REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
SUBORDINAÇÃO A OBRIGAÇÃO
Sumário

I – A pena de prisão executada em regime de permanência na habitação supõe exigências de prevenção geral moderadas; que não exista perigo de continuação da atividade criminosa, e a par da reclusão no “meio natural” do condenado, visa preservar ou incentivar a integração profissional pré-existente, assim como promover a formação profissional e/ou educacional.
II - Esta pena é uma forma de execução da pena de prisão, não constituindo, em sentido próprio, uma ’pena de substituição’.
III - A subordinação a obrigações e promoção da formação profissional nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do Código Penal constituem o núcleo essencial da pena, porquanto o seu cumprimento no meio natural do condenado é apenas a oportunidade de adotar ou preservar medidas de integração mais eficientes.
IV - Mais importante do que o cumprimento do tempo de permanência na habitação, é o valor efetivo da pena que reside na promoção da integração sócio-profissional do condenado, sendo este resultado efetivo, o mais almejado de uma pena, a par das obrigações de pendor preventivo.

Texto Integral

Proc.536/22.2GBVNG.P1

X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Em processo sumário que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, no Tribunal da Comarca do Porto, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferida sentença onde se decidiu:
1. Condenar o arguido acusou AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p., artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, numa pena de um ano e três meses de prisão, executada em regime de permanência na habitação, sita na Estrada ..., ..., Traseiras, ... ..., Vila Nova de Gaia, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, autorizando-se que o arguido se ausente da sua residência para exercer actividade profissional, com interrupção da monotorização, de segunda a sexta-feira, das 07:45 às 17:45 horas, na carrinha da empresa, com sede em ... para a obra correspondente, sem prejuízo de alterações caso se venham a justificar uma vez que o local do trabalho varia conforme o surgimento das obras e pontualmente terá de prestar trabalho ao sábado no mesmo horário – art. 43.º, n.º 3, do Código Penal.
2. Porque se mostra adequado face ao percurso criminoso do arguido, à reintegração do condenado na sociedade, subordina-se o regime de permanência na habitação ao cumprimento, até ao termo da pena, da obrigação de o arguido efectuar os exames para obtenção de carta de condução, com interrupção da respectiva monotorização, pelo tempo (artº 381º CPP) estritamente necessário à deslocação da área da residência à escola de condução, para assistir a aulas, se necessário, e realização de exames e regresso à sua residência, devendo comprovar essas mesmas aulas e exames junto da DGRSP (artigo 43.º, n.º 4 do Código Penal.”.
*
Não se conformando com a sentença o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e conclusão seguintes:
A - DOS FACTOS PROVADOS
3 - O Arguido confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, designadamente que
4 - No dia 26 de junho de 2022, pelas 02h35, na Rua ..., ..., área desta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, com a matrícula ..-..-DH, sem ser titular de qualquer licença de condução que o habilitasse a conduzir na via pública, o mencionado veículo.
5 - O arguido não era titular de licença de condução nem de qualquer outro título válido que o habilitasse à condução de veículos automóveis, nos termos do Código Estrada.
DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS DO ARGUIDO
6 – Entre 28/02/2008 e 2/12/2013, foi condenado pela prática de 4 crimes de furto.
7 – Entre 29/04/2014 e 29/12/2014 foi ainda condenado pela prática de 4 crimes de roubo tendo-lhe sido aplicada em Cúmulo jurídico a pena única de 6 anos e 2 meses de prisão efectiva.
DA INTEGRAÇÃO SOCIAL E LABORAL DO ARGUIDO
8 - Em contexto prisional, frequentou o ensino, com bons níveis de assiduidade e interesse, tendo concluído o 12º ano, através de curso ... de mecatrónica automóvel.
9 - De regresso ao meio livre, AA reintegrou o agregado familiar de origem, constituído pela progenitora, de 55 anos, reformada por invalidez e por um irmão mais novo, desempregado
10 - Ao nível laboral, desde que foi colocado em liberdade condicional, que trabalha como servente da construção civil na empresa N..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia
11 - Apresentou declaração da referida entidade patronal, datada de 06/07/2022, que refere a sua relação laboral com aquela empresa, onde é declarado ser funcionário da mesma desde o passado dia 01/07/2022, actividade que exerce de segunda a sexta-feira, das 8:00 às 17:30 horas, deslocando-se na carrinha da empresa, com sede em ... para a obra correspondente, sendo certo que a local do trabalho varia conforme o surgimento das obras.
12 - Pontualmente terá de prestar trabalho ao sábado no mesmo horário. Assim, é também variável o tempo de deslocação para esses locais.
13 - Tem demonstrado satisfação e dedicação com a sua actividade.
14 - O seu quotidiano tem sido caracterizado pelo exercício da actividade profissional e convivência intrafamiliar. No contexto residencial o arguido apresenta actualmente uma integração positiva.
15 – Desde que foi posto em Liberdade Condicional que não cometeu qualquer crime, do tipo pelo qual foi condenado.
