INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
Sumário


I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;
II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.
III – O número 3.º da cláusula n.º 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o sector bancário, ao referir no seu segundo segmento “entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”, pretende significar que os trabalhadores, na situação de reforma, só têm a obrigação de entregar as quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social referentes ao período de tempo em que exerceram a sua atividade bancária e em que efetuaram descontos para a Segurança Social, na sequência da extinção da Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários.
IV- As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas.

Texto Integral




Processo 738/21.9T8CSC.L1.S1

Revista

8/22

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou acção contra Caixa Económica Montepio Geral S.A., tendo requerido que a Ré seja condenada nos seguintes termos:

a. a reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 16,67 %, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b. a pagar ao A. o valor de € 3.297,97 Euros, acrescido de juros de mora no montante de € 208,19 Euros, num valor total global de € 3.506,16 Euro, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Dezembro de 2017 até à presente data, valor onde se encontram englobados os respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros vencidos até integral pagamento;

c. a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d. a pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente acção até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença;

e. a suportar as custas processuais.

A Ré deduziu contestação.

Em 19.06.2021, foi proferido saneador-sentença, na qual se decidiu o seguinte:

Destarte, julgo procedente a presente acção e, em consequência:

a) CONDENO a ré CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, S.A., a reconhecer ao autor AA o direito a receber a pensão completa do CENTRO NACIONAL DE PENSÕES deduzida do valor correspondente à percentagem de 16,67%, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b) CONDENO a ré a pagar ao autor o valor de € 3.297,97 (três mil duzentos e noventa e sete euros e noventa e sete cêntimos), correspondente ao valor excessivamente descontado e respeitante aos meses de Dezembro de 2017 até à data da propositura da acção, valor onde se encontram englobados os respectivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

c) CONDENO a ré a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efectuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d) CONDENO a ré a pagar ao A. todas as quantias que tenha retido da pensão do CNP, desde a propositura da presente acção, pela não aplicação da regra descrita em c), e venha a reter até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em incidente de liquidação. A Ré interpôs recurso de apelação.”.

Por acórdão de 23.02.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida.
A Ré interpôs recurso de revista excepcional, formulando as seguintes conclusões:
1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção colectiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, e como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.

2. Na INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.

3. No que respeita ao elemento literal, a redacção da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 98.ª do ACT do Montepio) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.

4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.

5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.

6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.

7. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.

8. Acresce ainda que, quando no Acordo Colectivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 102.ª) sem qualquer semelhança com a redacção da analisada cláusula 98.ª.

9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.

10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de reformas: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.

11. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras de cálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.

12. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.

13. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.

14. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.

15. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redacção da cláusula 98.ª do ACT do Banco Montepio.

16. Ao invés não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefício de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.

17. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referencia pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade, como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.

18. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.

19. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido à Recorrente.

20. Também o elemento histórico está conforme com a interpretação proposta pelo Recorrente, pois a origem cláusula 136.ª do ACT do sector bancário remonta ao ano de 1980 e sempre teve o objetivo de articulação dos regimes de segurança social quando o trabalhador está abrangido por mais do que um regime, de forma a impor a duplicação de benefícios.

21. E, tais benefícios não se limitam às pensões de reforma, pois incluem outros como prestações de parentalidade e morte, observando-se a regra de cálculo de cada um dos regimes que atribui o benefício que esteja em causa.

22. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força co mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados.

23. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

24. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.

25. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.

26. O entendimento da Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.

27. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.

28. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.

29. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt

30. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.

31. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.

32. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.

33. A INTERPRETAÇÃO da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao do Acórdão recorrido.

34. A interpretação preconizada pelo douto Acórdão recorrido olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto- Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).

35. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.

36. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.

37. Mais recentemente foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1, de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz 2 de 25/04/2020, já juntas a estes autos.

38. E é também a douta opinião do SENHOR PROFESSOR DOUTOR BERNARDO LOBO XAVIER expressa no douto Parecer de Direito junto aos autos.

39. As remunerações registadas ao longo da carreira contributiva do Recorrido não são iguais, ocorrendo que as remunerações registadas na carreira ao serviço do Banco são de valores substancialmente superiores às que foram registadas no período da carreira fora do Banco, como se pode verificar da simples análise do Doc. 4 junto com a p.i., onde constam as seguintes remunerações registadas na carreira do Autor:
(…)

40. Na interpretação do Recorrido, por exemplo, o ano de 1980 com remunerações revalorizadas de 10.339,48 € tem o mesmo peso na repartição da pensão que o ano de 2011 em que as remunerações ascenderam a 41.885,21 €

41. A interpretação do Recorrido tem como efeito que, independentemente dos montantes das remunerações, cada ano da carreira contributiva tem igual peso, quando nos termos da lei, como se viu, não é assim, pois o cálculo da pensão é feito em função do tempo (taxa de formação) e das remunerações (remuneração de referência), de tal forma que remunerações mais elevadas (a que correspondem contribuições mais elevadas) significam pensão de valor mais elevado.

42. Ainda que se entendesse que não estaria em causa a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (atual cláusula 98.ª do ACT do Montepio), por se verificar que a cláusula é omissa quanto à fórmula de cálculo no caso em que se torna necessário proceder à repartição da pensão do CNP, chegar-se-ia, por via da INTEGRAÇÃO, ao mesmo resultado.

