Para além da certificação de poderes, terão necessariamente de vir descritos na procuração elementos identificativos das pessoas que a outorgam, porque só dessa forma é possível sindicar da sua legalidade.
Sendo as sociedades representadas pelos seus representantes legais, a procuração terá sempre de ser outorgada por tais representantes, tendo de constar a identificação dos mesmos.
Não sendo possível identificar qualquer pessoa que, como mandante, tenha intervindo na procuração (apesar dos diversos prazos concedidos para o efeito) entende-se que a procuração não é válida, impossibilitando a identificação de quem a outorgou, o que afeta o substabelecimento ocorrido por força de uma procuração inválida, que estará, igualmente, ferido de invalidade.
No Juízo de Competência Genérica de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de…, corre termos o processo de Recurso (Contraordenação) n.º 516/21.5T8SSB, tendo aí sido, em 23.02.2022, proferido despacho judicial com o seguinte dispositivo:
“Uma vez que a sociedade arguida e o I. advogado foram regularmente notificados para juntar aos autos procuração forense e não o fizeram no prazo concedido para o efeito, tendo sido expressamente advertidos da cominação aplicável em caso de incumprimento do ordenado, declaro sem efeito o recurso de impugnação apresentado.”
Inconformada, AA, Lda interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“A. O Decreto-lei n.º 267/92, de 28 de Novembro de 1992, dispõe no n.º 1 do seu artigo único que, “..As procurações passadas a advogado para a prática de atos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto."
B. Estabelece o referido diploma que na outorga de procuração a mandatário judicial, é o advogado a quem é conferido o mandato que atesta a veracidade do mesmo e a extensão do poderes que lhe são conferidos.
C. O modelo jurídico anteriormente existente, no qual havia a necessidade da assinatura do mandante, bem como a qualidade em que o fazia, ser atestada por notário, foi completamente abandonado.
D. O advogado ao aceitar determinado mandato deve comprovar os poderes do mandante e demais elementos identificativos do mesmo.
E. Não é exigido que o resultado do controlo dos poderes do mandate conste de documento, ou seja, da procuração forense propriamente dita.
F. A verificação prévia dos poderes do mandante da reclamante, qualidade, profissão, número de bilhete de identidade e residência, e tal como é exigível, foi efetuada pela primitiva advogada, mandatária, no momento da concessão de poderes de representação, assinatura da procuração.
G. A procuração forense junta aos autos não padece, assim, de qualquer irregularidade.
H. O douto despacho viola o n.º 1 do seu artigo único do Decreto-lei n.º 267/92, de 28 de Novembro de 1992, artigos s 43º e 440º do CPC, 373º e 374º do Código Civil e artº 90º nº 2 alínea c) do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Termos que se dando provimento ao presente recurso deve o Douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, considerando a procuração forense regular, deferindo o requerimento ordene o normal prosseguimento dos autos.”
O recurso foi admitido.
Em resposta, o MP concluiu:
“1. A presente resposta é atinente ao recurso interposto pela arguida/recorrente AA, Lda., que impugna a decisão administrativa proferida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de …, que a condenou na coima no valor de 750.000,00€, pela prática de uma contra-ordenação prevista no Artº. 67º, nº.1, d)-, DL 178/06 de 5 de Setembro.
2. Cuja impugnação não foi aceite pelo Tribunal a quo, em virtude de a impugnante não ter qualquer legitimidade para tal.
3. E não tinha qualquer legitimidade, porque da procuração que lhe foi outorgada, não constavam os dados identificativos referentes à pessoa que outorgou a referida procuração.
4. Sendo certo que as sociedades comerciais são representadas pelos seus representantes legais, os dados referentes à identificação dessas pessoas terão de constar na procuração.
5. O que não ocorreu in casu, sendo completamente impossível perceber qual a identificação da pessoa que outorgou a referida procuração.
6. Assim sendo, e sendo tal procuração inválida, então, qualquer substabelecimento que tenha origem em tal procuração, terá de se considerar, também, inválido.
7. Pelo exposto, não assiste razão ao recorrente, pelo que, deverá o recurso a que agora se responde improceder e manter-se a decisão proferida nos seus exactos termos.”
O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.
Procedeu-se a exame preliminar.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1).
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa (transcrição):
“Em 26.11.2021, foi constatado que a procuração forense junta aos autos (fls. 254) não contém a identificação do legal representante da sociedade arguida, pelo que foi requerido e concedido o prazo de cinco dias ao I. advogado presente em audiência para juntar procuração forense com os elementos em falta (cfr. ata de 26.11.2021).
Volvido o prazo supra referido, não foi junto qualquer documento.
Por despacho de 13.12.2021, foi determinada a notificação da arguida e do I advogado para, no prazo de 3 (três) dias, juntarem aos autos procuração forense com os elementos de identificação do representante legal da sociedade recorrente, com a cominação de que, caso não fosse feita a junção, ficaria sem efeito a defesa apresentada.
Em 20.12.2021, o I. advogado apresentou um requerimento, através do qual indicou que o gerente da sociedade não se encontraria em território nacional, pelo que requereu a prorrogação do prazo concedido por quinze dias.