16 – Na verdade, desde 15/04/2020 (data em que beneficiou do regime da Liberdade Condicional) até à data de 26 de Junho de 2022 em que cometeu o crime de condução de veículo sem habilitação legal, não tinha cometido qualquer crime.
17 – Sendo igualmente verdade que durante esse mesmo período manteve e mantém,
uma actividade profissional regular tendo até passado a integrar os quadros da empresa a
partir de 1/07/2022 como explicitado no ponto 10 deste recurso.
B.) DA PENA APLICADA
18 – Como já foi dito, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de Condução de Veículo sem Habilitação Legal p. e p., artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro.
19 - Numa pena de um ano e três meses de prisão, executada em regime de permanência na habitação
20 - Autorizando-se que o arguido se ausente da sua residência para exercer actividade profissional, com interrupção da monotorização, de segunda a sexta-feira, das 07:45 às 17:45 horas, na carrinha da empresa
21 - Subordinando-se o regime de permanência na habitação ao cumprimento, até ao termo da pena, da obrigação de o arguido efectuar os exames para obtenção de carta de condução
22 - Devendo comprovar essas mesmas aulas e exames junto da DGRSP
23 - Porém, na fundamentação para a determinação da pena, foram desconsiderados factores com que o Recorrente não se conforma e que passa a expôr:
24 – Determina o art.º 70º do C.P. que “Se ao crime forem aplicaveis em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal à preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
25 - O crime de condução sem habilitação legal é abstractamente punido com pena de 1 mês a 2 anos de prisão ou com multa de 10 a 240 dias.
26 - À luz do artigo 40º do Código Penal a aplicação de penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
27 - Assim, a escolha da pena terá necessariamente de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir tais objectivos.
28 - Embora a pena privativa de liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio colectivo deverá sobrepor, e de forma prioritária, a necessidade de ressocializar o infractor.
29 - Só especiais exigências de prevenção e de adequação à culpa justificarão o recurso a penas detentivas não podendo, em caso algum, a pena (seja ela qual for) ultrapassar a medida da culpa.
30 - Explicitando tal ideia refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág.331 “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição”.
31 - Com efeito, o sistema jurídico-penal português estabelece uma preferência das reacções criminais não detentivas da liberdade relativamente às penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam, em concreto, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição.
32 - Será de optar pela pena de multa se esta for suficiente para afastar o arguido da criminalidade.
33 - Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a maior das vantagens da pena de multa é a de não quebrar a ligação do condenado aos seus meios familiar e profissional.
34 – No Dispositivo da Sentença pode ler-se: “No caso vertente, em face das oito anteriores condenações do arguido, além do mais em penas de prisão efectiva (...)”,
35 – E continuando... “(…)somos de entender que a insistência na aplicação de pena de multa por nova condenação e ilícito criminal da mesma natureza, não satisfaria as necessidades concretas de ressocialização do arguido (...)” (sublinhado nosso).
36 – Ora o facto é que o Recorrente foi efectivamente condenado pela prática de 4 crimes de furto e outras 4 condenações por crime de roubo tendo sido condenado em cúmulo jurídico, a uma pena única de 6 anos e 2 meses de prisão efectiva.
37 – Como também é um facto que NUNCA TEVE QUALQUER CONDENAÇÃO POR CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL.
38 – O Recorrente não se conforme com a pena aplicada, pois desde que beneficiou do regime de Liberdade Condicional começou e até este momento continua a trabalhar para o
mesmo empregador.
39 – Em reconhecimento pela qualidade dos serviços prestados pelo Recorrente, ainda no decurso da Audiência de Julgamento, foi apresentada uma declaração da sua entidade patronal, declarando ser funcionário da mesma desde o dia 01/07/2022.
40 – Ou seja: O Recorrente agora em Liberdade Condicional, está perfeitamente integrado sob o ponto de vista social e laboral, não mais tendo praticado qualquer crime de furto ou roubo, que culminaram com a sua prisão.
41 – Reconhece contudo que uma noite devia ter sido de alegria e convívio, acabou mal, com a prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal.
42 – É a primeira vez que é condenado por tal crime,
43 – Sendo também verdade que da prática desse crime não resultaram quaisquer consequências para os restantes cidadãos.
44 – Tratando-se de um crime que em abstrato é punivel com pena de prisão de um mês a 2 anos ou multa de 10 a 240 dias,
45 – Sendo a primeira vez que é condenado por este tipo de crime, e atendendo à sua moldura penal, É MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONADA A APLICAÇÃO DE UMA PENA DE PRISÃO DE 15 MESES, ainda que cumprida em regime de permanência na habitação.
46 – É também inaceitável para o Recorrente, que o regime de permanência na habitação fique subordinado, ao cumprimento até ao termo da pena, da obrigação de o arguido efectuar os exames para obtenção de carta de condução.
