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COMUNICAÇÕES POR CORREIO ELETRÓNICO
ASSINATURA DIGITAL
COMUNICAÇÕES POR TELECÓPIA
APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS DO ACTO TELECOPIADO
PROPORCIONALIDADE
Sumário
I. Admite-se a remessa de peças processuais através de correio electrónico mas a respetiva validade endoprocessual está condicionada à observação das regras constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, nomeadamente, nos seus artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10, este remetendo diretamente para o regime do uso de telecópia estabelecido no artigo 4.º do DL 28/92, de 27 de fevereiro, que impõe que os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de dez dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos (prazo introduzido pelo artigo 6.º, n.º 1, al. b), do DL 329-A/95) . II. A notificação para exibição dos originais, prevista no n.º 5 do artigo 4.º do referido DL 28/92, de 27 de fevereiro, refere-se aos casos do n.º 4 («originais de quaisquer outras peças ou documentos») e não também aos casos do n.º 3 («originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados»).
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I.
Por despacho, datado de 20-06-2022, o Mmo. JIC do Juízo de Instrução Criminal ..., Comarca ..., rejeitou o requerimento de abertura da fase de instrução apresentado pelo arguido AA no Proc. 1481/20.1GBABF.
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o acima referido arguido, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:
“1. O recurso tem como objeto o despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido/Assistente por entender que este é legalmente inadmissível;
2. Conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de fevereiro e na alínea b), do n.º 1, do artigo 6º, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, enviada por correio eletrónico simples, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a rejeição liminar do requerimento;
3. A rejeição do Requerimento de Abertura de instrução remetida, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do ato, deve pressupor a prévia notificação determinada pelo juiz para o original do Requerimento de Abertura de Instrução, para que este seja incorporado no processo;
4. Apenas no caso de a parte não apresentar o original do requerimento, aquando da sua notificação para o efeito, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92 de 17 de Fevereiro, rejeitar-se o requerimento de abertura de instrução;
5. Todas as intervenções das Advogadas Signatárias no processo foram enviadas por correio eletrónico simples, através das contas de e-mail da Ordem dos Advogadas, sem assinatura digital ou validação cronológica;
6. Não foram entregues, posteriormente àquele envio, o original dos requerimentos e seus respetivos documentos;
7. Todos os requerimentos foram aceites, e foram objeto de despacho sempre;
8. Em momento algum, foi imputado qualquer vício de forma a tais requerimento e respetivos envios;
9. Tem existido uma prática reiterada de aceitação, em fase de inquérito, das peças processuais enviadas por correio eletrónico simples sem necessidade de envio do original posteriormente;
10. Da situação permissiva de aceitação do envio das peças processuais através de correio eletrónico simples sem necessidade do envio do original posteriormente surge uma expetativa jurídica a favor de quem se começou a produzir um facto complexo, de formação sucessiva, de onde resulta, quando, concluído, um direito ou a sua atribuição;
11. Consequentemente o Requerimento de Abertura de Instrução foi enviado aos autos por correio eletrónico simples pois, naturalmente, existia a convicção de que tal forma de envio não padecia de qualquer vício;
12. Ainda que não se encontrem respeitados todos os pressupostos legais constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, a não entrega do original do Requerimento de Abertura de Instrução não pode culminar imediatamente na inadmissibilidade do ato processual como ocorreu nos presentes autos;
13. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a solução adotada pelo Tribunal a quo é demasiado drástica, não correspondendo de todo ao que o legislador pretendeu consagrar;
14. E entendimento do Recorrente que, não fixando a lei cominação específica para a falta de apresentação do original do Requerimento de Abertura de Instrução, deveria o Tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, notificar o Recorrente para apresentar o original do Requerimento de Abertura de Instrução, deveria o tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4º do decreto-Lei n.º 28/92 de 27 de Fevereiro, notificar o recorrente para apresentar o original do requerimento de Abertura de Instrução sob pena, aqui sim, de não aproveitar à parte o ato praticado através de telecópia, o que não aconteceu;
15. O Requerimento de Abertura de Instrução foi enviado no dia 9/05/2022, por correio eletrónico simples, que, por não se mostrar eletronicamente assinado e por falta de validação cronológica do respetivo ato de expedição, tem o valor e telecópia;
16. A apresentação do original do Requerimento de Abertura de Instrução tem como única função a de confirmar o ato anteriormente praticado, através d telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo este para completar ou corrigir quaisquer deficiências da telecópia;
17. Deve o despacho ora recorrido ser revogado e proferido outro e que o Recorrente seja notificado para apresentar o original do Requerimento de Abertura de Instrução.”
