RECLAMAÇÃO
NULIDADE
Sumário


I – Proferida a sentença esgota-se o poder jurisdicional do Juiz.
II – As partes podem, no entanto, arguir a nulidade da decisão com base nas fundamentos previstos no n.º 1 do art.º 615º do CPC.
III – Deferida a reclamação, se o acórdão é do STJ, este Tribunal supre a nulidade, declara em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhece dos outros fundamentos do recurso.

Texto Integral




Processo 14565/18.7T8PRT.P1.S1

*

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1.

Prolatado o acórdão que julgou improcedente a revista, veio a Recorrente atravessar requerimento alegando que o mesmo “padece das nulidades previstas nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Com efeito, o aresto reclamado não especifica de forma cabal os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, apresenta fundamentos que estão em oposição com a decisão e não se pronuncia sobre questões que devia apreciar”.

Remata a sua longa alegação com não menos longas conclusões, que se transcrevem:
A. Os presentes autos tiveram origem numa petição inicial apresentada pela ora Reclamante contras as Rés, na qual se pedia a declaração da ilicitude da transmissão de estabelecimento por estas negociada e que envolveu a Reclamante, com todas as legais consequências dessa declaração.
B. A transmissão de estabelecimento impugnada nestes autos, e que data de junho de 2017, abrangeu 22 trabalhadores, incluindo a Reclamante, tendo a 1.ª Ré negociado na mesma altura outras transmissões de estabelecimento de outros departamentos, quer com a 2.ª Ré, quer com outras empresas, num total de cerca de duas centenas de trabalhadores “transmitidos”.
C. Uma parte significativa dos trabalhadores integrados nestas transmissões não se conformou e reagiu judicialmente, tendo dado entrada a várias acções de impugnação dos negócios de transmissão de estabelecimento celebrados entre a 1.ª Ré e um conjunto de empresas, onde se inclui a 2.ª Ré.
D. Importa ter presente que a actividade destas empresas se exerce em estreita colaboração – para não dizer dependência – com a 1.ª Ré, de que são exemplo a partilha de espaços e instrumentos de trabalho, a cooperação na execução de tarefas ou os serviços prestados, formatados para o universo da 1.ª Ré, o que, de resto, já vinha acontecendo antes das transmissões e ao que não é alheio o facto de as empresas transmissárias estarem sob controlo gestionário de pessoas singulares ou colectivas próximas e da confiança dos accionistas da 1.ª Ré, facto que é, aliás, de conhecimento público e generalizado.
E. Neste quadro, que exigia do julgador na aferição da licitude do negócio transmitivo uma atenção e sensibilidades acrescidas, a acção da Reclamante foi julgada improcedente pelo Tribunal da 1.ª Instância, com uma decisão que, para além dos erros na apreciação da matéria de facto e da matéria de direito - oportunamente alegados mas, infelizmente, reiterados pelos tribunais superiores -, revela um enorme distanciamento da realidade empresarial e das suas opções estratégicas mais recentes, distância que foi depois sublinhada pela confirmação da sentença pelo Tribunal da Relação do Porto e Supremo Tribunal de Justiça.
F. Com efeito, nenhuma destas instâncias foi capaz de, criticamente e do ponto de vista jurídico, enquadrar o caso concreto no plano económico e na lógica de externalização da força de trabalho que tem marcado a tendência do mercado e das relações laborais contemporâneas, em desvio à própria natureza do contrato de trabalho e ao princípio fundamental da segurança no emprego, tendo, ao invés, assumido uma postura passiva e redutora da função jurisdicional, contrária ao espírito e letra da lei, mais propriamente da regulamentação resultante da reforma do Código de Processo Civil de 2013, em especial, a respeito da abordagem aos factos do processo.