47 – Claro que o primeiro interessado em obter a carta de condução é o Recorrente, mas por agora esse investimento é incomportável com a sua actual situação económica face aos actuais compromissos.
48 - O Recorrente trabalha para uma empresa de construção civil onde como é consabido o local de trabalho não é fixo assim como o não são os dias de trabalho, sendo muitas vezes necessário recorrer aos sábados para prestar esse serviço.
49 – Esta condenação pode conduzir à perda de emprego do Recorrente, com todas as consequências que daí podem advir, designadamente pôr em risco reintegração social que está a ocorrer com sucesso.
50 – Entende-se ser adequada ao caso a aplicação de uma pena de multa que possa depois ser convertida em trabalho a favor da comunidade.
51 – A não ser assim, que fique o cumprimento da pena de prisão suspenso na sua execução dando ao Recorrente a possibilidade de provar que definitivamente enveredou pelo caminho da integração social objectivo último da Justiça.
CONCLUSÕES
Por imperativo do art.º 412º n.º 1, 2, 3 e 4 do C.P.P., apresentam-se as seguintes conclusões:
I - Nos termos do art.º 70.º do C. Penal, o tribunal tem o poder-dever de, em alternativa, entre pena privativa e pena não privativa da liberdade, dar preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II - Neste sentido, deve a pena de prisão efectiva ser substituída por pena não privativa da liberdade designadamente por PENA DE MULTA. Não o fazendo, o tribunal ofende, de forma gravosa, o estatuído no artigo 70º do C.P.
III - O direito à liberdade consagrado na CRP no artigo 27º, confere automaticamente, um carácter supletivo à aplicação de penas efetivas de prisão, quando existem outros mecanismos legais para dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial.
IV - O Recorrente agora em Liberdade Condicional, está perfeitamente integrado sob o ponto de vista social e laboral, não mais tendo praticado qualquer crime de furto ou roubo, que culminaram com a sua prisão
V - No Dispositivo da Sentença pode ler-se: “No caso vertente, em face das oito anteriores condenações do arguido, além do mais em penas de prisão efectiva(...)”,
VI - E continuando... “(…)somos de entender que a insistência na aplicação de pena de multa por nova condenação e ilícito criminal da mesma natureza, não satisfaria as necessidades concretas de ressocialização do arguido (...)” (sublinhado nosso).
VII - NUNCA O RECORRENTE FOI ALVO DE QUALQUER CONDENAÇÃO POR CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL.
VIII - É a primeira vez que é condenado por tal crime.
IX - Tratando-se de um crime que em abstrato é punivel com pena de prisão de um mês a
2 anos ou multa de 10 a 240 dias,
X - E sendo a primeira vez que é condenado por este tipo de crime, atendendo à sua moldura penal, É MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONADA A APLICAÇÃO DE UMA PENA DE PRISÃO DE 15 MESES, ainda que cumprida em regime de permanência na habitação.
XI - É também inaceitável para o Recorrente, que o regime de permanência na habitação ficasse subordinado, ao cumprimento até ao termo da pena, da obrigação de o arguido efectuar os exames para obtenção de carta de condução.
XII – Claro que o primeiro interessado em obter a carta de condução é o Recorrente, mas por agora esse investimento é incomportável com a sua actual situação económica face aos seus compromissos, e à situação complicada que o país e o mundo atravessam.
XIII - Entende-se ser adequada e justa a aplicação de uma pena de multa que possa depois ser convertida em trabalho a favor da comunidade.
XIV – A não ser assim, que seja a pena de prisão suspensa na sua execução dando ao Recorrente a possibilidade de provar que, definitivamente enveredou pelo caminho da integração social, objectivo último do sistema da Justiça.
XV - O que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento, ASSIM SE FAZENDO MAIS INTEIRA JUSTIÇA
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O Digno Magistrado do MºPº apresentou contra-motivação sustentando que o objecto e recurso se reconduz:
O arguido – abstraindo de considerações genéricas - centra a base da sua argumentação no facto de nunca ter sido condenado, anteriormente, pela prática do crime de condução sem habilitação legal e na sua (recente) inserção “social e laboral”, bem como na ausência de antecedentes criminais, por crime da mesma natureza. Quanto à ausência de condenações anteriores, pelo crime de condução sem habilitação legal, assim é, de facto. Na verdade, como ressalta claro do teor global da douta sentença, a menção a “ilícito criminal da mesma natureza deve-se a mero lapso de escrita, suscetível de correção oficiosa, porquanto como ali se descrimina – nos factos provados -, os antecedentes criminais são pela prática dos crimes de furto qualificado e roubo.
