RECLAMAÇÃO
Sumário


I – Prolatado o acórdão fica esgotado o poder jurisdicional do Juiz.
II - Nos termos do n.º 1 do art.º 613º do CPC, “proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa”. Logo o n.º 2 do mesmo preceito legal prescreve: “É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”.
III – As partes podem arguir nulidades do acórdão do STJ – art.º 615º do CPC, aplicável ex vi do disposto nos art.ºs 684º, n.º 1 e 686º, n.º 1, ambos do mesmo Compêndio Legal.
IV – O que não podem, em sede de Reclamação, é invocar o não seguimento de um qualquer AUJ, ou fazer apelo ao objecto de outras acções entre as mesmas partes, não postas em causa nos autos.

Texto Integral




Proc. n.º 766/07.7TTLSB.L2.S1

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Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1.

Prolatado o acórdão que julgou improcedente a revista, veio o Recorrente atravessar requerimento, com 55 itens de motivação e outras tantas conclusões, que daqueles são integral repetição[1], demonstrando não conhecer o significado do vocábulo “conclusões”, as quais se transcrevem:
1. A causa situa-se no âmbito dos direitos disponíveis.
2. As partes concordam em que, à data de prolação do primeiro douto Despacho Saneador, 02 de janeiro de 2009, já constavam do processo todos os elementos necessários e indispensáveis à apreciação da excepção de prescrição deduzida pela Ré, ora recorrida.
3. Mais concordam em que o primeiro douto Despacho Saneador, de 02 de janeiro de 2009, não exarou, quer expressa, quer implicitamente, a declaração de, no tocante à exceção de prescrição, deduzida pela recorrida, a instância ter sido relegada para final com fundamento na falta dos elementos necessários e indispensáveis à respetiva apreciação (vide o disposto no art.º 510.º/4 do Código de Processo Civil de 1961, na versão em vigor à mesma data).
4. Bem pelo contrário, o douto Despacho Saneador de 02 de janeiro de 2009 deixou expressa e profusamente exarado que a suspensão se fundamenta tão-só na litispendência e que o A., ora recorrente, goza de legitimidade subsidiária para o prosseguimento da ação no caso de perder, como, aliás, veio a acontecer, as ações 842/06 e 848/06.
5. Verdade se diga que não consta do referido aresto nenhuma alusão, ainda que imperfeita (vide o disposto no art.º 9.º/2 do Código Civil), quer expressa, quer implícita, à intenção de vir a apreciar-se a deduzida prescrição.
6. No momento de prolação do douto Despacho de 02 de janeiro de 2009, constavam já do processo as três petições iniciais pertinentes e datas das respetivas citações, assim como as duas notificações judiciais avulsas da Ré, ora recorrida, cada uma destas últimas contendo a data da respetiva concretização material e formal.
7. Sendo que a notificação judicial avulsa da recorrida pelo Tribunal de Trabalho do Porto foi concretizada no dia 17 de fevereiro de 2006.
8. Pelo que, o novo prazo de prescrição começou a correr a 18 de fevereiro de 2006, terminando a 18 de fevereiro de 2007.
9. Uma vez que 18 de fevereiro de 2007 recaiu a um domingo, o último dia do novo prazo de ano para intentar a presente ação só ocorreu a 19 de fevereiro de 2007, que foi a data de receção material, na Secretaria, da respetiva p. i., logo, em tempo.
10. Aliás, a ação considera-se intentada em 15 de fevereiro de 2007, data de expedição da respetiva p. i., pelo seguro do correio postal registado, tal como ressumbra da previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo Civil de 1961/1995 (CPC/61/95), na versão em vigor à mesma data, a do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01.
11. A caducidade (declarada no procedimento cautelar de suspensão do despedimento) é uma exceção perentória, tal como a prescrição, de cuja apreciação e reconhecimento resultam os mesmos efeitos jurídicos que a lei prevê para a apreciação do mérito da causa e o indeferimento do respetivo pedido e pretensão, tal como resulta do disposto nos artigos 493.º/1/3, 510.º/1-b), in fine/4, do CPC/61/95/02-dezembro-2009 e 09-junho-2010),
12. Inexistindo norma jurídica que preveja o contrário. Nem ela vem identificada pelo douto Acórdão sanando e reformando.
13. Razão pela qual, o prazo para intentar a ação de impugnação do despedimento tão-somente se iniciou no dia seguinte ao do trânsito em julgado do douto Acórdão do STJ que, no referido procedimento cautelar, declarou a caducidade, sendo que o respetivo trânsito ocorreu muito após o dia 19 de fevereiro de 2007.
14. A este entendimento não obsta a falta de total identidade de pedido e de causa de pedir entre os do procedimento cautelar e os da ação principal:
15. O procedimento cautelar pauta-se pela sumaria cognitio: requerimento inicial, causa de pedir, pretensão, pedido, julgamento e decisão sumários.
16. Aliás, para a procedência do pedido de suspensão, o requerimento inicial pode cingir-se ao teor do procedimento disciplinar, sem nada acrescentar e, não obstante, interrompe a prescrição.
17. Por sua vez, a entrada na Secretaria do requerimento inicial do procedimento cautelar comporta o pagamento de multa, por um, ou dois, ou três dias de atraso. (Que o requerente, ora recorrente, pagou, previamente autorizado pelo Tribunal.)
18. Isto porque, apesar de intentado temporalmente antes de propositura da ação de impugnação de despedimento, é o mesmo, sempre, dada a respetiva natureza, dependência da segunda, como prevê o disposto nos artigos 381.º/1/2 e 383.º/1/2/3, ambos do CPC/61/95/02-dezem-bro-2009 e 09-junho-2010;
19. Daqui, a sua natureza processual.
20. Para este efeito, a lei ficciona que a ação de impugnação de despedimento foi proposta temporalmente antes do procedimento cautelar (vide o disposto nos artigos 381.º/1/2 e 383.º/1/2/3, ambos do CPC/61/95/02-dezembro-2009 e 09-junho-2010),
