JUIZ
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
SANÇÃO DISCIPLINAR
FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
TAXA DE JUSTIÇA
Sumário


I- Constitui-se como insusceptível de invalidação a deliberação do Permanente do CSM/SAID, que configurou como infracção disciplinar grave de magistrado judicial a ausência continuada ao serviço de carácter injustificado e não comunicada por quatro dias consecutivos, traduzida em desrespeito pelos horários estabelecidos para actos públicos, com a não realização/adiamento das diligências judiciais agendadas (mesmo estando presente no tribunal) ou a sua realização por juiz substituto, assim como o adiamento de diligência sem a subsistência do impedimento dado como justificativo, uma vez envolvendo o incumprimento dos deveres de assiduidade, zelo, prossecução do interesse público e lealdade (arts. 82.º, 83.º-H, 1, e), e 83º-J, EMJ), considerando (i) não verificada a nulidade do procedimento disciplinar à luz do art. 123º, 1, do EMJ, (ii) não verificado erro notório ou manifesto na valoração da prova, (iii) não verificada a falta de fundamentação ou a manifesta obscuridade, contradição (incongruência) ou insuficiência do discurso fundamentador quanto ao valor probatório de atestado médico (arts. 151º, 1, d), 152º, 1, a), 153º, 1 e 2, CPA); (iv) não verificada a violação do princípio da imparcialidade (art. 9º do CPA); e (v) não verificada violação de lei por erro nos pressupostos de facto (ainda para efeitos de aplicação do art. 163º do CPA).
II- Constitui-se como fundada legalmente e adequada a condenação em multa para tal infracção grave, em valor correspondente a três remunerações base diárias, além da perda de vencimento e não contabilização do tempo de ausência ilegítima do serviço (quatro dias) para efeitos de antiguidade, nos termos dos arts. 84º, 91º, 1, b), 93º, 99º, 1, 10º, 6, 74º, c), do EMJ, em concreto mais favorável relativamente à data da prática dos factos na determinação da pena.
III- O magistrado que intenta acção administrativa de impugnação de deliberação do CSM para obter a improcedência de uma sanção disciplinar que estima ser ilegal, no âmbito de um procedimento desencadeado pelo respectivo órgão de controlo, gestão e disciplina, em matéria do foro profissional-deontológico, não está isento do pagamento da taxa de justiça inicial, não se lhe aplicando o art. 179º, 1, do EMJ, em função da sua conjugação sistemática e racional com o art. 4º, 1, c), do EMJ e 17º, 1, f), do RCP (ex vi art. 179º, 2, do EMJ).

Texto Integral





Processo N.º 49/20.7YFLSB
Acção Administrativa de Impugnação de Deliberação do CSM


Autora:         

AA, Juiz de Direito

Entidade Demandada: Conselho Superior da Magistratura (CSM), Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente

Acto Impugnado: Deliberação da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente do Conselho Superior da Magistratura, proferida em 17/11/2020


Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. Em 16/10/2019, o Senhor Juiz Presidente da Comarca ... dirigiu a seguinte exposição ao CSM a propósito da conduta da Juiz de Direito AA:


1. No dia 18 de setembro de 2019, pelas 09H30, a Senhora Juíza de Direito, Dra. AA, alegando indisposição súbita, não realizou a audiência de julgamento no âmbito do processo 45/16.....
2. Após isso, a Senhora Juíza manteve-se no seu gabinete, a despachar processos, até à hora de almoço.
3. Encontrava-se agendada, para as 14H00 do referido dia, no âmbito do processo 20/17...., diligência de audição de arguido.
4. A Sra. Juíza não compareceu no tribunal para realizar a dita diligência, nem à hora marcada, nem ulteriormente durante aquele dia.
5. E não comunicou a quem quer que seja do tribunal a impossibilidade de comparecer.
6. Perante a ausência e a falta de contacto da Sra. Juíza, os oficiais de justiça do Juízo em questão tentaram estabelecer contacto telefónico, mas sem sucesso.
7. Também eu próprio efetuei chamada telefónica para a Sra. Juíza, mas não fui atendido nem obtive qualquer resposta ulteriormente.
8. Quando eram 16H05, perante a ausência da Sra. Juíza, foi necessário fazer intervir juiz substituto, para assegurar a realização da diligência.
9. O dia 18.09.2019 chegou ao seu termo, sem que fosse dado conhecimento ao tribunal das razões da ausência ao serviço da Sra. Juíza.
10. Para as 09H30 do dia seguinte, encontrava-se agendada, no âmbito do processo 225/16...., audiência de julgamento.
11. Tendo-se aguardado pela comparência da Sra. Juíza, tal não acabou por não se verificar, pelo que, quando eram 10H55, fez-se operar a sua substituição por juiz substituto.
12. Para as 12H00 do mesmo dia 19, encontrava-se agendada, no âmbito do processo 571/16...., leitura de sentença, a qual não se realizou, pelo facto de a Sra. Juíza não ter comparecido no tribunal.
13. Para as 14H00 do mesmo dia, encontrava-se agendada, no âmbito do processo 339/18...., audiência de julgamento.
14. Dado que a Sra. Juíza não compareceu no tribunal, fez-se operar a sua substituição por colega, que assegurou a realização do julgamento.
15. O referido dia 19 chegou ao seu termo sem que a Sra. Juíza tivesse comparecido no tribunal, e sem que tivesse contactado diretamente qualquer oficial de justiça, juiz de direito ou juiz presidente do tribunal, no sentido de dar qualquer explicação para a sua ausência ao serviço.
16. Ao que parece, terá contactado apenas a Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. BB, dando-lhe conta da sua indisponibilidade para realizar as diligências agendadas, informação que a Sra. Procuradora-Adjunta terá transmitido aos oficiais de justiça do Juízo em questão.
17. No dia seguinte, 20, a Sra. Juíza voltou a não comparecer no tribunal.
18. Pelas 15H00 desse dia, contactou os oficiais de justiça do Juízo e solicitou-lhes a abertura de conclusão, no âmbito de três processos (135/15....; 1682/18....; e 94/16....), tendo em todos eles, no mesmo dia, proferido despacho dando sem efeito diligências que se encontravam agendadas para a semana seguinte.
19. Na segunda-feira seguinte, dia 23, a Sra. Juíza voltou a não comparecer no tribunal.
20. Por volta das 09H10 do dia 23, contactou, por telefone, os oficiais de justiça do Juízo, dando conta de que iria adiar a realização do debate instrutório, agendado para as 14H00, no âmbito do processo 401/15.....
21. A Sra. Juíza, por despacho proferido no dito processo, adiou a referida diligência, invocando a continuação de audiência de julgamento no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ....
22. A Sra. Juíza só voltou a comparecer no Juízo Local Criminal ... no dia 25.09.2019.
23. A Sra. Juíza não me dirigiu qualquer pedido de autorização ou justificação da ausência ao serviço durante o referido período de tempo.
24. Não tenho conhecimento de algum pedido semelhante dirigido pela Sra. Juíza ao Conselho Superior da Magistratura ou à Sra. Presidente do Tribunal do Tribunal da Relação ....

2. Em 23/10/2019, o Senhor Vogal do Conselho Superior da Magistratura determinou:


Apresente ao Ex.mo Sr. Vice-Presidente do C.S.M., com proposta de que, considerando os factos expostos pelo Ex.mo Sr. Juiz Presidente da Comarca ..., suscetíveis de, em abstrato, consubstanciarem violação de deveres funcionais por parte da Sr.ª Juíza de Direito Dr.ª AA, seja instaurado inquérito para averiguação das circunstâncias da ocorrência de tais factos e aferição da sua relevância disciplinar.

3. Em 23/10/2019, o Senhor Vice-Presidente do CSM determinou que se procedesse a inquérito.

4. Em 24/10/2019, o Senhor Inspector Judicial declarou iniciado o inquérito, nos seguintes termos:


Declaro iniciado o inquérito, com o objecto definido pelo Conselho Superior da Magistratura (o constante da comunicação do Exmo. Sr. Presidente da Comarca ... de 17/10/2019), em que é visada a Exma. Sra. Juíza de Direito Dra. AA.
*
Dê conhecimento, com cópia do presente despacho, a sua Excelência, o Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, e bem assim à Exma. Sra. Juíza visada da data fixada para o início da instrução – Arts. 114º, nº 3 e 133º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
*
Solicite ao Tribunal da Relação ... informação quanto às faltas e outras ausências ao serviço comunicadas pela Exma. Sra. Juíza de Direito visada desde Setembro do corrente ano.
Solicite a mesma informação ao Conselho Superior da Magistratura e ainda se foi solicitada autorização de residência fora da Comarca ... por parte da Sra. Juíza visada.

*
Para audição da Exma. Sra. Juíza de Direito visada, conforme previamente acordado, designo o dia 28/10/2019, pelas 14.30 horas, nas instalações o edifício onde funciona o Juízo Local Criminal ....

5. Em 28/10/2019, a Autora foi ouvida no âmbito do Inquérito 2019/..., tendo prestado as seguintes declarações:


Quanto ao item 1 da comunicação do Ex.º Senhor Presidente da Comarca ... corresponde à verdade que efectivamente teve uma indisposição súbita, sendo por isso que não realizou a diligência de julgamento no processo 45/16.
Quer no entanto esclarecer que nesse dia veio trabalhar adoentada, uma virose gripal, tendo sido objecto de uma partida/brincadeira dos senhores procuradores adjuntos, Dr.ª CC e Dr. DD, e um procurador da república cujo nome não sabe, do Juízo Central, e do Sr. Juiz de Direito, Dr. EE, que sabe fazer parte da associação sindical não sabendo o seu apelido.
Tal partida agravou-lhe o estado de indisposição, pois que o Dr. EE e o Dr. DD fizeram-se passar por inspector judicial e inspector da polícia judiciária respectivamente, tendo-Ihe pedido a sua agenda pessoal e verberado o facto de ter férias pessoais até tão tarde (11/9).
O Dr. EE com ar zangado pediu-lhe ainda certidão da primeira sentença que proferisse, tendo havido situações semelhantes nessa altura que agora não se recorda.
O Sr. Procurador da República disse-lhe ainda que tinha lá fora doze arguidos detidos para primeiro interrogatório e que deveria adiar o serviço todo e que os interrogatórios se iriam prolongar pela noite dentro.
Isto durou até cerca das dez horas, isto quando os outros procuradores entraram no gabinete a rir-se, altura em que o Dr. EE e o Sr. Procurador começaram também a rir-se e tendo dito que era tudo uma brincadeira.
Nessa decorrência sentiu-se ainda mais enjoada, humilhada, ridicularizada e envergonhada.
Uma vez que estava fisicamente indisposta e psicologicamente abalada ficou no seu gabinete a despachar processos até à hora de almoço, tendo comunicado às senhoras funcionárias FF e GG e à Sr.ª Procuradora BB que não iria realizar o julgamento de manhã, que puderam constatar o estado de debilidade em que se encontrava.
Confirma os itens 3 e 4, mas esclarecendo que tinha previamente dito às referidas pessoas que estava doente.
Nesse dia esteve de cama em sua casa até ao dia seguinte, não tendo atendido telefonemas de números desconhecidos.
Refere que não tem os números de telefone das senhoras funcionárias de justiça, nem do Sr. Juiz Presidente da Comarca, esclarecendo que apesar do mesmo lhe ter ligado previamente algumas vezes nunca guardou o seu contacto, algo que assume como sendo um lapso da sua parte.
Confirma o item 9, esclarecendo que só deu conhecimento às senhoras funcionárias e à Sr.ª Procuradora Adjunta.
Confirma também os itens n.os10,11,12,13,14 e 15.
Esclarece que contactou através de SMS a Sr.ª Procuradora Adjunta, informando-a da sua indisponibilidade para a realização das diligências, tendo pedido para informar o Tribunal desta indisponibilidade
Confirma o item n.º 17, esclarecendo que não tinha diligências agendadas, e ficou a trabalhar em sua casa em ..., onde tem a sua residência familiar.
Confirma o item 18, informando que o processo de ... é o processo Comum Singular n.º 22/14...., sendo sua convicção que o processo já tinha sido agendado para 24 de Setembro antes das férias judiciais.
Questionada a Sr.ª Juíza sobre os processos do item 18 terem já sido agendados por si para o dia 24/09, pela Sr.ª Juíza visada foi dito que terá sido um lapso que gerou um mau agendamento.
Confirmou os itens 19, 20 e o 21.
Questionada sobre o facto da continuação do processo de ... ser apenas para o dia 24, referiu que fez o adiamento do processo de ... do dia 23 para evitar deslocações demoradas desde a sua residência em ..., e que o processo não era urgente.
Confirma também o item 22.
Questionada, refere ainda que não justificou perante o CSM, Relação ... ou Presidência de ... as sua ausências ao serviço, reconhecendo ter-se tratado de um erro da sua parte que não voltará a repetir-se.
Apesar de referir ter muito serviço disse ter cumprido as suas funções com zelo e que tem tudo em dia.
E mais não disse. Lido o seu depoimento o achou conforme, ratificou e vai assinar. (…)
Para constar se lavrou o presente auto que, depois de lido e achado conforme, vai ser devidamente assinado.”.

6. Em 30/10/2019, o Senhor Inspector Judicial elaborou Relatório Final, propondo a instauração de procedimento disciplinar e que o inquérito precedente constituísse a parte instrutória desse processo.

7. Na sessão do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, realizada em 26/11/2019, foi deliberado “instaurar procedimento disciplinar contra a Sra. Juíza visada, Dra. AA, pela violação dos deveres de assiduidade, lealdade, de zelo e de prossecução do interesse público em relação às ausências ao serviço nos dias 18,19, 20 e 23 de Setembro de 2019 e o presente inquérito constituirá a parte instrutória do processo disciplinar, uma vez que ocorreu a audição da Sra. Juíza visada (art. 135.º, n.º 1 do EMJ)”.

8. Em 10/12/2019, o Senhor Inspector Judicial deduziu Acusação contra a Autora, imputando-lhe a prática de “uma infracção disciplinar por 4 dias consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas por violação dos deveres funcionais de assiduidade, de lealdade, de zelo e de prossecução do interesse público, infracção resultante da violação do disposto nos artigos 8°, n.º 1, 9.º, n.º 1, 10.°, n.os 1 e 2 e 82.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73.º, n.os 2, alíneas i), g), e) e a), 11, 9, 7 e 3, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20/06, "ex vi" dos artigos 32.º e 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e punível com pena de multa de 5 a 90 dias – cfr. artigos 85.º, n.º 1, alínea b), 87.º e 92.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais –, para além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço (quatro dias), nos termos dos arts. 10.º, nº 5 e 74.°, al. c), também do Estatuto dos Magistrados Judiciais”; fixou-se em 20 dias o prazo para apresentação da defesa.

9. Notificada da Acusação, a Autora apresentou Defesa, que se transcreve:

 

1. É verdade que a signatária esteve doente de 18-09-2019 a 23-09-2019, e que realizou continuação de julgamento no processo comum singular n.º 22/14.... no Tribunal de Competência Genérica ... no dia 24-09-2019, e, consequentemente, não realizou as diligências que se encontravam marcadas nesses dias (18, 19, 23 e 24 de Setembro), nem compareceu no Tribunal (excepto no dia 18-09-2019 da parte da manhã), apenas tendo comparecido no Juízo Local Criminal ... no dia 25-09-2019 – admite, assim, os factos 6, 8, 15, 17, 18,27, 28, 31 e 32 da acusação;

2. De facto, no dia 18-09-2019, de manhã e encontrando-se no Tribunal ..., a signatária sentiu-se muito doente, e fisicamente incapaz de realizar as diligências que se encontravam agendadas;

3. Sendo igualmente verídico o referido em 7: apesar da situação de doença altamente incapacitante, a signatária "manteve-se no seu gabinete a despachar processos até à hora de almoço";

4. Também é verdade que comunicou a situação de doença a duas funcionárias judiciais, bem como à Sr.ª Procuradora Adjunta, Dr.ª BB, tendo esta última transmitido aos oficiais de justiça do Juízo em questão – admite, assim, os factos 9 e 21 da acusação;

5. Uma vez que tal é verdade (pontos 9 e 21 da acusação) obviamente são falsos os factos imputados 10,14 e 20, por estarem em contradição com os primeiros: afinal comunicou ou não comunicou a situação de doença?;

6. Em relação às tentativas de contacto mencionadas em 11 e 12, admite como possíveis, pois que, sendo o início do ano e apenas tendo tomado posse dia 12-09-2019 (em virtude de ter tido férias pessoais, homologadas pelo Conselho Superior da Magistratura, até dia 11-09-2019), ou seja, nem há uma semana quando ocorreram os factos, ainda não tinha gravados os respectivos números de telefone (quer do Tribunal quer do Juiz Presidente), tendo sido apenas com a Procuradora Adjunta supra identificada que trocara números de telefone;

7. Quanto às substituições referidas em 13, 16 e 19, tal foi-lhe dito posteriormente quando regressou ao serviço através dos funcionários e da Sr.ª Procuradora Adjunta, Dr.ª BB, pelo que são os mesmos verdadeiros;

8. Também é verdade que adiou as diligências marcadas para o dia 24-09-2019 para poder terminar o processo comum singular n.º 22/14...., no Tribunal de Competência Genérica ... – uma vez que se tratava de continuação de julgamento – factos 23 a 26 – não concordando com a parte em que se diz que tal "resultou de desorganização no agendamento" porque tais diligências foram reagendadas sem exceder os prazos legais;

9. Quanto ao adiamento do debate instrutório n.º 401/15...., é verdade o imputado em 28 a 30, sendo que em relação a este deveria ter fundamentado tal adiamento na situação de doença;

10. No entanto, tendo diligências marcadas para o dia 24-09-2019 em ..., entendeu não lhe ser exigível (e imprudente, atendendo ao estado de convalescença em que se encontrava) fazer tantas viagens apenas para a realização de: um debate instrutório (274km ... → ... na 2.ª feira; 225 km ... → ... e 225 km ... → ... na 3.ª feira), daí que o fundamento por si indicado não é inverídico;

11. Pecou – e por isso se penitencia – por, no despacho referido em 29., não ter invocado situação de doença (embora fosse igualmente verdade que tinha continuação de julgamento, apesar de no dia seguinte ao da diligência desconvocada);

12. Admite ainda o 33.º facto, ou seja, que não fez nenhuma comunicação formal a nenhum dos órgãos mencionados (a tê-lo feito a sua situação encontrar-se-ia salvaguardada, pois que apenas falhou ao não ter justificado as faltas junto do Tribunal da Relação ...);

*

13. Estes os factos: ficou doente e não pôs baixa médica – e como "contra factos não há argumentos" tudo o mais é extrapolar uma situação de doença para violação de deveres deontológicos, cujos factos não permitem concluir;

14. Em momento algum considerou sequer como possível que tais comportamentos constituíam infração disciplinar – pois que entende que não constituem – e eram punidos disciplinarmente (é falso o 36.° facto);

15. Na verdade, foi sempre preocupação da signatária não prejudicar o serviço – como bem resulta do 7.º facto da acusação, ou seja, apesar da situação de doença continuou a despachar processos;

16. São testemunhas da situação de desconforto e sofrimento físico em que se encontrava no dia 18-09-2019 as duas funcionárias que, por diversas vezes, entraram no seu gabinete, tendo uma delas sugerido que fosse para casa descansar – de onde se pode presumir que era visível e evidente que não estava em condições de trabalhar e, ainda assim, fê-lo;

17. Assim como é indício do cumprimento zeloso dos seus deveres deontológicos que, apesar de doente, continuou a trabalhar em casa, a despachar processos, como é percetível da sua actividade via citius;

18. Compreende, no entanto, que uma má interpretação da sua conduta possa ter gerado o presente processo, na medida em que, e conforme já admitiu, no cumprimento rigoroso das normas legais e regulamentares, deveria ter procurado um médico e pedido um atestado, comunicando em seguida ao Tribunal da Relação ...;

19. Não deixa de ser irónico que apenas não o fez porque tal implicava ter de se deslocar ao Centro de Saúde para pedir uma baixa médica, o que implicava perder no mínimo duas horas, quando era sua prioridade o serviço, que acusam de desconsiderar;

20. Assim, e em conclusão, admite que optou por ficar em casa a despachar processos – para não sofrer atrasos – em vez de ir ao médico pedir uma baixa médica (na altura pareceu-lhe a melhor opção, ou seja, a mais de acordo com os seus deveres de prossecução do interesse público);

21. Assim, o que moveu a arguida foi a vontade de despachar o serviço, tendo estas boas razões sido interpretadas de forma distorcida, oposta à verdadeira razão, pois na verdade, o que a moveu foi sempre tentar não prejudicar o serviço, como se disse e reitera;

22. Importa trazer à colacção que a arguida, com muita dedicação e esforço, desempenha as suas funções;

23. Pese embora não se trate de caso único a nível nacional – pois que tem colegas que atravessaram/atravessam igual situação – não pode deixar de mencionar que (e como também é dito na acusação) tem a sua vida familiar em ..., onde deixa os dois filhos (de 10 e 2 anos de idade), todas as semanas, ao cuidado de outros membros do agregado familiar (pai e avós), o que tem sido muito doloroso, sendo o presente processo – é preciso dize-lo –  mais um violento incidente neste penoso percurso profissional;

24. Além de ser este processo injusto e desnecessário – uma vez que a arguida tem perfeita consciência da responsabilidade dos seus deveres, sendo todos os que consigo trabalharam testemunhas disso mesmo – não compreende e ficou perplexa quando do mesmo teve conhecimento;

25. É que foi desde o início do conhecimento geral no Tribunal ... a sua frágil situação, e, face à mesma, esperava ser amparada (também existem deveres de lealdade entre colegas);

26. Ao invés, foi vítima de uma participação disciplinar pelo simples facto de ter ficado doente e não ter posto baixa médica;

27. Como dizia o escritor do século XVIII Marquês de Vauvenargues "Não podemos ser justos se não formos humanos" – pode alguém afirmar, de consciência tranquila, que estamos perante uma situação de violação de deveres profissionais que desencadeie um processo desta natureza?;

28. Para terminar, quer deixar claro que esteve sempre convicta e segura que, não atrasando os processos, não estaria a violar quaisquer deveres, tendo sido sempre esta a sua primeira (e única – admite) preocupação.