Sucede que, como resultou provado, em sede de sentença, o arguido possui vastos antecedentes criminais, por crimes de furto e roubo (crimes de gravidade elevada), tendo sido condenado “em penas de prisão efetiva, tendo o arguido cometido os factos em apreço no período de liberdade condicional”. Foram estas as circunstâncias em que o Tribunal – justificadamente, diga-se -, alicerçou a opção pela pena de prisão. Ou seja, como claramente flui da douta sentença, a opção da pena de prisão não se estribou na, por lapso referida, idêntica natureza do ilícito criminal por cuja prática foi condenado, nestes autos, mas, sim, nos seus antecedentes criminais, nas penas anteriormente sofridas e no facto do crime objeto destes autos ter sido cometido no período de liberdade condicional. A condenação sofrida nestes autos, é a nona condenação do arguido e, as cinco últimas condenações anteriores (respeitantes aos processos n.º 301/13.8PBMAI, 205/13.4GEVNG, 390/13.5GAVFR, 297/13.6PDVNG e 407/12.0GFVNG), foram, sempre, em prisão efetiva. Se isto não bastasse, como bem se refere na douta sentença, o crime objeto destes autos foi cometido no período de liberdade condicional – concedido após cumprimento de diversas penas de prisão e de um período significativo de privação da liberdade -, o que revela, à saciedade, a incapacidade, do arguido de se deixar influenciar pelas penas sucessivamente aplicadas e cumpridas e de se comportar de acordo com o dever ser jurídico/penal. Nem o facto de se encontrar em liberdade condicional, o demoveu da prática de novo crime. Neste quadro, sopesando as elevadas necessidades de prevenção geral (sabida a frequência com que este tipo de crime é cometido, em Portugal, com as trágicas consequências que, tantas vezes, origina), e as elevadíssimas necessidades de prevenção especial (de que dão eco os exuberantes antecedentes criminais do arguido), é manifesto que a opção pela pena de multa não asseguraria as finalidades da punição.
* b) Da suspensão da execução da pena de prisão:
Dispõe o art.º 50.º do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Como referem Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayete, in Código Penal Anotado e Comentado, “A suspensão da execução da pena de prisão é um meio em si mesmo autónomo de reação jurídico-criminal, configurada como pena de substituição, que se baseia num juízo de prognose favorável ao condenado, desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição”. A suspensão da execução da pena de prisão tem, como pressuposto formal, que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos e, como pressuposto material a “adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do 3 de 5 Código Penal, pg. 226, nota 5), ou, como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2009, disponível em dgsi.pt “É a chamada prognose favorável do comportamento futuro do arguido, que o tribunal retirará da personalidade do agente e das circunstâncias do facto submetido a julgamento”. Em ordem a concluir, ou não, pelo juízo de prognose favorável, deve o Tribunal ponderar, nomeadamente, a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência, ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter, já, o seu número, se são ou não da mesma natureza e o tipo de penas aplicadas), bem como eventual confissão que tenha ocorrido e seu contributo para a descoberta da verdade e eventual arrependimento demonstrado. Como já, supra, se salientou, as necessidades de prevenção especial, são, no caso concreto, elevadíssimas – bastando atentar nos extensos e graves antecedentes criminais e na circunstância do crime objeto destes autos ter sido cometido no decurso do período de liberdade condicional, concedido no processo n.º 3293/10.1TXPRT-C. O arguido alardeia notória falta de respeito pelas condenações anteriormente sofridas e uma absoluta incapacidade para se deixar influenciar pelas penas sucessivamente aplicadas e cumpridas, as quais, notoriamente menoriza/desvaloriza, denotando não ser capaz de interiorizar o desvalor da sua conduta, tudo demonstrativo de uma personalidade propensa à prática da criminalidade. As oito condenações anteriores – as cinco últimas, já, em pena de prisão efetiva -, em conjugação com o supramencionado, afastam, completamente, a possibilidade de formulação de qualquer juízo de prognose favorável, relativamente ao comportamento do arguido (saliente-se, ademais, que a suspensão da execução da pena de 3 anos e 9 meses de prisão, com regime de prova, de que beneficiou no âmbito do processo n.º 547/09.3GBVNG, veio a ser revogada, cumprindo o arguido a pena de prisão aplicada).
Sendo notório que a opção pela suspensão da execução da pena, quando anteriormente desmereceu da sua aplicação e, após dela ter desmerecido, foi condenado por cinco vezes, em penas de prisão efetiva, para além de não ser, naturalmente, compreendida, pela sociedade, não asseguraria, com toda a certeza, as finalidades da punição. Face a tudo o exposto, impõe-se, naturalmente, a aplicação de pena privativa da liberdade, a cumprir, como decidido, em regime de permanência na habitação, na esperança – o tempo demonstrará se fundada - que tal forma de cumprimento se revele eficaz, em ordem a lograr afastar o arguido da prática de novos crimes. Sendo de salientar que o Tribunal teve o cuidado de permitir as ausências do arguido, quer para o exercício da atividade profissional, quer para a frequência de aulas de condução, tendentes a habilitar-se com título respetivo, condição que se justifica, plenamente e não constitui injustificada oneração daquele, porquanto trabalha, e existe, como é consabido, a possibilidade de proceder ao pagamento do preço respetivo, se necessário, em prestações.
