,00€ (contra os 780.000,00€ pedidos) com o objectivo de financiamento de uma escola em Portugal, mas que os referidos cidadãos desistiram do crédito no dia 17 de Julho de 2019. Mais resulta que o Banco Santander, no dia 24 de Julho de 2019 recusou o empréstimo por aqueles solicitado em 22 de Julho, por falta de solidez do negócio.
As referidas pessoas arrogam-se nos autos legais representantes da Autora, designadamente no intróito da petição inicial e figuram com essa qualidade na procuração forense de fls. 22, contudo não existem nos autos prova documental idónea a atestar tal afirmação.
Não se provou a alegação de que nos pedidos de crédito por si formalizados agiram na qualidade de legais representantes da Autora, pois não é isso que se retira desde logo da declaração certificada emitida pela CEA junta como Doc. 6 da petição inicial, sem olvidar que os contactos com o Banco Santander foram encetados por um consultor de crédito em nome e no interesse dos referidos AB e RB.
Entendemos, assim, que a Autora não logrou demonstrar a verificação da condição resolutiva estabelecida na cláusula 7.ª, n.º 3, do CPCV.
*
Vejamos agora se o CPCV em discussão nos autos se pode considerar resolvido e se a resolução é imputável ao incumprimento definitivo e culposo de algumas das partes, pois só nesta eventualidade se desencadeiem os efeitos previstos no artigo 442.º do Código Civil.
Como é sabido, independentemente do cumprimento das respectivas prestações, as relações obrigacionais extinguem-se por via da resolução, da revogação e da denúncia. A resolução e a denúncia conduzem à cessação do vínculo obrigacional por declaração unilateral de uma das partes dirigida à contraparte. Por sua vez, a revogação pressupõe a existência de um consenso das partes com vista à cessação do vínculo contratual. A estas três causas, supervenientes[[2]], de cessação do contrato, acresce a caducidade que determina a extinção do vínculo em virtude de facto superveniente.
Em caso de impossibilidade superveniente importa distinguir se houve ou não uma conduta culposa do devedor. Não sendo a impossibilidade imputável ao devedor, a prestação extingue-se (artigo 790º, n.º 1, do CC) e se a contraprestação tiver sido efectuada será restituída nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (artigos 795º, n.º 1 e 473º e segs do CC). No caso de impossibilidade imputável ao devedor, cuja culpa se presume (art.º 799º, n.º 1, do CC), o credor pode resolver o contrato e tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos (art.º 801º, do CC).
O direito de resolução, importando a destruição da relação contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, assim, a um direito potestativo vinculado – artigo 432º, n.º 1, do Cód. Civil.
Fica, por isso, a parte que invoca a resolução obrigada a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do contrato que o seu acto determina.
De realçar, quanto a este ponto, que quando esteja em causa o incumprimento bilateral vigora a regra do «tu quoque», ou seja, “a parte infiel ao contrato não pode, em princípio, derivar direitos da violação praticada pela contraparte ao mesmo contrato”, designadamente quando o pedido de resolução se mostre abusivo (cf. Brandão Proença, “Do incumprimento Do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, pp. 95 e ss.).
Efectivamente, como dos artigos 801º, n.º 2 e 802º, n.º 1, do Código Civil decorre, só o contraente fiel – aquele que cumpriu ou se ofereceu para cumprir – goza de legitimidade para resolver o contrato, ficando vedado ao faltoso invocar o seu próprio incumprimento como fundamento resolutivo.
Por fim, deve salientar-se que constitui jurisprudência largamente maioritária, se não uniforme, do Supremo Tribunal de Justiça, o entendimento de que só a falta definitiva e culposa de cumprimento, que não a simples mora, legitima a resolução do contrato-promessa (cf., por todos, o acórdão do STJ, de 09/02/2006, proc. 05B4093, disponível em www.dgsi.pt/jstj).
Por conseguinte, impõe-se averiguar se houve incumprimento definitivo - e a quem é imputável - do CPCV que constitui a causa de pedir na acção, que as partes reconhecem tratar-se de um contrato-promessa de compra e venda, sujeito ao regime dos artigos 410.º e segs. do Cód. Civil.