Termina no sentido da revogação da decisão e sua substituição por outro que ordene a notificação do Recorrente para juntar aos autos o original do Requerimento de Abertura de Instrução.
O M.º P.º respondeu no sentido da manutenção do despacho recorrido, concluindo singelamente que “Nesta conformidade, uma vez que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido AA não respeita as exigências de forma atrás citadas, bem agiu o Mer.º JIC em rejeitar tal requerimento, porque legalmente inadmissível, nos termos do art. 287 n.º 3 do CPP.”
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunt teve vista nos autos, elaborando parecer em que, subscrevendo a motivação de recurso e aditando referências jurisprudenciais, propugna a improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido oferecida resposta ao parecer.
II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
No caso dos autos, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal limita-se à apreciação da questão de saber se houve incorrecta interpretação e aplicação no despacho recorrido, do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente à rejeição do requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido.
Da decisão recorrida consta, na parte ora relevante:
“Requerimento de abertura da fase de instrução de 10.05.2022 [ref.ª ...45 – fls. 430-438]: Visto. Consigna-se que não foi entregue – ou remetido por correio – o original do requerimento de abertura da instrução que consta a fls. 430 e s. (arguido AA).
Da invalidade da prática do acto processual. Conforme foi salientado no despacho de 15.06.2022, fls. 449, não se alcança, seja através da plataforma citius, seja pelo exame do processo físico, se o correio electrónico de fls. 430 e seguintes, foi enviado com ou sem aposição de assinatura electrónica avançada e com ou sem validação cronológica (cf. artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 da Portaria 642/2004, de 16/06). Através das informações solicitadas, cf. fls. 450-451, foi possível concluir que no supra referido requerimento não se encontra aposta assinatura digital ou MDDE. Qual a consequência? O Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência, através do Acórdão nº 3/20141, com o seguinte sentido: “em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrônico, nos termos do disposto no artigo 150,°, n.° 1, alínea d) e n º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.° 324/2003, 27.12 e na Portaria nº 642/2004, de 16.06. aplicáveis conforme o disposto no artigo 4° do Código de Processo Penal”. Ou seja, podem ser remetidas peças processuais de processo penal através de correio eletrónico, mas tal envio tem de respeitar as regras constantes na Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que apenas foi revogada para as ações declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal e às acções executivas cíveis, com excepção da apresentação do requerimento executivo, permanecendo aplicável no que respeita ao envio de peças processuais em processo penal. Por conseguinte, estabelece o artigo 3.°, n.º 1 da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho que “o envio de peças processuais por correio eletrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n,° 290-D/99 de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada” e, além do mais, nos termos do n.º 3 do referido artigo, “a expedição da mensagem de correio electrónico dever ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2 º do Decreto-Lei nº 290D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea”. Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.12.20162 “a prova electrónica em ambiente digital caracteriza-se pela volatilidade, instabilidade, diversidade de tecnologias utilizadas e o anonimato oferecido pelas TIC Tecnologias da Informação e da Comunicação; o Message - Digest Algorithm 5 (MD 5), utilizado na assinatura digital certificada, gera uma mensagem com um código de identificação único e irrepetível, a que se denomina função "hash", sobre determinado conteúdo de mensagem de correio electrónico; o valor MD5 é, assim, o equivalente ao DNA digital, na medida em que é univocamente identificada uma determinada informação de carácter digital, pois só assim, se garante que a informação transmitida tem as características necessárias para produzir os efeitos legais pretendidos, ou seja, características de integridade, de molde a assegurar que o conteúdo da informação produzida e transmitida a Juízo não foi alterado de forma propositada ou acidental; e características de autenticidade, de molde a permitir identificar inequivocamente o responsável pela produção da informação electrónica, o propósito e em que termos esta foi produzida e o controlo exclusivo por parte do possuidor ou possuidores dessa informação.” No caso em concreto, o requerimento para abertura da fase de instrução, enviado por correio electrónico pelo arguido AA em 09.05.2022, não contém assinatura digital certificada nem se encontra cronologicamente validado, o que teria ocorrido com a utilização de MDDE (marca do dia eletrónica). Daqui decorre que o modo de envio do requerimento não se ajusta à norma de permissão que se extrai do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, da Portaria n.º 642/2004. O requerimento de abertura da instrução foi remetido a juízo por correio electrónico simples. A ser assim, como é, rege o artigo 10.º da referida Portaria, o qual prescreve a aplicabilidade do regime estabelecido para o envio através de telecópia, consagrado no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27.02. De acordo com o artigo 4.º deste diploma legal: “1- As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.