* Conclusões:
1. O arguido já sofreu oito condenações anteriores (pelos crimes de furto qualificado e roubo), sendo que, nas cinco últimas, lhe foi aplicada pena de prisão efetiva;
2. Foi, já, condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, que veio a ser revogada, cumprindo o arguido a pena fixada;
3. Cometeu o crime por cuja prática foi condenado, nestes autos, em pleno período de liberdade condicional, subsequente a longo período de privação da liberdade;
4. Nem as penas de prisão efetivas aplicadas e cumpridas, lograram afastar o arguido da prática de novos crimes;
5. Pelo que só a opção pela pena de prisão assegura as finalidades da punição;
6. Denotando o mesmo uma personalidade propensa à criminalidade e que não se deixa influenciar pelas sentenças aplicadas e penas impostas.
7. O que inviabiliza a possibilidade de formulação de qualquer juízo de prognose favorável, quanto ao seu comportamento futuro, considerando as fortíssimas necessidades de prevenção especial;
8. Sendo que nova opção pela suspensão da execução da pena de prisão, após a constatada falência desta pena de substituição e o cumprimento de diversas penas de prisão, também elas incapazes de afastar o arguido da prática de novos crimes, não seria compreendida pela sociedade, nem asseguraria as finalidades da punição; 9. Pelo que se impõe o cumprimento de pena de prisão, a cumprir, como determinado, em regime de permanência na habitação. Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão Vossas Excelências, Justiça.
*
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Cumpriu-se o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

Pretende o arguido se lhe comine pena de multa, ou em alternativa pena substitutiva por trabalho a favor da comunidade; ou se assim não se entender, se suspenda a execução da pena de prisão.
Mais se pretende a eliminação da obrigação de se sujeitar a exames de condução.
*
Do enquadramento dos factos.
“Em processo sumário, o Ministério Público acusou AA imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p., artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro.
* O arguido não apresentou contestação escrita.
* Procedeu-se a julgamento com intervenção do Tribunal singular em estrito cumprimento do formalismo legal, conforme se alcança das actas respectivas, efectuando-se a documentação das declarações oralmente prestadas em audiência (artigo 364º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal).
* II. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
1.1. Factos Provados
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
- Constantes da acusação pública:
1. No dia 26 de junho de 2022, pelas 02h35, na Rua ..., ..., área desta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel, com a matrícula ..-..-DH, sem ser titular de qualquer licença de condução que o habilitasse a conduzir na via pública, o mencionado veículo.
2. O arguido não era titular de licença de condução nem de qualquer outro título válido que o habilitasse à condução de veículos automóveis, nos termos do Código Estrada.
3. O arguido quis e conseguiu conduzir o veículo automóvel, bem sabendo não ser possuidor de título que a tal o habilitasse.
4. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
- Mais se provou:
5. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos por que vem acusado.
- Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
6. Do CRC do arguido consta:
- em 28.02.2008, pela prática, em 27.03.2006, de um crime de furto qualificado, uma condenação na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução, revogada em 28.02.2008, tendo a pena de prisão sido extinta em 11.08.2011;
- em 06.07.2009, pela prática, em 21.06.2008, de um crime de furto qualificado na forma tentada, uma condenação na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução, por um ano, com regime de prova, extinta em 31.01.2011;
- em 27.06.2011, pela prática, em 08.06.2009, de dois crimes de furto qualificado, uma condenação na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, revogada em 08.07.2015, tendo a pena de prisão sido extinta em 27.02.2020;
- em 02.12.2013, pela prática, em 14.12.2012, de um crime de furto qualificado na forma tentada, uma condenação na pena de 10 meses de prisão, extinta em 28.02.2014;
- em 29.04.2014, pela prática, em 25.04.2013, de um crime de roubo, uma condenação na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva;
- em 16.09.2014, pela prática, em 22.04.2013, de um crime de roubo, uma condenação na pena de 2 anos de prisão efectiva;
- em 20.11.2014, pela prática, em 27.04.2013, de um crime de roubo, uma condenação na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- em 29.12.2014, pela prática, em 23.04.2013, de dois crimes de roubo, uma condenação na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão;
- Em 05.06.2015, em cúmulo jurídico de penas supramencionadas, uma condenação na pena única de 6 anos e 2 meses, tendo sido concedida liberdade condicional em 15.04.2020 até 27.03.2023.
- Quanto à situação económica, social e familiar:
7. AA é o segundo da prole de 4 da união dos progenitores, núcleo familiar perturbada pela condição financeira precária e pelos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas das figuras parentais, ambas desresponsabilizadas do processo educativo dos descendentes.
O arguido abandonou precocemente o percurso académico regular aos 13 anos de idade, habilitado com o 5º ano de escolaridade, por desinteresse nas aprendizagens, tendo ainda tentado qualificar-se com curso de formação profissional no Centro Profissional ..., do qual desistiu.