Nestes termos, e porque não existiu qualquer violação dos princípios e deveres consagrados no Estatuto dos Magistrados Judiciais, ou prática de actos que, pela sua natureza e repercussão, se mostrem incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções, não praticou a arguida qualquer infracção disciplinar, devendo ser absolvida e o processo arquivado.”

10. O Senhor Inspector Judicial admitiu a defesa e a prova apresentadas, agendando o dia 10/01/2020 para tomada de declarações à Autora e inquirição das testemunhas arroladas.

11. Durante a sua inquirição, ocorrida no dia 10/01/2020, a Autora declarou:

Prescindir da inquirição das testemunhas indicadas na defesa.
Reitera as declarações por si prestadas nos presentes autos no dia 28/10/2019.
Reconhece por isso que a não justificação das faltas foi um erro da sua parte, que não se voltará a repetir, sendo certo que até podia justificar as faltas com facilidade, dado o seu débil estado de saúde, e até porque os seus pais são médicos e lhe podiam ter passado um atestado médico a confirmar a sua efectiva doença.
Admite a infracção, estando arrependida da situação.
E mais não disse, Lido o seu depoimento o achou conforme, ratificou, e vai assinar. (…)
Para constar se lavrou o presente auto que/depois de lido e achado conforme, vai ser devidamente assinado.

12. Em 15/01/2020, o Ex.mo Senhor Inspector Judicial elaborou Relatório Final, no qual, concluindo que a autora incorreu na prática de uma infracção disciplinar por 4 dias consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, prevista no art. 83.º-I, e também especificamente na sua al. a), resultante da violação do disposto nos artigos 7.º-A, 8.º, n.º 1, 10.º, n.os 1 e 2 e 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com a alterações introduzidas pela Lei n.º 67/2019, de 27/08, propôs que lhe fosse aplicada a pena de advertência com dispensa do registo, para além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço (quatro dias), nos termos dos arts. 10.º, n.º 6 e 74.º, al. c), do referido diploma legal.

13. Pela Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente do CSM, em 18/02/2020, “foi deliberado por unanimidade não concordar com a pena proposta e determinar a remessa dos autos à distribuição para uma mais profunda análise e ponderação, devendo o Exmo. Relator, antes da proposta que oportunamente apresentará, dar cumprimento ao princípio da audiência prévia, notificando em conformidade e para o efeito a Exma. Juíza de Direito para, querendo, se pronunciar em 10 (dez) dias sobre o mesmo, nos termos dos artigos 121.º e 122.º do C.P.A., apresentando-se, posteriormente, para deliberação na sessão subsequente do Conselho Permanente”.

14. Distribuído o processo, na sequência da deliberação do Conselho Permanente, a Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente do Conselho Superior da Magistratura deliberou (em projecto de acórdão) aplicar à Autora a “sanção de multa em valor correspondente a 3 (três) remunerações base diárias, perfazendo o valor global de € 447,57, além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço (quatro dias), nos termos dos arts. 10.º, n.º 6 e 74.º, al. c) do referido diploma legal”.

15. Notificada do conteúdo da deliberação da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente de 18/02/2020, bem como do projecto de decisão para, querendo, pronunciar-se sobre o mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 121º e 122º do CPA, a Autora exerceu o seu direito de audiência prévia, pugnando pela declaração de nulidade do procedimento disciplinar, subsidiariamente pelo seu arquivamento, e, ainda subsidiariamente, pela aplicação de uma sanção disciplinar de advertência com dispensa de registo (16/10/2020).

16. Em 17/11/2020, a Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente do CSM adoptou a seguinte Deliberação:

Delibera a Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente do Conselho Superior da Magistratura,

I. Relatório

O Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura determinou, por despacho de 23 de outubro de 2019, a instauração de inquérito visando a atuação funcional da Sr.ª Juíza de Direito, Dra. AA, para apuramento de factos relacionados com a sua ausência injustificada e não comunicada ao serviço.

*
Concluída a instrução do inquérito, foi, em 30 de outubro de 2019, elaborado pelo Sr. Inspetor Judicial o relatório final, no qual, entendendo-se que havia indícios suficientes da prática, pela Sr.ª Juíza de Direito, de infração disciplinar, foi proposta a instauração de procedimento disciplinar e que o inquérito constituísse a parte instrutória desse processo.

*
O Permanente do C.S.M., na sessão de 26-11-2019, deliberou concordar com o teor da referida proposta e converter o inquérito em processo disciplinar.

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Foi deduzida acusação contra a Sr.ª Juíza de Direito, imputando-lhe a prática de uma infração disciplinar por quatro dias consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, em violação dos deveres funcionais de assiduidade, de lealdade, de zelo e de prossecução do interesse público, infração resultante da violação do disposto nos arts. 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, 10.º, n.os 1 e 2 e 82.º do E.M.J. e 73.º, n.os 2, alíneas g), i), e) e a), 11, 9, 7 e 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20/06), ex vi arts. 32.º e 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, punível com pena de multa de 5 a 90 dias – arts. 85.º, n.º 1, al. b), 87.º e 92.º do E.M.J. –, além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço (quatro dias), nos termos dos arts. 10.º, n.º 5 e 74.º, al. c), também do E.M.J..

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A Sr.ª Juíza de Direito arguida, notificada da acusação, apresentou defesa, batendo-se pela sua absolvição e pelo arquivamento do procedimento.
Para tanto, invocou, em suma, que, no período em causa nos autos, esteve doente e que, assumindo que deveria ter comunicado e justificado as faltas, não o fez para não perder tempo e não prejudicar o serviço, permanecendo em casa a despachar os processos para não sofrer atrasos.

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Foi elaborado pelo Sr. Inspetor Judicial o relatório final, no qual, concluindo que a Sr.ª Juíza de Direito incorreu na prática da infração disciplinar por que fora acusada, prevista no art. 83.º-I e também especificamente na sua alínea a), resultante da violação do disposto nos arts. 7.º-A, 8.º, n.º 1, 10.º, n.os 1 e 2 e 82.º do E.MJ., com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67/2009, de 27/08, propôs a aplicação à Sr.ª Juíza de Direito da sanção de advertência com dispensa de registo, além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço (quatro dias), nos termos dos arts. 10.º, n.º 6 e 74.º, al. c) do referido diploma legal.

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Submetido o processo à apreciação da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente do C.S.M., este Conselho deliberou por unanimidade não concordar com a sanção proposta pelo Sr. Inspetor Judicial e determinar a remessa dos autos a distribuição para uma mais profunda análise e ponderação, cometendo ao relator o dever de, antes da proposta a apresentar oportunamente, dar cumprimento ao princípio da audiência prévia, notificando em conformidade e para o efeito a Ex.ma Sr.ª Juíza de Direito para, querendo, se pronunciar em 10 dias sobre o mesmo, nos termos dos arts 121º e 122.º do C.P.A., apresentando-se posteriormente para deliberação na sessão subsequente do Conselho Permanente.

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Distribuído o processo, foi elaborado, na sequência da deliberação do Permanente, projeto de deliberação, no qual se concluiu que a sanção disciplinar adequada à conduta da Sr.ª Juíza deveria ser a de multa.

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Notificada a Sr.ª Juíza do projeto para o exercício do direito de audição prévia, pela mesma foi apresentada a sua defesa, concluindo:
i.- pela nulidade do procedimento disciplinar;
subsidiariamente,
ii.- pelo seu arquivamento, por não ter cometido a infração disciplinar que lhe foi imputada;
ainda subsidiariamente,
iii.- pela sujeição a sanção disciplinar de advertência com dispensa de registo.
Para tanto, e em síntese, invocou a seguinte ordem de razões.
Quanto à nulidade do processo disciplinar, alegou que, não se tendo considerado provado que as suas ausências ao serviço tivessem sido motivadas por doença, impunha-se, por existirem dúvidas a esse respeito, até porque tal resultara das suas declarações, a produção da prova testemunhal que arrolara para o efeito.
Assim, porque tal não ocorreu, padece o procedimento disciplinar de nulidade, o que deve ser declarado.
Quanto aos factos que suportam a imputada infração disciplinar, começou por referir que, relativamente ao dia 18 de setembro de 2019, foi acometida de uma indisposição súbita e comunicou imediatamente o facto às funcionárias judiciais e à Sr.ª Procuradora Adjunta.
Não é exato, por isso, dizer-se, como se disse no projeto de decisão, que não efetuou qualquer comunicação do sucedido.
A propósito do dia 19 de setembro de 2019, referiu que, porque continuasse doente naquele dia, informou a Sr.ª Procuradora-Adjunta da sua impossibilidade de comparecer no Tribunal para realizar as diligências agendadas, tendo esta, por seu turno, transmitido a informação aos Srs. Oficiais de Justiça.
A sua ausência ao serviço era, por conseguinte, do conhecimento do Tribunal.
Quanto ao dia 20 de setembro de 2019, invocou que nada é referido a propósito do mesmo, pelo que, até por não ter sido indagada sobre o sucedido em sede de declarações, não pode o facto em causa integrar infração disciplinar.
Finalmente, no que toca ao dia 23 de setembro, referiu que permaneceu na sua residência em ... por se manter combalida da doença de que padeceu; assim, tendo a continuação de um julgamento em ... no dia seguinte e não se sentindo capaz de efetuar a viagem de ida e volta de ... a ... no próprio dia, limitou-se a consignar, no despacho pelo qual adiou a diligência que tinha agendada para o dia 23 em ..., que tal adiamento se devia à necessidade da realização da diligência em ....
Alegou, ainda, a Sr.ª Juíza, a propósito dos factos que integram a infração disciplinar, que não é correto dizer-se que tenha admitido a prática de tal infração; que não é correto considerar-se não provado que as ausências ao serviço tenham sido causadas pela situação de doença em que se encontrava; e que os factos constantes dos autos não integram a prática de infração disciplinar.
A propósito da aplicação de sanção diversa da proposta no projeto de acórdão, afirmou que, considerando-se que é primária, que se mostra arrependida e que subjacente à infração estariam apenas quatro dias de ausência, bastaria, para acautelar as exigências de prevenção, a sua sujeição à sanção de advertência com dispensa de registo.
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- Da nulidade do procedimento disciplinar

Como se viu, a Sr.ª Juíza invocou que o procedimento disciplinar era nulo, pelo facto de, em inquérito, não se ter inquirido as testemunhas que arrolara, depois de se considerar não demonstrado que as suas ausências ao serviço tivessem sido motivadas por doença, apesar das dúvidas que, em função das declarações que prestou, subsistiam a esse propósito.
Não há, contudo, nulidade a atender.
Na verdade, é uma realidade a de que, em sede de inquérito e, posteriormente, em sede de procedimento disciplinar, não se considerou provado que as ausências ao serviço da Sr.ª Juíza nas quatro situações que suportam a imputação que lhe é feita nos autos tivessem como causa a situação de doença em que se encontraria.
Como decorre, contudo, do relatório final do Sr. Inspetor e, consequentemente, do projeto de decisão final elaborado, na origem de tal conclusão esteve a ausência de prova de natureza médico-clínica necessária para o efeito, uma vez que as meras declarações da Sr.ª Juíza se revelavam insuficientes para o efeito.
Ou seja, na origem da consideração como não provado do facto em questão esteve a posição de que tal facto, dada a sua natureza, só poderia ser demonstrado por documento técnico e científico relevante como seja um atestado médico.
Seria, como tal, de todo irrelevante para a produção da prova a inquirição das testemunhas arroladas pela Sr.ª Juíza a propósito desse facto, na certeza de que, firmada a posição de que tal facto carecia de demonstração por um determinado elemento de prova especialmente qualificado, nunca a sua falta poderia ser suprida por um elemento de prova falível como era o da prova testemunhal.
Acresce que, como resulta do auto de fls. 54, a Sr.ª Juíza prescindiu expressamente da inquirição das testemunhas que arrolara na sua defesa.
A não produção da prova testemunhal que carreara para os autos, mormente quanto ao facto em apreço, ficou a dever-se, como tal, ao modo como, sob a sua autonomia e a sua responsabilidade, organizou a sua defesa e não a qualquer ação ou omissão do Sr. Inspetor.
De resto, como flui das próprias declarações da Sr.ª Juíza, a obtenção de atestado médico a atestar a doença que alegou padecer no momento das ausências ao serviço era algo que lhe era facilmente acessível, pelo facto de os seus progenitores serem médicos.
Deste modo, além de ser a própria Sr.ª Juíza a reconhecer nas suas declarações, ao menos tacitamente, que o atestado médico era o documento adequado a justificar as faltas e, consequentemente, a atestar o facto em apreço, a não junção de um documento com tais características só a si se deveu.
Conclui-se do exposto, portanto, que a não produção da prova testemunhal arrolada pela Sr.ª Juíza não representa, no caso, omissão ou insuficiência de inquérito que possa ser consubstanciar uma nulidade.
Não há, deste modo, nulidade a atender, impondo-se o seu desatendimento, a declarar a final.

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Não há, pois, nulidades e, bem assim, exceções ou questões prévias a conhecer, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Cumpre, pois, apreciar e decidir.

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II.- Fundamentação

- De facto
Em face da prova produzida nos autos, com relevância para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos, de acordo com o relatório final do Sr. Inspetor Judicial, que, com exceção das alterações assinaladas, aqui se considera e reproduz nos termos do disposto no art. 153.º do C.P.A.:

“1 - A Sra. Juíza de Direito AA tem o seguinte percurso profissional:
- Ingresso no CEJ em .../.../2013 (... curso);
- Juíza de Direito estagiária, no Juízo Local ..., colocada por decisão de .../.../2014, com data de posse de .../.../2014;
- Juíza de Direito Efectiva, no Juízo Local de competência Genérica ..., colocada por decisão de .../.../2015, com data de posse em .../.../2015;
- Juíza de Direito Efectiva, no Juízo Local de Competência Genérica ..., colocada por decisão de .../.../2017, com data de posse em .../.../2017;
- Juíza de Direito Efectiva, no Juízo Local Criminal ..., colocada por decisão de .../.../2019, com data de posse de .../.../2019;
2 - Tem a seguinte classificação de serviço:

ClassificaçãoData de HomologaçãoTribunaisPeríodo
- Juízo de
Bom21/03/2017Competência Genérica ... - J...De 01/09/2015 a 30/11/2016

3 - Não tem antecedentes disciplinares registados;

4 - Na prossecução da função jurisdicional no Juízo Local Criminal ..., compete-lhe a tramitação dos processos n.ºs 45/16...., 20/17...., 225/16...., 571/16...., 339/18.... e 401/15....;

5 - Não tem faltas registadas/comunicadas desde Setembro de 2019 até 25 de Outubro de 2019;

6 - No dia 18 de Setembro de 2019, a Senhora Juíza de Direito, Dra. AA, alegando indisposição súbita, não realizou a audiência de julgamento no âmbito do processo n.º 45/16...., agendado para as 9.30 horas;

7 - Após isso, a Senhora Juíza manteve-se no seu gabinete, a despachar processos, até à hora de almoço;

8 - Encontrava-se agendada, para as 14H00 do referido dia, no âmbito do processo 20/17...., diligência de audição de arguido;

9 - A Sra. Juíza não compareceu no tribunal para realizar a dita diligência, nem à hora marcada, nem ulteriormente durante aquele dia, tendo, porém, dito da parte da manhã a duas funcionárias judiciais e à Sra. Procuradora Adjunta, Dra. BB, que estava doente;"

10 - Além do referido em 9, não efetuou outra comunicação acerca "da impossibilidade de comparecer para realizar a diligência agendada para as 14.00 horas no processo n.º 20/17....;

11 - Perante a ausência e a falta de contacto da Sra. Juíza, os oficiais de justiça do Juízo em questão tentaram estabelecer contacto telefónico, mas sem sucesso;

12 - Também o Sr. Juiz Presidente efectuou chamada telefónica para a Sra. Juíza, mas não foi atendido nem obteve qualquer resposta ulteriormente;

13 - Quando eram 16.05 horas, perante a ausência da Sra. Juíza, foi necessário fazer intervir juiz substituto, para assegurar a realização da diligência;

14 - O dia 18/09/2019 chegou ao seu termo, sem que fosse dado conhecimento ao tribunal das razões da ausência ao serviço da Sra. Juíza;

15 - Para as 09.30 horas do dia seguinte, encontrava-se agendada, no âmbito do processo n.º 225/16...., audiência de julgamento;

16 - Tendo-se aguardado pela comparência da Sra. Juíza, tal acabou por não se verificar, pelo que, quando eram 10.55 horas, fez-se operar a sua substituição pelo juiz substituto;

17 - Para as 12.00 horas do mesmo dia 19, encontrava-se agendada, no âmbito do processo n.º 571/16...., leitura de sentença, a qual não se realizou, pelo facto de a Sra. Juíza não ter comparecido no tribunal;

18 - Para as 14.00 horas do mesmo dia, encontrava-se agendada, no âmbito do processo n.º 339/18...., audiência de julgamento;

19 - Dado que a Sra. Juíza não compareceu no Tribunal, fez-se operar a sua substituição por colega, que assegurou a realização do julgamento;

20 - O referido dia 19 chegou ao seu termo sem que a Sra. Juíza tivesse comparecido no tribunal, e sem que tivesse contactado directamente qualquer Oficial de Justiça, Juiz de Direito ou o Juiz Presidente do Tribunal, no sentido de dar qualquer explicação para a sua ausência ao serviço;

21 - Contactou apenas a Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. BB, dando-lhe conta da sua indisponibilidade para realizar as diligências agendadas, informação que a Sra. Procuradora-Adjunta transmitiu aos oficiais de justiça do Juízo em questão;

22 - Na segunda-feira seguinte, dia 23, a Sra. Juíza voltou a não comparecer no Juízo Local Criminal ..., permanecendo na sua residência familiar em ...;

23 - Por volta das 9.10 horas desse dia 23, contactou, por telefone, os oficiais de justiça do Juízo, dando conta de que iria adiar a realização do debate instrutório, agendado para as 14.00 horas, no âmbito do processo n.º 401/15....;

24 - A Sra. Juíza, por despacho proferido no dito processo, deu sem efeito a referida diligência, invocando a continuação de audiência de julgamento no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ...;

25 - Sucede que nesse dia não tinha continuação de qualquer audiência de julgamento, designadamente no Juízo de Competência Genérica ...;

26 - Apenas no dia 24/09/2019 tinha a continuação de julgamento no âmbito do referido processo n.º 22/14.... do Juízo de Competência Genérica ... para as 13.30 horas, que realizou;

27 - A Sra. Juíza só voltou a comparecer no Juízo Local Criminal ... no dia 25/09/2019;

28 - A Sra. Juíza não apresentou qualquer pedido de autorização ou justificação da ausência nem comunicou a ausência ao serviço nos dias 18, 19, 20 e 23 de Setembro de 2019, designadamente ao Conselho Superior da Magistratura, Tribunal da Relação ... ou à Presidência da Comarca ...;

29 - A Sra. Juíza de Direito não formulou qualquer pedido de autorização da residência fora da Comarca ...;

30 - A Senhora Juíza arguida sabia estar nesses dias obrigada a comparecer ao serviço e não se ausentar da respectiva circunscrição judicial e, apesar disso, sem apresentar qualquer justificação, não realizou as diligências agendadas nesses dias e ausentou-se da respectiva circunscrição igualmente sem qualquer justificação ou autorização, pelo menos nos dias 20 e 23/09, não tendo também comunicado as ausências ao serviço, o que tudo fez de forma deliberada, livre e consciente;

31 - A Senhora Juíza arguida sabia que tais comportamentos constituíam infracção disciplinar e eram punidos disciplinarmente;

32 - As descritas condutas, nas quatro situações (dias 18/09/2019, 19/09/2019, 20/09/2019 e 23/09/2016), desenvolveram-se com conexão temporal (quatro dias úteis consecutivos), obedecendo a uma única resolução inicial;

33 - Nas declarações prestadas a final a Sra. Juíza de direito admitiu a prática da infracção e mostrou-se arrependida."