G. Com as alterações introduzidas em 2013, procurou-se mitigar o esquematismo e a artificialidade da divisão da matéria de facto por quesitos, tendo estes sido substituídos pela mais fluído e dinâmico conceito de temas de prova, ao mesmo tempo que se reforçou o poder do juiz na descoberta da verdade e apuramento dos factos relevantes para a boa decisão da causa.
H. Porém, esta redefinição da lei de processo não teve qualquer expressão no julgamento levado a cabo pelo Tribunal de 1.ª Instância, cuja decisão foi complacentemente mantida pelo Tribunal da Relação do Porto, a quem cabia emendar os erros cometidos e não o fez, complacência a que o Supremo Tribunal de Justiça aderiu.
I. Escudando-se em argumentos formais e interpretações discutíveis das normas aplicáveis, o Tribunal da Relação do Porto desprezou a impugnação da matéria de facto feita pela Reclamante na sua Apelação, socorrendo-se da conveniente e muito discutível interpretação jurisprudencial – sem base legal expressa nesse sentido – de que a impugnação da matéria de facto não pode ser feita em bloco.
J. O Tribunal da Relação do Porto desconsiderou o cumprimento efectivo e integral por parte da Reclamante das exigências – essas sim – previstas na lei e penalizou-a com base numa interpretação jurisprudencial formalista e restritiva do direito de acesso à justiça e aos tribunais, com consagração constitucional e natureza de direito, liberdade e garantia.
K. Vale a pena referir o voto de vencido e a respectiva declaração de um dos Juízes do colectivo que julgou a Apelação da Reclamante, de quem o que acaba de se referir não pode ser dito, antes pelo contrário.
L. Efectivamente, a declaração do voto de vencido do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto revela que o seu autor identificou correctamente as questões fundamentais da situação em apreço, nomeadamente a insuficiência da unidade económica transmitida e situação de dependência da 2.ª Ré face à 1.ª Ré.
M. Infelizmente, o Supremo Tribunal de Justiça preferiu dar crédito ao Acórdão e não ao voto de vencido, sobre o qual, diga-se, não se pronunciou de forma alguma, não obstante a sua reprodução integral no texto da decisão.
N. Ademais, o Supremo Tribunal de Justiça deu igualmente cobertura à decisão do Tribunal da Relação do Porto sobre a impugnação da matéria de facto, insistindo, de forma acrítica e limitada, na tese da impossibilidade da impugnação em bloco, muito embora reconheça que o texto da lei nada refere sobre esta técnica de impugnação.
O. O prestígio e credibilidade dos juízes e dos tribunais é uma condição fundamental – necessária e imprescindível – ao bom funcionamento do sistema judicial, sendo proporcional à qualidade das decisões proferidas e ao grau de realização da justiça.
P. O caso concreto e a forma como sucessivamente os tribunais decidiram contra a Reclamante e contra todas as evidências, factuais e jurídicas, é um bom exemplo de um processo que em nada dignifica a justiça e os tribunais, constituindo inevitavelmente motivo de confrangimento para todos os envolvidos.
Q. A presente Reclamação constitui a derradeira oportunidade de se corrigir os erros judiciais cometidos neste processo e, em sequência, de fazer cumprir o direito e a justiça, com a revogação da decisão do Tribunal de 1.ª Instância, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, e a sua substituição por uma decisão que julgue ilícita a transmissão de estabelecimento que envolveu a Reclamante, com todas as consequências daí decorrentes.