Ora, decorre do ponto 2.1.13. dos factos provados que “AB e RB, por carta datada de 26 de Julho de 2019, enviada para o endereço dos Réus em 27 de Julho e recepcionada por estes em 2 de Agosto seguinte, comunicaram a não aprovação da obtenção do empréstimo bancário e solicitaram a devolução do valor entregue a titulo de sinal para a conta com o IBAN FR…., em nome de Mme. AB”.
Trata-se de uma comunicação dirigida aos Réus pelos referidos cidadãos franceses, a título pessoal, que não na qualidade de legais representantes da Autora, a coberto da qual procedem à resolução do CPCV, com fundamento na verificação da condição resolutiva – não obtenção de financiamento – e interpela-los para a restituição do valor sinal prestado, no montante de 30.000,00€.
Como se alcança do Doc. n.º 8 junto com a petição inicial (fls. 20 e verso) a referida missiva tem como local de remessa um endereço de França (Rue de Petits, Appt, …), que é referido no intróito da petição inicial e na procuração forense de fls. 22 como sendo o domicílio do referido casal.
Refira-se que segundo o estipulado pelas partes contratantes na cláusula 9.ª, n.º 1, alínea b), o endereço a considerar nas comunicações escritas com a parte compradora (Autora) é a da respectiva sede social – Av. … Lisboa.
Temos assim que a resolução do CPCV não é operante por não ter sido feita por uma parte contratante - no caso a Autora, pessoa colectiva - ou por quem, comprovadamente, actuasse em sua representação.
O que nos conduz à ineficácia extintiva do vínculo contratual da comunicação da resolução datada de 26 de Julho de 2019.
Nessa data a Autora encontrava-se em mora da obrigação de reforço de sinal aprazada para 18 de Julho de 2019 (data limite).
Apesar disso e de ultrapassada a data estabelecida para a realização da escritura definitiva, nem os Réus (promitentes vendedores), nem a Autora (promitente compradora) tomaram a iniciativa de resolver o contrato, o que inculca, objectivamente apreciado, que mantiveram interesse na realização do negócio pelo menos até à propositura do presente acção, em 21-10-2019.
A propositura da acção pela Autora e a defesa da tese da resolução do CPCV, apoiada na comunicação de 26-07-2019, tem de ser interpretada como uma declaração (receptícia – art.º 236.º do Cód. Civil) concludente e definitiva de não querer/poder cumprir o contrato, por impossibilidade decorrente da não obtenção de financiamento bancário para o efeito.
Objectivamente apreciada, à luz dos factos provados, essa impossibilidade tem de ser imputada à Autora que nada fez para obter os meios financeiros de que carecia para concretizar o negócio.
O CPCV foi celebrado em 3 de Maio de 2019 e desde essa data a Autora podia e devia ter recorrido atempadamente a crédito hipotecário – dando os dois imóveis em garantia – junto dos bancos nacionais e, se necessário fosse, os respectivos sócios-gerentes, como é habitual nestes casos, poderiam constituir-se garantes pessoais – fiadores - da operação de crédito.
Nada disso foi feito pela Autora e por isso mesmo não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si recai, nos termos do disposto no artigo 799.º do Cód. Civil.
Assim é mesmo que o prazo estipulado para a realização da escritura de compra e venda (31-07-2019) não possa ser qualificado como um prazo peremptório cujo decurso legitimasse os Réus a emitir, de forma automática e imediata, a declaração de resolução, ao abrigo do art.º 432º, nº 1, do CC.
Finalmente, também não se verifica minimamente a falta de um interesse objectivo do credor (os Réus e promitentes vendedores) que permitisse a declaração de resolução, ao abrigo da norma geral do art.º 808º do Cód. Civil.

O incumprimento definitivo do contrato-promessa, pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das seguintes situações:
1ª - inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;
2ª - ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;
3ª - ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação;
4ª - encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.

As duas últimas situações enunciadas correspondem a outros tantos casos que a lei expressamente equipara ao não cumprimento definitivo em consequência da mora – art.º 808º, n.º 1, do Código Civil.
