REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REVOGAÇÃO
DENÚNCIA
PROCURAÇÃO
Sumário


I- Decidindo o acórdão-fundamento que, caso o trabalhador não tenha conhecimento ou obrigação de conhecer que já dispunha do valor da primeira prestação acordada quando emite a declaração escrita de cessação do acordo revogatório do contrato de trabalho, não lhe é exigível que cumpra a condição de eficácia prevista no nº 3 do artigo 350º do CT, e julgando o acórdão recorrido que, à luz da mesma norma, a declaração de revogação da denúncia só é eficaz se, em simultâneo com a sua comunicação, ou logo que tomar conhecimento do seu recebimento, se este for posterior à comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade das quantias que recebeu por efeito da cessação do contrato, não há oposição entre eles.

II- Não há qualquer conexão entre o acórdão recorrido, na parte em que entendeu que a declaração revogatória da denúncia do contrato de trabalho, levada a cabo por advogado em representação da trabalhadora, exigia uma procuração não forense, enquanto fonte da representação voluntária, e o acórdão-fundamento a este propósito invocado, no qual estava em causa a validade dos poderes de representação conferidos por um cônjuge em favor do outro, através de uma procuração, para outorga de um contrato-promessa de compra e venda de dois lotes de terreno para construção.

Texto Integral




Processo n.º 556/20.1T8PTG.E1.S2 (revista excecional)
MBM/JG/RP



Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.

1. AA intentou ação declarativa comum contra C..., peticionando que:

a) Se declare que a denúncia do contrato individual de trabalho com aviso prévio, levada a cabo em 04.03.2020, foi validamente revogada em 11.03.2020, nos termos dos artigos 402.º e 350.º do Código do Trabalho, bem como, em consequência, que o contrato individual de trabalho vigora ininterruptamente desde 03.03.2008;

b) Se condene a R. na reintegração da A. no seu posto de trabalho de cozinheira;  

c) Se condene ainda a R. no pagamento das retribuições e demais regalias vencidas, desde 04.03.2020 e até á sua efetiva reintegração.

2. Foi proferida sentença a julgar a ação improcedente.

3. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) confirmou a decisão recorrida.

4. A A. veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º, nº 1, c), do CPC.

Invocando que aquele aresto se encontra em contradição com o acórdão do TRE de 27.03.2014, Proc. 781/11.6TTFAR.E1, e com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 29.05.2007, Proc. 604/04.2TBMMV-A.C1, ambos transitados em julgado na parte que ora releva, a recorrente suscita três questões:

a) Implicações da falta de devolução das quantias recebidas pela cessação do contrato de trabalho;

b) Poderes de representação do advogado que subscreveu a declaração de revogação da denúncia;

c) Eficácia de ratificação do ato praticado pelo advogado.

A Autora arguiu ainda a nulidade do acórdão, na parte relativa à declaração de ratificação.

5. A recorrida respondeu, sustentando não estar verificada a invocada oposição de acórdãos.

6. No despacho liminar, considerando que o TRE não proferiu qualquer decisão sobre a eficácia da ratificação (por ter entendido que tal questão se encontrava prejudicada em face da decisão relativa à não devolução das quantias recebidas pela A.), foi determinada a distribuição do processo à formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC, apenas para conhecimento das questões referentes às consequências: i) da falta de devolução das quantias recebidas pela A.; ii) e da falta de poderes de representação do advogado no tocante à revogação da denúncia

Quanto ao mais, incluindo a questão da admissibilidade do recurso nessa parte, foi decidido que o recurso seria posteriormente apreciado, após a decisão da Formação.

Cumpre decidir.


II.

a) Primeira questão:

7. Quanto à falta de devolução das quantias recebidas pela cessação do contrato de trabalho, decidiu o acórdão-fundamento (citado acórdão do TRE de 27.03.2014) que, caso o trabalhador não tenha conhecimento ou obrigação de conhecer que já dispunha do valor da primeira prestação acordada quando emite e remete a declaração escrita de cessação do acordo revogatório do contrato, não lhe é exigível que cumpra a condição de eficácia prevista no nº 3 do artigo 350º do Código do Trabalho (norma segundo a qual a cessação do acordo de revogação só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade do montante das compensações pecuniárias pagas em cumprimento do acordo, ou por efeito da cessação do contrato de trabalho).