R. O Acórdão agora reclamado padece das nulidades previstas nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, uma vez que não especifica de forma cabal os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, apresenta fundamentos que estão em oposição com a decisão e não se pronuncia sobre questões que devia apreciar.
S. O Acórdão interpretou erradamente as alegações de recurso da Reclamante no que à questão da impugnação da matéria de facto concerne, tendo deixado de se pronunciar sobre a questão jurídica concreta – a nulidade parcial da decisão – que se colocava para apreciação.
T. No que respeita à alegação acerca da ilicitude da transmissão de estabelecimento, a solução do caso concreto está em oposição com o enquadramento factual e jurídico-dogmático feito pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça e que este tribunal não se pronuncia, nesta matéria, sobre questões relevantes e que não podia deixar de conhecer.
U. A Reclamante indicou os elementos de facto que considerava demonstrarem o carácter simulado e fraudulento da transmissão de estabelecimento operada entres as Rés, acompanhando essa narrativa factual com ampla doutrina e jurisprudência sobre o tema, sem que o Supremo Tribunal de Justiça tenha emitido sobre esta alegação um juízo assente em factos e no direito.
V. É entendimento pacífico entre os Tribunais que as nulidades da sentença constituem vícios intrínsecos à formação da decisão, correspondendo a vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão.
W. A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito, entendendo-se por questões com relevância aquelas que se reportam às pretensões deduzidas pelas partes ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
X. São estas concretas controvérsias fundamentais para a resolução do pleito que reclamam do tribunal um pronunciamento, o que, não acontecendo, determina a nulidade da decisão.
Y. No caso em apreço, e no que toca à apreciação da alegação da Reclamante acerca da impugnação da matéria de facto e a propósito do negócio simulado ou em fraude à lei, o Supremo Tribunal de Justiça deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes e que não podia deixar de conhecer e tomar posição.
Z. O Acórdão está também afectado de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão sobre o alegado pela Reclamante a propósito da impugnação da matéria de facto e a respeito do negócio simulado ou em fraude à lei.
AA. O Acórdão padece ainda de nulidade, no que toca à apreciação da alegação da Reclamante sobre a ilicitude da transmissão da unidade económica, na medida em que a conclusão a que o Supremo Tribunal de Justiça chega é contraditória e se opõe à fundamentação fáctica e jurídica que apresenta.
BB. No caso concreto, há uma quebra do silogismo lógico que deve estruturar as decisões judiciais, uma vez que o raciocínio jurídico que conduz à decisão tomada se mostra incompatível com o sentido desta decisão.
CC. Ao ter decidido como decidiu no que toca ao alegado pela Reclamante no seu recurso de Revista sobre a impugnação da matéria de facto, ilicitude da transmissão de estabelecimento e negócio simulado ou em fraude à lei, o Supremo Tribunal de Justiça (i) não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, (ii) se verifica oposição entre fundamentos de facto e de direito, por um lado, e a decisão tomada, por outro, e (iii) esse mesmo Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre questões que devia ter apreciado, o que implica, nos termos dos arts. 77.º do CPT e 615.º, 666.º e 685.º do CPC, a nulidade do Acórdão agora reclamado nas partes em que decide sobre estas matérias.