(…)
3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”. O prazo de 7 dias deve ter-se alargado para 10 em consequência do disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12. Na data em que proferimos o presente despacho (20.06.2022) já decorreram mais de 10 dias contados desde a data do envio do correio electrónico (09.05.2022). Até este momento não ocorreu a entrega do original do requerimento de abertura da instrução, nem tão pouco se verificou a respectiva remessa por correio, o que se consigna para os termos do artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16.06. Conforme é evidenciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.10.2019, “permitir a prática de um acto sem ser pela forma processualmente estabelecida, representa um intolerável favorecimento da parte que infringe a regra em detrimento da outra que a acata e, à sombra da prevalência do primado da substância sobre a forma, abrir-se-á a porta à eventual admissibilidade de interposição de recursos por outras vias igualmente perspectiváveis (v.g. através de envio de um CD) e, por esse motivo, à instalação do arbítrio.”3 De outra banda, sempre se dirá, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, que a realização de um convite por parte do Tribunal para junção dos originais redundaria na clara postergação de um dever legalmente imposto (o previsto n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92) e na “implosão” do prazo peremptório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.4 Tal procedimento acabaria, assim, por desequilibrar, sem que para tanto se vislumbre razão válida os interesses em conflito que gravitam no procedimento processual penal. Assim sendo, o requerimento de abertura de instrução, não preenchendo os requisitos exigidos pelas normas jurídicas aplicáveis, torna-se inexistente e é legalmente inadmissível. Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por legalmente inadmissível rejeita-se o requerimento de abertura da fase de instrução apresentado pelo arguido AA. 1Diário da República, lª Série, de 15 de Abril de 2014. 2Proc. 4069/13.0TACSC-5, disponível em www.dgsi.pt. 3Proc. n.º 2428/10.9TBEVR.E2, disponível em www.dgsi.pt. 4Neste sentido, entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, proc. n.º 914/18.1T9ABF-B.E1, de 13.04.2021, proc. n.º 914/18.1T9ABF-A.E1, de 13.07.2021, proc. 1670/18.9T9FAR.E1, de 09.03.2021 e proc. n.º 157/19.7T9RMZ-A.E1, de 08.02.2022, todos disponíveis em www.dgsi.pt.”
Apreciando:
Apresenta-se incontroverso e estabilizado em recurso, tal como se consignou no despacho recorrido, que o requerimento de abertura da instrução foi remetido a juízo por correio electrónico, sem a aposição de qualquer assinatura electrónica e sem validação cronológica bem como que se mostram, à data do despacho ora em crise, decorridos mais de dez dias contados desde a data do envio do correio electrónico (a 09.05.2022) sem ocorrer a entrega do original do requerimento de abertura da instrução nem a sua remessa por correio.
Com relevo para a questão a apreciar, importa mencionar que no processo não foi feito qualquer convite/notificação ao arguido, requerente da instrução, para apresentar o original daquele requerimento.
Tal como se mostra consignado no despacho recorrido, a admissibilidade da remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico (art.º 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC e Portaria n.º 642/2004, ex vi art. 4.º do CPP), bem como de acordo com a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no AFJ n.º 3/2014 («em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria nº 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal») apresenta-se pacífica.
Também se mostra pacifico que “a validade endoprocessual do requerimento remetido a juízo por correio electrónico está condicionada à observação das regras constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, nomeadamente, nos seus artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10.º”, prescrevendo o primeiro: “1 - O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada. (…) 3- A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea”, e ditando o segundo, sob a epígrafe “correio electrónico sem validação cronológica”: “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.
Este regime do uso de telecópia , na parte que ora releva, encontra-se estabelecido no art.º 4.º do DL 28/92, sob a epígrafe “força probatória”, que “1- As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.(…) 3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos” (agora prazo de dez dias – art.º 6.º, n.º 1, al. b), do DL 329-A/95).
Da análise deste regime acabado de citar, nenhuma consequência se mostra ali especificamente estabelecida pela não remessa/envio do original das peças processuais no prazo ali estabelecido, como claramente se extrai da ausência de indicação ali de qualquer efeito cominatório.