A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art.º 808º-2 (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pp. 20, nota 3; Galvão Telles, “Obrigações”, 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).
Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes – o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal – interpelação admonitória (cfr. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 532 e ss.). De notar que uma tal interpretação pressupõe ainda a manutenção do interesse no cumprimento.
Às restantes situações aludidas não se refere expressamente a lei.
Apesar desse vazio legal, ninguém põe em dúvida a equiparação da segunda situação à inexecução da prestação dentro de prazo razoável, sendo que essa causa “tem de ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca de repudiar o contrato. Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido”, tanto mais que, perante um tal posicionamento do devedor, qualquer interpelação cominatória seria um acto inútil e destituído de justificação (Galvão Telles, ob. cit., 189; Antunes Varela, cit., I, 6ª ed., 91; Brandão Proença, ob. cit. 90; Acórdãos STJ, 26/01/99, CJ VII- Tomo I, p. 61 e de 06/02/07, proc. 07A749).
Quanto à primeira, há-de estar-se perante as chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto – “negócios fixos absolutos” ou de “prazo fatal” – em que o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, por oposição às de prazo fixo relativo, simples ou usual em que o decurso do prazo poderá fundamentar o direito à resolução quando concorram os requisitos gerais (artigos 808º, 801 e 802º do CC).

Revertendo ao caso concreto e tendo presente o clausulado do CPCV celebrado e a factualidade adquirida nos presentes autos haverá que ponderar o seguinte:
- o prazo que foi estabelecido pelas partes para a outorga da escritura de compra e venda não era um prazo sério e peremptório cujo decurso legitimasse os Réus a emitir, de forma automática e imediata, a declaração de resolução, ao abrigo do art.º 432º, nº 1, do Código Civil;
- ao não realizar o reforço do sinal até 18 de Julho de 2019 e ao não marcar a escritura de compra e venda que deveria ter lugar até 31 de Julho de 2019, a Autora incumpriu o clausulado no CPCV;
- todavia, tal incumprimento não tem carácter definitivo, uma vez que as condutas posteriores da Autora e dos Réus, apreciadas objectivamente, indiciam que ambas as partes mantiveram interesse na realização do negócio até à propositura do presente acção, em 21-10-2019;
- não desencadeando, por isso, o efeito resolutivo previsto no artigo 432.º, n.º 1, do Cód. Civil, não obstante a lei impor que a Autora actuasse com um elevado grau de diligência quanto ao seu cumprimento, dentro das regras da boa-fé (artigo 762º, n.º 2, do Cód. Civil);
- o incumprimento definito do CPCV por parte da Autora ocorreu com a “interpelação” feita aos Réus através da propositura da presente acção com vista à resolução do CPCV, por suposta verificação da condição resolutiva, e à restituição, pelos promitentes vendedores, em singelo, das quantias que lhes foram entregues pela Autora a título de sinal;
- neste sentido aponta igualmente a conduta da Autora de assumir que a comunicação escrita de resolução do CPCV e a concomitante interpelação dos Réus para restituição, em singelo, do sinal prestado, que a estes foi endereçada em 26-07-2019, por AB e RB, o foi em representação e no interesse da Autora;
- a referida conduta da Autora, apreciada objectivamente, corresponde a uma declaração absoluta, inequívoca e categórica de repudiar o CPCV, não subsistindo quaisquer dúvidas sobre a vontade da promitente-compradora de não outorgar a escritura de comporá e venda (contrato prometido);
- perante tal posicionamento da devedora, qualquer interpelação cominatória por banda dos Réus (promitentes vendedores) seria um acto inútil e destituído de justificação.
Em suma, entendemos que a extinção do vínculo contratual e consequente resolução do CPCV de seu por culpa exclusiva da Autora, culpa que, aliás, se presume, nos termos do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Cód. Civil.
Destarte, sendo o incumprimento do CPCV à parte que constitui o sinal, no caso a Autora e promitente compradora, têm os Réus o direito a fazerem suas as quantias que lhes foram entregues a esse título (art.º 442.º, n.º 2, 1.ª parte, do Cód. Civil)
Procede, portanto, o recurso neste segmento, devendo a sentença recorrida ser revogada na parte em que julgou procedente a acção e condenou os Réus a restituírem à Autora a quantia de 30.000,00€ acrescida de juros e substituída por decisão que julgue improcede, por não provada a acção, e absolva os Réus dos pedidos.