2.

Respondeu a Recorrida, extraindo da sua alegação as seguintes conclusões:
1. O douto Acórdão reclamado não merece qualquer reparo devendo manter-se nos seus exatos termos;
2. Inexiste qualquer erro na aplicação do direito e/ou nulidade processual, na medida em que foi a Reclamante quem se limitou, ao contrário do ónus que sobre si impendia, a invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma apreciação global dos meios de prova, com isso pretendendo defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador. Acresce que a Reclamante, ao invés de cumprir como ónus que sobre si impendia para impugnação da matéria de facto, não procedeu com a indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios, relacionando ou conectando cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que no seu entender sustentaria decisão distinta daquela que veio a ser tomada;
3. Mesmo que se considere a impugnação de factos por “blocos de factos” – como fez a Reclamante contrariando o entendimento dominante nesta temática e não satisfazendo as exigências decorrentes do artigo 640.º n.º 1 alínea b) do CPC a que acresce uma indicação também genérica e “em bloco” dos meios de prova – sempre se dirá, ainda assim, que lhe competia, sob pena de rejeição, de proceder com a indicação dos concretos pontos de facto, dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente e que estabelecesse a necessária articulação entre uns e outros – o que a Reclamante não fez;
4. Ao Tribunal de revista está vedada a alteração da decisão sobre matéria de facto, exceto verificando-se ofensa expressa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova, pelo que carece de qualquer fundamento a pretensão da Reclamante de que o Tribunal de revista proceda com a alteração da matéria de facto com base em depoimentos de testemunhas. Acresce que, na medida em que estivessem reunidos os requisitos e pressupostos legais que o permitissem, o Tribunal de recurso apreciou a matéria de facto, incluindo alterando-a, pese embora não no sentido pretendido pela Reclamante e sem que a referida alteração tenha tido influência na decisão que foi proferida a final, e bem!;
5. A questão colocada pela Reclamante relacionada com a existência de unidade económica e respetiva validade da transmissão foi devidamente apreciada tendo sido entendido que atendendo à matéria de facto provada, o Centro de Certificação de técnicos nas componentes técnica, de segurança e comportamental, constitui uma unidade económica e mais se tendo considerado inexistir qualquer situação de dependência e consequentemente ser válida a transmissão;
6. Inexiste, tampouco qualquer vício que possa ser assacado ao douto Acórdão reclamado, decorrente de uma suposta falta de apreciação do voto de vencido, o qual além de se reportar a situação que não é idêntica àquela que é discutida nos presentes autos, consubstancia, apenas, um argumento da Reclamante, inexistindo qualquer obrigação por parte do Tribunal de recurso de se pronunciar sobre todos os argumentos que sejam aduzidos pelas partes.
7. Acresce que contrariando o voto de vencido a que faz referência a Reclamante (reportado ao processo nº 862/18.5T8PNF.P1,  que correu termos pelo Juiz1 do Juízo  do Trabalho de Penafiel) atente-se na decisão proferida por Acórdão, datado de 03.03.2021, da 4ª Seção desse douto Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo com o n.º 1946/17.2T8TMR.E1.S1, a respeito, precisamente, da mesma transmissão de estabelecimento – Unidade do Centro de Certificação - com a Rés “MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, SA” e Sudtel Tecnologia, SA, e que decidiu que “(…) estão preenchidos os pressupostos previsto no artigo 285.º do Código do Trabalho, quanto à transmissão de unidade económica, com as respetivas consequências no que concerne à transmissão dos contratos de trabalho que vinculavam os A.A. à MEO, SA. para a adquirente Studel, SA.".
8. Da factualidade provada resultou que a Unidade Económica transmitida se apresenta como um complexo organizado de bens e de pessoas com vista à prossecução da atividade económica, inexistindo qualquer transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, ou que não são essenciais ou destinados à prossecução da atividade económica transmitida;
9. Carece de qualquer fundamento de facto e de Direito a argumentação da Reclamante de acordo com a qual o negócio celebrado entre as Reclamadas fosse um “negócio simulado e nulo”, e da matéria de facto dada como provada não é possível extrair pela verificação desse vício, nem a Reclamante o demonstra.
10. Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada e não tendo a Reclamada nas suas conclusões, e por referência à factualidade provada e não provada, enunciado os vícios que no seu entender corroborariam a referida pretensão se justifica a afirmação do Tribunal de revista de acordo com a qual a Reclamante teria deixado cair essa questão em sede de revista;

Finalmente, conclui pela improcedência da Reclamação.

DECIDINDO

3.

Nos termos do n.º 1 do art.º 613º do CPC, “proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa”.

Logo o n.º 2 do mesmo preceito legal prescreve: “É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”.

Como bem refere a RG[1], “Da extinção do poder jurisdicional decorre um efeito positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu -, e um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”.

Apesar disso, as partes podem arguir nulidades da sentença.

Como podem arguir nulidades do acórdão do STJ – art.º 615º do CPC, aplicável ex vi do disposto nos art.ºs 684º, n.º 1 e 686º, n.º 1, ambos do mesmo Compêndio Legal.

Julgada procedente alguma das nulidades arguidas, segundo o disposto no n.º 1 do citado art.º 684º do CPC, “o Supremo Tribunal de Justiça supre a nulidade, declara em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhece dos outros fundamentos do recurso”.

4.

A Reclamante entende que o acórdão reclamado “padece das nulidades previstas nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Com efeito, o aresto reclamado não especifica de forma cabal os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, apresenta fundamentos que estão em oposição com a decisão e não se pronuncia sobre questões que devia apreciar”.

Segundo o n.º 1 do art.º 615º do CPC, é “nula a sentença quando:

a) …

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento

Importa desde já realçar que o eventual erro de julgamento não pode nem deve confundir-se com a existência de uma qualquer nulidade da sentença[2].