Por despacho de 05.01.2022, foi determinada a notificação do I. advogado subscritor do requerimento supra referido para juntar prova do alegado, no prazo de 5 dias.
Em 06.01.2022, foi apresentado requerimento, não tendo sido junto qualquer documento que comprovasse a impossibilidade de juntar aos autos procuração forense.
Nessa sequência, foi proferido despacho em 07.01.2022, cujos fundamentos aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Determina o artigo 43.º do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto no artigo 41.º do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, e artigo 4.º do Código de Processo Penal) que: “O mandato judicial pode ser conferido: a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.”
Nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código do Notariado, “1 - O instrumento notarial deve conter: (…) c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas coletivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa coletiva;”.
No caso concreto, a procuração forense junta aos autos apenas contém a denominação da sociedade arguida, o respetivo número de identificação e a sede, sendo absolutamente omissa no que concerne aos elementos de identificação de quem a terá outorgado (do representante legal).”
2 - Fundamentação.
A. Delimitação do objecto do recurso.
A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
A questão a decidir no presente recurso é a da validade da procuração forense e seus reflexos processuais.
B. Decidindo.
Como certeiramente vem expresso na resposta do MP em 1.ª instância ao recurso, apesar de não vir expressamente descrito nas conclusões do recurso, da sua motivação retira-se que, tratando-se de substabelecimento, não teriam de vir indicados quaisquer tipos de dados identificativos, porque tal situação já havia ocorrido aquando da outorga da procuração original, estando assim em causa o facto de a mandatária que impugnou a decisão da autoridade administrativa poder ou não ter legitimidade, decorrente de não lhe ter sido outorgada procuração forense nos termos legais.
Segundo o art.º 43.º do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto no art.º 41.º do DL n.º 433/82, de 27.10 e art.º 4.º do CPP “[o] mandato judicial pode ser conferido: a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.”.
Por sua vez, segundo o art.º 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Notariado, (1) o instrumento notarial deve conter: (…) c) o nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas coletivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa coletiva”.
A procuração é, assim, um negócio unilateral que transfere para outrem a prática de determinados actos jurídicos, nos exactos termos recortados art.º 262.º do Código Civil, onde se refere (1) diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos. Vem a recorrente invocar o artigo único do DL 267/92, de 28.11, segundo o qual as procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.
Salvo o devido respeito, a recorrente confunde o binómio requisito negativo introduzido pelo mencionado diploma quanto às procurações forenses, que com a mencionada norma deixaram de necessitar de intervenção notarial + o requisito positivo também ali expresso, ou seja, com os poderes certificativos do mandatário judicial quanto à existência dos necessários poderes do ou dos mandantes para o acto, com a forma que deve revestir o acto e que tem outras funções para além das necessidades de fidedignidade da intervenção do notário ou do advogado, que exorbitam claramente das motivações que moveram o legislador do DL 267/92.
Melhor dizendo, não se coloca em causa a certificação dos poderes efectuada pela Senhora Advogada aquando da outorga da procuração, mas já está em causa, não essa certificação em si, mas a identificação do(s) alegado(s) mandante(s) detentor(es) do poder (ou poderes) para o acto e daí as exigências de forma a que as normas acima mencionadas aludem quanto a tal identificação. Com efeito, se forem (como foram) desconsideradas tais exigências de forma, sabemos que a aludida certificação de poderes terá sido efectuada por aquela Senhora Advogada, mas não quem foi o mandante ou mandantes, requisito de segurança absolutamente necessário para se averiguar não só da regularidade do mandado, mas até da sua própria existência.
Assim, para além da mencionada certificação, terão necessariamente de vir descritos na procuração elementos identificativos das pessoas que as outorgam, porque só dessa forma é possível sindicar da sua legalidade.
Como também nos diz a resposta do MP ao recurso, “na procuração aqui em causa consta o seguinte texto: “AA, Lda, SA, NIF … com sede em lugar do …, …, constitui seu bastante procurador a Dra. BB, Advogada, com escritório na …, …, a quem confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, bem como os poderes especiais de confessar, transigir e desistir. …, … de 2018”. Após este texto que acabámos de transcrever, está aposta uma rubrica, a qual é absolutamente ininteligível. As sociedades são representadas pelos seus representantes legais, pelo que, a procuração terá sempre, de ser outorgada por tais representantes, sendo certo que, nos termos da legislação citada supra, terá de constar a identificação desses legais representantes. Ora, analisando o texto da procuração que também já se transcreveu, verifica-se que não consta qualquer desses dados, constando, apenas, o nome da sociedade, bem como, o seu NIF.”
Não sendo possível identificar qualquer pessoa que, como mandante, tenha intervindo naquela procuração (apesar dos diversos prazos concedidos para o efeito) entende-se que procuração não é válida, impossibilitando a identificação de quem a outorgou, o que afecta o substabelecimento ocorrido por força de uma procuração inválida, que estará, igualmente, ferido de invalidade.
O recurso é, assim, improcedente.
3 - Dispositivo.
Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)
(Processado em computador e revisto pelo relator)
1 Diploma a que pertencerão todas as referências normativas ulteriores, sem indicação diversa.