34.- A Sr.ª Juíza de Direito, de remuneração, aufere, pelo índice 175, € 4.475,73.

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- Em face da prova produzida nos autos, com relevância para a decisão a proferir, não resultaram provados os seguintes factos, de acordo com o relatório final do Sr. Inspetor Judicial, que aqui também se considera e reproduz nos termos do disposto no art. 153.º do C.P.A.:

a.- “Que as ausências ao serviço nas quatro situações (dias 18/09/2019, 19/09/2019, 20/09/2019 e 23/09/2016) tenham tido como causa situação de doença da Sra. Juíza de Direito."

- Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos provados estribaram-se na análise crítica e conjugada dos seguintes elementos de prova, em consonância com o relatório final do Sr. Inspetor Judicial, que aqui se considera e reproduz nos termos do disposto no art. 153.° do CP.A.:

"- Consulta directa e também via citius dos processos n.os 45/16...., 20/17...., 225/16...., 339/18...., 401/15.... e 571/16.... do Juízo Local Criminal ... e 22/14...., do Juízo Local de Competência Genérica ..., com a junção aos autos de cópia das peças processuais relevantes dos mesmos;

- Análise e junção aos autos de cópia do registo biográfico da Sra. Juíza visada (a incluir o registo disciplinar);

- Análise e junção aos autos do registo de faltas da Sra. Juíza visada desde Setembro de 2019;

- Informações obtidas do Conselho Superior da Magistratura quanto à inexistência de qualquer pedido de autorização de residência por parte da Sra. Juíza visada;

- Análise da exposição/informação efectuada pelo Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Comarca ..., datada de 16 de Outubro de 2019;

- Análise de mensagens (SMS) trocadas entre a Sra. Juíza de Direito e a Sra. Procuradora Adjunta, Dra. BB, que a Sra. Juíza arguida disponibilizou; e

- Nas declarações prestadas inicialmente em sede de inquérito pela Exma. Sra. Juíza de Direito arguida, que assumiu e descreveu as suas ausências bem como a falta de apresentação de justificação para as mesmas, mas também nas declarações finais prestadas em sede disciplinar em que não só reiterou as declarações iniciais, mas assumiu inclusivamente o cometimento da infracção que lhe foi imputada, bem como arrependimento.

Quanto à factualidade que quedou não assente, tal resultou da ausência de prova de natureza médico-clínica necessária para o efeito, pois que as meras declarações da arguida se revelam obviamente insuficientes para tal.”

Cumpre acrescentar, apenas, na sequência do exercício do direito de audição prévia pela Sr.ª Juíza, o seguinte.

Alterou-se a redação do facto elencado sob o n.º 10, na sequência do exposto pela Sr.ª Juíza na sua defesa, por forma a que não houvesse dúvidas de que o mesmo retratava a realidade de facto que pretendia transmitir.

Em tudo o mais, contudo, desconsiderou-se a posição da Sr.ª Juíza, no sentido da impugnação dos restantes factos.

Na verdade, e desde logo, como constava da fundamentação da decisão da matéria de facto provada vertida pelo Sr. Inspetor no seu relatório final e, depois, reproduzida no projeto de decisão final contraditada pela Sr.ª Juíza, esta admitiu os factos e, bem assim, a própria infração, só assim se concebendo, de resto, a sua declaração de arrependimento, aliás reiterada na sua defesa aqui em apreciação.

Acresce que a realidade de facto que foi considerada demonstrada pelo Sr. Inspetor e reproduzida, depois, no projeto de decisão comunicado à Sr.ª Juíza não deixa de considerar tudo quanto a própria alega a propósito da mesma e vai ao encontro da realidade de facto revelada pela Sr.ª Juíza.

Não se vê, assim, em que medida é que se pode considerar impugnada uma realidade de facto que a própria Sr.ª Juíza sempre admitiu, surgindo a sua posição agora expressa na defesa como contrária à posição anteriormente assumida.

Deste modo, e porque os factos provados se mostram claramente evidenciados pelos elementos de prova supra destacados, mormente pelas declarações da própria Sr.ª Juíza, desconsiderou-se, exceção feita ao que acima foi dito relativamente ao facto n.º 10, a sua argumentação expendida na defesa.

Resta dizer, relativamente ao facto não provado, que, pese embora a declaração médica junta pela Sr.ª Juíza com a sua resposta a fls. 142, se mantém a posição de que se trata de facto não provado, porque não demonstrado cabalmente.

Na verdade, a declaração médica em causa é datada de 16 de setembro de 2020 quando os factos subjacentes aos autos decorreram um ano antes, entre 18 a 23 de setembro, não se vendo, assim, em que medida é que pode ser emitido um juízo médico, aliás da especialidade da oftalmologia, a atestar um suposto estado patológico ocorrido há tanto tempo.

Desvalorizou-se, assim, tal documento, por se entender que o mesmo não detinha qualquer relevo probatório para atestar o facto que, com ele, se pretendia atestar.

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II.II.- De direito

- Do enquadramento jurídico-disciplinar dos factos

Concordando integralmente com o enquadramento jurídico-disciplinar dos factos doutamente levado a cabo pelo Sr. Inspetor no seu relatório final, aqui o consideramos, a ele aderimos e, assim, o reproduzimos, nos termos do disposto no art. 153.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.

“À data da prática dos factos pela Sra. Juíza de Direito arguida, o art. 82.º do EMJ, estabelecia que:

“Constituem infração disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os atos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.

A redacção actualmente em vigor, desde 01/01/2020, conferida pela Lei n.º 67/2019, de 27/08, não contende com a anterior definição de infracção disciplinar, cingindo-se a introduzir uma delimitação mais precisa das situações que podem levar à sua prática ao reger que:

“Constituem infração disciplinar os atos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos princípios e deveres consagrados no presente Estatuto e os demais atos por si praticados que, pela sua natureza e repercussão, se mostrem incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções”.

A norma não elenca os princípios e deveres profissionais a que se refere, mas todos estão previstos na lei, e não explicita a que actos ou omissões incompatíveis com a independência, imparcialidade e dignidade se reporta, mas são todos os que violem o bem jurídico que se quis proteger.

Nessa exacta medida, a infracção disciplinar corresponde a uma conduta externa, culposa, ilícita e prejudicial do serviço público, traduzida na violação dos deveres gerais ou especiais previstos na lei e inerente às funções que executa, constituindo requisitos da infracção disciplinar:

- a conduta voluntária do magistrado judicial consubstanciada num comportamento activo ou omissivo por parte de magistrado judicial controlável pela vontade (a infracção disciplinar é meramente formal ou de simples conduta; sua verificação não depende da produção de resultados prejudiciais ao serviço, a não ser que a lei assim o exija. Infringir disciplinarmente é desrespeitar um dever geral ou especial decorrente da função exercida);

- a ilicitude: ou seja, a contrariedade do facto à lei, ou a inobservância de deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida;

- o nexo de imputação subjectiva – que se traduz na censurabilidade da conduta, a título de dolo ou negligência. Ou seja, para que haja infracção disciplinar, é ainda preciso, para além do facto e da sua ilicitude, que se possa demonstrar que o facto (acto ou omissão) pode ser imputado a título de dolo ou mera culpa (negligência)

No caso presente estão em causa as ausências injustificadas ao serviço nos dias 18/09/2019, 19/09/2019, 20/09/2019 e 23/09/2016 (quatro dias úteis sequenciais) por parte da Sra. Juíza de Direito arguida.

Os deveres profissionais dos juízes eram à data dos factos os afirmados pelos artigos 8.º e seguintes da versão anterior do Estatuto dos Magistrados Judiciais e, também, por força do anterior art 131.º do mesmo diploma legal, os constantes do art. 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Pública, aplicável por virtude do plasmado nos arts. 32.º e 131.º doEMJ.

Importa averiguar se perante a matéria indiciada e acima elencada, a Sra. Juíza incorreu em condutas susceptíveis de configurar a violação dos deveres que sobre si recaem.

No caso dos autos o que está em causa é em primeiro lugar a eventual violação do dever assiduidade por faltas injustificadas, mas reflexamente também os deveres de lealdade, de prossecução do interesse público e do dever de zelo em função da omissão da comunicação das ausências.

De acordo com o art. 10.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, redacção anterior, vigente à data dos factos:

“1 - Quando ocorra motivo ponderoso, os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição respectiva por número de dias que não exceda três em cada mês e dez em cada ano, comunicando previamente o facto ao Conselho Superior da Magistratura ou, não sendo possível, imediatamente após o seu regresso.

2 - Não são contadas como faltas as ausências em dias úteis fora das horas de funcionamento normal da secretaria, quando não impliquem falta a qualquer acto de serviço ou perturbação deste.

3 - São equiparadas às ausências referidas no número anterior, até ao limite de quatro por mês, as que ocorram em virtude do exercício de funções de direcção em organizações sindicais da magistratura judicial.

4 - Em caso de ausência nos termos dos números anteriores, os magistrados judiciais devem informar o local em que podem ser encontrados.

5 - A ausência ilegítima implica, além de responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado."

No caso em apreço, a Sra. Juíza de Direito ausentou-se do serviço nos dias 18, 19, 20 e 23, não tendo realizado nenhuma das diligências que estavam agendadas para os dias 18, 19 e 23 e que lhe incumbia realizar. Acresce que jamais apresentou qualquer justificação para suas ausências, não estando igualmente autorizada a ausentar-se do serviço, nem tão pouco tinha autorização de residência fora da comarca. É certo que quanto ao dia 23 referiu em despacho proferido no âmbito do processo agendado para esse dia (Instrução n.° 401/15....), que tinha a continuação de audiência de julgamento no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ... e por isso dava sem efeito o debate instrutório. Sucede que nesse dia não tinha continuação de qualquer audiência de julgamento, designadamente no Juízo de Competência Genérica ..., sendo que apenas no dia seguinte, 24/09/2019, tinha a continuação de julgamento no âmbito do processo n.º 22/14.... do Juízo de Competência Genérica ..., para as 13.30 horas.

A Sra. Juíza referiu nas suas declarações iniciais que a distância era grande e que o processo adiado não era urgente. Como é óbvio não tem qualquer sentido a justificação apresentada. No dia 23 devia estar em ... a realizar o debate instrutório e apenas no dia 24 e à tarde em ..., a cerca de três horas de caminho de automóvel, para a realização da continuação do julgamento, algo, que obviamente era realizável e devia ter sido realizado, em vez de ter ficado injustificadamente na sua residência familiar em ....

Já quanto ao dia 20/9, a sua ausência do serviço, não implicou a não realização de qualquer diligência ou a sua substituição, por inexistir serviço agendado, mas o certo é que pese embora de acordo com o n.º 2 do transcrito normativo não sejam contadas como faltas as ausências em dias úteis fora das horas de funcionamento normal da secretaria, quando não impliquem falta a qualquer acto de serviço ou perturbação deste, a verdade é que tal não dispensa a permanência na área de circunscrição respectiva, conforme ressalta também dos arts. 8.º, n.os 1 e 2 e 9.º do mesmo diploma legal, a não ser que haja autorização de residência fora da comarca, o que não sucede no caso em apreço.

Ou seja, e em suma, encontrando-se a Sra. Juíza neste dia – e também no dia 23 – em ..., temos que existe aqui ausência ilegítima. Aliás estando a Sra. Juíza de Direito colocada num Juízo que tem a competência para a instrução criminal o surgimento de qualquer necessidade de realização de uma diligência urgente como por exemplo um primeiro interrogatório da parte da tarde levaria a que tivesse que ser realizada por um outro Juiz, ou levaria em qualquer caso a inaceitáveis atrasos na sua efectivação.

Ou seja, a Sra. Juíza de Direito faltou injustificadamente ao serviço quatro dias úteis consecutivos, mostrando-se, pois, violado o dever de assiduidade que consiste em comparecer ao serviço regular e continuamente nos termos do art. 73º, nos 2, alínea i), e 11, da LGTFP, gerador de responsabilidade disciplinar, para além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço, nos termos dos arts. 10º, nº 5 e 74.º, al. c) do EMJ.

Acresce que a Sra. Juíza tinha o dever funcional de comunicar as faltas injustificadas ao Conselho Superior da Magistratura ou ao Tribunal da Relação ..., podendo mesmo fazê-lo à Presidência da Comarca, para se submeter às consequências legais, designadamente remuneratórias e de – não – contabilização do tempo de serviço (cfr. neste sentido as deliberações do Plenário do CSM tomadas no âmbito dos processos disciplinares n.os 2015-.../PD e 2016-.../PD de 06/10/2015 e 07/03/2017, respectivamente).

Está também aqui causa também a violação dos deveres de prossecução do interesse público, de zelo e de lealdade.

O dever de prossecução do interesse público consiste, de acordo com o art. 73.º, n.º 3 da LGTFP, na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

O dever de zelo, nos termos do n.º 7 do supra citado normativo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.

O dever de zelo, numa perspectiva jurisdicional, reconduz-se, na prática, à obrigação que impende sobre o juiz, não só de se empenhar no dia-a-dia, no sentido de levar a cabo as tarefas que estão sob a sua responsabilidade, como também o de utilizar os métodos adequados à obtenção da justiça em prazo razoável.

O dever de lealdade, consagrado no artigo 73º, n.os 2, al. g), e 9, da LGTFP, tem um alcance axiológico-normativo, que impõe, no que respeita aos juízes, um procedimento honesto, uma atitude franca e proba nas relações com, nomeadamente, o CSM, que é o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial.

Ao contrário do que devia ter feito, a Sra. Juíza remeteu-se ao silêncio, não tendo comunicado as suas ausências ilegítimas, pelo que a sua conduta preenche ainda violação dos referidos deveres gerais de lealdade, de zelo e de prossecução do interesse público – cfr. novamente o art. 73º, n.º 2, als. a), e) e g), 3, 7 e 9, da LGTFP.

Mostra-se igualmente verificado o elemento subjectivo, pois que ficou provado que Senhora Juíza arguida sabia estar nesses dias obrigada a comparecer ao serviço e não se ausentar da respectiva circunscrição judicial e, apesar disso, sem apresentar qualquer justificação, não realizou as diligências agendadas nesses dias e ausentou-se da respectiva circunscrição igualmente sem qualquer justificação ou autorização, pelo menos nos dias 20 e 23/09, não tendo também comunicado as ausências ao serviço, o que tudo fez de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que tais comportamentos constituíam infracção disciplinar e eram punidos disciplinarmente.

Assim, em face do exposto, verifica-se a violação das normas citadas, consubstanciadoras de infracção disciplinar.

É certo que, entretanto, entrou em vigor, em 01/01/2020, o Estatuto dos Magistrados Judiciais com as alterações introduzidas pela Lei n.º 67/2019, de 27/8, mas que quanto ao cometimento da infracção em causa nada alterou (sem prejuízo do que adiante se dirá quanto à sua classificação).

De facto, com as alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais visou-se a criação de um Estatuto Disciplinar próprio (naturalmente, sem prejuízo de casos omissos para o que foi introduzido o remissivo artigo 83.º-E), obviando-se assim à aplicação da LGTFP, designadamente quanto aos deveres aí contidos, que agora podem ser observados de forma completa no Estatuto dos Magistrados Judiciais, mais propriamente nos actuais arts. 6.º-C e seguintes.

Como vimos, a infracção em causa consubstanciou-se em primeiro lugar na ausência injustificada ao serviço durante quatro dias úteis seguidos, e não tendo justificado essas faltas, está-se perante faltas injustificadas, o que de acordo com o actual art. 10º, n.º 6, 1ª parte, do Estatuto dos Magistrados Judiciais implica responsabilidade disciplinar.

Mesmo quanto ao dia 20/9, nada se alterou em termos de solução legal, pois embora a sua ausência do serviço não tenha implicado a não realização de qualquer diligência ou a sua substituição, por inexistir serviço agendado e sem embargo de acordo com o actual art. 10.º n.º 2 excepcionalmente o exercício de funções poder ser desempenhado fora das instalações do tribunal quando não implique falta ou perturbação de actos judiciais, a verdade é que tal não dispensa a permanência na área de circunscrição respectiva, conforme ressalta também do actual art. 8.º, n.os 1 e 3 do mesmo diploma legal, a não ser que haja autorização de residência fora da comarca, o que não sucedeu no caso em apreço.

Ou seja, e em suma, quanto à existência da infracção em causa nada se alterou, como igualmente nada se alterou quanto ao dever de comunicação dessas mesmas faltas injustificadas – para sujeição às consequências legais, designadamente remuneratórias e desconto de antiguidade – agora com assento no novo art. 7.º-A do estatuto dos Magistrados Judiciais, que determina o seguinte no seu n.º 1, na parte que importa agora reter:

“Os magistrados judiciais devem cooperar com o Conselho Superior da Magistratura e os presidentes dos tribunais no exercício das suas atribuições legais de gestão e organização.”

Tal significa que, quer na lei vigente à data da prática dos factos, estamos perante uma infracção disciplinar, a que acresce o facto de se manter como consequência a perda de vencimento e de antiguidade (cfr. o anterior art. 10.º, n.º 5 e o actual art. 10.º, n.º 6 e o inalterado art. 74.º, al. c) do Estatuto dos Magistrados Judiciais).”

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Resta dizer que à conclusão a que se acaba de chegar, não obsta o alegado pela Sr.ª Juíza na resposta que apresentou no exercício do direito de audição prévia.

Na verdade, tudo aquilo que, a propósito, foi alegado pela mesma, acaba de ser devidamente apreciado, o que afasta, por si só, as conclusões que a Sr.ª Juíza exprimiu a esse respeito.

Acresce que, relativamente à factualidade atinente ao dia 20, se nos afigura incorreto dizer-se que à Sr.ª Juíza não foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre a factualidade apurada e que esta não integraria a infração disciplinar que cometeu.

Na verdade, a Sr.ª Juíza tomou conhecimento do facto em sede de inquérito, como decorre de fls. 2 e pronunciou-se sobre ele, como decorre de fls. 10 a 12.

O facto em causa constava, também, da acusação deduzida (v. fls. 50), pelo que a Sr.ª Juíza sempre teve a oportunidade de se pronunciar sobre ele, nomeadamente na resposta que apresentou a fls. 77 e seguintes.