Especificar significa detalhar, individualizar, mencionar, exprimir.

Assim define o vocábulo um qualquer Dicionário da Língua Portuguesa.

O STJ[3], sem margem para qualquer dúvida, refere que “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.”

A nulidade da 1ª parte da alínea c) “traduz-se num vício de construção da sentença caracterizada por os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas ao oposto”[4].

Por sua vez, a sentença é ambígua quando á mesma “seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente”; e será obscura “a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido[5].

Finalmente, a omissão de pronúncia verifica-se quando se verifica “falta de apreciação de questões em sentido técnico – não meros argumentos – submetidas pelas partes ao conhecimento do tribunal ou de apreciação oficiosa necessárias à decisão do litígio”[6].

5.

De nenhuma das invocadas nulidades padece o acórdão reclamado.

Com efeito,

5.1

O acórdão reclamado, em sede de fundamentação, de forma discriminada, transcreve a matéria de facto provada.

Em sede de direito, trata as questões submetidas à apreciação do Tribunal, ancorado na Lei e na Jurisprudência

Não se verifica, pois, a nulidade da alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

5.2

O acórdão reclamado não é nem ambíguo e nem obscuro.

De resto, a Reclamante bem o interpretou e bem colheu o seu único sentido possível.

Por outro lado, a conclusão está em absoluta consonância lógica com a fundamentação e com a forma como foram analisadas as questões submetidas a julgamento.

5.3

Finalmente, foram tratadas todas as questões submetidas á apreciação do Tribunal, razão pela qual também não se verifica a nulidade da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

6.

Apesar do que acabamos de afirmar, não deixaremos de passar em revista a alegação da Reclamante.

6.1

Diz a Reclamante que, tendo alegado que o TR não se pronunciou sobre a impugnação da matéria de facto, “o Acórdão agora reclamado interpretou erradamente as alegações de recurso da Reclamante no que à questão da impugnação da matéria de facto concerne, tendo deixado de se pronunciar sobre a questão jurídica concreta – a nulidade parcial da decisão – que se colocava para apreciação”.

Carece, em absoluto, de razão.

Recordemos o que no acórdão dissemos quanto a essa questão:

- Por um lado, que “não pode este Tribunal sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da matéria de facto, que foi sustentada em meios de prova sujeitos à livre apreciação, como é o caso dos depoimentos de testemunhas; e, por outro, não pode ele próprio apreciar esses depoimentos para alterar um qualquer facto”.

- Por outro, que “a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto.

E, não menos importante, não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova. (…)

É por isso que, em recente acórdão deste mesmo Tribunal e Secção se decidiu que “Justifica-se a rejeição do recurso de impugnação da decisão em matéria de facto quando a referida impugnação é feita em bloco e se refere a um grande número de factos e sem a menção precisa relativamente a cada um deles da solução alternativa proposta”.

Situação que se verifica no caso em apreço.

O que, só por si, justifica a decisão do TR do Porto.

Mas, e não menos importante (antes pelo contrário), o facto, salientado pelo Ex.mo PGA no seu douto parecer: “Não se verifica, porém, que a impetrante tenha, como era seu ónus, estabelecido uma relação entre o facto concreto impugnado e o segmento ou segmentos dos depoimentos das testemunhas que reproduziu, de forma a permitir determinar, com exatidão, as razões pelas quais, o tribunal a quo deveria ter apreciado aquela matéria.

Comportamento semelhante é tido pela recorrente no que toca a prova documental. Na verdade, sempre que é referenciado qualquer documento ou documentos, a recorrente fá-lo sem estabelecer qualquer relação precisa, entre o facto impugnado e essa documentação”.

O que também justifica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.

Improcede, pois, nesta parte, a tese recursiva”.

A Reclamante, certamente porque viu refutada a sua tese de impugnação da matéria de facto por bloco, quer que este Tribunal lhe dê razão.

Nada há a alterar.