*
b.3) Terceira questão:
Impetram, por fim, os Recorrentes que seja julgada procedente a reconvenção e a Autora e Recorrida condenada no pagamento à 1.ª Ré da quantia de 35.080,00€, a título de danos patrimoniais e aos 2.º e 3.ª Réus da quantia de 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais alegadamente sofridos.
A Primeira Instância julgou a reconvenção improcedente, por não provada, e absolveu a Autora dos pedidos reconvencionais, por considerar que não se provaram os fundamentos da responsabilidade civil baseada em incumprimento contratual que os Réus imputaram à reconvinda.
Concordamos com a solução dada ao caso, uma vez que os pedidos reconvencionais não podem proceder, sequer são admissíveis em termos substanciais, mas não sufragamos os respectivos fundamentos.
Com efeito, estando em causa um contrato-promessa de compra e venda com sinal passado e na ausência de estipulação em contrário, à faculdade de retenção do sinal prestado que assiste aos Réus (promitentes vendedores) não devem acrescer as indemnizações pedidas em sede de reconvenção. Sendo o incumprimento imputável em exclusivo à parte que o prestou, a indemnização é ela própria a perda do sinal (artigo 442.º, n.º 2, 1.ª parte e n.º 4, do Cód. Civil).
O art.º 442.º, n.º 2, do Cód. Civil, tem carácter de norma geral, sendo aplicável a todos os negócios em que haja sinal passado e em que a lei substitui a indemnização dos danos específicos, em cada caso verificados, pela penalização que aí se prevê.
Uma vez extinto o CPCV, a Autora, na ausência de estipulação em contrário, como sucede nos autos, tem de se sujeitar ao «quantum respondeatur» (também uma das funções do montante pré-determinado do sinal prestado) cujo incumprimento só ela gerou - perdendo o sinal, independentemente do montante ou até da existência de dano efectivo.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26-05-204, proferido no proc. n.º 701/04-1, disponível em www.dgsi.pt., “O sinal, na economia do contrato promessa de compra e venda, tem a natureza penitencial, e como tal, traduz-se na tutela do direito ao arrependimento, por qualquer dos intervenientes. O que quer dizer que os contraentes, com a entrega do sinal, reservam o direito de não cumprir o contrato prometido, podendo desistir a qualquer momento.
Só reflexamente se apresenta com efeitos compulsórios, na medida em que a desistência tem, como consequência, a perda do sinal ou a entrega do mesmo, acrescido de igual quantia, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do C.Civil. E isto impulsiona, de alguma forma, ao cumprimento do contrato, e traduz-se no preço do direito de desistir, de se arrepender.”
Termos em que improcede o recurso nesta parte, sendo de manter a sentença recorrida neste segmento, embora com diferente fundamentação.
IV - Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação e em consequência:
 a) revogam a sentença recorrida, de 03-06-2002, com a ref.ª 412783355, na parte em que julgou procedente a acção e condenou os Réus a restituírem à Autora a quantia de 30.000,00€ acrescida de juros, decisão que substituem por este acórdão que julga improcedente, por não provada, a acção e absolve os Réus dos pedidos;
b) mantêm a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedentes os pedidos reconvencionais e deles absolveu a Autora, embora com diferente fundamentação.
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As custas do recurso serão suportadas por Autora/Recorrida e Réus/Recorrentes na proporção do respectivo decaimento - artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.ºs 4 e 8, do RCP.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 24 de Novembro de 2022
Manuel Rodrigues
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques
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[1] Cf. Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, p. 109
[2] A cessação do contrato está relacionada com situações supervenientes ocorridas após a respectiva celebração e pressupõe sempre um negócio jurídico válido e eficaz. A par das causas supervenientes referidas (resolução, revogação, denúncia ou caducidade), os efeitos do contrato também não se produzem, se o mesmo, em razão da invalidade (causa originária), for declarado inexistente, nulo ou anulado.