21. De realçar, que só o trabalhador pode alegar o dia exato em que recebeu a notificação para si expedida pela empregadora.
22. O julgador carece de competência para lhe ordenar que confesse.
23. O julgador do procedimento cautelar de suspensão do despedimento provocou a confissão do requerente e ora recorrente.
24. Com o que violou o disposto, quanto a este item, no DL n.º 121/76
25. Acresce que o Dr. José Alberto dos Reis ensina que a pretensão (que é levada ao texto de narração da p. i.), porque dirigida à Ré interrompe a prescrição, ainda que não seja levada ao pedido da causa, que é dirigido ao julgador.
26. Por outro lado, o douto Acórdão sanando e reformando analisou os fundamentos do douto Acórdão da Relação de Lisboa para os dar como incluídos na respetiva parte dispositiva no tocante à prescrição.
27. Sucede que os Drs. Castro Mendes e Anselmo de Castro discordam deste proceder, que, em suas doutas opiniões, viola a lei, muito em especial, no tocante a argumentos e opiniões — e não só.
28. A eventual decisão nos fundamentos de um aresto de questões preliminares, incidentais, prejudicais, preparatórias… é nula ou ineficaz:
29. Para valerem devem ser levadas à parte decisória do aresto;
30. A lei não distingue: todas as decisões, independentemente da natureza de cada uma, devem ser levadas à parte dispositiva do aresto (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
31. Ficando sediadas apenas nos respetivos fundamentos, revestem a qualificação de argumentos, opiniões…, não de decisões técnico-jurídico-processuais.
32. Se assim se não julgasse, o recorrente goza do mesmo direito:
33. Em boa verdade, o douto Acórdão de fls., que decidiu o recurso interposto pelo A-recorrente sobre a requisição, à ação 842, do procedimento cautelar de suspensão do despedimento, para ser apensado a este processo (766), o douto Acórdão, dizia, declarou, nos respetivos fundamentos, muito claramente e com todas as letras, que este é um caso em que uma causa pode ser repetida, com o mesmo pedido.
34. Pelo que, logo que o mesmo transitou em julgado, ficou decidido que não se verifica prescrição.
35. O recorrente está em crer que só por lapso manifesto se ignorou este último Acórdão
36. Da mesma forma, nos fundamentos do AUJ n.º 5/2004, que o recorrente invocou e ofereceu, foi decidido que a sociedade incorporada, por fusão, e que alterou a firma, não se extingue, antes, continua, re-vivificada, na sociedade incorporante; logo, a sua citação, após a fusão, sob a firma anterior à fusão, não é nula, nem há falta da mesma.
37. Pelo que, da doutrina do douto Acórdão ora impugnado, decorre que, na ação 848, a Sentença que decretou a falta de citação da recorrida e aquela que afirmou a prescrição violaram a lei.
38. Note-se que o último Acórdão proferido nessa ação, pelo Venerando STJ, transitou em julgado após 19 de fevereiro de 2007.
39. E, uma vez que as ditas Sentenças assentaram em qualificações jurídicas de factos, não se formou caso julgado objetivo no tocante a estas qualificações;
40. Pelo que, este Tribunal goza de competência para proceder às qualificações decorrentes do AUJ n.º 5/2004,
41. Devendo decidir-se que a recorrida foi citada em tempo para a ação 848; que não se verifica a prescrição dos créditos aí peticionados pelo recorrente; que a ação 848 é de impugnação de despedimento; que os créditos salariais do recorrente aí peticionados, em sede rigorosa e adequada de pedido, deviam ser levados ao pedido da ação 842; e que, por assim se não ter decidido na ação 848, devem ser incorporados no pedido da presente ação (766), que se mandará prosseguir até final.
42. Outra questão jurídica relevante é a das decisões implícitas, que o douto Acórdão sanando e reformando não admite, desta forma violando frontalmente o disposto nos artigos 9.º/1/2/3 do Código Civil, tal como nos artigos 660.º/2-segmento inicial do CPC/61/95/02-de-zembro-2009 e 09-junho-2010, assim como do artigo 608.º/2-seg-mento inicial do NCPC/2013.
43. A decisão implícita é o núcleo vivificante da decisão, o verdadeiro pensamento legislativo, em suma, o espírito da lei.
44. Inexiste norma que proíba as decisões implícitas;
45. Ao invés, norma existe que vai bem mais longe: o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (vide os artigos 660.º/2-segmento inicial do CPC/61/95/02-dezembro-2009 e 09-junho-2010, assim como o artigo 608.º/2-seg-mento inicial do NCPC/2013).
46. Ora, o reconhecimento de legitimidade subsidiária ao A., ora recorrente, se perdesse as ações 842 e 848, como perdeu, é absolutamente incompatível com a intenção de, a final, vir a reconhecer-se a prescrição.
47. Isso só seria concebível se o A. viesse a renunciar à afirmada legitimidade subsidiária que lhe foi reconhecida.
48. O que não sucedeu nunca.
49. Uma outra questão é o desrespeito, pelo douto Acórdão ora impugnado, da parte decisória do douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/98, igualmente citado e oferecido pelo recorrente, que reconheceu, à notificação judicial avulsa, efeito interruptivo da prescrição;
50. E não impôs nenhuma das exigências interruptivas que o douto Acórdão ora impugnado vem exigir.
51. Nomeadamente, não decidiu que dentro do primeiro prazo de prescrição à interrupção não possa proceder-se por fases, por mais do que um ato judicial interruptivo.
52. Tal como não proibiu que a interrupção não possa operar por remissão de um ato interruptivo para outro.
53. Acresce que, no direito do trabalho, é um dever da empregadora saber quanto deve ao trabalhador que despediu, exceto o valor dos danos não patrimoniais;
54. A recorrida, além da lei, devia observar I.R.C.T.s vários específicos, que em globo enquadravam todos os trabalhadores ao seu serviço, inclusive o recorrente, e, havia décadas, pagava acima das tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária.
55. Foram violadas as normas jurídicas passim supracitadas.