Trata-se, pois, de facto que constitui indiscutivelmente objeto do processo e conhecido da Sr.ª Juíza, não colhendo a sua alegação em sentido contrário.

Questão diversa era a do relevo jurídico do facto em causa, mas também a sua relevância disciplinar foi levada ao conhecimento da Sr.ª Juíza com a sua inclusão na acusação e, bem assim, no projeto de decisão contraditado pela mesma.

Assim, e porque, em função do que acima foi dito, se tratava de facto relevante para efeitos disciplinares, impunha-se a sua consideração no processo para efeitos de sancionamento da Sr.ª Juíza.

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É diferente o regime punitivo disciplinar vigente à data dos factos praticados pela Sr.ª Juíza de Direito e o regime atualmente vigente, mercê da alteração do E.M.J. entretanto ocorrida e da qual já se deu conta atrás.

Importará, pois, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2.º, n.º 4 do Código Penal, ex vi arts 131.º do E.M.J. na redacção anteriormente vigente e 83.°-E na redação atualmente em vigor, determinar aquele que se mostra o regime concretamente mais favorável ao caso em apreço, por forma a encontrar nele os termos do sancionamento da Sr.ª Juíza de Direito.

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À luz do E.M.J. na redação anterior, o elenco das penas aplicáveis aos magistrados judiciais pela prática de infrações disciplinares consta do seu art. 85.º, n.º 1 do E.M.J., sendo elas as seguintes:

a) advertência;

b) multa;

c) transferência;

d) suspensão de exercício;

e) inatividade;

f) aposentação compulsiva; e

g) demissão.

A pena de advertência consiste, segundo o art. 86.º, em mero reparo pela irregularidade praticada, ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a ação ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções, ou de nele se repercutir, de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível.

É aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo (art.º 91.º).

A pena de multa é fixada em dias, no mínimo de 5 e no máximo de 90 (art. 87.º).

É aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo (art. 92.º).

A pena de transferência consiste na colocação do magistrado em cargo da mesma categoria fora da área de jurisdição do tribunal ou serviço em que anteriormente exercia funções (art. 88.º).

É aplicável a infrações que impliquem a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções (art. 93.º).

As penas de suspensão de exercício e de inatividade consistem no afastamento completo do serviço durante o período da pena.

A primeira pode ser fixada em 20 a 240 e a segunda não pode ser inferior a 1 ano nem superior a 2 (art. 89.º).

São aplicáveis aos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ou quando o magistrado for condenado em pena de prisão, salvo se a condenação aplicar pena de demissão (art. 94.º).

Finalmente, as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado: revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função; revele falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa; revele inaptidão profissional ou tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes (arts. 91º a 96.º).

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No caso em apreço, a conduta da Sr.ª Juíza de Direito é reveladora de negligência e de desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo, assumindo-se como uma infração grave.

Na verdade, traduziu-se numa ausência continuada do serviço (por quatro dias consecutivos), o que, considerando a natureza da função que lhe competia assegurar, revela total desconsideração pelos deveres que lhe estão inerentes.

Por outro lado, implicou o adiamento de diligências ou a sua realização por juiz substituto, o que revela desinteresse pela posição dos sujeitos processuais envolvidos e dos colegas e, em último termo, pelo fim que preside à função de julgar, ou seja, a realização da justiça.

Finalmente, tratou-se de faltas que, não só não foram justificadas, como nem sequer foram comunicadas, implicando a necessidade de se providenciar pela substituição da Sr.ª Juíza à última hora, com sobrecarga de serviço de colegas que, sem contarem com o facto, tiveram de assegurar serviço que, em condições normais, não teriam de assegurar.

A conduta da Sr.ª Juíza constitui, assim, um claro exemplo de negligência e de desconsideração do cumprimento dos deveres a seu cargo, reputando-se a mesma, como tal, de conduta grave.

Aliás, como referido pelo Sr. Inspetor Judicial, o Conselho Superior da Magistratura já considerava as ausências ilegítimas ao serviço e não comunicadas infrações graves, sendo exemplificativo dessa posição o Acórdão do Plenário de 7 de março de 2017, proferido no processo disciplinar registo sob o n.º 2016-.../PD.

À luz do regime sancionatório constante do E.M.J., na sua anterior versão, a sanção que à conduta da Sr.ª Juíza correspondia era, em face do exposto, a de multa.

De referir que, à semelhança do Sr. Inspetor Judicial, também se entende que, no caso, não há fundamento para que se pondere a possibilidade de atenuação especial da pena de multa, mediante a aplicação de pena de escalão inferior, por inexistirem circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas da infração que diminuam a gravidade do facto e a culpa da Sr.ª Juíza de Direito.

Com efeito, pese embora não ter antecedentes disciplinares, ter admitido os factos e ter evidenciado arrependimento, a Sr.ª Juíza fê-lo tão somente em sede de declarações prestadas, não contribuindo, assim, de forma relevante para a descoberta da verdade.

Não há, pois, que considerar a possibilidade de atenuação especial da sanção a aplicar.

Ora, na determinação da medida da sanção deve atender-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele (art. 96.º do E.MJ.).

No caso em presença, já vimos que a conduta da Sr.ª Juíza deve ser considerada grave.

Na verdade, tratou-se de ausência do serviço por quatro dias, com a não realização de serviço agendado ou com a sua realização mediante recurso ao mecanismo da substituição.

Tratou-se, por outro lado, de ausências não comunicadas e, portanto, de omissões especialmente qualificadas, obrigando ao recurso a colegas para assegurar a realização de diligências marcadas à última da hora.

O desvalor da ação e do resultado é, pois, significativo, situando a gravidade do facto num patamar médio.

Acresce a tudo isto o facto de a Sr.ª Juíza de Direito não ter assegurado o serviço mesmo estando presente, na manhã do primeiro dos dias, no edifício do tribunal – o que toma incompreensível a não comunicação formal do facto – e, no último dos dias, ter dado sem efeito uma diligência com fundamento, consignado em despacho, na necessidade de concluir um julgamento noutro tribunal, quando esta diligência estava agendada para o dia seguinte.

Temos, assim, uma conduta que, do ponto de vista da postura da Sr.ª Juíza de Direito, se revela especialmente censurável, sendo o desvalor da ação, por isso mesmo, também ele significativo.

Ora, a multa, de acordo com o art. 87.º do E.M.J., na redação anterior, deveria ser fixada entre 5 a 90 dias, sendo que, perante o exposto, afigura-se-nos que ao presente caso caberia uma multa de 20 dias, equivalente, considerando o valor da remuneração auferida pela Sr.ª Juíza, a € 2.983,82.

De acordo com o art.º 91.º, n.º 1 do E.MJ., na redação atualmente vigente, os magistrados judiciais estão sujeitos às sanções de advertência, multa, transferência, suspensão de exercício, aposentação ou reforma compulsiva e demissão.

Por seu turno, de acordo com o art. 83.º-F as infrações disciplinares cometidas pelos magistrados judiciais assumem a categoria de muito graves, graves e leves, em função das circunstâncias de cada caso.

Como decorre do regime estatuído nos arts. 98.º a 102.º, a aplicação das sanções é feita em função de uma tal qualificação das infrações disciplinares.

Assim, a sanção de advertência é aplicável a infrações leves (art. 98.º).

A multa é aplicável às infrações graves em que não se mostre necessária ou adequada, face às circunstâncias do caso, a aplicação de outra sanção disciplinar mais gravosa (art. 99.º, n.º 1).

A transferência é aplicável a infrações graves ou muito graves que afetem o prestígio exigível ao magistrado e ponham em causa a sua manutenção no meio social em que desempenha o cargo ou no juízo ou tribunal onde exerce funções (art. 110.º, n.º 1).

A suspensão de exercício é aplicável a infrações graves e muito graves que revelem a falta de interesse pelo exercício funcional e manifesto desprestígio para a função jurisdicional, ou quando o magistrado judicial for condenado em pena de prisão (art.101.º,n.º 1).

As sanções de aposentação ou reforma compulsiva e a de demissão são aplicáveis quando se verifique uma das seguintes circunstâncias: definitiva ou manifesta e reiterada incapacidade de adaptação às exigências da função, conduta desonrosa ou manifestamente violadora da integridade, isenção, prudência e correção pessoal que lhe é exigida, condenação por crime praticado com evidente e grave abuso de função ou com manifesta ou grave violação dos deveres a ela inerentes e abandono de lugar, a que corresponderá sempre a sanção de demissão (art. 102.º).

Uma vez que a determinação da espécie de sanção aplicável a uma determinada infração disciplinar depende da sua qualificação como muito grave, grave ou leve, impõe-se que comecemos por qualificar a infração disciplinar praticada pela Sr.ª Juíza de Direito.

Tratando-se de ausência ilegítima do serviço, cumpre-nos convocar aqui as normas atinentes a esse tipo de circunstância.

Assim, e desde logo, no art.º 83.º-G qualifica-se de muito grave os atos praticados com dolo ou negligência grosseira que, pela reiteração ou gravidade da violação dos deveres e incompatibilidades previstos no Estatuto, se revelem desprestigiantes para a administração da justiça e para o exercício da judicatura, nomeadamente, de acordo com a sua alínea f):

- a ausência ilegítima e continuada por mais de 10 dias seguidos ou 20 dias úteis interpolados em cada ano, da circunscrição judicial em que o magistrado judicial se encontre colocado, ou quando deixe de comparecer ao serviço com expressa manifestação de intenção de abandonar o lugar, presumindo-se o abandono na ausência injustificada durante 30 dias seguidos.

No art. 83.º-H, n.º 1, por seu turno, qualifica-se de grave os atos praticados com dolo ou negligência grosseira que revelem grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, nomeadamente, de acordo com as alíneas d) e e), respetivamente;

- a ausência ilegítima e continuada por mais de 5 dias úteis e menos de 11 dias úteis da circunscrição judicial em que o magistrado judicial se encontre colocado;

- o incumprimento injustificado, reiterado ou revelador de grave falta de zelo profissional, dos horários estabelecidos para os atos públicos (...).

De salientar que, nos termos do art. 83.º-J, a aferição do incumprimento injustificado pressuposto na alínea e) do normativo em apreço, exige a ponderação concreta do volume e características do serviço a cargo do juiz, incluindo o número de processos findos, as circunstâncias do exercício das suas funções, a percentagem de processos em que as decisões foram proferidas com atraso, bem como a ponderação, em concreto, sobre se, face a estas circunstâncias e às condições pessoais, teria sido razoável exigir ao magistrado comportamento diferente.

Finalmente, no art. 83.º-I reputa-se leve a infração praticada com culpa leve, que traduza uma deficiente compreensão dos deveres funcionais, nomeadamente, de harmonia com as alíneas a) e c), respetivamente:

- a ausência ilegítima e continuada por mais de três dias úteis e menos de sete dias úteis da circunscrição judicial em que esteja colocado;

- o incumprimento injustificado, reiterado ou revelador de falta de zelo profissional, dos horários estabelecidos para os atos públicos (...).

No caso em apreço, é manifesto que a conduta da Sr.ª Juíza não se enquadra na previsão da alínea f) do art. 83.º-G, sendo um dado adquirido, como tal, o de que não se trata de infração muito grave.

A questão está em saber se integra alguma das alíneas dos dois restantes preceitos, questão esta de primordial importância no caso em apreço, pois que da sua dilucidação dependerá a sua qualificação como grave ou leve e, consequentemente, a determinação da sanção a aplicar.

Ora, restringindo-nos exclusivamente à perspetiva do comportamento da Sr.ª Juíza enquanto ausência do serviço propriamente dita, temos por certo que a mesma só poderia integrar a alínea a) do art. 83-I e já não a alínea d) do art.º 83.º-H.

Na verdade, em se tratando de ausência não justificada, nem comunicada, por quatro dias úteis consecutivos, sempre se tratou de ausência cujo período de duração ficou aquém do previsto no último dos normativos citados (que pressupõe uma ausência de, pelo menos, 5 dias úteis), mas que excedeu o previsto no primeiro (que se basta com 3 dias úteis).

Deste ponto de vista, a infração disciplinar praticada pela Sr.ª Juíza sempre seria leve, cabendo-lhe, por esse facto, a sanção da advertência.

O comportamento da Sr.ª Juíza, contudo, pode – e deve – ser visto numa outra perspetiva que, como se verá, altera radicalmente a sua qualificação.

Na verdade, seguindo a douta posição defendida pelo Sr. Inspetor HH no relatório que apresentou no inquérito instaurado no âmbito do procedimento interno deste C.S.M. com o n.º 2020..., a ausência do serviço, enquanto ausência de presença física do magistrado judicial no tribunal, envolve – havendo diligências agendadas, que, em virtude daquela ausência, tenham de ser dadas sem efeito ou, pelo menos, impliquem o recurso imprevisto à substituição legal – o incumprimento dos horários estabelecidos para as diligências.

Tal foi nitidamente o caso dos autos, em que a Sr.ª Juíza, ao não comparecer ao serviço como se lhe impunha, obrigou à alteração injustificada das datas das diligências que deu sem efeito e causou o atraso na realização daquelas que foram realizadas pelo substituto legal, cuja nomeação, por falta de comunicação das ausências, tiveram de ser realizadas no momento.

O incumprimento dos horários da realização dos atos públicos assim considerado é suscetível de integrar, quer a alínea e) do art. 83.º-H, quer a alínea c) do art.º 83.º-I, dependendo a subsunção da conduta da Sr.ª Juíza a uma ou a outra do grau de incumprimento verificado.

Ora, esse incumprimento não pode, no caso, ser qualificado de outra forma que não como incumprimento grave.

Na verdade, a Sr.ª Juíza não só se ausentou do serviço, como da sua ausência resultaram fortes perturbações para o serviço, com adiamento de diligências e recurso a Colegas para assegurarem o seu próprio serviço.

Acresce que, na manhã do primeiro dia de ausência, a Sr.ª Juíza não realizou a diligência agendada, apesar de estar presente no tribunal, o que torna a sua conduta incompreensível.

Por outro lado, adiou uma diligência no tribunal com fundamento na necessidade de realização de uma outra diligência noutro tribunal, consignando-o em despacho, quando esta última só estava agendada para o dia seguinte, não havendo, assim, qualquer impedimento para que a primeira se realizasse.

Ou seja, a Sr.ª Juíza deu sem efeito uma diligência com fundamento em facto que não justificava, de todo, o adiamento da diligência, o que só pode ser visto como um fundamento não consentâneo com a verdade.

O comportamento da Sr.ª Juíza não é, assim, o comportamento do magistrado judicial ausente do serviço por motivo atinente a circunstâncias da sua vida pessoal, mas sim um comportamento de ostensivo desinteresse pela execução do serviço e de desrespeito pelo utente da justiça.

Trata-se, por conseguinte, de um comportamento revelador, não só de falta, mas sobretudo de grave falta de zelo profissional, em se tratando de conduta lesiva de aspetos essenciais ao exercício da judicatura.

Assim, e porque, com relevo para o que dispõe o art.º 83.º-J, face às circunstâncias e às condições da sua vida pessoal, era, no caso concreto, claramente exigível que tivesse adotado um comportamento diverso, concluímos que a atuação da Sr.ª Juíza é subsumível à previsão da alínea e) do art.º 83.º-H, devendo ser qualificada como infração grave.

Para tal conduta são cabíveis as sanções de multa, de transferência ou de suspensão de exercício (arts. 99.º, n.º 1, 100.º, n.º 1 e 101.º).

Nos termos do disposto no art. 84.º, na escolha da sanção disciplinar a aplicar o órgão decisor tem em conta todas as circunstâncias que, não estando contempladas no tipo de infração cometida, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente:

a) o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução, a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos;

b) a intensidade e o grau de culpa e os fins que determinaram a sua prática;

c) as condições pessoais do arguido, a sua situação económica e a sua conduta anterior e posterior à prática da infração.

Por outro lado, de acordo com o referido art. 99.º, n.º 1, deve-se optar pela pena de multa quando não se mostre necessária ou adequada face às circunstâncias do caso a aplicação de outra sanção disciplinar mais gravosa e que no caso em concreto seria a de suspensão de exercício de funções.

Ora, apesar de grave, não está em causa com a conduta da Sr.ª Juíza o prestígio exigível ao magistrado judicial e à própria função jurisdicional, nem muito menos a incapacidade de exercício futuro das funções.

Concluímos, assim, que, não se mostrando necessária ou adequada a aplicação de sanção disciplinar mais gravosa, a infração cometida deve ser sancionada com multa.

De salientar que também à luz do regime emergente da atual versão do E.M.J. se entende, pelas razões já acima adiantadas a propósito da versão anterior do E.M.J., que não há fundamento no caso para a atenuação especial da sanção a aplicar, por não se verificarem os pressupostos para tanto previsto no atual art. 85.º.

Ora, a multa é fixada em quantia certa e tem como limite mínimo o valor correspondente a uma remuneração base diária e como limite máximo o valor correspondente a seis remunerações base diárias.

Ponderando os fatores atendíveis no caso concreto já acima considerado a propósito da fixação do quantum de multa à luz do regime anterior, desta feita à luz do citado art. 84.º atualmente vigente, temos por justa e adequada uma multa no valor correspondente a três remunerações base diárias, o que perfaz o valor de € 447,57.

Considerando as circunstâncias da prática da infração por parte da Sr.ª Juíza, nomeadamente a sua gravidade em razão de se tratar de ausências não só injustificadas, mas também não comunicadas, bem como a justificação de uma das ausências, com adiamento de uma diligência, com recurso a fundamento que não se verificava, entendemos que não há fundamento para que, à luz o art. 87.º-A do E.M.J., se suspenda a execução da sanção disciplinar.

Do cotejo das sanções a aplicar à Sr.ª Juíza à luz dos dois regimes punitivos em confronto, conclui-se que o regime atualmente vigente é o concretamente mais favorável.

A sanção a que a Sr.ª Juíza deve ser submetida será, como tal, a de multa de € 447,57.

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III.- Dispositivo

Termos em que delibera a Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente do Conselho Superior da Magistratura:

i.- a improcedência da nulidade do procedimento disciplinar invocada pela Sr.ª Juíza no exercício do direito de audição prévia;

ii.- aplicar à Sr.ª Juíza de Direito, Dr.ª AA, pela prática de uma infração disciplinar grave, consubstanciada na ausência ao serviço injustificada e não comunicada por quatro dias, envolvendo o incumprimento, revelador de grave falta de zelo profissional, dos horários estabelecidos para os atos públicos, punível nos termos do E.M.J. na redação atualmente em vigor, enquanto regime concretamente mais favorável, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 82.º, 83.º-H, alínea e), 83.º-J, 84.º, 91.º, n.º 1, al. b), 93.º e 99.º, n.º 1 de tal diploma legal, na sanção de multa em valor correspondente a 3 (três) remunerações base diárias, perfazendo o valor global de € 447,57, além da perda de vencimento e não contabilização de tempo de serviço (quatro dias), nos termos dos arts. 10.º, n.º 6 e 74.º, al. c) do referido diploma legal.

17. Notificada e inconformada, a Juiz de Direito acusada e sancionada veio intentar acção administrativa de impugnação da deliberação da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Permanente do CSM, ao abrigo dos arts. 167º, 2, a), e 169º e ss do EMJ, peticionando a procedência da acção por provada e, em consequência, ser declarada nula ou anulada a deliberação impugnada.

Mais requereu incidentalmente o “reconhecimento da isenção do pagamento da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 179º do atual EMJ”, não obstante ter feito a autoliquidação e junto o comprovativo do seu prévio pagamento.

18. Foi apresentada Contestação pelo CSM, concluindo pela improcedência da acção.

19. Foi apensado o processo 2019/... vindo do CSM.

20. Foi apresentado Parecer pelo Ministério Público, pugnando pela improcedência da acção.

21. Redistribuído o processo por jubilação do anterior Conselheiro Relator no STJ, foram proferidos despachos de:


(i) Notificação das partes do teor do Parecer do MP, para conhecimento e pronúncia, uma vez tendo sido emitida pronúncia sobre o mérito da causa, nos termos do art. 85º, 2, do CPTA;

(ii) Dispensa da realização de audiência prévia (arts. 27º, 1, a), e 87º-B, 2, do CPTA).