Mais tarde, em contexto prisional, frequentou o ensino, com bons níveis de assiduidade e interesse, tendo concluído o 12º ano, através de curso ... de mecatrónica automóvel. Ainda que tenha enveredado pelo desempenho das funções de operário indiferenciado de construção civil, o advento dos consumos de droga, pelos 15 anos de idade, veio condicionar o seu percurso profissional. Somente com a reclusão em 2010 pôde efectuar o respectivo tratamento e recuperar alguma da capacidade de trabalho.
A dificuldade em evitar os contextos de consumo e as convivências transgressivas associadas à irregularidade laboral, porque exercida em regime de tarefas temporárias de pequenos serviços no ramo da construção civil, facilitaram a recidiva nos consumos abusivos de drogas bem como a promoção de um ambiente familiar conflituoso e agressivo. Entre 2013 e 2020, AA esteve em cumprimento da pena única de 6 anos e 2 meses de prisão, pela prática dos crimes de roubo e furto qualificado, tendo sido colocado em liberdade condicional em 01/04/2020, com termo previsto para 27/03/2023.
De regresso ao meio livre, AA reintegrou o agregado familiar de origem, constituído pela progenitora, de 55 anos, reformada por invalidez e por um irmão mais novo, desempregado. No entanto, permanecia mais tempo em casa da namorada, de 51 anos de idade, desempregada, residente nas proximidades da sua residência.
A dinâmica intrafamiliar foi então descrita pelos elementos do agregado familiar (tanto pelos familiares de origem como pela namorada) como funcional, pautado por laços de solidariedade e bom relacionamento. Entretanto, em maio último, o relacionamento afectivo terminou, em virtude de incompatibilidades pessoais. À data dos factos, o arguido integrava referido agregado familiar, com as características acima descritas, residente numa casa térrea de condições humildes, inserida na zona rural e tranquila da freguesia ....
Ao nível laboral, desde que foi colocado em liberdade condicional, que trabalha como servente da construção civil na empresa N..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia. Apresentou declaração da referida entidade patronal, datada de 06/07/2022, que refere a sua relação laboral com aquela empresa, onde é declarado ser funcionário da mesma desde o passado dia 01/07/2022, actividade que exerce de segunda a sexta-feira, das 8:00 às 17:30 horas, deslocando-se na carrinha da empresa, com sede em ... para a obra correspondente, sendo certo que a local do trabalho varia conforme o surgimento das obras. Pontualmente terá de prestar trabalho ao sábado no mesmo horário. Assim, é também variável o tempo de deslocação para esses locais. Tem demonstrado satisfação e dedicação com a sua actividade.
A subsistência do agregado familiar tem por base os ganhos variáveis provenientes da actividade realizada pelo arguido, acrescido da reforma de progenitora, de cerca de €440.
Como despesas fixas mensais, referiu os encargos com o pagamento da renda da habitação, de cerca de €250, incluindo alguns serviços domésticos básicos, como energia eléctrica. A água provém de um poço.
O seu quotidiano tem sido caracterizado pelo exercício da actividade profissional e convivência intrafamiliar.
No contexto residencial o arguido apresenta actualmente uma integração positiva.
No que concerne à problemática aditiva, o arguido encontra-se em acompanhamento terapêutico junto da Equipa de Tratamento ..., onde tem aderido ao tratamento com presença regular nas consultas programadas. Encontram-se também asseguradas as condições logísticas necessárias para a execução da vigilância eletrónica enquanto meio de controlo da Pena de Prisão na Habitação/PPH, face às condições habitacionais da residência em que o arguido habita, sita na Estrada ..., ..., Traseiras, ... ..., Vila Nova de Gaia, e a disponibilidade da progenitora.
1.2. Factos Não Provados
Constantes das acusações públicas: Inexiste.