Quanto a este efeito cominatório, existem divergências jurisprudenciais de que são exemplo as esgrimidas, seja no despacho recorrido, seja na motivação do recorrente e, finalmente também no douto parecer do Exmo. PGA.
Constatamos por essas referências que a maioria da jurisprudência desta Relação, exposta nos acórdãos referidos no despacho recorrido, se manifesta no sentido de não ser admissível convite/notificação do requerente da instrução para a junção do original, embora nesta mesma Relação já tenham sido proferidos acórdãos em sentido contrário, os datados de 7.6.2022, de 10.5.2016 e de 27.11.2008, e na Relação de Lisboa de 11.10.2018, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Por relação a alguns dos invocados no despacho recorrido, pomos em destaque os proferidos pelo Exmos. Desembargadores João Amaro, datado de 13.07.2021, e Nuno Garcia, datado de 8.02.2022, o primeiro no sentido de que “não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse “convite” e por violação, caso se fizesse um tal “convite”, de elementares princípios do processo penal português (essa questão, aliás, também foi tratada no despacho revidendo, onde, de modo resumido, mas claro, apreensível e totalmente correto, foi rejeitada a pretensão da formulação ao ora recorrente do “convite ao aperfeiçoamento” agora invocado em sede recursiva)” e, o segundo, quando manifesta “A notificação para exibição dos originais previstas no nº 5 do artº 4º do referido D.L. 28/92 de 27/2 refere-se aos casos do nº 4 (“originais de quaisquer outras peças ou documentos”) e não também aos casos do nº 3 (“originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados”).”
Com o respeito que nos merecem aquelas posições e os respectivos autores, somos de concordar com os últimos, afastando-nos da posição adoptada no aresto mais recente proferido a 7.6.2022 nesta Subsecção Criminal, uma vez que o convite/notificação à remessa do original, apesar de não ser dirigido ao aperfeiçoamento do conteúdo do RAI, mas sim a um aspecto formal do mesmo acto processual, ainda assim representaria, na ausência de qualquer norma habilitante – e o legislador prevê expressamente o aperfeiçoamento para outros casos, não o tendo feito aqui, vg. art.º 417.º, n.º 3, do CPP –, sempre num favorecimento da posição do arguido/requerente em detrimento da posição do assistente, ambos merecedores a um processo justo e equitativo, o qual pressupõe o direito a um juiz de instrução imparcial.
Por outro lado, pegando agora na posição defendida no aresto desta Relação, datado de 7.6.2022, em que se afirma, na respectiva fundamentação: “Sufragamos o entendimento de que a rejeição do requerimento de abertura de instrução, remetido a juízo, pelo arguido, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do acto, por esse meio, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para apresentar o original do requerimento de abertura de instrução, para que seja incorporado no processo e que, só no caso, de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de Fevereiro, rejeitar o requerimento de abertura de instrução. O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, antes de rejeitar o requerimento de abertura de instrução corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar.”, a aplicação que ali faz do regime previsto no n.º 5 do art.º 4º do DL 28/92 mostra-se para além do que o mesmo o permite, uma vez que a sua utilização só pode ser dirigida à exibição dos originais de “quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia”, ou seja, os referidos no n.º 4 daquele preceito e não também os do n.º 3 (“originais dos articulados”) pois estes têm um regime de apresentação diverso: “devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”.
Nesta conformidade, reconhece-se não assistir razão ao recorrente, impondo-se manter o despacho recorrido
III.
Tudo visto e ponderado, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente – artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais -, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Évora, 22 de Novembro de 2022 João Carrola
Maria Leonor Esteves
Gomes de Sousa (vencido conforme declaração que segue)
Voto vencido pois que entendo que, caso se considere necessária a confirmação da autenticidade de peças processuais enviadas por correio electrónico, deverá convidar-se o requerente a, dentro de certo prazo, confirmá-lo e entregar na secretaria as peças remetidas, seguindo as posições adoptadas nos acórdãos da Relação de Évora de 05-04-2022 (proc. 757/20.2GDLLE.E1, sendo relator o Desemb. Moreira das Neves) e 24-05-2022 (proc. 975/17.0T9EVR-A.E1, sendo relatora a Desemb. Fátima Bernardes), por mim igualmente assumida no acórdão desta mesma sessão de 22-11-2022, lavrado no processo 115/21.1GAPRL-A.E1.