Houve resposta da Autora ao Parecer do MP, reiterando os termos com que sustenta a procedência da acção.

II) SANEAMENTO


1. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território (art. 170º, 1, do EMJ).

2. A petição inicial não é inepta.

3. O processo é o próprio e é válido, nos termos dos arts. 50º e ss do CPTA, ex vi art. 169.º do EMJ.

4. As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.

5. Após a prolação dos despachos referidos supra, ponto 21. do Relatório, não sobrevieram questões que obviem ao conhecimento do mérito da acção.

*

Consignados os vistos simultâneos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas na pretensão impugnatória da Autora, assim como o requerimento sobre a isenção de taxa de justiça.

III) QUESTÕES EM APRECIAÇÃO NA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO

1. Da nulidade do procedimento disciplinar

2. Da impugnação de factos dados como provados e do facto dado como não provado

3. Da falta de fundamentação

4. Da violação do princípio da imparcialidade

5. Do erro na aplicação dos pressupostos de facto/“violação de lei”

6. Adequação da sanção aplicada

IV) FUNDAMENTAÇÃO

A) Factualidade assente

Considerando a posição das partes expressas nos seus articulados e o acervo documental junto aos autos, a convicção do tribunal relativamente aos factos assentes consolidou-se com a análise crítica da documentação junta aos autos e não impugnada, designadamente a que acompanha os articulados e a que consta do processo disciplinar, remetendo-se para este efeito para o descrito no Relatório supra, pontos 1. a 16.

             

A matéria de facto provada e não provada assim considerada pela deliberação impugnada do CSM, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos e de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, consta do ponto 16. desse mesmo Relatório.

B) Direito aplicável

1. Da nulidade do procedimento disciplinar

Alega a Autora que o procedimento disciplinar enferma de nulidade decorrente da omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, o que acarretaria violação do disposto no art. 123.º do EMJ.

Concretiza que, apesar de ter conhecimento de que as testemunhas arroladas pela Autora eram médicos que a assistiram na doença, o Senhor Inspector “sugeriu-lhe” que desistisse da respectiva inquirição, por entender que “em causa não estava a circunstância de as faltas se terem devido a motivo de doença, mas apenas a suposta inexistência de comunicação de tais faltas à Presidência da Comarca”.

Acrescenta que sobre o Senhor Inspector recaía a obrigação de diligenciar pela inquirição daquelas testemunhas, por se tratar de diligência essencial ao apuramento da verdade material.

Vejamos.

Nos termos do art. 123º, 1, do EMJ:

Constitui nulidade insuprível a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa e a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade que ainda possam utilmente realizar-se ou cuja realização fosse obrigatória.

A materialidade subjacente à causa prende-se, em síntese, com a ausência injustificada e não comunicada da Autora ao serviço, nos dias 18, 19, 20 e 23 de Setembro de 2019, acrescida da não realização das diligências agendadas.

Compulsados os factos assentes, verifica-se que quando a Autora prestou declarações no âmbito do inquérito, em 28/10/2019, disse, além do mais, que “não justificou perante o CSM, Relação ... ou Presidência de ... as suas ausências ao serviço, reconhecendo ter-se tratado de um erro da sua parte que não voltará a repetir-se”.

Posteriormente, deduzida Acusação contra a autora, esta apresentou Defesa referindo ter estado doente de 18/09/2019 a 23/09/2019, e não ter “posto baixa médica”, ou pedido atestado médico, “porque tal implicava ter de se deslocar ao Centro de Saúde para pedir uma baixa médica, o que implicava perder no mínimo duas horas, quando era sua prioridade o serviço, que acusam de desconsiderar”. Concluiu arrolando duas testemunhas.

Nessa sequência, o Senhor Inspector Judicial admitiu a defesa e a prova apresentadas, agendando o dia 10/01/2020 para tomada de declarações à Autora e inquirição das testemunhas arroladas.

Durante a sua inquirição, ocorrida no dia 10/01/2020, a Autora declarou prescindir da inquirição das testemunhas indicadas na defesa e reiterou as declarações por si prestadas no dia 28/10/2019, reconhecendo, ainda, “que a não justificação das faltas foi um erro da sua parte, que não se voltará a repetir, sendo certo que até podia justificar as faltas com facilidade, dado o seu débil estado de saúde, e até porque os seus pais são médicos e lhe podiam ter passado um atestado médico a confirmar a sua efectiva doença.

Concluiu admitindo a infracção e expressando o seu arrependimento para com a situação.

Note-se, por outro lado, que os autos de declarações foram assinados pela autora, não tendo sido arguida qualquer falsidade dos mesmos.

Daqui resulta, tal como referido no seguinte excerto da deliberação impugnada, que se acompanha e à qual se adere:

A não produção da prova testemunhal que carreara para os autos, mormente quanto ao facto em apreço, ficou a dever-se, como tal, ao modo como, sob a sua autonomia e a sua responsabilidade, organizou a sua defesa e não a qualquer ação ou omissão do Sr. Inspetor.

De resto, como flui das próprias declarações da Sr.ª Juíza, a obtenção de atestado médico a atestar a doença que alegou padecer no momento das ausências ao serviço era algo que lhe era facilmente acessível, pelo facto de os seus progenitores serem médicos.

Deste modo, além de ser a própria Sr.ª Juíza a reconhecer nas suas declarações, ao menos tacitamente, que o atestado médico era o documento adequado a justificar as faltas e, consequentemente, a atestar o facto em apreço, a não junção de um documento com tais características só a si se deveu.

Conclui-se do exposto, portanto, que a não produção da prova testemunhal arrolada pela Sr.ª Juíza não representa, no caso, omissão ou insuficiência de inquérito que possa ser consubstanciar uma nulidade.”.

Assim, e tendo em conta a conduta processual da Autora, que em momento algum revelou não estar ciente da necessidade de comunicar e justificar as suas faltas (antes pelo contrário), conclui-se não ter existido qualquer omissão na realização de diligências essenciais e, muito menos, a alegada – e não provada – sugestão do Senhor Inspector para que desistisse da prova testemunhal.

Concordantemente, não tendo sido omitida qualquer diligência essencial para a descoberta da verdade, afigura-se improcedente a arguição da referida nulidade processual.

2. Impugnação da matéria de facto assente na deliberação impugnada

A Autora insurge-se contra a factualidade descrita nos seguintes factos dados por provados na deliberação impugnada:

- em 10 e 14, por contradizerem os factos 6 e 9;

- em 21, por contradizer o facto 20;

- em 30, 31 e 33, por estarem em contradição com a defesa por si apresentada.

Tece, ainda, razões de discordância relativamente ao facto dado por não provado nessa mesma deilberação, alegando que a prova documental junta em sede de audiência prévia impunha decisão inversa.

Concluiu que, ao fixar a matéria de facto nos moldes descritos, o réu CSM incorreu em erro grosseiro na valoração da prova.

2.1. Dos factos 6, 9, 10 e 14 (dia 18/09/2022)

A Autora concretiza que estando assente, em 9, ter informado Senhoras funcionárias judiciais e a Senhora Procuradora Adjunta de que se encontrava doente –e, por esse motivo, incapacitada de realizar as diligências agendadas para esse dia – não podem ser dados como provados os factos 10 e 14 por estarem em contradição com aquele n.º 9 e com o n.º 6.

É o seguinte o teor daqueles factos:

6 - No dia 18 de Setembro de 2019, a Senhora Juíza de Direito, Dra. AA, alegando indisposição súbita, não realizou a audiência de julgamento no âmbito do processo n.º 45/16...., agendado para as 9.30 horas”;

9 - A Sra. Juíza não compareceu no tribunal para realizar a dita diligência, nem à hora marcada, nem ulteriormente durante aquele dia, tendo, porém, dito da parte da manhã a duas funcionárias judiciais e à Sra. Procuradora Adjunta, Dra. BB, que estava doente”.

10 - Além do referido em 9, não efetuou outra comunicação acerca "da impossibilidade de comparecer para realizar a diligência agendada para as 14.00 horas no processo n.º 20/17....”.

14 - O dia 18/09/2019 chegou ao seu termo, sem que fosse dado conhecimento ao tribunal das razões da ausência ao serviço da Sra. Juíza”.

Compulsado o facto dado por assente em 9 verifica-se que ali não consta que a autora tenha informado as Senhoras funcionárias judiciais e a Senhora Procuradora Adjunta de que não se encontrava capacitada para realizar todas as diligências agendadas para o dia 18 de Setembro de 2019, mas, tão só, que da parte da manhã lhes terá dito que estava doente.

Nessa conformidade, nada mais tendo sido comunicado pela autora, designadamente quanto à diligência agendada para as 14h00 do mesmo dia, não existe qualquer contradição entre os factos descritos em 9, 10 e 6. E também não se verifica qualquer contradição entre o facto assente em 9 e 14, uma vez que a Autora não efetuou qualquer comunicação formal sobre a sua ausência nesse dia, designadamente ao Conselho Superior da Magistratura.

Valem, pois, aqui as judiciosas considerações expendidas no Parecer do Ministério Público:

Trata-se, é bom de ver, de uma aparente contradição.

Na verdade, apesar de alegadamente doente, na manhã do dia 18/9, a senhora magistrada aqui A. não foi para casa e regressou ao seu gabinete, alegadamente para despachar processos, pelo que os senhores funcionários e até a senhora Procuradora ficaram naturalmente sem saber se a mesma tinha eventualmente melhorado, se ia, ou não, realizar a diligência da parte da tarde ou se continuou a permanecer no seu gabinete ou dele se ausentou.

Por isso, não existe qualquer contradição, sendo certo que, durante o dia 18/9/19, a aqui A. não comunicou pessoalmente a qualquer órgão competente para receber tal comunicação, quer a sua ausência do serviço, quer da área da circunscrição do Tribunal.”.

2.2. Dos factos 20 e 21 (dia 19/09/2019)

Alega a Autora que, resultando do facto 21 que a sua impossibilidade de comparência, por motivo de doença, foi transmitida pela Senhora Procuradora Adjunta aos oficiais de justiça, a respetiva ausência e causa eram do conhecimento do Tribunal.

É o seguinte o teor daqueles factos:

20 - O referido dia 19 chegou ao seu termo sem que a Sra. Juíza tivesse comparecido no tribunal, e sem que tivesse contactado directamente qualquer Oficial de Justiça, Juiz de Direito ou o Juiz Presidente do Tribunal, no sentido de dar qualquer explicação para a sua ausência ao serviço;

21 - Contactou apenas a Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. BB, dando-lhe conta da sua indisponibilidade para realizar as diligências agendadas, informação que a Sra. Procuradora-Adjunta transmitiu aos oficiais de justiça do Juízo em questão

Basta, assim, a mera leitura daqueles dois factos para que se conclua linearmente pela inexistência de qualquer contradição entre ambos. Com efeito, a afirmação de que a Autora contactou a Senhora Procurada, dando-lhe conta da sua indisponibilidade para realizar as diligências agendadas e de esta ter transmitido a informação aos oficiais de justiça do Juízo, não contradiz o facto de não ter contactado diretamente qualquer Oficial de Justiça, Juiz de Direito ou o Juiz Presidente do Tribunal, no sentido de dar qualquer explicação para a sua ausência ao serviço.

2.3. Dos factos 30, 31 e 33

Sustenta a Autora que a existência de um motivo justificador da ausência – doença – impede que se entenda que sobre ela impendia a obrigação de comparência nos dias em causa.

Invoca ainda não poder concordar com o seguinte segmento do facto 33 – “nas declarações prestadas a final a Sra. Juíza de direito admitiu a prática da infração (…)” –, uma vez que impugnou de forma expressa os factos vertidos na acusação.

Não tem razão.

É o seguinte o teor daqueles factos:

30 - A Senhora Juíza arguida sabia estar nesses dias obrigada a comparecer ao serviço e não se ausentar da respectiva circunscrição judicial e, apesar disso, sem apresentar qualquer justificação, não realizou as diligências agendadas nesses dias e ausentou-se da respectiva circunscrição igualmente sem qualquer justificação ou autorização, pelo menos nos dias 20 e 23/09, não tendo também comunicado as ausências ao serviço, o que tudo fez de forma deliberada, livre e consciente;

31 - A Senhora Juíza arguida sabia que tais comportamentos constituíam infracção disciplinar e eram punidos disciplinarmente;”.

33 - Nas declarações prestadas a final a Sra. Juíza de direito admitiu a prática da infracção e mostrou-se arrependida.

Ora.

Relativamente ao facto 33, ainda que posteriormente – em sede de audiência prévia – tenha vindo impugnar os factos, quando, em 10/01/2020, a autora prestou as suas últimas declarações, disse o seguinte:

Reconhece por isso que a não justificação das faltas foi um erro da sua parte, que não se voltará a repetir, sendo certo que até podia justificar as faltas com facilidade, dado o seu débil estado de saúde, e até porque os seus pais são médicos e lhe podiam ter passado um atestado médico a confirmar a sua efectiva doença.

Admite a infracção, estando arrependida da situação”.

Quanto aos factos 30 e 31, ainda que a autora discorde da ponderação efectuada na deliberação, não alega (nem comprova) factos que os contrariem de forma bastante e que impusessem conclusão diversa daquela que ali se fez constar.

Na verdade, tal como referido na contestação, a autora “não alega, nem prova, que a doença de que padecia a impedia de fazer a comunicação formal a que estava obrigada aos órgãos competentes, sendo certo que não a impediu de fazer a comunicação informal a que acima se aludiu, nem a incapacitou para despachar processos para não sofrer atrasos.”.

2.4. Do facto não provado a)

Reitera a Autora que sempre alegou que a sua ausência se deveu a motivo de doença, facto que atestou aquando do exercício do direito de audiência prévia, mediante a junção de atestado médico.

Acrescenta que não procedeu à junção do documento em momento anterior, por não lhe ter sido solicitado pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal, como  impunha o art. 10º, 8, do EMJ.

Concluiu, de forma genérica, que ao desconsiderar injustificadamente o teor daquele documento, continuando a dar o facto como não provado, o CSM violou o princípio da descoberta da verdade material, bem como o princípio da legalidade e incorreu em erro grosseiro na valoração da prova.

2.4.1. Na deliberação em crise foi dado como não provado o seguinte facto:

Que as ausências ao serviço nas quatro situações (dias 18/09/2019, 19/09/2019, 20/09/2019 e 23/09/2016) tenham tido como causa situação de doença da Sra. Juíza de Direito.

A este propósito, sustentou-se na deliberação impugnada:

Resta dizer, relativamente ao facto não provado, que, pese embora a declaração médica junta pela Sr.ª Juíza com a sua resposta a fls. 142, se mantém a posição de que se trata de facto não provado, porque não demonstrado cabalmente.

Na verdade, a declaração médica em causa é datada de 16 de setembro de 2020 quando os factos subjacentes aos autos decorreram um ano antes, entre 18 a 23 de setembro, não se vendo, assim, em que medida é que pode ser emitido um juízo médico, aliás da especialidade da oftalmologia, a atestar um suposto estado patológico ocorrido há tanto tempo.

Desvalorizou-se, assim, tal documento, por se entender que o mesmo não detinha qualquer relevo probatório para atestar o facto que, com ele, se pretendia atestar.

Secundando aquela fundamentação, note-se que o atestado médico junto pela autora é um documento particular, destituído de força probatória plena, sujeito à livre apreciação do tribunal – v., por todos e recentemente, Ac. do STJ de 17/06/2021[1]; art. 44º, 1 e 2, do Regulamento de Deontologia Médica, de 707/2016, de 21 de Julho.

2.4.2. Nos termos do art. 10º, 8, do EMJ, prescreve-se que “[n]o caso de faltas por doença que se prolonguem por mais de cinco dias úteis, ou sempre que o considere justificado, deve ser exigida pelo presidente do tribunal a apresentação de atestado médico.

Trata-se, porém, de normativo introduzido no EMJ pela Lei n.º Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto, que não encontrava correspondência na versão vigente à data dos factos.

2.5. Em conclusão

Tal como referido pelo CSM “relativamente à sua ausência no dia 20 de setembro, a Autora alega que não compareceu no Tribunal porque não tinha diligências marcadas e quanto ao dia 23 de setembro, alegou que a razão do adiamento se fundou em evitar deslocações demoradas – cfr. fs. 10 a 12.” E, ainda, “Ora, se no auto de inquirição de fs. 10 a Autora declara que no dia 18 de setembro se sentiu “fisicamente indisposta e psicologicamente abalada” e que “nesse dia esteve de cama em sua casa até ao dia seguinte” não consta que nos dias 19, 20 e 23 a razão da sua ausência se tenha compaginado em doença.

Verifica-se, assim, que a análise efectuada na deliberação, designadamente no que à fixação da matéria de facto diz respeito, não é ilógica, arbitrária ou assente em pressupostos inexistentes, mas antes o resultado de uma ponderação objectiva da prova coligida nos autos.

Conforme referido no Ac. do STJ de 24/6/2021 (Secção de Contencioso)[2], “o erro notório ou manifesto, pela sua natureza, deve tornar-se evidente na própria decisão, sem necessidade de recurso a elementos externos como os decorrentes de uma análise alternativa da relevância de profuso argumentário ou de documentos juntos. Isto é: o erro notório na apreciação dos factos tem de ser ostensivo, que não escapa ao «homem médio», e nada tem que ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que a autora entende ser a correcta.”

Por outro lado, não se vislumbra que tenham sido preteridas quaisquer diligências probatórias pertinentes e necessárias à decisão da causa, nem outras que, complementares, tivessem sido oportuna e atempadamente requeridas pela Autora.

Afigura-se, sem hesitações, que a deliberação impugnada não padece de qualquer vício no que respeita à fixação da matéria de facto, não existindo qualquer violação do princípio da descoberta da verdade material ou do princípio da legalidade, nem qualquer erro grosseiro na valoração da prova.

3. Da falta de fundamentação

Num dos eixos da sua impugnação, a Autora invoca o vício da falta de fundamentação, o que determinaria a anulação da deliberação atacada nos termos do art. 163º do CPA. Para tanto, refere que a fundamentação empreendida pelo CSM a propósito do valor probatório do atestado médico apresentado pela autora é contraditória e insuficiente.

3.1. O dever de fundamentação, constitucionalmente consagrado no art. 268º, 3, 2ª parte, da CRP, encontra-se regulado nos artigos 152º a 154º do CPA e constitui, como é adquirido sem dissenso, uma das mais relevantes garantias dos particulares, facilitando o controlo da legalidade dos actos da Administração Pública.

Para esse efeito, a fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo[3].

Mais de perto:

“Os cidadãos têm direito à fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses protegidos (n.º 3 [do art. 268º da CRP], 2ª parte). A fundamentação é aqui entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.

Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de direito, pois a fundamentação não só permite captar claramente a atividade administrativa (princípio da transparência da acção administrativa) e a sua correcção (princípio da boa administração), mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do acto administrativo, sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder. Em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos” [4].

Assim sendo, o dever da fundamentação expressa dos actos “é uma obrigação oficiosa da Administração que corresponde a um direito fundamental constitucional dos destinatários do ato com honras de consagração expressa no n.º 3 do art. 268º e ao mesmo tempo contribui para a melhor decisão administrativa e para a mais correta interpretação da vontade da Administração plasmada no ato. Preenche assim uma dupla função, subjetiva e objetiva, e é um adquirido constitucional na caracterização da atividade administrativa”[5]; razão pela qual a fundamentação pretende “levar ao conhecimento do destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo que o autor do ato percorreu para decidir de modo a permitir que um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato, possa compreender por que razão o autor do ato decidiu assim. O critério é o da compreensibilidade por um destinatário normal do ato colocado na posição do destinatário real” [6].
A fundamentação consiste essencialmente na expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento. Como emerge do n.º 1 do artigo 153º do CPA, a fundamentação deve, por isso, ser primordialmente expressa, sucinta, tendo para isso que ser suficiente, clara e coerente[7].