6.2

Alega a Reclamante que este Tribunal não se pronunciou “acerca da ilicitude da transmissão da unidade económica

A afirmação é de todo em todo infundada.

No ponto 2 da fundamentação tratou-se da análise do regime jurídico da transmissão de empresa ou estabelecimento por recurso á Lei, à Doutrina e à Jurisprudência.

Depois de nos pontos 3, 4 e 5 da mesma fundamentação se fazer referência à sentença da 1ª Instância, ao acórdão da Relação do Porto e ao voto de vencido, logo no  pontos 6 se faz alusão à Jurisprudência deste Tribunal, para no ponto 7, depois de afirmarmos que “Revemo-nos na posição assumida por este Supremo Tribunal”,  passamos a fazer a subsunção da matéria de facto provada (a que está provada e não aquela que a Reclamante entende que deveria estar provada), para concluirmos:

Não se enxerga qualquer situação de dependência da cessionária em relação à cedente razão pela qual tem de se considerar válida a transmissão dos autos, concluindo-se, como se conclui, pela independência funcional e empresarial”.

A conclusão, por si, neutraliza a alegação, pese o entendimento da Reclamante no sentido de que “o que a Reclamante defende que não constitui uma unidade económica suficiente e autónoma é o conjunto de meios que foi transmitido no negócio celebrado entre as Rés, não a 2.ª Ré Sudtel, assim considerada de forma genérica como faz o Acórdão reclamado”.

Toda a restante argumentação da Reclamante esbarra com a matéria de facto provada.

E não se alegue, como faz a Reclamante que “o Supremo Tribunal de Justiça, para suportar a sua posição, mistura factos com juízos conclusivos, não apresentando uma visão de conjunto da factualidade dada como provada, deixando de se pronunciar sobre questões que deveria conhecer, com relevância para a boa decisão da causa”.

Porque tal é absolutamente infundado.

6.3

Entende ainda a Reclamante que o acórdão é nulo porque não apreciou a “alegação da Reclamante acerca do negócio simulado ou em fraude à lei”

Diz-se no acórdão reclamado: “Finalmente a Recorrente defendeu que o negócio celebrado entre as RR é um negócio simulado ou em fraude à lei.

A matéria de facto provada não permite concluir pela existência de tais vícios negociais.

E nem a Recorrente os demonstra.

Para além de que, ao que parece, deixou cair a questão em sede de revista”.

Entende a Reclamante que “A alegação de que a transmissão de estabelecimento entre as Rés é simulada ou fraudulenta assenta parcialmente nos mesmos factos e na mesma conclusão jurídica que sustenta a posição da Reclamante sobre a ilicitude do negócio celebrado entre as Rés, convocando-se ainda nesta apreciação outros factos, não directamente relacionados com a insuficiência e dependência da unidade económica transmitida, que têm de ser globalmente considerados e articulados com toda a factualidade apurada.

A Reclamante indicou os elementos de facto que considerava demonstrarem o carácter simulado e fraudulento da transmissão de estabelecimento operada entres as Rés, acompanhando essa narrativa factual com ampla doutrina e jurisprudência sobre o tema, sem que o Supremo Tribunal de Justiça tenha emitido sobre esta alegação um juízo assente em factos e no direito”.

Como se vê, estamos perante generalidades não alicerçadas na factualidade provada.

               

7.

Improcede a reclamação

Custas pela Reclamante

Lisboa, 30 de Novembro de 2022

Francisco Marcolino de Jesus (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado

                             

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[1] Ac da RG de 20/03/2018, processo 911/17.4T8VNF-B.G1, in www.dgsi.pt

[2] Neste sentido o Ac do STJ de 7/07/2022, processo 2332/20.2T8PNF.P1.S2, in www.dgsi.pt

[3] Ac do STJ de 2/06/2016, processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1, in www.dgsi.pt

[4] Ac do STJ de 16/02/2016, processo 17099/98.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt

[5] Ac do STJ de 8/02/2018, processo 633/15.0T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt

[6] Ac do STJ de 28/05/2015, processo 3327/07.7TBVLG.P1.S1, in www.dgsi.pt