2.

Respondeu a Reclamada, dizendo:

a) Deve ser rejeitado o Requerimento de Arguição de Nulidade/Pedido de Reforma do Acórdão, por o mesmo não se enquadrar em nenhuma das previsões legais que o admitem;

b) Caso assim não se entenda, deve o Requerimento de Arguição de Nulidade/Pedido de Reforma do Acórdão, ser julgado improcedente.

DECIDINDO

3.

Nos termos do n.º 1 do art.º 613º do CPC, “proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa”.

Logo o n.º 2 do mesmo preceito legal prescreve: “É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes”.

Como bem refere a RG[2], “Da extinção do poder jurisdicional decorre um efeito positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu -, e um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar”.

Apesar disso, as partes podem arguir nulidades da sentença.

Como podem arguir nulidades do acórdão do STJ – art.º 615º do CPC, aplicável ex vi do disposto nos art.ºs 684º, n.º 1 e 686º, n.º 1, ambos do mesmo Compêndio Legal.

Julgada procedente alguma das nulidades arguidas, segundo o disposto no n.º 1 do citado art.º 684º do CPC, “o Supremo Tribunal de Justiça supre a nulidade, declara em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhece dos outros fundamentos do recurso”.

4.

O Reclamante, em vez de arguir uma qualquer nulidade do acórdão, tal como definida no art.º 615º do CPC, vem dizer que este não teve em conta o que se refere em Acórdãos Uniformizadores e que devia decidir em sentido contrário.

Nesse caso, o acórdão terá de ser “atacado” pelos mecanismos legais, que o Reclamante tem obrigação de conhecer.

No nosso caso, apenas poderia pôr em crise o acórdão se os fundamentos estivessem em oposição com a decisão.

O que nem o Reclamante alega.

Por isso, terá de improceder a Reclamação, sem mais aprofundada fundamentação.

5. DECISÃO

Termos em que se nega provimento à reclamação, que é manifestamente infundada.

Custas pelo Reclamante.

Lisboa, 29 de Novembro de 2022

Francisco Marcolino de Jesus (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos José de Morais

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[1] Não se convida o Reclamante a sintetizar as conclusões porque já demonstrou não saber fazê-lo.

[2] Ac da RG de 20/03/2018, processo 911/17.4T8VNF-B.G1, in www.dgsi.pt