Daqui resulta que a fundamentação, lançando mão agora da jurisprudência, consiste e faz relevar:
(i) a densidade de fundamentação dos actos administrativos à luz do disposto no art. 268º, 3, 2.ª parte, da CRP e em conformidade com os arts. 151º, 1, d), 152º, 1, a), e 153º, 1 e 2, do CPA, deverá ser de teor variável em função das exigências inerentes a cada tipo de acto ou mesmo a cada caso singular, devendo nortear-se sempre pelo desiderato de proporcionar a um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do acto, a compreensão das razões que conduziram o órgão decisor à decisão proferida;
(ii) a fundamentação consiste numa expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento e, como emerge do art. 153º, 2, do  CPA, deve ser clara, suficiente, coerente e contextual; sendo, em consequência, ilegal a fundamentação “obscura” – que não permite apurar o sentido das razões apresentadas –, “contraditória” – que não harmoniza os fundamentos logicamente entre si ou não conforma aqueles com a decisão final –, ou “insuficiente” – que não explica por completo a decisão tomada;
(iii) apenas releva, como vício do acto, a insuficiência da fundamentação que seja manifesta, dado que se tem como suficiente a exposição sucinta dos fundamentos e dos elementos necessários à expressão das razões do acto, apreensíveis por um destinatário normal e razoável, ou seja, aquele que seja capaz de apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.[8]

Desse modo, relevam, como vícios do acto, a absoluta falta de fundamentação e, por outro lado, a manifesta obscuridade, contradição (incongruência) ou insuficiência do discurso fundamentador, de acordo com o art. 153º, 2, do CPA.

3.2. O excerto pertinente da deliberação acima transcrito, quanto à apreciação do alcance probatório do atestado médico apresentado e sua valoração –

“Na verdade, a declaração médica em causa é datada de 16 de setembro de 2020 quando os factos subjacentes aos autos decorreram um ano antes, entre 18 a 23 de setembro, não se vendo, assim, em que medida é que pode ser emitido um juízo médico, aliás da especialidade da oftalmologia, a atestar um suposto estado patológico ocorrido há tanto tempo.

Desvalorizou-se, assim, tal documento, por se entender que o mesmo não detinha qualquer relevo probatório para atestar o facto que, com ele, se pretendia atestar.” –,

 não padece, de acordo com os critérios sumariamente delineados, de qualquer omissão de fundamentação, ou de fundamentação viciada, que se repercutisse na validade da deliberação – na verdade, a densidade mínima exigível, relativa às “razões principais que motivaram o agente” e à “indicação do critério fixado”, foi observada[9].

Como sempre é comum referir-se, poderá a Autora estar em desacordo com a fundamentação, como evidencia estar, mas é insuperável que a decisão se encontra cabalmente fundamentada e tal motivação é perfeitamente inteligível para um destinatário normal e razoável quanto à razão de ser, cognoscitiva e valorativa, que esteve na base da decisão no que ao valor probatório do documento diz respeito e sua consequência na factualidade ajuizada, ainda que dela possa discordar a Autora.

Em conformidade, sendo absolutamente compreensíveis as razões subjacentes à decisão, concluiu-se que a deliberação não padece do alegado vício de falta de fundamentação.

4. Da violação do princípio da imparcialidade

A Autora mostra ainda não se resignar na medida em que a ordem sequencial dos factos está ferida de subjectivismo, sendo violadora do princípio da imparcialidade e, por isso, causadora da anulabilidade da deliberação, igualmente nos termos do disposto no art. 163º do CPA.

Concretiza: “dando um especial e distinto enfoque às circunstâncias, tais como as substituições pelos Colegas para realização das audiências de julgamento e não comparência às diligências, descurando-se e relegando-se sempre para o fim as comunicações realizadas pela A. em momento prévio a todos esses acontecimentos, à Senhora Dra. Procuradora Adjunta, bem como às Senhoras Funcionárias Judiciais a dar conta da impossibilidade de comparecer por estar/continuar doente.

Pois bem.

Dispõe o art. 9º do CPA que «[a] Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção”.

Trata-se do princípio da imparcialidade, que encontra consagração constitucional no art. 266º da CRP e impõe que, no exercício da sua actividade, a Administração trate de forma imparcial todos os que com ela entrem em relação, respeitando essencialmente às relações entre a Administração Pública e os particulares. Exprime uma ideia de isenção na ponderação dos interesses que determinam a decisão final e de completude na respectiva identificação[10].

Abrange dois aspectos fundamentais: (a) “o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no nº 1, consiste em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionadamente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade)”; (b) o” segundo refere-se à actuação da Administração em face de vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público”[11].

Neste contexto, estamos em face de um princípio geral que “tem uma índole procedimental, dele decorrendo, para a Administração, a imposição de um tratamento isento e equidistante relativamente todos os particulares que consigo interagem no âmbito do procedimento, impedindo-a de os favorecer ou de os desfavorecer por razões estranhas à sua função”[12].

Ora, compulsados os factos assentes na deliberação escrutinada, verifica-se que os mesmos estão ordenados de forma sequencial, objectiva e lógica, não se vislumbrando qualquer subjectividade ou comportamento discriminatório na sua enunciação.

Improcede, pois, também esta alegação da Autora.

5. Do vício de erro na aplicação dos pressupostos de facto

5.1. Invoca a Autora que as suas faltas ao serviço foram motivadas por doença e atempadamente comunicadas ao serviço, devendo, consequentemente, considerar-se justificadas, o que só não sucedeu na decorrência da verificação do erro que alega.

Formulando considerações de desacordo, pronuncia-se especificamente sobre a apreciação da matéria de facto empreendida na deliberação ora impugnada, salientando ter actuado sempre com respeito pelos deveres funcionais que sobre si impendem, tais como o dever de assiduidade, zelo, prossecução do interesse público e lealdade.

Reafirma que as faltas ao serviço nos dias 18, 19, 20 e 23 de Setembro de 2019 foram motivadas por doença súbita, comunicadas atempadamente ao serviço e levadas ao imediato conhecimento, ainda que indirectamente, do Senhor Juiz Presidente e comunicadas, ainda que posteriormente (a 10/10/2019), ao Senhor Juiz Presidente.

Conclui que, deste modo, tais faltas devem considerar-se justificadas, não podendo ser tratadas como ausências ilegítimas, nem consubstanciadoras da prática de infracção disciplinar.

Assim, não se encontrando preenchido o tipo de ilícito disciplinar, a deliberação é ainda anulável nos termos do art. 163.º do CPA, por padecer de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, por violação do disposto no art. 83º-I, a), do EMJ e no art. 83º-H, 1, e), do EMJ.

Quid juris?

5.2. A violação de lei é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis.

O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do acto administrativo, é a decisão em que o acto consiste, que contraria a lei. A ofensa da lei não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o acto reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do acto.

Destarte, o vício de violação de lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei manda decidir algo[13] – uma interpretação errónea da lei, isto é, aplicando-a a realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar à realidade que devia ser aplicada[14].

5.3. O erro nos pressupostos de facto consubstancia um vício de violação da lei e consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação no caso concreto, resultando no facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.

O erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos: no primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação); no segundo caso, aplicou-se a lei correta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação); no terceiro caso, qualificaram-se certos factos numa figura jurídica quando deviam sê-lo noutra (erro na qualificação). Para este efeito, o impugnante tem o ónus de invocar os factos que compõem a realidade que tem como verdadeira e demonstrar que os factos nos quais a administração se baseou não existiam ou não tinham a dimensão por ela suposta, não sendo subsumível ao erro nos pressupostos de facto a pretensa falta de consideração de factos tidos como relevantes pela recorrente.[15] Logo, o vício de erro nos pressupostos de facto não é susceptível de ser confundido com a diferente perspectiva que a autora tenha acerca dos factos indiscutivelmente comprovados[16].

Com efeito, “os atos praticados ao abrigo de poderes discricionários podem ser anulados com base em erro de facto, se a Administração baseou a sua decisão em factos inexistentes ou falseados, ou em erro manifesto de apreciação, quando se torna evidente que a Administração avaliou ou qualificou mal a realidade (aqui está em causa um “juízo valorativo”), embora se tenha baseado em factos verdadeiros, correspondentes à realidade. Não compete aos tribunais substituírem-se à Administração na avaliação da situação, mas compete-lhes anular o ato quando verificarem que a avaliação feita pela Administração é manifestamente desacertada e inaceitável, quando o erro é ostensivo e notório, percetível a uma pessoa sem os conhecimentos da Administração”[17].

5.4. No caso em concreto, verifica-se que a Autora manifesta discordância em função de entender que os elementos carreados para os autos deveriam ter conduzido a decisão diversa, que culminasse na justificação das suas faltas e na legitimidade das suas ausências, com a consequente não verificação da prática de infracção disciplinar.

Ora, reproduzindo o que acima se disse quanto à análise e ponderação da prova, constata-se que os factos foram totalmente considerados e adequadamente ponderados na deliberação impugnada, sem que se vislumbre a existência de qualquer errada valoração de circunstâncias relevantes para a decisão da causa.

5.5. A Autora alega, por outro lado, que a respectiva ausência no dia 20 não pode ser tida em conta, por não resultar dos factos assentes e não ter tido oportunidade de se pronunciar sobre ela.

Refere, ademais, que, nos termos do disposto no art. 10º, 2, do EMJ, a sua ausência naquele dia 20 não pode ser considerada como falta, por não ter implicado a não realização de qualquer diligência ou a sua substituição.

Acrescenta que, contrariamente ao entendimento constante da deliberação, tal ausência não carecia da autorização prevista nos artigos 8.º, 1 e 2, e 9.º, do EMJ, uma vez que não estava em causa a alteração da sua residência, mas uma ausência motivada por doença.

Concluiu que, não podendo a ausência no dia 20 de setembro de 2019 configurar uma falta, não se encontra verificado o ilícito disciplinar decorrente do art. 83.º-I, alínea a), do EMJ, devendo a deliberação ser anulada nos termos do art. 163.º do CPA.

Alega ainda que os factos em discussão e considerados pelo CSM – ausência nos dias 18,19, 20 e 23 de setembro (por mais de três dias contínuos) – têm enquadramento específico no art. 83º-I, alínea a), do EMJ. Ao enquadrar tais factos no art. 83.º-H, 1, alínea e), a deliberação impugnada violou o princípio da legalidade, decorrente do artigo 3º do CPA, e sempre se revelaria também violadora do princípio da tipicidade das infracções, decorrente do art. 29º, 3, da CRP, bem como do princípio nullum crime sine lege, por qualificar como grave uma ausência ilegítima por 4 dias úteis continuados, quando o EMJ apenas a qualifica como leve. E seria, ainda, violadora do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, ínsitos nos artigos 7º e 8º do CPA.

Vejamos.

5.6. À data da prática dos factos o art. 82º do EMJ estabelecia que “[c]onstituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções.”

A redacção actual daquele normativo, conferida pela Lei 67/2019, de 27 de Agosto, contém norma próxima, que, não colidindo com a anteriormente vigente, prevê: “Constituem infração disciplinar os atos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos princípios e deveres consagrados no presente Estatuto e os demais atos por si praticados que, pela sua natureza e repercussão, se mostrem incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções”.

A Autora foi disciplinarmente sancionada com uma pena de multa pela prática de uma infracção disciplinar grave, consubstanciada na ausência ao serviço injustificada e não comunicada por quatro dias (18/09/2019, 19/09/2019, 20/09/2019 e 23/09/2019 – quatro dias úteis sequenciais), envolvendo o incumprimento, revelador de grave falta de zelo profissional, dos horários estabelecidos para actos públicos agendados, punível nos termos do EMJ na redacção atualmente em vigor, enquanto regime concretamente mais favorável, nos termos das disposições conjugadas dos arts 82º, 83º-H, 1, e), 83º-J, 84º, 91º, 1, b), 93º e 99º, 1, desse EMJ.

À data dos factos, os deveres profissionais dos juízes encontravam-se elencados nos arts. 8º e ss do EMJ e, também, ex vi art. 131º do mesmo EMJ, previstos no art. 73º da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas (LGTFP).

Nos termos do art. 73.º da LGTFP:

«1 – O trabalhador está sujeito aos deveres previstos na presente lei, noutros diplomas legais e regulamentos e no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que lhe seja aplicável.

2 – São deveres gerais dos trabalhadores:

a) O dever de prossecução do interesse público;

b) O dever de isenção;

c) O dever de imparcialidade;

d) O dever de informação;

e) O dever de zelo;

f) O dever de obediência;

g) O dever de lealdade;

h) O dever de correção;

i) O dever de assiduidade;

j) O dever de pontualidade.

3 – O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

4 – O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.

5 – O dever de imparcialidade consiste em desempenhar as funções com equidistância relativamente aos interesses com que seja confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspetiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.

6 – O dever de informação consiste em prestar ao cidadão, nos termos legais, a informação que seja solicitada, com ressalva daquela que, naqueles termos, não deva ser divulgada.

7 – O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.

8 – O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e com a forma legal.

9 – O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço.

10 – O dever de correção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos.

11 – Os deveres de assiduidade e de pontualidade consistem em comparecer ao serviço regular e continuamente e nas horas que estejam designadas.

12 – O trabalhador tem o dever de frequentar ações de formação e aperfeiçoamento profissional na atividade em que exerce funções, das quais apenas pode ser dispensado por motivo atendível.

13 – Na situação de requalificação, o trabalhador deve observar os deveres especiais inerentes a essa situação.»

Nos termos do art. 10.º do EMJ, na redação anterior, vigente à data dos factos:

«1 – Quando ocorra motivo ponderoso, os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição respectiva por número de dias que não exceda três em cada mês e dez em cada ano, comunicando previamente o facto ao Conselho Superior da Magistratura ou, não sendo possível, imediatamente após o seu regresso.

2 – Não são contadas como faltas as ausências em dias úteis fora das horas de funcionamento normal da secretaria, quando não impliquem falta a qualquer acto de serviço ou perturbação deste.

3 – São equiparadas às ausências referidas no número anterior, até ao limite de quatro por mês, as que ocorram em virtude do exercício de funções de direcção em organizações sindicais da magistratura judicial.

4 – Em caso de ausência nos termos dos números anteriores, os magistrados judiciais devem informar o local em que podem ser encontrados.

5 – A ausência ilegítima implica, além de responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado.»

Dispunha o art. 8º, 1 e 2, do EMJ, na redacção vigente à data dos factos:

«1 – Os magistrados judiciais têm domicílio necessário na sede do juízo onde exercem funções, podendo, todavia, residir em qualquer ponto da comarca, desde que não haja inconveniente para o exercício de funções.

2 - Quando as circunstâncias o justifiquem, e não haja prejuízo para o exercício das suas funções, os juízes de direito podem ser autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura a residir em local diferente do previsto no número anterior.»

E dispunha o art. 9º do mesmo diploma legal:

«1 – Os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição judicial no período autorizado de férias e, quando em exercício de funções, em virtude de licença, dispensa e em sábados, domingos e feriados.

2 – A ausência no período autorizado de férias, nas licenças, dispensas e em sábados, domingos e feriados em caso algum pode prejudicar a execução do serviço urgente.»

De acordo com o art. 74.º, al. c), do EMJ, na redacção vigente à data dos factos, não conta para efeitos de antiguidade o tempo de ausência ilegítima do serviço.

É o seguinte o teor do art. 10º do EMJ na sua actual redação:

«1 – Quando ocorra motivo ponderoso, os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição respetiva por número de dias que não exceda três em cada mês e 10 em cada ano, comunicando previamente o facto ao presidente do tribunal, ou, não sendo possível, imediatamente após o seu regresso.

2 – O exercício de funções que pela sua natureza não careça de ser realizado no tribunal pode excecionalmente ser assegurado pelo juiz fora das respetivas instalações, não sendo considerado ausência de serviço quando não implique falta ou perturbação dos atos judiciais.

3 – Não são ainda contadas como faltas nem carecem de autorização do Conselho Superior da Magistratura, até ao limite de quatro por mês, as ausências que ocorram em virtude do exercício de funções de direção em organizações sindicais da magistratura judicial.

4 – Para além das ausências mencionadas no número anterior, os magistrados que exerçam funções diretivas em organizações representativas da magistratura judicial, gozam ainda, nos termos da lei, do direito a faltas justificadas, que contam, para todos os efeitos, como serviço efetivo.

5 – Em caso de ausência nos termos dos números anteriores, os magistrados judiciais devem informar o local em que podem ser encontrados.

6 – A ausência ilegítima implica, além de responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado.

7 – As faltas por doença são de imediato comunicadas pelo magistrado judicial ao presidente do tribunal.

8 – No caso de faltas por doença que se prolonguem por mais de cinco dias úteis, ou sempre que o considere justificado, deve ser exigida pelo presidente do tribunal a apresentação de atestado médico.

9 – As faltas e as ausências previstas no presente artigo são comunicadas pelo presidente do tribunal ao Conselho Superior da Magistratura.»

Nos termos do actual art. 8.º, 1 e 3, do EMJ:

“1 – Os magistrados judiciais têm domicílio necessário na sede do tribunal onde exercem funções, podendo, todavia, residir em qualquer ponto da circunscrição judicial, desde que eficazmente servido por transporte público regular. (…)

3 – Quando as circunstâncias o justifiquem e não haja prejuízo para o cabal exercício da função, os juízes de direito podem ser autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura a residir em local diferente do previsto no n.º 1.”

E dispõe o art. 9.º, 1 e 3, do EMJ:

“1 – É proibido aos magistrados judiciais ausentarem-se da circunscrição judicial, a não ser quando em exercício de funções, em virtude de licença, ou nas férias judiciais, sábados, domingos e feriados. (…)

3 – A ausência ilegítima implica, além de responsabilidade disciplinar, a perda de vencimento durante o período em que se tenha verificado.»

5.7. Vejamos agora o regime atinente à responsabilidade disciplinar dos magistrados, tal como previsto no EMJ.

Em 1 de Janeiro de 2020 entrou em vigor a Lei 67/2019, que veio alterar a Lei 21/85, introduzindo profundas alterações ao EMJ, designadamente ao nível do Direito Disciplinar, concretizando condutas que constituem ilícitos disciplinares e congregando previsões legais que até então encontravam previsão no direito subsidiário, designadamente no CPenal e na LGTFP (Lei 35/2014, de 20 de Junho).

A actual redacção do EMJ tipificou inovatoriamente as infracções disciplinares cometidas pelos magistrados judiciais nas seguintes categorias: muito graves (art. 83.º-G); graves (art. 83.º-H); leves (art. 83.º-I).

Nos termos do art. 83.º-G, alínea f), do EMJ, constituem infracções muito graves os actos praticados com dolo ou negligência grosseira que, pela reiteração ou gravidade da violação dos deveres e incompatibilidades previstos no presente Estatuto, se revelem desprestigiantes para a administração da justiça e para o exercício da judicatura, nomeadamente:

A ausência ilegítima e continuada por mais de 10 dias úteis seguidos ou 20 dias úteis interpolados em cada ano, da circunscrição judicial em que o magistrado judicial se encontre colocado, ou quando deixe de comparecer ao serviço com expressa manifestação da intenção de abandonar o lugar, presumindo-se o abandono na ausência injustificada durante 30 dias úteis seguidos”.

De acordo com o art. 83.º-H, 1, alíneas d) e e), do EMJ, constituem infracções graves os actos praticados com dolo ou negligência grosseira que revelem grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, nomeadamente:

d) A ausência ilegítima e continuada por mais de 5 dias úteis e menos de 11 dias úteis da circunscrição judicial em que o magistrado judicial se encontre colocado;

e) O incumprimento injustificado, reiterado ou revelador de grave falta de zelo profissional, dos horários estabelecidos para os atos públicos, bem como dos prazos estabelecidos para a prática de ato próprio do juiz, designadamente quando decorrerem seis meses desde o fim do prazo para a prática do ato”.

E, nos termos do art. 83.º-I, alíneas a) e c), do EMJ, constituem infracções leves as infracções praticadas com culpa leve que traduzam uma deficiente compreensão dos deveres funcionais, nomeadamente:

a) A ausência ilegítima e continuada por mais de três dias úteis e menos de sete dias úteis da circunscrição judicial em que esteja colocado; (…)

c) O incumprimento injustificado, reiterado ou revelador de falta de zelo profissional, dos horários estabelecidos para os atos públicos, bem como dos prazos estabelecidos para a prática de ato próprio do juiz, designadamente quando decorrerem três meses desde o fim do prazo para a prática do ato.”.