43. Nesse sentido, pronunciou-se a EXMA SENHORA PROF. DOUTORA MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO em douto parecer junto aos autos no processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha, Proc. n.º 1718/19.0T8CLD, já junto aos autos.

44. No entendimento sufragado pelo Recorrido, as cláusulas 136.ª do ACT do sector bancário e 98.º do ACT do Montepio, violam também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.

45. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.

46. O efeito de tal entendimento é, efectivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.

47. Na interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio, tais cláusulas são MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.

48. O douto Acórdão recorrido deve, pelos fundamentos expostos, ser revogado, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.

49. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redacção similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Montepio, (BTE n.º 8 de 28/02/2017 - Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.

Por acórdão da Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil foi a revista excepcional admitida.

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

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Cumpre apreciar e decidir.
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber como deve ser calculada a dedução da pensão a que se refere a cláusula 136ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário publicado no BTE, 1ª série, nº 3, de 22.01.2011 e a cláusula 98.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do Montepio publicado no BTE n.º 8 de 28/02/2017.
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Mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:

1. A ré é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária, tendo participado nas negociações e outorgado o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.° 8, de 28/02/2017, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte [artigos 1.° e 2.° da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

2. O autor encontra-se filiado no Mais Sindicato, que também usou Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como o sócio n.° ... [artigo 3.° da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

3. O autor foi admitido ao serviço da ré em 27-04-1981 [artigo 4.° da PETIÇÃO – assente por acordo das partes].

4. Por acordo com a ré o autor passou à situação de reforma por invalidez com efeitos a 30-12-2011 [artigo 5.° da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
5. O autor passou então à situação de reforma integrado no nível 10 do ACT para o Montepio [artigo 6.° da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

6. Desde 01-01-2021 a ré entrega ao autor uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de € 1.089,98 + €36,99, diuturnidades no valor de € 244,80 + € 8,34 e complemento no valor de € 270,85 [artigos 7.° da PETIÇÃO INICIAL e 121.° da CONTESTAÇÃO – acordo das partes e documentos de fls. 395 a 397v.].

7. O autor foi informado por carta do Centro Nacional de Pensões datada de 24-01-2018, cuja cópia faz fls. 22v. a 25 dos autos, informando-o, para além do mais que «o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO» e que «a pensão por VELHICE tem início em 2017-12-20, sendo o seu valor actual 292,17 Euros» [artigo 8.° da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

8. Após o que o autor remeteu à ré a informação que lhe fora prestada pela Segurança Social relativamente à sua pensão [artigo 9.° da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

9. A é enviou uma carta ao autor, datada de 14-07-2017, cuja cópia faz fls. 25v. e 26 dos autos, notificando-o para a reversão a favor do Montepio do período respeitante à integração do período de descontos previdenciais posteriores a Janeiro de 2011, ou seja, que dos descontos efectuados para a segurança social, todos os anos, a ré faria seu o valor respeitante aos descontos no sector bancário [artigos 10.º e 11.º.da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

10. Na data da propositura da acção a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de € 121,31 Euros [artigo 12.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

11. Entre Janeiro de 1977 e Abril de 1981 o autor efectuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de actividade dependente remunerada a entidade não bancária [artigo 15.º da PETIÇÃO INICIAL].

12. Entre Abril de 1981 e Dezembro de 2010 o autor, enquanto trabalhador bancário, efectuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e para o Fundo de Pensões do Banco [artigo 16.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].

13. A partir de Janeiro de 2011 e até Dezembro de 2011 o autor descontou para a Segurança Social [artigo 18.º da PETIÇÃO INICIAL].
14. Em 21-02-2019, o autor remeteu à ré a carta junta a fls. 226, a solicitar o pagamento de acordo com a fórmula de cálculo pugnada pelo autor, não tendo a ré apresentado resposta [artigos 46.º e 47.º da PETIÇÃO INICIAL – assente por acordo das partes].
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- o direito:

A questão da interpretação das cláusulas 136.ª do anterior ACT Bancário e 94º do ACT Bancário publicado em 22.01.2011 ou 98º do ACT do Montepio publicado em 28/02/2017, já foi objecto, neste Supremo Tribunal e secção social, de várias decisões- v.g., entre vários e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos desta Secção Social de 08.06.2021, P. 2276/20.8T8VCT.S1, de 29.09.2021, P. 17792/19.6T8PRT.P1.S1, de 23.06.2021, P. 2115/20.0T8VFR.S1, e de 29.09.2021, P. 23235/19.8T8LSB.L1.S1, e. mais recentemente, de 01.06.2022, proc.  3817/19.9T8MTS.P1.S1 e de 11/05/2022, proc. 2722/20.0T8CSC.S1.

Os pedidos deduzidos nestes autos pelo Autor, bem como a respetiva causa de pedir, coincidem, no essencial, com tudo aquilo que estava em causa nesses outros processos nos quais foi demandado quer a mesma Ré, quer outras instituições bancárias.

Assim sendo, dada essa similitude e por aderirmos à respetiva argumentação, passamos a citar a seguinte passagem do citado aresto de 08.06.2021:

“(…)

A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª

“Âmbito

1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.

3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”[…]

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições […]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente […], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho […] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição).”

Sem necessidade de mais considerações, há que concluir no sentido da improcedência da revista.

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Decisão:

Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Lisboa, 29/11/2022

Ramalho Pinto (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Gomes

Sumário (da responsabilidade do Relator e reproduzindo o constante do acórdão de 01/06/2022, proc. 3817/19.9T8MTS.P1.S1):