1.3. Motivação da Decisão de Facto
(…)
Enquadramento jurídico-penal
(…)
2.2. Determinação da Pena
2.2.1. Da Escolha da Pena
Da conjugação do disposto no preceito incriminador consagrado do artigo 3°, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, com os limites fixados nos artigos 41°, n.º 1 do Código Penal, resulta que o crime de condução sem habilitação legal é abstractamente punido com pena de 1 mês a 2 anos de prisão ou com multa de 10 a 240 dias. À luz do artigo 40º do Código Penal a aplicação de penas "visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", ou seja, visa cumprir a finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto protecção de bens jurídicos “a medida da pena há-de ser dada pela medida e necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto... Quando se afirma que é função do Direito Penal tutelar bens jurídicos não se tem em vista só o momento da ameaça da pena, mas também – e de maneira igualmente essencial – o momento da sua aplicação. Aqui pois, a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma infringida” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime”. Ed. Aequitas, 1993, pág. 227). Bem como, a finalidade de prevenção especial de socialização referida à reintegração do agente na comunidade. Assim, a escolha da pena terá necessariamente de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir tais objectivos. Embora a pena privativa de liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio colectivo deverá sobrepor, e de forma prioritária, a necessidade de ressocializar o infractor. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador as penas são aplicadas com a finalidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e em última análise na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Só especiais exigências de prevenção e de adequação à culpa justificarão o recurso a penas detentivas não podendo, em caso algum, a pena (seja ela qual for) ultrapassar a medida da culpa. Por essas razões, só quando as penas não privativas da liberdade se não mostrarem suficientes para realizar adequadamente as finalidades da punição (de protecção dos bens jurídicos e de reintegração do agente) é que deverá ser dada preferência à pena detentiva (artigo 70º do Código Penal). Explicitando tal ideia refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pág. 331 “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”. Este critério tem sido entendido pela doutrina como uma conjugação de dimensões exclusivamente preventivas. Dir-se-á que a pena de prisão é de “substituir” por uma medida não detentiva sempre que razões de prevenção especial o aconselhem e razões de prevenção geral se não lhe oponham (cfr. Anabela Rodrigues, “Critério de escolha e penas de substituição”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Eduardo Correia). Com efeito, o sistema jurídico-penal português estabelece uma preferência das reacções criminais não detentivas da liberdade relativamente às penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam, em concreto, de forma adequada e suficiente, as finalidades de punição, qual sejam, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente do crime na sociedade – artigos 70º e 40º, do Código Penal. De acordo com o n.º 1 deste último comando legal "a aplicação das penas ... visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", acrescentando o seu n.º 2 que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Significa isto que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa. Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à escolha da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental. A opção entre a pena de prisão ou pena de multa tem que ser feita tendo em conta o grau de socialização do agente e os reflexos que qualquer dessas penas poderá ter na sua vida futura. Será de optar pela pena de multa se esta for suficiente para afastar o arguido da criminalidade. Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a maior das vantagens da pena de multa é a de não quebrar a ligação do condenado aos seus meios familiar e profissional, evitando, por esta forma, um dos efeitos criminógenos da pena privativa da liberdade e impedindo, até ao limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam – cfr. “Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 120-121. Vejamos.
No caso vertente, em face das oito anteriores condenações do arguido, além do mais em penas de prisão efectiva, tendo o arguido cometido os factos em apreciação no período da liberdade condicional, somos de entender que a insistência na aplicação de pena de multa por nova condenação e ilícito criminal da mesma natureza, não satisfaria as necessidades concretas de ressocialização do arguido, não se mostrando suficiente para promover a recuperação do mesmo e satisfazer as exigências de reprovação e prevenção do crime, nem suficiente se mostra, no presente caso, face à necessidade de assegurar a confiança da comunidade nas normas violadas. Face ao exposto e de harmonia com o disposto no artigo 70º do Código Penal, afigura-se-nos que, no caso concreto, a pena de multa é insuficiente para satisfazer as necessidades de prevenção especial e prevenção geral que os ilícitos no caso concreto reclamam, optando o Tribunal pela pena de prisão como pena principal a aplicar ao arguido.
2.2.2. Da Medida Concreta da Pena.
A) Estabelece o n.º 1 do artigo 71º do Código Penal que a “determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do artigo 40º, n.º 2 do mesmo código. Assim sendo, na determinação da exacta medida da pena, ter-se-á que atender à formula básica interpretativa deste normativos, segundo a qual temos de partir da sua moldura abstractamente prevista, funcionando a culpa do agente como o limite máximo e inultrapassável da pena aplicável, representando esta um juízo de censura à conduta desvaliosa do agente manifestada no facto praticado. As necessidades de prevenção geral de integração, fornecem-nos, por sua vez, uma submoldura, a qual tem por limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídicopenais violados e por limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias na validade do direito sofrem abalo, limite mínimo esse “constituído pelo ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos” (neste sentido Figueiredo Dias, in «Direito Penal II - Parte Geral», lições ao 5.º ano da FDUC, pág. 279 e ss.). Por último, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos, dentro desta submoldura, a medida exacta da pena concreta aplicável ao agente.
Na ponderação da medida concreta da pena deverá o juiz atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente (artigo 71º, n.º 2 do Código Penal). Tendo, pois, em conta o princípio geral que acaba de ser formulado, deverão ser neste momento consideradas todas aquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado nem tendo sido já atendidas para efeitos de qualificação, sejam expressivas da culpa do arguido e da medida das necessidades de prevenção. Debruçando-nos sobre os concretos factores de medida da pena, estabelecidos no n.º 2 do artigo 71° do Código Penal. Contra o arguido importa acentuar o dolo, enquanto elemento subjectivo do ilícito, expressou-se numa sua forma que mais intensa e que corresponde ao dolo directo - a realização do tipo legal foi posta pelo arguido como o fim atingir e por ele representada como uma consequência directa da sua conduta e aceite como tal. Ter-se-á que valorar, ainda, os antecedentes criminais do arguido, (oito) condenações), tendo praticado os factos no período da liberdade condicional. A favor do arguido há que valorar a circunstância de ter confessado os factos e encontrar-se familiar e profissionalmente inserido.