Extrai-se do assim decidido, que, naturalmente, fora das assinaladas situações em que o trabalhador não tem conhecimento (ou obrigação de conhecer) de terem sido pagas as importâncias devidas pela cessação do contrato, que a eficácia da revogação da denúncia (à qual é aplicável esta disposição legal, ex vi do art. 402º, nº 2, do mesmo diploma) exige sempre a restituição do que pelo mesmo tenha sido recebido.
O acórdão recorrido perfilha exatamente este entendimento, embora – tratando um problema específico – tenha acrescentando que a mesma exigência é aplicável às quantias recebidas pelo trabalhador posteriormente à comunicação da denúncia, constando do mesmo aresto a este propósito:

“Para o que agora interessa, entende-se que a remissão para o n.º 3 do aludido artigo [350º do Código do Trabalho], significa com as necessárias adaptações, que a declaração de revogação da denúncia só é eficaz se, em simultâneo com a sua comunicação, ou logo que tomar conhecimento do seu recebimento se este for posterior à comunicação[1], o trabalhador entregar ou puser, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade das quantias que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho.”

É o que acontece no caso dos autos, uma vez que, como também se refere no mesmo aresto, a A. (que denunciou o contrato de trabalho em 04.03.2020) recebeu as férias não gozadas e o respetivo subsidio, os proporcionais de férias e o proporcional de Natal, no final do mês de março de 2020, tendo-lhe os respetivos recibos de vencimento sido remetidos em 07.04.2020, sendo que, “desde então, conforme também se infere da factualidade provada, a recorrente não entregou ou colocou à disposição da recorrida, as quantias que recebeu por efeito da cessação do contrato de trabalho”.

Não se verifica, pois, qualquer contradição nesta matéria.

b) Segunda questão:

8. Quanto à problemática da falta de poderes de representação do advogado que subscreveu a declaração de revogação da denúncia, em representação da trabalhadora, entendeu o acórdão recorrido que este ato exigia uma procuração não forense, enquanto fonte da representação voluntária, o que não teve lugar.

Argumentou-se da seguinte forma:

“[A] declaração de revogação da denúncia foi emitida por quem não tinha poderes representativos para proferir a aludida declaração, pois tal manifestação de vontade implicava a existência de uma procuração civil (não forense), que constituísse a fonte da representação voluntária – artigo 262.º do Código Civil.

Ou seja, para que o advogado tivesse poderes representativos para proferir a aludida declaração, seria necessário que a recorrente lhe tivesse passado uma procuração a conferir tal poder negocial.

E não ficou demonstrado que o tivesse feito.”

9. No acórdão-fundamento (citado acórdão do TRC de 29.05.2007) estava em causa a validade de poderes de representação entre cônjuges, na outorga de um contrato-promessa de compra e venda de dois lotes de terreno para construção, aresto que remata o tratamento jurídico da questão nos seguintes termos:

“Dado que a requerida mulher outorgou o contrato promessa de compra e venda, em representação do seu marido, invocando expressamente essa qualidade, e dispondo de tais poderes, face à procuração de 15/1/2004, houve representação voluntária, pelo que o contrato produziu efeitos na esfera do requerido (promitente vendedor).
A validade da representação não estava dependente do reconhecimento notarial no contrato promessa da referida procuração, como afirma o agravante, bastando a sua invocação, atribuindo a lei a faculdade ao terceiro contratante de exigir que o representante faça prova dos seus poderes (art. 260º, nº 1 e 2, do CC).
Por isso, não se verifica falta de poderes de representação, e o requerido não alegou quaisquer factos que consubstanciem abuso de representação.”

Sendo manifestamente diversas as questões tratadas nos dois arestos, entre as quais não se vislumbra qualquer nexo ou conexão, também aqui não se verifica – desde logo por essa razão – a contradição invocada pela recorrente.

                                       
 



III.


10. Nestes termos, acorda-se em não admitir a recurso de revista excecional em apreço.

Para exame preliminar, apresentem-se os autos ao relator, tendo em conta o teor do despacho liminar mencionado em supra n.º 6.

Custas pela recorrente.

            
Lisboa, 29 de novembro de 2022




Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto





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[1] Sublinhados e destaques nossos.