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CONTRA-ORDENAÇÃO
NE BIS IN IDEM
Sumário
Tendo o arguido sido notificado do arquivamento do processo de contra-ordenação, não poderia a autoridade administrativa instaurar posteriormente novo processo, com base no mesmo auto de notícia, por tal violar o disposto no artigo 29º, 5 da CRP.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
O Banco X.........., foi autuado pela Inspecção Geral do Trabalho, por no dia 8.4.03, pelas 18.25 horas, esta entidade ter verificado que no estabelecimento do arguido em ....., o mesmo mantinha ao seu serviço duas trabalhadoras para além do termo do período normal de trabalho diário, sem que tal trabalho se encontrasse registado, assim lhe imputando a prática de uma contra ordenação muito grave prevista no art. 10 nº1 do DL 421/83 de 2.12 e punida pelo art. 11 nº1 do mesmo diploma legal, na redacção dada pelo art. 14 da Lei 118/99 de 11.8.
Por decisão final, proferida no processo de contra ordenação que correu termos na Delegação do IDICT de S. João da Madeira, foi aplicado ao arguido a coima de € 1.780,00.
O arguido impugnou judicialmente a decisão e o Mmo. Juiz do Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, por despacho, proferiu sentença a julgar o recurso procedente e a revogar a decisão administrativa que aplicou a coima ao arguido.
O M.P. junto do Tribunal a quo, inconformado, veio recorrer, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que condene o arguido, e para tal formula as seguintes conclusões:
1. O princípio non bis in idem implica que um arguido não pode ser julgado duas vezes pela prática da mesma infracção.
2. Resulta dos autos que o arguido não foi julgado duas vezes pela prática da infracção denunciada, e por isso não pode ser-lhe aplicado aquele princípio.
3. Violou a sentença o disposto no art. 29 da CRP e nos arts. 204 nº1, 663 nº2 e 620 nº3 al. e) do CT.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido de o recurso ser rejeitado.
Admitido o recurso e colhidos os vistos cumpre decidir.
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II
Factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
1. No âmbito do processo contra ordenacional nº 21... movido contra o arguido, na sequência da resposta escrita deste, insurgindo-se contra o facto de lhe ter sido aplicada a moldura da reincidência sem que do auto de notícia constassem quaisquer factos para o efeito, decidiu-se pelo arquivamento dos autos por tais motivos, ou seja porque do auto de notícia não constavam factos que permitissem concluir que ao caso era aplicável a moldura da coima da reincidência, já que o Sr. Delegado do IDICT ordenou que:«extraia-se fotocópia do auto de notícia e seja presente à Inspectora autuante a fim de com base nesta elaborar novo auto de notícia do qual conste a situação de reincidência, a moldura da reincidência, a natureza da infracção pela qual a arguida foi anteriormente condenada, a data da sua prática e a data da decisão condenatória transitada em julgado e correspondente abertura de novo processo contra ordenacional».
2. Na decorrência de tal decisão foi a arguida notificada, sem mais, do seguinte: «Em referência ao processo supra identificado, notifica-se V. Exa. de que por despacho do Exmo. Delegado de 2003-09-09, foi o mesmo mandado arquivar».
3. Posteriormente e com base na mesma visita inspectiva e na mesma factualidade foi instaurado novo procedimento contra ordenacional contra o aqui arguido, ainda em obediência ao transcrito despacho.
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III
Questão a apreciar.
Se no caso dos autos não se verifica a ofensa do princípio «non bis in idem».
Defende o recorrente que não tendo a autoridade administrativa se pronunciado sobre o mérito da causa na contra ordenação com o nº 21..., no sentido de absolver ou condenar o arguido, e tendo sido ordenado a instauração de novo procedimento contra ordenacional sobre os mesmos factos - os presentes -, não se verifica a ofensa do aludido princípio, na medida em que este pressupõe o julgamento «repetido» pela prática da mesma infracção, o que não aconteceu na situação em apreço. Que dizer?
O processo de contra ordenação pode terminar com uma decisão condenatória ou com um despacho de arquivamento.
E se o processo termina por um despacho de arquivamento deve o mesmo ser notificado ao arguido para efeitos do disposto no art. 55 nºs.1 e 2 do DL 433/82 de 27.10 ex vi art. 46 nº1 do mesmo diploma legal.
No caso dos autos o arguido foi notificado do arquivamento do processo de contra ordenação com o nº 21..., sem que essa notificação se fizesse acompanhar das razões do arquivamento (e na verdade não se tratava propriamente de um arquivamento, como resulta da matéria de facto assente).
Ora, face ao teor de tal notificação - que o processo de contra ordenação tinha simplesmente sido arquivado, sem menção das razões ou dos fundamentos para o arquivamento -, não poderia a autoridade administrativa, posteriormente, instaurar novo processo com base no mesmo auto de notícia e também com base nos mesmos factos, por tal violar o disposto no art. 29 nº5 da CRP, com referência ao art. 41 nº1 do DL 433/82 de 27.10.
E no caso não colhe a argumentação do recorrente ao defender que o arguido nunca foi julgado pela contra ordenação. Com efeito, o despacho de arquivamento notificado ao arguido tem as mesmas consequências de qualquer despacho de arquivamento proferido em processo penal, qual seja, a impossibilidade de instauração de novo procedimento contra ordenacional com base nos mesmos factos.
Por isso, não merece a sentença recorrida qualquer reparo ao ter decidido nos termos em que decidiu.
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Termos em que se decide em conferência em rejeitar o recurso.
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Sem custas por delas estar isento o recorrente.
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Porto, 6 de Junho de 2005
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais