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SANEADOR
DECISÃO DE MÉRITO
RECURSO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
RETRIBUIÇÃO-BASE
Sumário
I - Verificando-se que o Tribunal a quo proferiu uma decisão de mérito quanto aos efeitos da confissão expressa pela Ré no seu articulado, dos quais exclui o chamado, por ter concluído que o mesmo não está abrangido por aquela, ponderada a argumentação deste, que desatendeu, a mesma enquadra-se na previsão da alínea b), do n.º 1 do art.º 79.º A, pelo que dela discordando deveria aquele ter interposto recurso de apelação autónomo, no prazo legal de 15 dias. II - O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. III - Uma conclusão pode extrair-se, desde logo, do n.º2, do art.º 258.º do CT, qual seja a que nem todas as prestações regulares e periódicas integram a “retribuição base”. IV - A conjugação do n.º2, do art.º 258.º com o n.º2, do art.º 262.º, aponta no sentido de dever entender-se que a retribuição base “tem um carácter certo (definido em função do tempo)”, tal qual a noção depois dada naquele segundo preceito, ou seja, “[..] a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho”.
Texto Integral
APELAÇÃO n.º 4548/20.2T8MAI.P1
SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do trabalho da Maia, AA e BB, intentaram a presente acção declarativa comum, com processo especial, de impugnação de despedimento coletivo contra X... Company, com sede na Irlanda, ..., a qual veio a ser distribuída ao Juiz 1.
Em cumprimento do disposto no artigo 156.º, n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, foi admitido o chamamento a estes autos de todos os trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, num total de 21, dos quais três não intervieram nos autos.
Findos os articulados, foi proferido o despacho saneador em 04/10/2021, no qual se decidiu realizar audiência final separadamente para cada trabalhador nos termos do artigo 161.º do Código de Processo do Trabalho.
Nesta sequência, quer os Autores quer 18 Chamados (com exceção do Chamado CC) transacionaram sobre o objeto do processo, cujos contratos de transação judicial foram celebrados individualmente por cada trabalhador com a Ré, já homologados por sentença.
O litígio persistiu apenas em relação ao chamado CC. I.2 O chamado CC, apresentou a respetiva petição inicial em 30/04/2021 contra a Ré X... Company, pedindo o seguinte:
i) A declaração da ilicitude do despedimento coletivo promovido pela Ré;
ii) A declaração da remuneração média mensal do Chamado ascendeu a €1867,50 no ano de 2011; €1.488,84 no ano de 2012; €1.665,77 no ano de 2013; €1.879,97 no ano de 2014; €2.032,56 no ano de 2015; €2.067,54 no ano de €2016; €1.100,45 no ano de €2017; €1.950,89 no ano de 2018; €2.221,29 no ano de 2019 e €2.052,78 no ano de 2020;
iii) A condenação da Ré a pagar ao Chamado a indemnização decorrente da ilicitude do despedimento promovido no valor de €19.257,40 (€26.943,54 - €7.686,34 já pagos), acrescida dos juros até efetivo pagamento;
iv) A condenação da Ré a pagar as retribuições que o Chamado deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento;
v) A condenação da Ré a pagar ao Chamado o valor líquido de €45.095,68 a título de subsídios de férias e de natal vencidos e não pagos, acrescido dos juros vencidos de €3.750,00 e dos vincendos até efetivo pagamento;
vi) A condenação da Ré a pagar ao Chamado a quantia de €3.199,60 como compensação pela formação em falta, acrescida dos juros até efetivo pagamento;
vii) A condenação da Ré a pagar ao Chamado a quantia de €34.337,36 a título de trabalho suplementar prestado no período compreendido entre agosto de 2015 a outubro de 2020, acrescida de juros até efetivo pagamento;
viii) A condenação da Ré a pagar ao Chamado o valor que se vier a apurar pelo trabalho suplementar prestado no período compreendido entre maio de 2008 e agosto de 2015 e em novembro de 2020, cuja liquidação deverá ser remetida para execução de sentença.
ix) A condenação da Ré a pagar ao Chamado a quantia de €1.646,55 a título de férias não gozadas e não pagas, acrescida da compensação prevista no n.º 1 do artigo 246.º do Código do Trabalho e dos juros até efetivo pagamento.
x) A condenação da Ré a pagar ao Chamado a indemnização por danos morais sofridos no valor de €5.000,00;
xi) Subsidiariamente, a condenação da Ré a pagar ao Chamado a compensação resultante do despedimento coletivo, nos termos do artigo 366.º do Código do Trabalho e do regime transitório previsto no artigo 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, considerando-se a sua retribuição média mensal de 2020 e o ano de 2008 como o da sua admissão;
xii) A condenação da Ré a pagar ao Chamado os valores peticionados em v), vi), vii), viii) e ix).
Para sustentar os pedidos, alega, no essencial, que foi admitido pela Ré ao seu serviço em 25/04/2008 através da empresa C..., por esta razão, a sua antiguidade remonta a 2008.
Refere, que por também a si ser aplicável, subscreve, alega e reafirma o que, a este título, é alegado na petição, nomeadamente, no que se refere ao recebimento da decisão do despedimento, bem assim o que, também a este título, consta do articulado apresentado pelos chamados DD e outros; e, pela mesma razão, alega e reafirma o que sobre a ilicitude do despedimento coletivo é referido no articulado dos chamados EE. Defende que, conforme resulta da petição e dos articulados dos chamados DD e outros e dos chamados EE e outros que o despedimento coletivo promovido pela R. é ilícito, porquanto tem por base fundamentos falsos, viola o procedimento aplicável a tal despedimento, não ter a comunicação final de despedimento indicado os motivos que, com base nos critérios por ele previamente definidos, o levaram a despedir cada um dos trabalhadores e se basear em motivos ideológicos.
Mais alega que a R. não colocou à sua disposição a totalidade da compensação devida pelo despedimento coletivo calculada nos termos do art.º 366.º do CT, por não ter considerado toda a sua antiguidade e no cálculo não considerado os valores que, com regularidade, foram pagos mensalmente ao chamado e que constam dos recibos do ano de 2020, sendo que a média do seu salário é de €2.072,58, logo, a compensação que lhe é devida pelo despedimento coletivo é de € 26.943,54.
Como a Ré apenas entregou a quantia de €7.686,34, não se verifica a presunção de aceitação do despedimento pelo facto de não a ter devolvidoà Ré.
Acresce que sofreu danos não patrimoniais por causa do despedimento.
A Ré contestou, alegando que não existe fundamento legal para o cálculo da compensação pelo despedimento coletivo com base na média do salário auferido, mas tão só da remuneração base e diuturnidades.
Acresce que nunca aceitou ou reconheceu que o Chamado tivesse sido admitido ao seu serviço em 25 de abril de 2008, apenas lhe foi cedido através de um contrato de trabalho temporário que o aquele celebrou com a C.... Como o Chamado nada alega ou pede quanto a este contrato, necessariamente que se conclui pela sua antiguidade desde Março de 2010, data em que celebrou um contrato de trabalho com a Ré.
Invoca a exceção perentória de aceitação do despedimento atento o recebimento da compensação que não foi devolvida.
Defende, ainda, que os factos alegados para fundamentar a indemnização por danos não patrimoniais não se mostram suficientes para o efeito.
Termina pugnando pela improcedência da acção; e, subsidiariamente pela aplicação da norma estatuída no artigo 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho. I.3 Em 18-06-2021, a Ré veio aos autos apresentar requerimento, onde consta, no que aqui releva, o seguinte:
-«[..]
6. [..] e exclusivamente no âmbito destes autos, vem a R., ao abrigo do artigo 283.o n.o 1 do CPC, confessar o pedido de ilicitude do despedimento quanto aos AA. AA, BB, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, DD, OO, PP, QQ, RR, SS, EE, TT, UU com o intuito de reassumir o vínculo laboral. 7. Para que dúvidas não subsistam, a R. não inclui na confissão o pedido quanto à ilicitude formulado pelo Chamado CC que aceitou o despedimento e recebeu e conservou a compensação paga por esse mesmo despedimento e demais créditos finais. 8. Em face desta confissão processual cingida ao pedido de ilicitude do despedimento, deve o Tribunal homologar a confissão, solicitando a opção pela reintegração ou indemnização aos AA. 9. Por fim, e tratando-se esta de uma ação especial de impugnação do despedimento coletivo, deve a R. ser absolvida da instância quanto a todos os demais pedidos das AA. por não lhes ser aplicável esta forma especial do processo. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, e com as demais consequências que a confissão parcial do pedido determinem, deve a presente confissão ser homologada nos seus termos. I.4 No despacho saneador, no que aqui releva, sob o título “DECISÃO A QUE ALUDE O ARTIGO 160.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO”, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
- «Por articulado datado de 18/06/2021, a Ré declara que confessa o pedido da ilicitude do despedimento coletivo quanto aos Autores (AA e BB) e, quanto aos Chamados: FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, DD, OO, PP, QQ, RR, SS, EE, TT, UU e, acrescenta para que dúvidas não subsistam não inclui na confissão o pedido quanto à ilicitude formulado pelo Chamado CC que aceitou o despedimento, recebeu e conservou a compensação paga por esse mesmo despedimento e demais créditos finais. Pede a final a homologação da confissão do pedido nos termos do artigo 283.o, n.o 1 do Código de Processo Civil. [..] A outra questão a resolver é a colocada pelo Chamado CC no articulado datado de 30/06/2021, que a Ré expressamente excluiu da confissão do pedido de ilicitude do despedimento. [..] Já a questão colocada pelo Chamado CC é diversa (ignorando a alegada confissão dos factos nos termos supra explicados, pois não é disto que se trata) é a da confissão parcial do pedido de declaração de ilicitude do despedimento. Diz este Chamado que se a Ré confessa a ilicitude do despedimento coletivo, tal confissão também tem de o abranger (este Chamado interveio no processo e formulou pedidos) pois se se trata de um despedimento coletivo, se se confessa que é ilícito para uns também tem de ser considerado ilícito para os restantes (repete-se, desde que o tenham pedido). Nesta matéria, de forma absolutamente precisa, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 09/05/2012, com o n.º de processo 179/09.6TTTCD.L1-4, relatado pela Veneranda Juíza Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrl que “I - Com a confissão do pedido, o réu pratica um ato de disposição da situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido, abstraindo da real existência e conteúdo anterior da situação”. Vejamos. Os Autores formulam um pedido – declaração da ilicitude do despedimento. A Ré confessa o pedido, assim dispondo da situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido e, abstraindo (aliás como a própria Ré afirma) da real existência de uma ilicitude do despedimento. Conforme a Ré afirma: pode dispor da situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido de algum ou alguns dos Autores, abstraindo da real existência de ilicitude do despedimento coletivo e, não dispor da mesma situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido de outros Autores. E, aqui desde já antecipamos outra questão, é que a Ré confessa o pedido da declaração de ilicitude do despedimento e respetivas consequências: i) reintegração (cujo regime está previsto na lei) ou, ii) indemnização substitutiva da reintegração – todavia a Ré já não confessa o pedido de liquidação/quantificação desta indemnização, por exemplo a questão mais simples de confissão do pedido de €5.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores/Chamados e peticionados nestes autos.
*
Aqui chegados e, antes de se decidir esta questão, temos que: Relativamente aos Autores/Chamados que optaram pela reintegração: - impõe-se proferir sentença de homologação da confissão do pedido d reconhecimento da ilicitude do despedimento coletivo e, na consequente condenação da Ré n reintegração do trabalhador e condenação do pagamento desde e; prosseguindo os autos para apuramento do crédito indemnizatório a que alude o artigo 389.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho; Relativamente aos Autores/Chamados que optaram pela indemnização substitutiva; - impõe-se proferir sentença de homologação da confissão do pedido de reconhecimento da ilicitude do despedimento coletivo e, prosseguir com os autos para apuramento dos créditos indemnizatórios; Relativamente aos Chamados que nada pediram que não intervieram neste processo: - nada há a decidir; Só resta a questão do Chamado CC. Fazendo novo interregno, verifica-se que atento o exposto fica prejudicado o cumprimento do disposto no artigo 157.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho e, fica prejudicada a prolação de decisão nos termos do artigo 160.º, n.º 2 do Código do Trabalho “Sendo proferido despacho saneador, este destina-se também a decidir: a) Se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento coletivo; b) Se procedem os fundamentos invocados para o despedimento coletivo”. Sendo que esta decisão tem de ser tomada neste despacho saneador e, não pode ser relegada para momento posterior. Conforme se verifica da petição inicial apresentada pelo Chamado CC em 30/04/2021, este subscreve os motivos invocados em sede de petição inicial pelos Autores quanto à ilicitude do despedimento coletivo; bem assim, do articulado apresentado por EE e outros e; ainda do articulado apresentado por DD e outros, o que significa que necessariamente ter-se-ia de cumprir o disposto no citado artigo 157.º e seguintes. Sucede que resulta dos articulados das partes, que a Ré não confessa o pedido relativamente a este Chamado apenas porque defende que este aceitou o despedimento, o que de resto se presume. O Chamado CC repudia que assim seja. Concluindo: - o que está em causa é apurar e decidir se o Chamado CC aceitou ou não o despedimento; se aceitou o despedimento, mostra-se irrelevante apurar se o mesmo é ilícito ou não; mas se não aceitou o despedimento, então a Ré dispôs da situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido, abstraindo da real existência e conteúdo anterior da situação. Aqui chegados e interpretando a vontades das partes nomeadamente da Ré que não quererá o custo da assessoria técnica apenas para um dos trabalhadores, quanto ao Chamado CC, decide o Tribunal que a Ré reconhece a ilicitude do despedimento coletivo, todavia, se se apurar a aceitação do despedimento, este reconhecimento mostra-se inútil, pois o Chamado aceitou o despedimento. Caso seja decidido após audiência final que o Chamado CC não aceitou o despedimento, então é só fixar o montante indemnizatório que resultar dos factos controvertidos sujeitos a prova, tal como em relação aos restantes Chamados. Está convicto o Tribunal que esta interpretação da declaração de confissão da Ré se mostra de acordo com a intenção e vontade da Ré. [..] Finalmente e, atento o decidido quanto ao Autor/Chamado CC, os autos prosseguem para apuramento da aceitação do despedimento (caso seja decidido que não aceitou o despedimento), a ilicitude do despedimento está pressuposta atenta a interpretação da vontade da Ré, nos termos supra decididos». I.5 Posteriormente o Tribunal a quo procedeu à realização da audiência de discussão e julgamento e, subsequentemente proferiu sentença, onde conclui e decidiu nos termos seguintes:
- «(..) Nos termos e fundamentos exposto, decide o Tribunal julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência - absolve a Ré do pedido principal tal como supra delimitado e do pedido subsidiário. Valor da ação – €112,326,59 (indicado pelo Chamado e não impugnado pela Ré). Custas integralmente a cargo do Chamado nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil. Notifique e registe. [..]». I.6 Inconformado, o chamado CC apresentou recurso de apelação, pretendendo que o mesmo tenha também por objeto o Despacho Saneador, no que a si diz respeito. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
1- O recurso tem também como objeto a decisão proferida no Despacho Saneador, porquanto tal decisão não tem enquadramento na al. b) do n.º 1 ou no n.º 2 do art. 79.º-A do CPT.
2- A recorrida no seu requerimento de 18.06.2021 confessou o pedido de ilicitude do despedimento coletivo, tendo emitido declaração contrária aos seus interesses que faz prova plena dos factos aí constantes, (art. 376.º do CC).
3- Tal confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, (n.º 1 do art. 358.º do CC).
4- Tendo em consideração que todos aqueles trabalhadores foram alvo do mesmo procedimento de despedimento coletivo, não é possível confessar a sua ilicitude relativamente a uns em detrimento de outros.
5- O procedimento de despedimento coletivo ou é licito ou ilícito relativamente a todos os trabalhadores a quem se destinou, pelo que a entidade patronal ao confessar a ilicitude desse despedimento, confessa-a relativamente a todos aqueles que despediu.
6- O reconhecimento pela recorrida da ilicitude do despedimento que promoveu e que abrange todos os trabalhadores a ele sujeitos, afasta qualquer presunção da aceitação do despedimento por parte do recorrente.
7- A confissão do pedido é a prática de um acto de disposição da situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido, abstraindo da real existência e conteúdo anterior da situação.
8- O Despacho Saneador deveria pronunciar-se pela ilicitude do despedimento efetuado na pessoa do recorrente, ilicitude essa que a recorrida havia já confessado.
9- O recorrente também não está de acordo com o facto de a Douta Sentença recorrida fixar o valor de €1.247,89 como sendo a quantia para o cálculo da compensação devida pelo despedimento.
10- A terminologia usada pela apelada nos recibos, (basic, number one, gross sectors, inflight expenses e uni/med/id), não assume qualquer relevância para efeitos da qualificação jurídica que aqui cabe fazer.
11- O que é relevante é que foi definida uma estrutura remuneratória composta de várias parcelas mas que no seu cômputo se traduz na retribuição base mensal devida ao trabalhador pela disponibilidade da força de trabalho por si oferecida.
12- A lei permite que a composição ou a estrutura da retribuição possa ser definida por estipulações individuais, regulamento interno ou até uso da empresa, (n.º 1 do art. 258.º do CT).
13- Dos recibos juntos aos autos pelo apelante verifica-se que existem verbas pagas mensalmente que a recorrida designa como “number one”, “gross sectors”, “inflight expenses” e “uni/med/id”.
14- O pagamento das quantias mensais de €208,33, (number one), e €33,33, (uni/med/id) são refletidas desde 2018 em todos os recibos dos meses em que o recorrente presta o seu trabalho e decorrem intrinsecamente dessa prestação.
15- Estes valores mensais resultam da disponibilidade da força de trabalho do apelante e devem ser considerados como parte da sua remuneração base para cálculo da compensação.
16- O mesmo se diz relativamente às quantias pagas mensalmente a título de “gross sectors” e “inflight expenses” que constam de todos os recibos remuneratórios e que apesar de terem variações no seu montante, não poderão deixar de se considera também parte da remuneração base.
17- No cálculo da compensação deverá ser atendido o montante da remuneração base do recorrente que inclui as retribuições que resultam da disponibilidade da sua força de trabalho.
18- A recorrida não colocou à disposição do recorrente a totalidade da compensação prevista no art. 366.º do CT, porquanto efetuou o seu cálculo utilizando uma remuneração base de valor muito inferior àquela que este auferiu no ano de 2020.
19- Não tendo o apelante recebido a totalidade da compensação prevista no citado artigo por não ter sido colocada à sua disposição, também não se verifica a presunção da aceitação do despedimento que decorre do n.º 4 do art. 366.º do CT.
20- A retribuição base do recorrente ascendeu em 2020 ao valor mensal de €2.052,78 e, consequentemente, não foi colocada à sua disposição a totalidade da compensação devida pelo despedimento coletivo.
21- O valor correto e integral da compensação não foi pago no prazo previsto no n.º 5 do art. 363.º do CT.
22- O recorrente não está de acordo que não se considere provado o facto constantes de 1 da lista dos factos não provados.
23- A Mma. Juiz “a quo” valorizou o depoimento da testemunha VV, (trabalhadora da apelada), em detrimento da prova documental e dos depoimentos do recorrente e das testemunhas por si indicadas.
24- Ocorre uma manifesta contradição, pois se é verdade que duas trabalhadoras assinaram a adenda e foram alvo do despedimento coletivo, também é certo que todos os que se recusaram a fazê-lo foram a ele sujeitos.
25- A Mma. Juiz “a quo” por considerar provado o primeiro daqueles factos entendeu considerar como não provado o segundo, apesar da prova de ambos ser perfeitamente compatível.
26- A prova testemunhal também implica a inclusão na lista dos factos provados daquele que consta em 1 dos factos não provados.
27- A testemunha WW nas suas declarações, afirma em 06.46 a 07.18 da respetiva gravação: “Que eles chamaram de adenda … uma nova proposta … tinha a redução do vencimento e a renúncia dos créditos laborais até então, tudo o que tinha trabalhado para trás abdicava disso tudo. Decidiu não assinar.”
28- A mesma testemunha declarou como consta do registo de 07.24 a 7.32:
“Foi despedido. Mudaram-lhe o horário também entretanto.”
29- A testemunha XX perguntado sobre se conhecia a adenda refere no seu depoimento gravado de 06.48 a 07.32 “Sim, também tive essa proposta em que se quisesse continuar a trabalhar no Porto, ofereciam-me um lugar a trabalhar para a X... … com uma salário de €588,00 mensais… creio que isso foi para toda a gente.”
30- A testemunha arrolada pelo recorrente YY, a instâncias do mandatário deste e sobre se tinha aceitado a proposta constante da adenda, respondeu de 06.00 a 06.16 da gravação do seu depoimento: “Não por várias razões, primeiro porque me propuseram um salário inferior ao salário mínimo, o qual eu rejeitei e a alternativa seria transferirem-me de base, de país.”
31- O apelante no seu depoimento declara de 11.04 a 11.07 da respetiva gravação: “Era o que estava na adenda pelo menos só que eu não a assinei.”
32- A Mma. Juiz “a quo” julga como não provado o facto constante de 1 da respetiva lista com base na ausência de prova e num facto notório do conhecimento oficioso do Tribunal.
33- Tal facto notório apenas prova que existiram trabalhadores que, apesar de assinarem a adenda, foram objeto do procedimento de despedimento coletivo mas não que trabalhadores que se recusaram a assinar tal documento não tivessem sido a ele sujeitos.
34- A prova documental que constitui o doc. 17, (não impugnado), junto com o articulado do apelante, bem como o seu próprio texto, acompanhado da recusa na sua subscrição, do subsequente processo de despedimento coletivo e do depoimento das testemunhas, nunca deveria ser passível de se considerar o facto em causa como não provado.
35- A recorrida deve ser condenada a pagar ao apelante a indemnização e as retribuições previstas nos arts. 389.º, 390.º e 391.º, todos do Código do Trabalho, atendendo a que este não optou pela reintegração.
36- Se assim se não entender, deve a apelada ser condenada pagar a compensação resultante do despedimento coletivo, nos termos do artigo 366º do CT e do regime transitório previsto a art.º 5º da Lei n.º 69/2013, considerando-se a sua retribuição base média mensal de 2020.
37- A Douta Sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 358.º e 376.º, ambos do CC e 363.º, 366.º, 389.º, 390.º e 391.º, todos do CT.
Termos em que,
- Deve o Despacho Saneador ser revogado e substituído por outro que declare a ilicitude do despedimento promovido pela recorrida com as consequências legais.
- Caso assim não se entenda, deve a Douta Sentença ser substituída por outra que declare tal ilicitude com as consequências legais.
- Mesmo que assim se não entenda, deve a recorrida ser condenada a pagar ao apelante a compensação resultante do despedimento tendo em consideração a sua remuneração base de €2.058,72, I.7 Pela recorrida foram apresentadas contra-alegações, nas quais, para além do mais, opõe-se à admissibilidade do conhecimento do recurso sobre o despacho saneador. Conjuntamente, apresentou recurso subordinado, para o caso de se entender que não liquidou a integralidade dos montantes da compensação devida ao Chamado. As alegações deste foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. A douta sentença refere que:
“Termina-se esta análise da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, reafirmando-se o que inicialmente se decidiu, a presunção estatuída no artigo 366.º n.º 4 do Código de Processo
do Trabalho funcionou porquanto a totalidade da compensação prevista neste artigo 366.º foi entregue ao Chamado.”
2. A Recorrente não se pode conformar com o entendimento de que a presunção do artigo 366.º n.º 4 do CT não se aplicaria caso se tivesse apurado que a Recorrente não colocou à disposição do Chamado a totalidade da compensação prevista no mesmo artigo da lei.
3. Ou seja, não se pode concordar que o A. não tivesse a obrigação de devolver a compensação como condição de impugnação do despedimento, caso se apurasse que não lhe foi disponibilizada a totalidade da compensação devida pelo despedimento.
4. Não existe qualquer contexto factual que suporte, ou dê fundamento, à decisão de não devolução da compensação por parte do A. (ao contrário do que sucede no caso da jurisprudência de que o mesmo faz apelo para tentar motivar a sua ação).
5. Na verdade, como ilustrado na sentença recorrida, o procedimento de despedimento coletivo percorre várias etapas pelo que o trabalhador, de boa-fé, empenhado e diligente, à data do despedimento já conhece os seus direitos e deveres legais. Daí que, na data do despedimento, o A. já sabia ou devia saber que a impugnação do despedimento era condição da impugnação do despedimento.
6. Ora, conforme resulta da sentença recorrida, o A. não ofereceu qualquer explicação para não devolver a compensação, que não seja o facto de essa devolução não lhe ter sido solicitada pela Recorrente e de a entender como aquém da devida.
7. Ao contrário do que sugere o A., a lei não faz depender a elisão da presunção de aceitação de uma análise posterior sobre a correção jurídica do cálculo do valor a pagar como compensação, o que seria perfeitamente tautológico.
8. Ou seja, na interpretação irrestrita do A., o tribunal não deveria avaliar se o despedimento fora aceite ou não, mas antes deveria avaliar o próprio cumprimento de uma das condições de licitude do próprio despedimento.
9. Se assim fosse, não existiria motivo para que o trabalhador não pudesse também impugnar o despedimento com base noutras causas de ilicitude (tão válidas como a falta de pagamento da compensação) sem a necessidade de devolver a compensação, bastando que a final se viesse a comprovar qualquer das causas de ilicitude do despedimento. No entanto, esta não é a solução acolhida pelo legislador.
10. Por outro lado, no caso em apreço, a inclusão dos créditos reclamados pelo A. na base de cálculo da compensação, seria legitimamente litigiosa
11. A falta do pagamento de créditos litigiosos não sustenta a ilicitude do despedimento, pelo que não se poderá, por maioria de razão, fundar o afastamento da presunção de aceitação do despedimento.
12. Doutra forma, estar-se-ia a permitir que a eventual falta de pagamento de um qualquer crédito sobre o qual haja legítimo dissenso fosse “porta de abertura” para que o trabalhador fizesse sua a compensação e, ainda assim, impugnasse o despedimento.
13. Como ilustrativamente escreve Pedro Furtado Martins: “Esta condição de licitude do despedimento [pagamento de compensação e créditos] só exige a colocação à disposição do trabalhador do valor que o empregador legitimamente e de boa-fé tem razões para entender como devido. Como assinala Bernardo Xavier, só faz sentido condicionar a validade do despedimento ao prévio pagamento das quantias que foram «líquidas e não litigiosas», no que respeita quer à compensação de antiguidade quer aos demais créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato”.
14. Portanto, é lógico que a presunção opera quando o empregador coloca de boa-fé, na disponibilidade do trabalhador, a totalidade do valor de compensação que legitimamente entende por devido.
15. Neste caso, não podem subsistir dúvidas sobre a legitimidade e boa-fé do cálculo empreendido pela Recorrente, dado que o mesmo foi secundado pelo tribunal de primeira instância.
16. Assim, caso porventura se entenda, por qualquer motivo, que a Recorrente não liquidou a integralidade dos montantes da compensação devida ao Chamado, dever-se-á atentar no presente recurso subordinado, declarando o mesmo procedente.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão:
a) deverá o presente recurso de apelação interposto pelos Recorrentes ser julgado totalmente improcedente, e, em consequência, deverá manter-se a Sentença Recorrida.
Subsidiariamente,
b) deverá o Tribunal ad quem conhecer do recurso subordinado, julgando-o procedente e absolvendo a Recorrida dos pedidos contra si formulados pelo A. CC. I.8 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência dos recursos, Independentemente da questão da tempestividade do recurso em reação ao despacho saneador. I.8.1 Respondeu o recorrente, dizendo que o parecer limita-se acompanhar as contra-alegações, pelo que reitera o entendimento sobre as questões objecto do recurso, nos termos explanados nas suas alegações. I.9 Foram colhidos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência. I.10 Questão prévia: admissibilidade do recurso sobre o despacho saneador
Como se retira das conclusões, o recorrente este pretende que o presente recurso tenha também como objecto a decisão proferida no Despacho Saneador, alegando que o mesmo é admissível, “porquanto tal decisão não tem enquadramento na al. b) do n.º 1 ou no n.º 2 do art. 79.º-A do CPT”.
No essencial vem defender que a recorrida confessou o pedido de ilicitude do despedimento coletivo, abrangendo essa confissão todos os trabalhadores, por isso afastando qualquer presunção da sua aceitação do despedimento, pelo que o Despacho Saneador deveria pronunciar-se pela ilicitude do despedimento efetuado na sua pessoa.
Opõe-se a Recorrida à admissibilidade do recurso, sustentando que tendo o despacho saneador recorrido data de 04 de Outubro de 2022, e tendo sido notificado ao Recorrente em 10 de outubro de 2022, não pode agora ser recebido, por ser extemporâneo. O despacho saneador em causa toma decisões de mérito, pois absolveu a R. da instância quanto a vários pedidos e homologou a confissão da R. quanto aos AA. por esta identificados, nos precisos limites dessa confissão como decorre do artigo 284.º do CPC, enquadrando-se no disposto no 79.º n.º 1, b), do CPT, sendo imediatamente recorrível.
No despacho em que admitiu o recurso, o tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão, referindo, no essencial, o seguinte:
-«[..] No caso dos autos inexiste dúvida que a decisão – sentença – é recorrível. A questão é decidir o âmbito do recurso interposto, isto é, se se restringe à impugnação da sentença proferida ou também abrange o despacho saneador nos termos do artigo 79.º-A, n.º 3 como defende o Recorrente, ou se se trata de um recurso autónomo nos termos do artigo 79.º-A, n.º 1, alínea b), primeira parte, do Código de Processo do Trabalho, que não foi tempestivamente interposto tal como defende o Recorrente. Dispõe o artigo 82.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho que “O juiz manda subir o recurso desde que a decisão seja recorrível, o recurso tenha sido interposto tempestivamente, o recorrente tenha legitimidade e o requerimento contenha ou junte a alegação do recorrente, incluindo as conclusões”. O Tribunal de 1.ª instância interpreta esta norma nos seguintes termos: - verifica-se a interposição de um recurso autónomo- apelação; - a decisão – sentença – é recorrível; - o recurso foi interposto tempestivamente; - o recorrente tem legitimidade para recorrer; - o requerimento por si apresentado contém a alegação de recurso que incluiu as conclusões; - então o Tribunal de 1.ª instância cumpre esta norma ao admitir o recurso interposto pelo Chamado. A delimitação do objeto do recurso, salvo decisão diversa do Tribunal Superior, caberá a esse Tribunal que apreciará todas as questões suscitadas, ou não apreciará todas as questões, como por exemplo a questão da eficácia da confissão da ilicitude do despedimento apresentada pela Ré em relação ao Chamado, com fundamento no caso julgado atenta a decisão já proferida em 1.ª instância».
Vejamos então.
O artigo 79.º A do CPT, foi introduzido com as alterações operadas àquele diploma através do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, as quais, como elucida o respectivo preâmbulo, visaram adequar a lei adjectiva às alterações introduzidas com a revisão do Código do Trabalho, pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, “e pela conformação de várias normas de processo do trabalho aos princípios orientadores da reforma processual civil, nomeadamente em matéria de recursos (..)”. Em suma, este normativo foi introduzido tendo em vista harmonizar o regime de recursos laboral com a reforma dos recursos processuais civis efectuada pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Se bem atentarmos no aludido artigo, dele resulta uma clara distinção entre dois tipos de decisões: as sujeitas a impugnação imediata, daquelas outras cuja impugnação é relegada para momento ulterior. Como elucida o senhor Conselheiro Abrantes Geraldes [Recursos no Processo do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 33], com as alterações introduzidas ao regime recursivo em processo civil pelo Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, a lei passou a admitir dois regimes diversos:
-i) As decisões que ponham termo ao processo e as decisões tipificadas no n.º 2 do art.º 79.º A do CPT são passíveis de recurso, de tal modo que se este não for interposto dentro do prazo legal formarão caso julgado material ou formal;
- ii) As restantes decisões que sejam impugnáveis podem sê-lo juntamente com o recurso da decisão final (art.º 79.º n.º 3 do CPT).
De referir que nova alteração foi introduzida mais recentemente pela Lei n.º 107/2019, de 9 de Setembro, agora adequando a redacção do n.º2, nomeadamente, das suas alíneas, ao disposto no n.º2, do art.º 644.º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho.
No entanto, esta nova alteração não pôs em causa aquele regime.
Pois bem, nos termos da alínea b), do n.º1, do art.º 79.º A, cabe recurso autónomo, a ser interposto de imediato no prazo legal de 15 dias [art.º 80.º n.º2, do CPT], “Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou a alguns dos pedidos”.
No caso vertente, em requerimento de 18-06-2021 (transcrito em I.3), a Ré confessou a ilicitude do despedimento quanto aos autores e chamados, mas deixou expresso que não incluía na confissão o pedido quanto à ilicitude formulado pelo Chamado CC, na consideração que este aceitou o despedimento, pois recebeu e conservou a compensação paga por esse mesmo despedimento e demais créditos finais.
Como refere o Tribunal a quo no despacho saneador, mais precisamente, na parte que o recorrente quer ver incluída no objecto do recurso [transcrita no ponto i.4], o chamado veio responder àquele requerimento, defendendo “que se a Ré confessa a ilicitude do despedimento coletivo, tal confissão também tem de o abranger (este Chamado interveio no processo e formulou pedidos) pois se se trata de um despedimento coletivo, se se confessa que é ilícito para uns também tem de ser considerado ilícito para os restantes (repete-se, desde que o tenham pedido)”.
Percorrendo o despacho, verifica-se que o tribunal a quo, ao apreciar os efeitos do requerimento quanto a todos os autores e chamados,apreciou essa questão controvertida, vindo a rejeitar a posição defendida pelo chamado, ou seja, considerando antes que a confissão da Ré não o abrangia.
É precisamente essa decisão que o chamado quer ver reapreciada no presente recurso, para que se considere que a confissão da Ré o abrange, defendendo que em consequência fica afastada qualquer presunção da sua aceitação do despedimento e, por isso, que o Tribunal a quo errou e deveria antes ter-se pronunciado pela ilicitude do despedimento efetuado na sua pessoa.
Resulta ainda do despacho saneador que o Tribunal a quo entendeu “fica(r) prejudicado o cumprimento do disposto no artigo 157.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho e, fica(r) prejudicada a prolação de decisão nos termos do artigo 160.º, n.º 2 do Código do Trabalho (..)”, depois explicando as razões e prosseguindo para extrair as consequências da confissão, quanto aos autores e chamados, e da não abrangência pela mesma, no caso do chamado CC:
-«[..] Aqui chegados e, antes de se decidir esta questão, temos que: Relativamente aos Autores/Chamados que optaram pela reintegração: - impõe-se proferir sentença de homologação da confissão do pedido d reconhecimento da ilicitude do despedimento coletivo e, na consequente condenação da Ré n reintegração do trabalhador e condenação do pagamento desde e; prosseguindo os autos para apuramento do crédito indemnizatório a que alude o artigo 389.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho; Relativamente aos Autores/Chamados que optaram pela indemnização substitutiva; - impõe-se proferir sentença de homologação da confissão do pedido de reconhecimento da ilicitude do despedimento coletivo e, prosseguir com os autos para apuramento dos créditos indemnizatórios; Relativamente aos Chamados que nada pediram que não intervieram neste processo: - nada há a decidir; Só resta a questão do Chamado CC. Fazendo novo interregno, verifica-se que atento o exposto fica prejudicado o cumprimento do disposto no artigo 157.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho e, fica prejudicada a prolação de decisão nos termos do artigo 160.º, n.º 2 do Código do Trabalho “Sendo proferido despacho saneador, este destina-se também a decidir: a) Se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento coletivo; b) Se procedem os fundamentos invocados para o despedimento coletivo”. Sendo que esta decisão tem de ser tomada neste despacho saneador e, não pode ser relegada para momento posterior. Conforme se verifica da petição inicial apresentada pelo Chamado CC em 30/04/2021, este subscreve os motivos invocados em sede de petição inicial pelos Autores quanto à ilicitude do despedimento coletivo; bem assim, do articulado apresentado por EE e outros e; ainda do articulado apresentado por DD e outros, o que significa que necessariamente ter-se-ia de cumprir o disposto no citado artigo 157.º e seguintes. Sucede que resulta dos articulados das partes, que a Ré não confessa o pedido relativamente a este Chamado apenas porque defende que este aceitou o despedimento, o que de resto se presume. Conforme se verifica da petição inicial apresentada pelo Chamado CC em 30/04/2021, este subscreve os motivos invocados em sede de petição inicial pelos Autores quanto à ilicitude do despedimento coletivo; bem assim, do articulado apresentado por EE e outros e; ainda do articulado apresentado por DD e outros, o que significa que necessariamente ter-se-ia de cumprir o disposto no citado artigo 157.º e seguintes. Sucede que resulta dos articulados das partes, que a Ré não confessa o pedido relativamente a este Chamado apenas porque defende que este aceitou o despedimento, o que de resto se presume. O Chamado CC repudia que assim seja. Concluindo: - o que está em causa é apurar e decidir se o Chamado CC aceitou ou não o despedimento; se aceitou o despedimento, mostra-se irrelevante apurar se o mesmo é ilícito ou não; mas se não aceitou o despedimento, então a Ré dispôs da situação jurídica que é objeto da pretensão ou pedido, abstraindo da real existência e conteúdo anterior da situação. Aqui chegados e interpretando a vontades das partes nomeadamente da Ré que não quererá o custo da assessoria técnica apenas para um dos trabalhadores, quanto ao Chamado CC, decide o Tribunal que a Ré reconhece a ilicitude do despedimento coletivo, todavia, se se apurar a aceitação do despedimento, este reconhecimento mostra-se inútil, pois o Chamado aceitou o despedimento. Caso seja decidido após audiência final que o Chamado CC não aceitou o despedimento, então é só fixar o montante indemnizatório que resultar dos factos controvertidos sujeitos a prova, tal como em relação aos restantes Chamados. Está convicto o Tribunal que esta interpretação da declaração de confissão da Ré se mostra de acordo com a intenção e vontade da Ré.
[..]».
Nessa consideração vindo a concluir como segue: «Finalmente e, atento o decidido quanto ao Autor/Chamado CC, os autos prosseguem para apuramento da aceitação do despedimento (caso seja decidido que não aceitou o despedimento), a ilicitude do despedimento está pressuposta atenta a interpretação da vontade da Ré, nos termos supra decididos”».
Tudo visto, retira-se que o Tribunal proferiu uma decisão de mérito quanto aos efeitos da confissão expressa pela Ré no seu articulado, dos quais exclui o chamado CC, por ter concluído que o mesmo não está abrangido por aquela, ponderada a argumentação deste, que desatendeu. E, nesse pressuposto, interpretando a vontade da Ré, decidiu os subsequentes termos do litígio quanto a este.
Assim, como se disse, estamos perante uma decisão de mérito e, logo, a mesma enquadra-se na previsão da alínea b), do n.º 1 do art.º 79.º A, pelo que dela discordando deveria o chamado CC ter interposto recurso de apelação autónomo, no prazo legal de 15 dias.
Como não o fez, a mesma transitou em julgado e já não é susceptível de reapreciação.
Concluindo, rejeita-se o recurso na parte em que incide sobre a decisão proferida no Despacho Saneador. I.11 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, as questões colocadas para apreciação são as de saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
A) Recurso principal (organizadas pela ordem lógica de apreciação)
i) Na decisão sobre a matéria de facto, ao considerar não provado o ponto 1 da matéria não provada [conclusões 22 a 34];
ii) Na aplicação do direito aos factos, ao considerar o valor de € 1.247,89 como sendo a quantia (retribuição base) para o cálculo da compensação devida pelo despedimento [conclusões 9 a 21].
B) Recurso subordinado - para o caso de se entender que a recorrida não liquidou a integralidade dos montantes da compensação devida ao Chamado - Na aplicação do direito aos factos, por ter entendido que a presunção do artigo 366.º n.º 4 do CT não se aplicaria caso se tivesse apurado que aquela não colocou à disposição do Chamado a totalidade da compensação prevista no mesmo artigo da lei.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos considerados assentes pelo Tribunal a quo, com interesse para a apreciação do mérito da causa, são os seguintes:
a) Por documento datado de 08/04/2008, o Chamado celebrou o contrato de trabalho a termo certo com a C... a iniciar no dia 25 de abril de 2008 e a terminar no dia 24 de abril de 2011, período de tempo exatamente igual ao contrato celebrado entre a C... e a ora Ré (artigo 1.º da petição inicial e artigos 16.º e 20.º da contestação).
b) No contrato de trabalho identificado em a) ficou convencionado que o Chamado iria prestar serviço à Ré na tripulação de cabine (artigo 1.º da petição inicial e artigos 16.º e 20.º da contestação).
c) Mais ficou convencionado no contrato de trabalho identificado em a) que o mesmo termina automaticamente sem qualquer comunicação caso a C... perca o contrato de fornecimento de trabalhadores à X... como cliente deste fornecimento de trabalhadores (artigo 1.º da petição inicial e artigos 16.º e 20.º da contestação).
d) No dia 19/02/2020 o Chamado celebrou um contrato de trabalho com a Ré, no qual constam entre outras cláusulas “1. POSIÇÃO Será contratado pela empresa como Agente de Serviços de Cabine (CSA), Este cargo terá início a 28 de março de 2010” (artigo 3.º da petição inicial).
e) “2. PROMOÇÃO Concorda que quando estiver qualificado para ser avaliado como um número 1 e desde que seja adequado, complementará a formação número 1, e após a conclusão bem-sucedida dessa formação funcionará como um “adhoc” número um. Nas circunstâncias em que operar como número 1 ad-hoc, receberá a taxa Numero 1 de despesas de voo em funcionamento na sua base”.
f) “SALÁRIO 7.1 Ser-lhe-á pago um salário de base bruto anual de £ 9.850 (Nove Mil Oitocentos e Cinquenta libras). O salário acumular-se-á de dia para dia e é pago em prestações mensais iguais no dia 28 de cada mês na sua conta bancária”.
g) Com data de 5 de outubro de 2015, o Chamando e a Ré acordaram entre outras as seguintes clausulas “Caro CC Temos o prazer de lhe oferecer a posição de Supervisor de Serviço ao Cliente (CSS) na X... (doravante designada por X...), que está sujeita à aceitação por sua parte dos termos e condições descritos neste documento e nas secções relevantes da X... Caderno de Termos e Condições Gerais de Emprego (The Rough Guide to X...). As alterações a esta brochura são feitas periodicamente e é da sua responsabilidade assegurar que está familiarizado com a versão mais atualizada e com as secções relevantes que se aplicam ao seu emprego. Uma cópia atualizada está sempre disponível no Departamento de Pessoal e em “Takeoff”, (o Website da intranet da empresa), que está disponível em qualquer computador da empresa, incluindo os que se encontram nas Salas de Relatório da Tripulação”.
h) “1. POSIÇÃO 1.1. Será contratado pela empresa como Supervisor de Serviço ao Cliente (CSS). Esta posição começará a 1 de novembro de 2015” (artigo 5.º da petição inicial).
i) “5. SALÁRIO 5.1 Ser-lhe-á pago um salário anual bruto base de 14.620 euros (Catorze Mil e Seiscentos e Vinte Euros). O salário acumular-se-á dia para dia e é pagável em atrasados por prestações mensais iguais no dia 28 de cada mês ou por volta do dia 28 de cada mês na sua conta bancária. Receberá também um suplemento CSS de 2.000 euros brutos por ano.
j) 5.2. A sua remuneração total foi calculada de modo a incluir um prémio por todas as horas associadas ao serviço de voo; incluindo mas não se limitando a relatórios pré e pós voo, atrasos e todos os deveres a bordo, incluindo a utilização do sistema EPOS portátil. O seu salário inclui também um prémio pelo trabalho aos domingos e feriados.
k) 5.3. O seu salário será sujeito a uma revisão anual todos os anos no mês de abril na empresa em absoluta discrição. As revisões salariais serão baseadas no seu desempenho e no da empresa. Não se aplicam incrementos automáticos ou aumentos salariais ao seu emprego.
l) 5.4. Em todos os casos, o salário será pago líquido dos impostos sobre a folha de salários, impostos, ausências e contribuições sociais relevantes (que pode mudar de vez em quando).
m) 6. BÓNUS DE VENDA 6.1. Poderá ter direito a receber um prémio de Bónus de Venda nas vendas a bordo. O bónus de vendas é um estatuto não contratual e não se destina a ser incorporado no seu contrato de trabalho por referência no presente acordo. A atribuição de Bónus de Venda pode ser modificado, alterado ou retirado a qualquer momento pela X... dando-lhe pelo menos um mês de aviso prévio de tais mudanças. A tripulação da cabine é obrigada a tomar o máximo cuidado ao lidar com alocações de bares e contabilidade. O seu Bónus de Venda será calculado numa base voo a voo, que é atualmente calculado como 10% das vendas bordo menos qualquer ajustamento por falta de stock (ao preço de venda) e qualquer falta de stock em dinheiro para quaisquer voos em que opere como membro da tripulação. O número de bónus mostrado na sua folha de salário mensal será baseado neste cálculo acima.
n) 6.2. Uma vez que a rescisão do contrato de trabalho tenha sido notificada por si ou pela Empresa, a partir dessa data não terá direito a receber qualquer pagamento do bónus de venda para vendas a bordo de qualquer tipo. Para evitar dúvidas, isto inclui qualquer Bónus de venda acumulado mas não pago, devido na data que foi dado o aviso de rescisão”.
o) 7. DESPESAS DE VOO 7.1. Qualificar-se-á para despesas de voo de acordo com as políticas da Empresa e procedimentos em vigor, e conforme alterados de tempos a tempos.
p) 7.2. O pagamento de voos só é pago para voos com receitas. O pagamento do voo não será pago quando o passageiro estiver indisponíveis para voar, independentemente das circunstâncias.
q) 7.3. Um subsídio para as refeições da tripulação de cabine está incorporado no “pagamento de voo”. A sua responsabilidade de providenciar o seu próprio sustento enquanto em serviço.
r) 7.4. Chá, café e água engarrafada estão à disposição da tripulação para compra a bordo do Avião; no entanto, a água filtrada gratuita está sempre disponível para toda a tripulação todos os momentos na sala da tripulação.
s) 8. HORAS DE TRABALHO 8.1. Devido à natureza do seu emprego e ao sector empresarial em que a Empresa opera, não há horas formais de trabalho e a Empresa pode requerer trabalhar no momento e nos dias que a Empresa especificar a partir do momento, as horas podem incluir sábados, domingos e feriados.
t) 8.2. Não tem direito contratual a um determinado padrão de turnos e os dias/horas que o seu padrão de horário pode ser alterada à discrição absoluta da empresa.
u) 8.3. Deve estar preparado para trabalhar por turno e horas adicionais quando solicitado pela Empresa, sem remuneração adicional, a fim de satisfazer os requisitos da empresa e para assegurar o correto desempenho das suas funções (incluindo trabalho por turno escalonados). O seu salário foi calculado para ter isto em conta e inclui um prémio para trabalhos de domingo e feriados” (artigos 11.º da petição inicial e artigos 31.º e 52.º da contestação).
v) Consta do recibo de vencimento do Chamado de 27/11/2020 “Gross Sectors 327.70.
w) Basic 1,247.50
x) Number One 208.33
y) Inflight Expenses 180,00.
z) Inflight Sales Bonus 26.28.
aa) Uni/Med/ID 33.33” (artigo 11.º da petição inicial).
bb) O montante referido em i) em novembro de 2020 era de €14.970,00, que corresponde ao salário mensal de €1.069,30 (artigos 31.º e 52.º da contestação).
cc) E o subsídio referido em i) em novembro de 2020 era de €2.500,00. No valor mensal de €179,00 (artigo 32.º e 52.º da contestação).
dd) O contrato identificado d) cessou no dia 01/12/2020 por despedimento coletivo (artigos 7.º e 10.º da petição inicial).
ee) No dia 01/12/2020 a Ré transferiu a quantia de €12.580,65 para a conta bancária do Chamado, da qual €7.686,34 se reportou à compensação pelo despedimento coletivo (artigo 1.º da contestação e artigo 41.º da petição inicial).
ff) À data do despedimento coletivo o Chamado tinha uma filha pequena e, por causa do despedimento ficou triste, desiludido e perturbado (artigo 76.º, 77.º e 78.º da petição inicial).
Factos Não Provados.
Da audiência final, com interesse para a apreciação do mérito da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
1) A recusa do Chamado em assinar uma adenda ao contrato de trabalho, para diminuição da retribuição, correspondeu à razão pela qual a Ré promoveu o despedimento coletivo no qual incluiu o Chamado (artigos 74.º e 75.º da petição inicial).
2) Por causa do despedimento coletivo o Chamado sofreu grande angústia, desespero, revolta, grande dificuldade em dormir e no relacionamento especialmente com os familiares (artigos 76.º e 77.º da petição inicial). Consta ainda consignado na decisão sobre a matéria de facto, o seguinte: “A restante matéria alegada pelas partes consubstancia a formulação de juízos conclusivos; asserções de direito e; alegação sem qualquer interesse para a apreciação e decisão do mérito da causa”.
II.2 REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, alegando que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova ao considerar não provado o ponto 1 da matéria não provada [conclusões 22 a 34].
Conforme decorre do n.º 1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º 1 e n.º 2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Compulsadas as conclusões, constata-se que o recorrente observa o que se entende exigível, delas resultando a indicação precisa do ponto que impugna e da resposta alternativa, em concreto, pretende ver provado o ponto não provado 1. Do mesmo modo, também daas alegações, e até das conclusões, resulta estarem cumpridos os demais ónus, dado serem indicados os meios de prova, em concreto, os extractos de dois testemunhos e das declarações de parte do recorrente, sendo feita indicação dos tempos da gravação em que se encontram, bem assim apresentados argumentos para procurar justificar a pretendida alteração. É, ainda, indicado, o doc. 17.
Nada obsta, pois, à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. II.2.1 No ponto 1 da matéria não provada, consta o seguinte:
[1] A recusa do Chamado em assinar uma adenda ao contrato de trabalho, para diminuição da retribuição, correspondeu à razão pela qual a Ré promoveu o despedimento coletivo no qual incluiu o Chamado (artigos 74.º e 75.º da petição inicial).
Pretende o recorrente que se dê tal como provado, invocando como meio de prova as suas declarações de parte, dois testemunhos e o documento 17.
Para além disso, alega que [32] “A Mma. Juiz “a quo” julga como não provado o facto constante de 1 da respetiva lista com base na ausência de prova e num facto notório do conhecimento oficioso do Tribunal. [33] Tal facto notório apenas prova que existiram trabalhadores que, apesar de assinarem a adenda, foram objeto do procedimento de despedimento coletivo mas não que trabalhadores que se recusaram a assinar tal documento não tivessem sido a ele sujeitos.
Comecemos por esta alegação.
Diz-nos o n.º1 do art.º 412.º do CPC, que “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo entender-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.
Segundo o ensinamento do Professor Alberto dos Reis, que se mantém inteiramente válido, sendo um facto notório, por definição, um facto conhecido, não basta qualquer conhecimento, “(..) é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza”, não podendo qualificar-se de “(..) notório um facto unicamente conhecido pelo juiz ou por um círculo restrito ou particular de pessoas”. Prosseguindo, o autor classifica os factos notórios em duas grandes categorias: a) acontecimentos de que todos se aperceberam directamente (uma guerra, um ciclone, um eclipse total, um terramoto, etc.); b) factos que adquirem o carácter de notórios por via indirecta, isto é, mediante raciocínios, formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos, para depois concluir, que se quanto aos primeiros não pode haver dúvidas, já quanto aos segundos, “o juiz só deve considerá-los notórios se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média” [Código de Processo Civil anotado, vol. III , 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 259 a 262].
Nenhuma dúvida pode haver de que o facto em questão não poderá jamais ser um facto notório directo. E, quanto a saber se o pode ser por via indirecta, salvo devido respeito, também não poderá haver qualquer dúvida.
Com o devido espeito, o recorrente faz uma invocação do facto como notório e do dever de conhecimento oficioso pelo Tribunal a quo com base numa consideração que não tem qualquer enquadramento na noção legal.
Prosseguindo, opõe-se a recorrida à pretensão do recorrente, contrapondo, desde logo, que se trata de uma conclusão de facto que só se poderia atingir (caso fosse fundada) pela análise de outros factos preliminares, por essa razão não podendo ser considerada provada.
Vejamos.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”[Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No mesmo sentido, o Senhor Desembargador Henrique Araújo [no estudo “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL”, publicado no sítio desta Relação do Porto, acessível em www.trp.pt] observa que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
A fronteira entre o que é um facto conclusivo, ou não, nem sempre é fácil de traçar. No Acórdão do STJ de 14 de Julho de 2021 [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1, Conselheiro Júlio Gomes], consignou-se na fundamentação o seguinte: «Como refere HELENA CABRITA [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107] “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.
Defende o recorrente que, considerando-se provado o aludido ponto, que deverá ser “declarado ilícito o despedimento coletivo promovido pela apelada na pessoa do apelado”.
Como bem se vê, inclusive na perspectiva do recorrente, a prova desse ponto - correspondendo ao alegado nos artigos 74.º e 75.º da petição inicial-, só por si seria bastante para decidir o desfecho da acção quanto à questão controvertida fulcral, ou seja, a de saber se o despedimento – em causa estando já só o do recorrente – foi ilícito. Vale isto por dizer, que se está perante uma alegação conclusiva, a qual respeita ao themadecidendum, como tal não podendo considerar-se provada.
Assim, se existe crítica a fazer quanto à decisão do tribunal a quo, a mesma deve-se a ter mencionado aquela alegação entre a matéria não provada, o que se mostra incorrecto pelas razões apontadas.
Por conseguinte, assiste razão à recorrida, não podendo a reapreciação da matéria de facto ser atendida.
Em suma, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O Recorrente insurge-se contra a sentença, por alegado erro na aplicação do direito aos factos, por ter considerado o valor de €1.247,89 como sendo a quantia correspondente à retribuição base para efeitos do cálculo da compensação devida pelo despedimento [conclusões 9 a 21].
Na sentença recorrida, sobre esta questão, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«O Chamado alega que a compensação que lhe foi entregue não corresponde à totalidade do que lhe é devido porquanto: - a sua antiguidade conta-se a partir da data de 25/04/2008 em que foi admitido pela Ré através da empresa C...; [..] - o seu salário mensal era composto de uma componente fixa e de uma componente variável relacionada com as horas de voo, os destinos das viagens e o bónus das vendas a bordo e, como tal impõe-se apurar retribuição média mensal que é de €2.072,58. Vejamos. Dispõe o artigo 366.º do Código do Trabalho que “1 – Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. (….) 4. Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo”. Conforme defende PEDRO FURTADO MARTINS in “Cessação do Contrato de Trabalho”, Editora Principia, 4.ª edição, páginas 392 e 393 “A redação do n.º 4 do artigo 366.º, resultante da Lei n.º 69/2013, esclareceu uma das questões; deixando claro que a presunção só atua quando o empregador tiver pago a totalidade da compensação. Se a quantia paga é inferior à devida, mesmo que o trabalhador a receba, não se presume que aceitou o despedimento. Exigindo-se o recebimento pelo trabalhador para que a presunção tenha lugar, não é suficiente para este efeito a colocação do valor devido à disposição do trabalhador (….)Para tanto é necessário que o empregador pague a compensação e que o trabalhador a receba , não apenas porque entrou na sua esfera jurídica (como sucederá quando o pagamento for realizado por transferência bancária) (….) Acrescentamos apenas que o ato de vontade do trabalhador pode, em certas hipóteses, ser expresso através de uma conduta omissiva: será o caso do trabalhador que é expressamente avisado de que o valor devido foi creditado na sua conta (…) e que nada faz, conservando o valor em seu poder. Julgamos que esta conduta é suficiente para desencadear a presunção, não se exigindo a efetiva utilização do valor creditado em conta”. O Chamado alega que a presunção prevista no artigo 366.º, n.º 4 do Código de Processo Civil não opera porquanto a quantia paga é inferior à devida. O Chamado entende que a compensação devida é no montante de €26.943,54 obtido pela multiplicação de 13 anos de antiguidade à retribuição de €2.072,58, como a Ré apenas pagou a quantia de €7.686,34, está claro que não opera a presunção de aceitação do despedimento. [..]. Alega o Chamado na sua peça processual que o seu salário mensal era composto de uma componente fixa de €1.247,50 (salário base), €208,33 (n.º 1 chefe de cabine), €33,33 (Uni/Med) e de uma componente variável relacionada com as horas de voo, os destinos das viagens e o bónus de venda. Todavia, resulta da mesma peça processual do Chamado que este considera que a retribuição emergente do contrato de trabalho que cessou no dia 1 de dezembro de 2020 com fundamento no despedimento coletivo é considerada uma retribuição variável pois calculou a média daa sua retribuição integral para efeitos do cálculo da compensação a que alude o artigo 366.º do Código do Trabalho e artigo 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, nos termos do artigo 261.º, n.º 3 do mesmo diploma legal. Dispõe o artigo 261.º do Código do Trabalho que “1 – A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável. 2 – É certa a retribuição calculada em função de tempo de trabalho. 3 – Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respetivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução do contrato”. O Chamado não esclarece se entende que a sua retribuição é variável por assim ter sido convencionado contratualmente ou por assim ser classificada a título supletivo nos termos da norma supra transcrita. Em anotação a tal norma JOANA VASCONCELOS in “Código do Trabalho Anotado” por Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Machado Darcy e Luís Gonçalves da Silva, Editora Almedina, 13.ª edição, páginas 652 e 653 considera que “III. Ao definir como certa a retribuição que é “calculada em função de tempo de trabalho”, o mesmo n.º 2 esclarece, a contrario, que a retribuição variável o é com base noutros fatores que não este. IV. Quais sejam esses fatores, depende da concreta modelação da prestação retributiva em causa, podendo o seu montante ser calculado em função, v.g., do rendimento do trabalho, do número de peças produzidas, do montante de vendas efetuadas ou do número de clientes angariados ou fidelizados. Certo, no que respeita a esta modalidade de retribuição, é que nela avulta a finalidade de individualizar a contrapartida atribuída ao trabalhador, adequando-a ao seu desempenho e/ou aos resultados obtidos e, nessa medida, diferenciando-a da paga aos demais, pela mera execução da mesma tarefa, pelo mesmo período. V. Justifica-se que nos detenhamos num ponto essencial à compreensão da retribuição variável – e que, por vezes, a prática e a jurisprudência perdem de vista. Muito embora o montante da retribuição variável tenda a variar, i.e., a não se mostrar constante, não é esse o critério a que obedece a sua caracterização. Por outras palavras, não constitui retribuição variável toda a prestação cujo montante varia, e por tal motivo. Na retribuição variável, a variabilidade do montante é efeito e não causa, já que resulta da alea que sempre envolve um critério de cálculo que não seja o mero exercício da atividade contratada durante o número de horas ajustadas por dia e por semana. Ora, sucede que, não raro, a variabilidade do montante de certa prestação resulta da inconstância da quantidade de trabalho prestado: é o que tipicamente sucede com o trabalho suplementar. Desempenhado a título excecional e esporádico, logo sem uma periodicidade e uma cadência pré-determinadas e numa quantidade que não está pré-definida, o trabalho suplementar e, não obstante, sempre remunerado em função do número de horas efetivamente prestadas: são a este propósito inequívocas as regras legais e convencionais que fixam os valores-hora aplicáveis. Consequentemente, a remuneração do trabalho suplementar, nos casos em que seja de qualificar como retribuição (por revestir as características da regularidade e da periodicidade), será retribuição certa, e jamais retribuição variável, por mais que o seu montante oscile de mês para mês. VI. São de qualificar como retribuição variável as comissões, porquanto estas “constituem uma prestação complementar” que é paga ao trabalhador “a par da retribuição base (…)”. Inexiste qualquer dúvida que as comissões pelas vendas a bordo consubstanciam uma retribuição variável do Chamado, já as restantes prestações é o próprio Chamado que declara “Esta componente variável era calculada pela R. também em função do número de horas de trabalho em voo, pagas por escalões (0-300 horas, 10,00€/hora (….)” artigo 12.º da petição inicial (nem sequer releva para este efeito a impugnação da Ré quanto a este facto) o que implica uma contradição nos próprios termos. Aqui chegados, o Chamado poderia calcular a média da prestação de comissões de venda e, não calcular a média de toda a retribuição como fez, pois seria pressuposto qualificar a retribuição do Autor como variável, que já vimos que não é. Aliás, basta ler o contrato de trabalho celebrado entre as partes. No cálculo que fez da compensação devida, o Chamado alheou-se do conceito de retribuição base e, entendeu que o conceito correto era de retribuição “total” e calculada em média. Vejamos. Dispõe o artigo 366.º, n.º 1 do Código do Trabalho que “Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”. Mais dispõe o artigo 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto com a epígrafe “Regime transitório em caso de cessação de contrato de trabalho sem termo” que “1 – Em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado antes de 1 de novembro de 2021, a compensação no n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redação conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo: a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou é calculado proporcionalmente em caso de fração ano; b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de novembro de 2012 inclusive e até 30 de setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades calculado proporcionalmente ao período efetivo de trabalho prestado; c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes: i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato; ii) A 12 dias de retribuição e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes; iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos. (….)”. O que significa que face ao regime legal supra transcrito a retribuição base consubstancia o segundo fator a utilizar para o cálculo da compensação. Sobre este conceito de retribuição base decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 15/12/2021, com o n.º de processo 5016/20.8T8CBR.C1, com o n.º convencional JTRC, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Joaquim José Felizardo Paiva, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrc que “Entende-se por retribuição base, “a prestação correspondente à atividade do trabalhador no período normal de trabalho” – artigo 262.º, n.º 2, a), do CT. Como se refere no acórdão da RL, de 16/01/2008, “a retribuição base é aquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador e que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, corresponde ao exercício da atividade por ele desempenhada, de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido; é aquela que está apenas relacionada com a atividade desempenhada pelo trabalhador e não com as condições ou circunstâncias desse desempenho”. Como refere Leal Amado “Contrato de trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 304 e 305, “(….) segundo JORGE LEITE, deve entender-se por retribuição base “a prestação que, de acordo com o critério das partes, da lei, do IRC ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas normais ou comuns para o respetivo setor ou profissão”. Em conformidade com este entendimento, serão prestações complementares “todas as restantes devidas ao trabalhador em razão de fatores diferente do da prestação de trabalho em condições consideradas normais para o respetivo setor ou profissão”. De acordo com os factos provados, a retribuição base do Chamado é de €1.069,30 (basic) + o CSS allowance no montante de € 178,57, tudo no montante, global de €1.247,86. Passemos às diuturnidades, Pedro Furtado Martins in ob. cit. página 379 considera que “Também a delimitação da noção de diuturnidade não está isenta de dificuldades, pois, à letra, a definição legal envolve qualquer prestação retributiva que tenha “fundamento na antiguidade” (art. 262.º, 2, b). Ora, não regulando a lei este tipo de prestações, cuja instituição e regime decorre das convenções coletivas de trabalho (….) tudo indica que a noção que decorre do texto da lei é demasiado abrangente. Em regra, as diuturnidades são prestações mensais de valor fixo, atribuídas aos trabalhadores que permaneçam na mesma categoria profissional durante um dado período de tempo, visando compensá-los pelas maiores dificuldades em progredirem numa carreira profissional, designadamente por terem atingido um patamar além do qual só se evolui por promoção e não pelo mero decurso do tempo. Inspiradas no regime remuneratório tradicional da função pública, este tipo de prestações foi-se vulgarizando na contratação coletiva, ainda que tendam a desaparecer das convenções mãos recentes.”. No caso dos autos resulta demonstrada a promoção do Chamado e a fixação do subsídio de CSS, razão pela qual o mesmo é integrado para efeitos de cálculo da compensação pelo despedimento coletivo. [..] Decididos os fatores necessários para o cálculo da compensação a que alude o artigo 366.º do Código do Trabalho, de acordo com o artigo 5.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto passemos à sua concretização: - antiguidade – 28/03/2010 até 01/12/2020; - retribuição base + antiguidade/diuturnidades - € 1.247,86 (basic de €1.069,30 + €179,00 CSS allowance). Para contratos celebrados antes de 01/10/2010, como é o caso dos autos e sem termo, a compensação integra três parcelas: 1.ª parcela de 28/03/2010 (data da celebração do contrato) até 31/10/2012, a compensação devida é de um mês de retribuição por cada ano completo de antiguidade. De 28/03/2010 a 31/10/2012 temos dois anos completos e o proporcional de 7 meses. - 2 anos: €1.247,86 x 2 = 2.495,72. - proporcional de 7 meses: €1.247,86 x 7 meses a dividir por 12 meses = €727,91. Total da 1.ª parcela - €3.223,63 (2.495,72 + €727,91). 2.ª parcela de 1 de novembro de 2012 a 30/09/2013, a compensação devida é de 20 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade. De 01/11/2012 a 30/09/2013 apenas temos o proporcional de 11 meses. - 20 dias da retribuição de €1.247,86 corresponde a 831,90 (€1.247,86 x 20 dias a dividir por 30 dias). - proporcional de 11 meses: €831,90 x 11 meses a dividir por 12 meses = 762,57. Total da 2.ª parcela - €762,57. 3.ª parcela de 01/10/2013 a 01/12/2020, a compensação devida é de 12 dias de um mês de retribuição por cada ano completo de antiguidade. De 01/10/2013 a 01/12/2020 temos 7 anos completos de antiguidade e o proporcional de dois meses. - 12 dias de retribuição de € 1247,86 corresponde a € 499,14 (1.247,86 x 12 dias a dividir por 30 dias); - €499,14 x 7 anos completos de antiguidade é igual a €3.493,98; - proporcional de 2 meses: €83,19 (€499,14 x 2 meses a dividir por 12 meses). Total da 3.ª parcela - €3.577,17 (€3.493,98 + €83,19). Compensação devida - €7.563,37. A Ré entregou ao Chamado a compensação no montante de €7.688,34, por meio de transferência bancária, conforme resulta dos factos provados, logo, a presunção estatuída no artigo 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho atuou e, nesta conformidade, presume-se que o Chamado aceitou o despedimento».
Argumenta o recorrente, no essencial, o seguinte:
i) Dos recibos juntos aos autos pelo apelante verifica-se que existem verbas pagas mensalmente que a recorrida designa como “number one”, “gross sectors”, “inflight expenses” e “uni/med/id”. O pagamento das quantias mensais de €208,33, (number one), e €33,33, (uni/med/id) são refletidas desde 2018 em todos os recibos dos meses em que o recorrente presta o seu trabalho e decorrem intrinsecamente dessa prestação.
ii) Estes valores mensais resultam da disponibilidade da força de trabalho do apelante e devem ser considerados como parte da sua remuneração base para cálculo da compensação. O mesmo se diz relativamente às quantias pagas mensalmente a título de “gross sectors” e “inflight expenses” que constam de todos os recibos remuneratórios e que apesar de terem variações no seu montante, não poderão deixar de se considera também parte da remuneração base.
Conclui, defendendo que não tendo o apelante recebido a totalidade da compensação por não ter sido colocada à sua disposição, também não se verifica a presunção da aceitação por si do despedimento, que decorre do n.º 4 do art.º 366.º do CT.
Contrapõe a recorrida que o recorrente não impugna a matéria dos pontos provados i), bb, e cc), sendo a sua argumentação incompatível com os mesmos, nem sequer referindo a base de cálculo para chegar àqueles valores, mas que não podem fundar-se na matéria assente.
Mais refere que como resulta dos contratos do A. junto aos autos, inflight expenses, correspondem a despesas de voo, como decorre dos factos provados (alínea o), que reflete a cláusula 7 do contrato do Recorrente. A rúbrica Gross Sectors, corresponde a um incentivo por SBH (Scheduled Block Hour) pago em 3 diferentes níveis consoante as SBH já cumpridas no ano, conforme refere a sentença usando a própria alegação do recorrente. O subsídio Uni/Med/Id trata-se de uma ajuda de custo para assistir os trabalhadores no pagamento do uniforme, exames médicos e requisição de identificação no aeroporto. Estas qualificações são evidenciadas no AE aplicável, entre X... DAC e STTAMP, publicado no BTE n.º 17, 08.05.2021.
Conclui, que ao contrário do alegado pelo Recorrente, as rúbricas referidas não são “mera contrapartida da atividade normal do recorrente”.
Antecipamos já concordramos com a decisão recorrida, devidamente fundamentada, com argumentos certos e aplicados correctamente. Em contraponto, se bem atentarmos nas conclusões de recurso que, diga-se, praticamente reproduzem as alegações, o recorrente manifesta a sua discordância, mas não apresenta argumentação jurídica para pôr em causa a fundamentação da decisão recorrida, limitando-se a fazer apelo à regularidade e periodicidade do pagamento das quantias mensais de € 208,33, (number one), e €33,33, (uni/med/id), dizendo que “são refletidas desde 2018 em todos os recibos dos meses em que o recorrente presta o seu trabalho”, para afirmar conclusivamente que “decorrem intrinsecamente dessa prestação”, e que esses e os demais valores que invoca “resultam da disponibilidade da força de trabalho do apelante”.
Como já afirmámos noutros casos, o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao Tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Ora, desde logo, o recorrente não cumpriu esse ónus, antes se limitando a vir afirmar a sua discordância, apenas sustentado nas alegações genéricas acima referidas. Com efeito, não se encontram argumentos para pôr em causa os vários juízos que o tribunal a quo foi sucessivamente afirmando no percurso seguido na apreciação desta questão.
Não obstante, para que não lhe restem dúvidas, diremos algo mais.
Como refere o tribunal a quo, nos termos das disposições aplicáveis, desde logo, o art.º 366.º1, a compensação por despedimento colectivo é fixada atendendo a três factores: a retribuição base, eventuais diuturnidades; e, a antiguidade do trabalhador.
Em causa está o que se deve entender por retribuição base.
A lei não oferece uma noção geral de retribuição base, mas usa esta designação em outros normativos, desde logo, no n.º2, do art.º 258.º do CT, onde se dispõe que“ A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”.
Refere-se ainda no art.º 262.º, n.º 1 e 2, al. a), que “a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base [..].”, para esse efeito entendendo-se por [al.a] “Retribuição base, a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho”. Ou seja, aqui é dada uma noção, mas referindo-se que para aqueles efeitos.
A propósito do que se deve entender por “retribuição base”, elucida Bernardo da Gama Lobo Xavier [Manual de Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, 2014, p. 587], o seguinte:
-«Quanto aos aspectos da estrutura da retribuição [..], a lei estabelece um ponto de referência quando alude à retribuição base [art.º 258.º2), à qual se contrapõem naturalmente todas as outras. Temos defendido que a retribuição base tem um carácter certo (definido em função do tempo) e é em princípio independente dos acidentes da vida do contrato e dos seus especiais condicionalismos. Tal é, p. ex. a remuneração fixada na tabela das convenções colectivas ou dos regulamentos da empresa, na base do período normal de trabalho, para uma certa categoria profissional. [..]. Este entendimento corresponde ao que consta do art.º 262.º 2, a), onde se estabelece a seguinte noção de retribuição base: «Aprestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho”».
Uma conclusão pode extrair-se, desde logo, do n.º2, do art.º 258.º, qual seja a que nem todas as prestações regulares e periódicas integram a “retribuição base”. Vale isto por dizer, que o facto de serem pagas mensalmente as quantias de € 208,33, (number one), e € 33,33, (uni/med/id), o que se traduz em pagamentos regulares e periódico, não significa, só por si,- como parece entender o recorrente-, que as mesmas façam parte da sua retribuição base.
Por conseguinte, este argumento não colhe.
Por outro lado, como observa o acima citado autor a conjugação do n.º2, do art.º 258.º com o n.º2, do art.º 262.º, aponta no sentido de dever entender-se que a retribuição base “tem um carácter certo (definido em função do tempo)”, tal qual a noção depois dada naquele segundo preceito.
Tendo presente esse entendimento, que subscrevemos, importa atentar nos factos provados, de onde se retira que nos contratos de trabalho celebrados é feita menção expressa a um “salário base bruto” – factos f) e i)-, que como se retira dos demais provados, designadamente, os constantes em m), o), não integra outras prestações retributivas complementares, estas dependentes, respectivamente, das vendas efecutadas e das despesas de voo.
Diga-se, ainda, nos ermos gerais de repartição do ónus de prova (art.º 342.º do CC), incumbia sobre o recorrente o ónus de alegar e provar que diversamente do que se retira do contrato de trabalho, nomeadamente, dos termos do que consta provado nos pontos f) e i), as prestações retributivas que indica eram-lhe atribuídas apenas em função do tempo de trabalho, ou seja, à prestação da sua actividade no período normal de trabalho.
Ora, essa prova não foi feita.
Por último, embora o AE entre a X... Company - Sucursal em Portugal e o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal – STTAMP - publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, 8/5/2021 – não existisse à data da cessação do contrato de trabalho do recorrente por despedimento colectivo, ou seja, em 01/12/2020 [facto dd)], no mesmo prevê-se, no ponto 1.5, que “ Quaisquer cláusulas relativas à remuneração ou com conteúdo pecuniário são aplicáveis com efeito retroativo reportado a 1 de julho de 2020”, não sendo por isso irrelevantes para a apreciação em causa as definições ai constantes em matéria de retribuição. Na verdade, para que a norma pudesse ser aplicada, sendo aplicáveis rectroactivamente “Quaisquer cláusulas relativas à remuneração, ou com conteúdo pecuniário”, como foi acordado, é pressuposto essencial que houvesse coerência entre as designações dadas pelo AE e as usadas anteriormente no âmbito das relações de trabalho subordinado entre a X... e os tripulantes de cabine, por serem estes os trabalhadores daquela abrangidos por este AE. Assim resulta do ponto 1.2: “O presente acordo de empresa (AE) abrange os tripulantes de cabine funcionários da X... filiados no STTAMP, sendo aplicável a 113 tripulantes de cabine”.
Ora, no ponto 2.2, consta o seguinte: «Retribuição base» significa vencimento de base bruto, que está especificado como montante anual indicado nos contratos de trabalho celebrados com os tripulantes de cabine e pago mensalmente em 14 prestações iguais, incluindo subsídio de férias e subsídio de Natal”.
Como bem se vê, esta noção corresponde ao “salário base bruto”, mencionado nos contratos de trabalho do autor – factos f) e i).
Diga-se, ainda, que entre outras definições de prestações retributivas ou acessórias, encontra-se a Uni/Med/ID, constando que “Significa o subsídio pago aos tripulantes de cabine para cobrir o custo das despesas médicas, identificação de aeroporto e substituição de artigos da farda (e respetiva limpeza)”.
Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, conclui-se pela improcedência do recurso, logo, devendo ser confirmada a sentença.
Para além disso, fica prejudicada a apreciação do recurso subordinado, interposto para a hipótese de procedência do recurso principal.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso do recorrente nos termos seguintes:
i) Rejeita-se o recurso na parte em que incide sobre a decisão proferida no Despacho Saneador.
ii) Improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
iii) Improcedente na vertente da impugnação por erro de direito, confirmando-se a sentença.
Custas pelo recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).