Por outro lado, dispõe actualmente o art. 7.º-C do EMJ, que «[o]s magistrados judiciais devem pautar a sua atividade pelos princípios da qualidade e eficiência de modo a assegurar, designadamente, um julgamento justo, equitativo e em prazo razoável a todos os que recorrem aos tribunais.»

5.8. A jurisprudência do STJ já decidiu nesta Secção de Contencioso:

“No domínio do direito sancionatório disciplinar, tal como acontece no caso de uma imputação objetiva e subjetiva de um facto contrário ao ordenamento jurídico, ilícito e antijurídico, torna-se necessário, para que seja imputável a um sujeito a prática de um ilícito disciplinar, que:

- tenha ocorrido um comportamento ativo ou omissivo por parte de magistrado judicial que se traduza numa conduta formalmente desadequada e desconforme a um dever geral de conduta tal como ele se encontra definido e descrito na cartilha estatutária e de funcionamento e desempenho funcional dos magistrados;

- que esse comportamento ou conduta revista a natureza de ilícita, ou seja, que ocorre uma situação subjetiva e objetiva de contraditoriedade da conduta revelada ao que está determinado numa norma jurídica relativamente à observância de deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida;

- que se verifique um nexo de imputação do facto ao agente;

e, finalmente, que na substancialidade da conduta ressuma uma censurabilidade, a título de dolo ou negligência”[18].

5.9. Está assente na deliberação impugnada que:

6 - No dia 18 de Setembro de 2019, a Senhora Juíza de Direito, Dra. AA, alegando indisposição súbita, não realizou a audiência de julgamento no âmbito do processo n.º 45/16...., agendado para as 9.30 horas;

7 - Após isso, a Senhora Juíza manteve-se no seu gabinete, a despachar processos, até à hora de almoço;

8 - Encontrava-se agendada, para as 14H00 do referido dia, no âmbito do processo 20/17...., diligência de audição de arguido;

9 - A Sra. Juíza não compareceu no tribunal para realizar a dita diligência, nem à hora marcada, nem ulteriormente durante aquele dia, tendo, porém, dito da parte da manhã a duas funcionárias judiciais e à Sra. Procuradora Adjunta, Dra. BB, que estava doente;"

10 - Além do referido em 9, não efetuou outra comunicação acerca "da impossibilidade de comparecer para realizar a diligência agendada para as 14.00 horas no processo n.º 20/17....;

11 - Perante a ausência e a falta de contacto da Sra. Juíza, os oficiais de justiça do Juízo em questão tentaram estabelecer contacto telefónico, mas sem sucesso;

12 - Também o Sr. Juiz Presidente efectuou chamada telefónica para a Sra. Juíza, mas não foi atendido nem obteve qualquer resposta ulteriormente;

13 - Quando eram 16.05 horas, perante a ausência da Sra. Juíza, foi necessário fazer intervir juiz substituto, para assegurar a realização da diligência;

14 - O dia 18/09/2019 chegou ao seu termo, sem que fosse dado conhecimento ao tribunal das razões da ausência ao serviço da Sra. Juíza;

15 - Para as 09.30 horas do dia seguinte, encontrava-se agendada, no âmbito do processo n.º 225/16...., audiência de julgamento;

16 - Tendo-se aguardado pela comparência da Sra. Juíza, tal acabou por não se verificar, pelo que, quando eram 10.55 horas, fez-se operar a sua substituição pelo juiz substituto;

17 - Para as 12.00 horas do mesmo dia 19, encontrava-se agendada, no âmbito do processo n.º 571/16...., leitura de sentença, a qual não se realizou, pelo facto de a Sra. Juíza não ter comparecido no tribunal;

18 - Para as 14.00 horas do mesmo dia, encontrava-se agendada, no âmbito do processo n.º 339/18...., audiência de julgamento;

19 - Dado que a Sra. Juíza não compareceu no Tribunal, fez-se operar a sua substituição por colega, que assegurou a realização do julgamento;

20 - O referido dia 19 chegou ao seu termo sem que a Sra. Juíza tivesse comparecido no tribunal, e sem que tivesse contactado directamente qualquer Oficial de Justiça, Juiz de Direito ou o Juiz Presidente do Tribunal, no sentido de dar qualquer explicação para a sua ausência ao serviço;

21 - Contactou apenas a Sra. Procuradora-Adjunta, Dra. BB, dando-lhe conta da sua indisponibilidade para realizar as diligências agendadas, informação que a Sra. Procuradora-Adjunta transmitiu aos oficiais de justiça do Juízo em questão;

22 - Na segunda-feira seguinte, dia 23, a Sra. Juíza voltou a não comparecer no Juízo Local Criminal ..., permanecendo na sua residência familiar em ...;

23 - Por volta das 9.10 horas desse dia 23, contactou, por telefone, os oficiais de justiça do Juízo, dando conta de que iria adiar a realização do debate instrutório, agendado para as 14.00 horas, no âmbito do processo n.º 401/15....;

24 - A Sra. Juíza, por despacho proferido no dito processo, deu sem efeito a referida diligência, invocando a continuação de audiência de julgamento no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ...;

25 - Sucede que nesse dia não tinha continuação de qualquer audiência de julgamento, designadamente no Juízo de Competência Genérica ...;

26 - Apenas no dia 24/09/2019 tinha a continuação de julgamento no âmbito do referido processo n.º 22/14.... do Juízo de Competência Genérica ... para as 13.30 horas, que realizou;

27 - A Sra. Juíza só voltou a comparecer no Juízo Local Criminal ... no dia 25/09/2019;

28 - A Sra. Juíza não apresentou qualquer pedido de autorização ou justificação da ausência nem comunicou a ausência ao serviço nos dias 18, 19, 20 e 23 de Setembro de 2019, designadamente ao Conselho Superior da Magistratura, Tribunal da Relação ... ou à Presidência da Comarca ...;

29 - A Sra. Juíza de Direito não formulou qualquer pedido de autorização da residência fora da Comarca ...;

30 - A Senhora Juíza arguida sabia estar nesses dias obrigada a comparecer ao serviço e não se ausentar da respectiva circunscrição judicial e, apesar disso, sem apresentar qualquer justificação, não realizou as diligências agendadas nesses dias e ausentou-se da respectiva circunscrição igualmente sem qualquer justificação ou autorização, pelo menos nos dias 20 e 23/09, não tendo também comunicado as ausências ao serviço, o que tudo fez de forma deliberada, livre e consciente;

31 - A Senhora Juíza arguida sabia que tais comportamentos constituíam infracção disciplinar e eram punidos disciplinarmente;

32 - As descritas condutas, nas quatro situações (dias 18/09/2019, 19/09/2019, 20/09/2019 e 23/09/2016), desenvolveram-se com conexão temporal (quatro dias úteis consecutivos), obedecendo a uma única resolução inicial”.

5.10. Considerando as ausências injustificadas da autora, mostra-se violado o dever de assiduidade previsto no art. 73º, 2, al. i), e 11, da LGTFP, gerador de responsabilidade disciplinar e perda de vencimento e antiguidade, nos termos dos arts. 10º, 6, e 74º, al. c), do EMJ.

5.11. Quanto ao dever de zelo, este implica a actuação com diligência, exactidão e empenho. Por outro lado, implica um naipe de obrigações que dele irradiam: em especial, ter em dia o serviço que lhe é distribuído, evitando as delongas e atrasos, mais do que o estritamente necessário; ser escrupuloso para evitar erros de ofício, quer nas decisões tomadas, quer nas informações prestadas aos seus superiores ou ao público; evitar erros materiais nas tarefas de execução que revelem falta negligente de cuidado[19].

Mais ainda.

A sujeição às regras disciplinares parte do pressuposto da violação dos deveres profissionais e o estabelecimento da culpabilidade do agente (dolo ou negligência): no mínimo, que este deixe de actuar com o cuidado devido, apesar de saber que devia agir de outro modo e ter capacidade para o fazer, ou seja, que deixe de colocar as suas capacidades próprias (naturais e adquiridas) ao serviço da função em que foi investido[20].

Este zelo é naturalmente instrumental e conexo com o dever de prossecução do interesse público e o dever de lealdade, previstos no transcrito art. 73º, 2, als. a) e e), 3, 7 e 9, da LGTFP.

Todos estes deveres foram violados de forma objectiva.

Com efeito, injustificadamente, a Autora não realizou as diligências que se mostravam agendadas para os dias 18 e 19, desprezando as suas responsabilidades e causando transtornos ao regular funcionamento do serviço e constrangimentos na vida dos demais intervenientes processuais.

No dia 23, não só não realizou a diligência que se mostrava agendada, como invocou como motivo para o respetivo adiamento a continuação de um julgamento que, na verdade, não se mostrava agendada para esse dia.

Pelo menos, nos dias 20 e 23 de setembro, ausentou-se da respectiva circunscrição judicial, sem qualquer autorização ou justificação.

Por outro lado, não comunicou a ausência ao serviço nos dias 18, 19, 20 e 23 de Setembro de 2019, nem apresentou qualquer justificação da ausência, designadamente ao Conselho Superior da Magistratura, ao Tribunal da Relação ... ou à Presidência da Comarca ....

Temos, assim, que, à data dos factos a conduta da autora consubstanciava a prática de infracção disciplinar.

E, relativamente ao atual regime previsto no EMJ, a conduta da autora continua a integrar a prática de infracção disciplinar, valendo aqui a apreciação feita no que toca ao preenchimento do tipo à data dos factos e aquela que consta do excerto da deliberação que se transcreve e do qual perpassa, claramente, a razão pela qual a sua conduta deve ser considerada grave e não apenas falta leve.

Assim foi sustentado:

No caso em apreço, a conduta da Sr.ª Juíza de Direito é reveladora de negligência e de desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo, assumindo-se como uma infração grave.

Na verdade, traduziu-se numa ausência continuada do serviço (por quatro dias consecutivos), o que, considerando a natureza da função que lhe competia assegurar, revela total desconsideração pelos deveres que lhe estão inerentes.

Por outro lado, implicou o adiamento de diligências ou a sua realização por juiz substituto, o que revela desinteresse pela posição dos sujeitos processuais envolvidos e dos colegas e, em último termo, pelo fim que preside à função de julgar, ou seja, a realização da justiça.

Finalmente, tratou-se de faltas que, não só não foram justificadas, como nem sequer foram comunicadas, implicando a necessidade de se providenciar pela substituição da Sr.ª Juíza à última hora, com sobrecarga de serviço de colegas que, sem contarem com o facto, tiveram de assegurar serviço que, em condições normais, não teriam de assegurar.

A conduta da Sr.ª Juíza constitui, assim, um claro exemplo de negligência e de desconsideração do cumprimento dos deveres a seu cargo, reputando-se a mesma, como tal, de conduta grave.

(…)

No caso em presença, já vimos que a conduta da Sr.ª Juíza deve ser considerada grave.

Na verdade, tratou-se de ausência do serviço por quatro dias, com a não realização de serviço agendado ou com a sua realização mediante recurso ao mecanismo da substituição.

Tratou-se, por outro lado, de ausências não comunicadas e, portanto, de omissões especialmente qualificadas, obrigando ao recurso a colegas para assegurar a realização de diligências marcadas à última da hora.

O desvalor da ação e do resultado é, pois, significativo, situando a gravidade do facto num patamar médio.

Acresce a tudo isto o facto de a Sr.ª Juíza de Direito não ter assegurado o serviço mesmo estando presente, na manhã do primeiro dos dias, no edifício do tribunal - o que toma incompreensível a não comunicação formal do facto - e, no último dos dias, ter dado sem efeito uma diligência com fundamento, consignado em despacho, na necessidade de concluir um julgamento noutro tribunal, quando esta diligência estava agendada para o dia seguinte.

Temos, assim, uma conduta que, do ponto de vista da postura da Sr.ª Juíza de Direito, se revela especialmente censurável, sendo o desvalor da ação, por isso mesmo, também ele significativo.

(…)

Na verdade, seguindo a douta posição defendida pelo Sr. Inspetor HH no relatório que apresentou no inquérito instaurado no âmbito do procedimento interno deste C.S.M. com o n.º 2020..., a ausência do serviço, enquanto ausência de presença física do magistrado judicial no tribunal, envolve - havendo diligências agendadas, que, em virtude daquela ausência, tenham de ser dadas sem efeito ou, pelo menos, impliquem o recurso imprevisto à substituição legal - o incumprimento dos horários estabelecidos para as diligências.

Tal foi nitidamente o caso dos autos, em que a Sr.ª Juíza, ao não comparecer ao serviço como se lhe impunha, obrigou à alteração injustificada das datas das diligências que deu sem efeito e causou o atraso na realização daquelas que foram realizadas pelo substituto legal, cuja nomeação, por falta de comunicação das ausências, tiveram de ser realizadas no momento.

O incumprimento dos horários da realização dos atos públicos assim considerado é suscetível de integrar, quer a alínea e) do art. 83.º-H, quer a alínea c) do art. 83.º-I, dependendo a subsunção da conduta da Sr.ª Juíza a uma ou a outra do grau de incumprimento verificado.

Ora, esse incumprimento não pode, no caso, ser qualificado de outra forma que não como incumprimento grave.

Na verdade, a Sr.ª Juíza não só se ausentou do serviço, como da sua ausência resultaram fortes perturbações para o serviço, com adiamento de diligências e recurso a Colegas para assegurarem o seu próprio serviço.

Acresce que, na manhã do primeiro dia de ausência, a Sr.ª Juíza não realizou a diligência agendada, apesar de estar presente no tribunal, o que torna a sua conduta incompreensível.

Por outro lado, adiou uma diligência no tribunal com fundamento na necessidade de realização de uma outra diligência noutro tribunal, consignando-o em despacho, quando esta última só estava agendada para o dia seguinte, não havendo, assim, qualquer impedimento para que a primeira se realizasse.

Ou seja, a Sr.ª Juíza deu sem efeito uma diligência com fundamento em facto que não justificava, de todo, o adiamento da diligência, o que só pode ser visto como um fundamento não consentâneo com a verdade.

O comportamento da Sr.ª Juíza não é, assim, o comportamento do magistrado judicial ausente do serviço por motivo atinente a circunstâncias da sua vida pessoal, mas sim um comportamento de ostensivo desinteresse pela execução do serviço e de desrespeito pelo utente da justiça.

Trata-se, por conseguinte, de um comportamento revelador, não só de falta, mas sobretudo de grave falta de zelo profissional, em se tratando de conduta lesiva de aspetos essenciais ao exercício da judicatura.

Assim, e porque, com relevo para o que dispõe o art. 83.º-J, face às circunstâncias e às condições da sua vida pessoal, era, no caso concreto, claramente exigível que tivesse adotado um comportamento diverso, concluímos que a atuação da Sr.ª Juíza é subsumível à previsão da alínea e) do art. 83.º-H, devendo ser qualificada como infração grave.

Saliente-se que a conduta da Autora não se reconduz apenas a uma ausência de quatro dias ou à falta de cumprimento de horários, mas antes a vários comportamentos que, no seu conjunto, consubstanciam uma violação injustificada dos seus deveres funcionais, reveladora de grave falta de zelo profissional e deveres conexos, devidamente ponderada à luz do art. 83.º-J do EMJ.

Desta forma, nenhum reparo merece a qualificação jurídica empreendida na deliberação impugnada, mostrando-se verificada a infracção grave prevista no art. 83.º-H, 1, al. e), do EMJ.

5.12. Ainda relativamente à factualidade referida ao dia 20, regista-se que consta dos factos provados pela deliberação impugnada que a Autora não formulou qualquer pedido de autorização de residência fora da Comarca ... e ausentou-se da respectiva circunscrição judicial, igualmente sem qualquer justificação ou autorização, pelo menos nos dias 20 e 23/09, não tendo também comunicado as ausências ao serviço.

Por outro lado, ainda que o número de dias e o tipo de ausência tenham sido considerados, a Autora veio a ser sancionada pela prática da infracção prevista no art. 83º-H, 1, al. e), do EMJ, e não no art. 83º-I, al. a), do EMJ.

Atente-se na seguinte fundamentação, que se acompanha e à qual se adere:

Acresce que, relativamente à factualidade atinente ao dia 20, se nos afigura incorreto dizer-se que à Sr.ª Juíza não foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre a factualidade apurada e que esta não integraria a infração disciplinar que cometeu.

Na verdade, a Sr.ª Juíza tomou conhecimento do facto em sede de inquérito, como decorre de fls. 2 e pronunciou-se sobre ele, como decorre de fls. 10 a 12.

O facto em causa constava, também, da acusação deduzida (v. fls. 50), pelo que a Sr.ª Juíza sempre teve a oportunidade de se pronunciar sobre ele, nomeadamente na resposta que apresentou a fls. 77 e seguintes.

Trata-se, pois, de facto que constitui indiscutivelmente objeto do processo e conhecido da Sr.ª Juíza, não colhendo a sua alegação em sentido contrário.

Questão diversa era a do relevo jurídico do facto em causa, mas também a sua relevância disciplinar foi levada ao conhecimento da Sr.ª Juíza com a sua inclusão na acusação e, bem assim, no projeto de decisão contraditado pela mesma.

5.13. De tudo resulta que a deliberação impugnada não enferma de erro manifesto, crasso ou grosseiro relativamente ao seu substrato factual, nem os critérios de avaliação usados se revelam desajustados, sem violação da proporcionalidade e da razoabilidade demandados pelo CPA.

Assim, tudo ponderado, concluiu-se pela não verificação do invocado vício do erro nos pressupostos de facto, improcedendo o peticionado pela Autora.

6. Da sanção aplicada

Concluindo-se pela verificação da infracção, importará determinar a adequação da sanção-“pena” aplicada no caso concreto.

Para isso, tem-se presente que, “embora o artigo 29.º da CRP se refira somente à lei criminal, deve considerar-se que o princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável ao arguido (n.º 4) se aplica também aos outros dois ramos do chamado direito público sancionatório: o direito de mera ordenação social e o direito disciplinar”[21].

Por isso se convoca sem dúvidas o art. 2º, 4, do CPenal, ex vi arts. 131º do EMJ anterior e 83º-E do EMJ actual, para averiguar da escolha e da medida concreta da pena decidida pela deliberação impugnada.

6.1. Do EMJ na redacção vigente à data da prática dos factos

O art. 85º, 1, do EMJ estabelecia o seguinte elenco das penas aplicáveis aos magistrados judiciais:

«a) Advertência;

b) Multa;

c) Transferência;

d) Suspensão de exercício;

e) Inactividade;

f) Aposentação compulsiva;

g) Demissão.»

A pena de advertência «consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a acção ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível» (art. 86º EMJ) e, nos termos do art. 91º do EMJ «é aplicável a faltas leves que não devam passar sem reparo».

A pena de multa «é fixada em dias, no mínimo de 5 e no máximo de 90» (art. 87.º EMJ) e é «aplicável a casos de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos deveres do cargo» (art. 92º EMJ).

A pena de transferência «consiste na colocação do magistrado em cargo da mesma categoria fora da área de jurisdição do tribunal ou serviço em que anteriormente exercia funções» (art. 88º EMJ) e «é aplicável a infracções que impliquem a quebra do prestígio exigível ao magistrado para que possa manter-se no meio em que exerce funções» (art. 93.º EMJ).

As penas de suspensão de exercício e de inatividade «consistem no afastamento completo do serviço durante o período da pena». A de suspensão pode ser de vinte a duzentos e quarenta dias e a de inatividade não pode ser inferior a um ano nem superior a dois (art. 89º EMJ). Tais penas «são aplicáveis nos casos de negligência grave ou de grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais ou quando o magistrado for condenado em pena de prisão, salvo se a condenação aplicar pena de demissão» (art. 94º EMJ).

As penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado: «a) Revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função; b) Revele falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa; c) Revele inaptidão profissional; d) Tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes». Ainda, ao abandono de lugar corresponde sempre a pena de demissão. (art. 95º EMJ).

6.2. Do EMJ na sua redacção actual

Nos termos do art. 91º do EMJ, os magistrados judiciais estão sujeitos às seguintes sanções:

«a) Advertência;

b) Multa;

c) Transferência;

d) Suspensão de exercício;

e) Aposentação ou reforma compulsiva f) Demissão.»

A sanção de advertência é aplicável a infracções leves (art. 98.º EMJ).

A multa é aplicável às infracções graves em que não se mostre necessária ou adequada, em face das circunstâncias do caso, a aplicação de outra sanção disciplinar mais gravosa (art. 99º, 1, EMJ).

Nos termos do art. 93º, 1, do EMJ: «A sanção de multa é fixada em quantia certa e tem como limite mínimo o valor correspondente a uma remuneração base diária e como limite máximo o valor correspondente a seis remunerações base diárias

A transferência é aplicável a infracções graves ou muito graves que afectem o prestígio exigível ao magistrado judicial e ponham em causa a sua manutenção no meio social em que desempenha o cargo ou no juízo ou tribunal onde exerce funções (art. 100º, 1, EMJ).

A suspensão de exercício é aplicável a infracções graves ou muito graves que revelem a falta de interesse pelo exercício funcional e manifesto desprestígio para a função jurisdicional, ou quando o magistrado judicial for condenado em pena de prisão (art. 101º, 1, EMJ).

A aposentação ou reforma compulsiva e a demissão são aplicáveis a infracções muito graves quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias: «a) Definitiva ou manifesta e reiterada incapacidade de adaptação às exigências da função; b) Conduta desonrosa ou manifestamente violadora da integridade, isenção, prudência e correção pessoal que lhe é exigida; c) Condenação por crime praticado com evidente e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes.» Por outro lado, ao abandono de lugar corresponde sempre a sanção de demissão (art. 102º do EMJ).

6.3. Como já se deixou dito, a conduta da Autora é grave, não estando em causa uma mera falta leve, sendo acertada a qualificação da infracção como tal.

6.4. Nessa conformidade, à luz do regime sancionatório constante do EMJ, na versão vigente à data dos factos, à conduta da Autora correspondia a aplicação de uma multa (arts. 87º e 92º do EMJ).

Considerando que, no atual regime previsto no EMJ, a conduta da Autora se enquadra na previsão do art. 83º-H, 1, al. e), sendo infracção grave, é-lhe aplicável as sanções de multa, transferência ou de suspensão de exercício, nos termos dos arts. 99º, 1, 100º, 1, e 101º, 1, do EMJ; sendo multa a pena a escolher e a fixar de acordo com os arts. 99º, 1, e 93º, do mesmo EMJ.  

Neste confronto – em especial, os arts. 87º do anterior e 93º do actual EMJ –, o regime punitivo mais favorável para a pena de multa é o do actual EMJ – como decidiu, após concretização, a deliberação impugnada.

6.5. Nos termos do art. 84º do EMJ:

«Na escolha e medida da sanção disciplinar a aplicar, o órgão decisor tem em conta todas as circunstâncias que, não estando contempladas no tipo de infração cometida, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude dos factos, o modo de execução, a gravidade das suas consequências e o grau de violação dos deveres impostos;

b) A intensidade e o grau de culpa e os fins que determinaram a prática da infração;

c) As condições pessoais do arguido, a sua situação económica e a conduta anterior e posterior à prática da infração.»

Por outro lado, nos termos do art. 99º, 1, do EMJ, a multa é aplicável às infracções graves em que não se mostre necessária ou adequada, face às circunstâncias do caso, a aplicação de outra sanção disciplinar mais gravosa.

Nestes termos, consideram-se acertados os fundamentos constantes da deliberação: apesar de estarmos perante infracção grave, não se mostra necessária ou adequada a aplicação de sanção disciplinar mais gravosa que a multa, tanto mais que a Autora não tem antecedentes disciplinares registados, nem faltas registadas/comunicadas desde Setembro de 2019 até 25 de Outubro de 2019 (facto provado 5. na deliberação impugnada).

6.6. A Autora pugna, por outro lado e subsidiariamente, pela aplicação de uma sanção inferior à multa (de advertência com dispensa de registo – art. 91º, 2, e 98.º do EMJ), por entender existirem circunstâncias atenuantes da sanção disciplinar, nos termos do art. 85º do EMJ.

Nos termos do art. 97.º do EMJ, na redacção anterior à introduzida pela Lei 67/2019, «[a] pena pode ser especialmente atenuada, aplicando-se pena de escalão inferior, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infracção, ou contemporâneas dela, que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do agente.»

Dispõe o art. 85.º do EMJ, na sua redacção atual:

«A sanção disciplinar pode ser especialmente atenuada, aplicando-se a sanção de escalão inferior, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infração, ou contemporâneas dela, que diminuam acentuadamente a gravidade do facto ou a culpa do arguido, nomeadamente:

a) O exercício de funções, por mais de 10 anos, sem que haja sido cometida qualquer outra infração grave ou muito grave;

b) A confissão espontânea e relevante da infração;

c) A provocação injusta, a atuação sob ameaça grave ou a prática da infração ter sido determinada por motivo honroso;

d) A verificação de atos demonstrativos de arrependimento ativo.»

*

A jurisprudência tem afinado alguns critérios essenciais:


(i) a atenuação especial da sanção disciplinar visa acautelar a ocorrência de circunstâncias singulares que possuem aptidão para diminuir substancialmente a ilicitude do facto e/ou a culpa do agente, projectando uma imagem global do ilícito disciplinar que se revela especialmente diminuída, de molde a conduzir à aplicação de uma sanção disciplinar de gravidade inferior àquela que nos termos da lei corresponderia à infracção disciplinar verificada[22];
(ii) a ponderação sobre a escolha e determinação da medida da sanção disciplinar – extensível à apreciação das circunstâncias atenuantes e agravantes – atende às exigências ético-deontológicas privativas do exercício da judicatura e aos contornos do caso e insere-se na ampla margem de apreciação e avaliação em termos de discricionariedade de que o CSM dispõe, pelo que o STJ só deve intervir na determinação da sanção disciplinar quando se trate de um evidente erro manifesto, crasso ou grosseiro ou ainda quando haja assentado em critérios ostensivamente desajustados ou violadores de princípios, como seja o da proporcionalidade, sendo certo que a adoção de solução diversa equivaleria à apropriação de prerrogativas exclusivamente conferidas àquela entidade e à substituição à mesma na prossecução de funções próprias que lhe estão legalmente confiadas[23].

Na situação em apreço, a Autora discorda da ponderação efetuada pelo CSM sobre a escolha da medida da sanção disciplinar, não apontando, no entanto, qualquer erro grosseiro, nem identificando o emprego de critérios manifestamente desajustados.

E resulta evidente o motivo pelo qual a deliberação optou nesta sede pela aplicação da sanção disciplinar de multa:

De referir que, à semelhança do Sr. Inspetor Judicial, também se entende que, no caso, não há fundamento para que se pondere a possibilidade de atenuação especial da pena de multa, mediante a aplicação de pena de escalão inferior, por inexistirem circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas da infração que diminuam a gravidade do facto e a culpa da Sr.ª Juíza de Direito.

Com efeito, pese embora não ter antecedentes disciplinares, ter admitido os factos e ter evidenciado arrependimento, a Sr.ª Juíza fê-lo tão somente em sede de declarações prestadas, não contribuindo, assim, de forma relevante para a descoberta da verdade.

Não há, pois, que considerar a possibilidade de atenuação especial da sanção a aplicar.

(…)

De salientar que também à luz do regime emergente da atual versão do E.M.J. se entende, pelas razões já acima adiantadas a propósito da versão anterior do E.M.J., que não há fundamento no caso para a atenuação especial da sanção a aplicar, por não se verificarem os pressupostos para tanto previsto no atual art. 85.º.

(…)

Considerando as circunstâncias da prática da infração por parte da Sr.ª Juíza, nomeadamente a sua gravidade em razão de se tratar de ausências não só injustificadas, mas também não comunicadas, bem como a justificação de uma das ausências, com adiamento de uma diligência, com recurso a fundamento que não se verificava, entendemos que não há fundamento para que, à luz o art. 87.º-A do E.M.J., se suspenda a execução da sanção disciplinar.

Do cotejo das sanções a aplicar à Sr.ª Juíza à luz dos dois regimes punitivos em confronto, conclui-se que o regime atualmente vigente é o concretamente mais favorável.

A sanção a que a Sr.ª Juíza deve ser submetida será, como tal, a de multa de € 447,57.

6.7. Convergentemente e convocando as considerações acima expendidas, devemos concluir que:


(i) os factos praticados, globalmente considerados, assumem gravidade suficiente para que não possam ser tidos como faltas leves, ficando afastada a pretendida redução para uma espécie de pena menos gravosa (atenuação especial da pena e aplicação da pena de advertência);
(ii) não padecendo a deliberação impugnada de qualquer erro manifesto, improcede também por esta via a pretendida atenuação especial da sanção disciplinar aplicada[24];
(iii) tem-se por ajustada a aplicação do regime actualmente vigente por ser mais favorável (o que a Autora não põe em causa) e a fixação em concreto da multa nos moldes efectuados na deliberação.

Improcede, pois, também neste ponto derradeiro, a pretensão da Autora.

V) REQUERIMENTO INCIDENTAL DE ISENÇÃO DE TAXA DE JUSTIÇA

A Autora veio na sua petição inicial requerer o reconhecimento da isenção do pagamento da taxa de justiça inicial, sem prejuízo de ter feito a respectiva autoliquidação e junto o seu comprovativo de pagamento.

Alega para esse efeito a aplicação do art. 179º do EMJ.

Preceito este que, ocupando a Secção V «Custas» do Capítulo X («Meios impugnatórios administrativos e contenciosos»), reza assim:


«1 – Os meios de reação jurisdicional são isentos de taxa de justiça.

2 – É subsidiariamente aplicável, com as necessárias adaptações, o Regulamento das Custas Processuais.»

Tal normativo terá que ser interpretado de forma sistemática e racional, na sua conjugação externa com o art. 4º, 1, c), e 3 do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro) – aplicável em função do art. 179º, 2, do EMJ – e na sua conjugação interna com o art. 17º, 1, f), do mesmo EMJ.

Assim prescrevem:


Artigo 4.º

Isenções

1 – Estão isentos de custas:

(…)

c) Os magistrados e os vogais do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público ou do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que não sejam magistrados, em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções;

(…)

3 – Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1, a parte isenta fica obrigada ao pagamento de custas quando se conclua que os actos não foram praticados em virtude do exercício das suas funções ou quando tenha actuado dolosamente ou com culpa grave.

Artigo 17º

Direitos especiais

1 – São direitos especiais dos juízes:
(…)

f) A isenção de custas em qualquer ação em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções, incluindo as de membro do Conselho Superior da Magistratura ou de inspetor judicial;

(…).

Do enunciado gramatical de tais normas, bem como da sua razão de ser, resulta que a parte “magistrado” só fica isenta quando se conclua que os actos que motivam  intervenção em juízo, sendo parte do lado activo ou do lado passivo, foram praticados em virtude do exercício das suas funções jurisdicionais decisórias em qualquer processo; ao invés, fica obrigado enquanto parte ao pagamento das custas processuais (nas suas diversas modalidades: art. 529º do CPC) nos casos que exorbitam da sua função primordial de julgamento e decisão[25]. Estão, por isso, abrangidas nestes casos de não isenção as situações em que o magistrado age na defesa de direitos de natureza pessoal ou profissional-deontológica, traduzidas em acções em que não há nexo de causalidade (directo e imediato) entre o seu objecto e o exercício das referidas funções na administração da justiça.
Assim, as acções em que o magistrado exerce a impugnação contenciosa, relativamente ao cumprimento ou incumprimento do estatuto de deveres inerentes e próprios da sua carreira profissional (por ex., aqueles que respeitam a processos atinentes à sua avaliação e progressão ou do foro disciplinar), pugnando pelo reconhecimento de um direito que entende ser denegado, ou deficientemente avaliado, ou pela improcedência de uma sanção disciplinar que estima ser ilegal, no âmbito de um procedimento desencadeado pelo respectivo órgão de controlo, gestão e disciplina, não estão incluídas na órbita da isenção de custas[26].
Razão pela qual, nessas acções de impugnação – como a dos presentes autos – o magistrado constitui-se como “parte” em processo administrativo, sujeito às obrigações tributárias em sede de custas a que estão sujeitos todos aqueles que pretendam impugnar um acto administrativo junto de um órgão jurisdicional e não beneficiam de qualquer isenção para qualquer das modalidades de custas processuais atendidas na lei.

Sendo os arts. 4º, 1, c), e 3, do RCP e 17º, 1, f), do EMJ consentâneos entre si enquanto normas limitadoras da eficácia da isenção concedida, não pode deixar o art. 179º, 1, do EMJ, em conformidade com essa interpretação sistemático-racional, também legitimada pela aplicação expressa e remissiva do RCP, de ser assim interpretado e aplicado.
Assim decidiram e julgaram, nesta Secção de Contencioso, os Acs. do STJ de 22/2/2017[27] e 28/6/2017[28], com razões que merecem ser aqui validadas e confirmadas para conduzir ao falecimento da pretensão da Autora Demandante.

VI) DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em:


(1) julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa;

(2) julgar improcedente o pedido de isenção do pagamento de taxa de justiça.

*

Custas da acção pela Autora Demandante, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UCs (arts. 527º, 1 e 2, CPC; art. 7º, 1, RCP, e respectiva Tabela I-A anexa).

Custas do incidente pela Autora Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 (meia) UC (arts. 527º, 1 e 2, CPC; art. 7º, 4, e respectiva Tabela II-A anexa).

*

Valor da acção: € 30.000,01 (artigo 34º, 1 e 2, CPTA).

STJ/Lisboa, 24 de Novembro de 2022

Ricardo Costa (Relator)

Manuel Capelo

Maria João Vaz Tomé

Rijo Ferreira (Vencido conforme declaração de voto que junto)

Paulo Ferreira da Cunha

Ramalho Pinto

António Gama

Maria dos Prazeres Beleza (Presidente da Secção)

SUMÁRIO DO RELATOR.

________________________


Processo 49/20.7YFLSB


Declaração de Voto


A introdução dos artigos 83º-F a 83º-J do EMJ teve como objectivo criar mais segurança jurídica na qualificação das infracções disciplinares, diminuindo o grau de discricionariedade do CSM, através da tipificação (ainda que a título exemplificativo por referência a um quadro de referência abstracto) de diversos tipos de condutas consideradas como constituindo infracções disciplinares.
Nessa enunciação típica a ausência ilegítima surge referenciada nas alíneas f) do artigo 83º-G, d) do artigo 83º-H e a) do artigo 83º-I. Sendo que do cotejo dessas disposições entendo que por a expressão ‘ausência ilegítima’ haverá de compreender a ausência da circunscrição judicial quer a ausência de comparecer no serviço bem como a ilegitimidade decorrente quer da falta de motivo, quer a falta de comprovação do motivo, quer a falta de comunicação.
E nesse conspecto entendo que a conduta imputada à demandante (4 dias consecutivos de ausência da circunscrição e do serviço, sem justificação e sem comunicação) se enquadra na al. a) do artigo 83º-I do EMJ, devendo ser qualificada como infracção leve; sendo esse o preceito aplicável por se mostrar o mais favorável.
Por outro lado, não vejo como tal conduta possa ser entendida, como o foi na deliberação impugnada, como ‘incumprimento (…) dos horários estabelecidos para os actos públicos, (…) bem como dos prazos’ para ser integrada na al. e) do artigo 83º-H.
Teria, consequentemente, julgado procedente a impugnação.

-*-

O Capítulo X do EMJ regula os meios impugnatórios administrativos e contenciosos dos actos administrativos praticados pelo CSM e demais entidades e órgãos previstos nesse mesmo Estatuto, e na sua Secção V regula as custas atinentes a esses meios impugnatórios, constituída apenas pelo artigo 179º, ao qual foi atribuída uma nova e diferenciada redacção pela Lei 67/2019, 27AGO.
O nº 1 desse mesmo artigo é peremptório na afirmação de que os meios de reacção jurisdicional são isentos de taxa de justiça; o que só pode significar o sentido literal dessa afirmação: que os meios de impugnação jurisdicional previstos no EMJ estão isentos de taxa de justiça.
Sendo que, no entanto, e em função da aplicação subsidiária do Regulamentos das Custas Processuais, haverá lugar ao pagamento de encargos e custas de parte.
A interpretação avançada no acórdão só poderia ter justificação em face da anterior redacção de tal preceito.
Nesse sentido decidiria estar a acção administrativa isenta de taxa de justiça.

-*-

Ainda que a acção administrativa não estivesse isenta de taxa de justiça, não se me afigura que as questões relacionadas com a existência ou inexistência da obrigação do pagamento prévio da taxa de justiça, como condição da admissibilidade da petição inicial, deva ser qualificada como incidente, como estranha à normalidade da tramitação, pelo que não condenaria a Demandante em taxa de justiça pelo incidente.

Rijo Ferreira

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[1] Processo n.º 3325/15.7T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º4/21.0YFLSB, in www.dgsi.pt.
[3] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 314.
[4] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume II, 4ª ed., sub art. 268º, Coimbra Editora, Coimbra, 2010 (reimp. 2014), págs. 825-826.
[5] LUIZ CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2019, pág. 497; convergentes: MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., sub art. 124º, Almedina, Coimbra, pág. 589.
[6] LUIZ CABRAL DE MONCADA, ob. cit., págs. 497-498.
[7] V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES, ob. cit., sub art. 125º, págs. 600 e ss.
[8] V., entre tantos outros, Acs. do STJ de 30/3/2017, processo n.º 62/16.9YFLSB, 28/2/2018, processo nº 67/17.2YFLSB, 4/7/2019, processo nº 18/18.7YFLSB, e 24/06/2021, processo n.º 4/21.0YFLSB, in www.dgsi.pt.
[9] V. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O dever da fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 265.
[10] LUIZ CABRAL DE MONCADA, ob. cit., pág. 101.
[11] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “Artigo 266º”, ob. cit., pág. 802.
[12] Ac. do STJ de 24/11/2015, processo n.º 125/14.5FYLSB, in www.dgsi.pt.
[13] V. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, com a colaboração de Pedro Machete e Lino Torgal, 2.ª ed., 2011, Almedina, Coimbra, págs. 429-430.
[14] Cfr. Acs. do STJ de 25/5/2016, processo n.º 55/14.0YFLSB, sumariado in www.stj.pt; 4/7/2019, cit., e de 24/10/2019, processo n.º 67/18.5YFLSB, in www.dgsi.pt.
[15] V. novamente Ac. do STJ de 4/07/2019 cit.
[16] V. Acs. do STJ de 27/4/2016, processo n.º 118/15.5YFLSB, e de 14/07/2021, processo n.º 47/20.0YFLSB-A, in www.dgsi.pt.
[17] FERNANDA PAULA OLIVEIRA/JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Noções fundamentais de Direito Administrativo, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 141.
[18] Ac. de 4/05/2017, processo n.º 26/16.2YFLSB, in www.dgsi.pt.
[19] V. Ac. do STJ de 4/5/2017, processo nº 26/16.2YFLSB, cit.
[20] V. Ac. do STJ de 25/10/2018, processo nº 5/18.3YFLSB, in www.dgsi.pt.
[21] Ac. do STJ de 24/2/2021, processo n.º 15/20.2YFLSB, in www.dgsi.pt.
[22] Ac. do STJ de 25/10/2017, processo n.º 71/16.8YFLSB, in www.dgsi.pt.
[23] Ac. do STJ de 22/01/2019, processo n.º 77/18.2YFLSB, in www.dgsi.pt.
[24] V. Ac. do STJ de 27/1/2022, processo n.º 20/21.1YFLSB, in www.dgsi.pt.
[25] V. SALVADOR DA COSTA, As custas processuais. Análise e comentário, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 4º, pág. 107.  
[26] Ex professo, SALVADOR DA COSTA, ob. e loc. cits., pág. 105: “Não abrange [a isenção] as deliberações do CSM relativas à sua prestação de trabalho, quer versem sobre a retribuição fixada, a classificação atribuída ou a imposição de sanções disciplinares.”
[27] Processo n.º 60/16.2YFLSB, in www.dgsi.pt.
[28] Processo n.º 63/16.7YFLSB, in www.dgsi.pt.