Assim, tudo ponderado e tendo em conta a moldura abstracta da pena de prisão prevista para o crime de condução de veículo sem habilitação legal (pena 1 mês a 2 anos – cfr. artigo 3º, n.ºs 1 do Decreto-lei n.º 2/98, de 03.01 e artigo 41º, n.º 1 do Código Penal), reputamos como proporcional, justa, adequada e pedagógica a aplicação de uma pena concreta de 1 (um) ano e 3 (três) mês de prisão.
2.3. Da Pena de Substituição.
Face à dosimetria penal concretamente fixada, 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, são legal e abstractamente admissíveis apenas as penas de substituição de suspensão da pena de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal, a prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no artigo 58º do Código penal e o regime de permanência na habitação.
Considerando esta panóplia de penas de substituição que o legislador consagra e cuja aplicação incentiva, importa verificar se, neste caso, alguma se mostra adequada e suficiente. Como critério, e nos termos apontados por Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 331, “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”. Relativamente ao critério a aplicar para preferir de entre as várias penas de substituição também Figueiredo Dias salienta (in op. cit., pág. 330) que “o CP vigente parece recusar-se, à partida, a fornecer um critério ou cláusula geral de escolha ou de substituição da pena. Quer a propósito da escolha entre penas alternativas, quer a propósito de praticamente cada uma das penas de substituição ele indica um critério diferente ou individualizado”. Contudo, a este respeito o insigne Professor salienta como critério que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição”, idem.
Neste conspecto, e atendendo às exigências de prevenção geral e especial, dadas as recidivas criminais manifestadas pelo arguido, temos que concluir que as anteriores penas não surtiram o efeito desejado, pelo que resulta claramente insuficiente a substituição da aludida pena prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou pela suspensão da sua execução, ainda que subordinada a regime de prova, veja-se que este crime foi cometido no período da liberdade condicional (relembremos a necessidade de prevenir futuros crimes), não sendo possível fazer qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que qualquer das penas de substituição aludidas sejam adequadas e suficientes para realizar as finalidades da punição e prevenir o cometimento de novos ilícitos. Por força da Lei 94/2017 de 23/08, o artigo 43.º, nºs 1 e 2, do Código Penal, passou a ter a seguinte redacção: “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º 2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.”
Da leitura da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, conclui-se que o legislador entendeu que as penas de prisão efectiva deverão ser aplicadas apenas naquelas situações em não se revela como totalmente adequada a aplicação de qualquer outra pena de substituição. Ou seja, só quando for de todo comunitariamente exigível que o condenado recolha ao estabelecimento prisional, sob pena de não se cumprirem as finalidades das reacções criminais, é que a pena de prisão deverá ser aplicada (cfr. André Lamas Leite, in “O fim da “prisão aos fins-de-semana” e outras alterações nas penas de substituição”, artigo de opinião disponível em https://www.publico.pt/2017/08/21/sociedade/opiniao/o-fim-da-prisao-aosfinsdesema na -e-outras-alteracoes-nas-penas-de-substituicao-1781724). Segundo Figueiredo Dias, in Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime", pág. 331, §497, “é possível divisar o seguinte critério geral de substituição da pena: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou se substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”. Como ensina Fernanda Palma, "A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficases e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou in ineficaz para a realização da prevenção geral' – in As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva", in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL, págs. 25-51, e in "Casos e Materiais de Direito Penal, 2000, Almedina, págs. 31-51) A aplicação do regime do artigo 43º do Código Penal, não visa proteger a normalidade de vida do condenado, mas tão só evitar que ele (re)ingresse em meio prisional. Com efeito, no mais, a penosidade da sanção penal deve recair sobre ele, em termos o mais idênticos possível aos que resultariam de um cumprimento da pena de prisão. O regime de permanência na habitação tem pressupostos materiais e formais específicos. O pressuposto material é que a aplicação do regime de permanência — enquanto pena de substituição em sentido impróprio — realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Entre os pressupostos formais, contam-se os do consentimento do condenado, bem como os mencionados nas duas alíneas do n.° 1, do artigo 43°, do Código Pena: - Al. a) — Aplicação [originária] de pena concreta em medida não superior a dois anos de prisão; - Al. b) — Verificação de remanescente não superior a dois anos da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.
O regime de permanência na habitação envolve a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tendo o arguido, a sua mãe prestado consentimento a tal forma de execução (artigo 4.º, n.º 1 e 4 da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro). Ao arguido foi aplicada uma pena de prisão de um ano e três meses. Verifica-se, assim, o pressuposto formal de aplicação da pena a que se vem aludindo. Estão também asseguradas as condições logísticas necessárias para a execução da vigilância electrónica enquanto meio de controlo da Pena de Prisão na Habitação, face às condições habitacionais e disponibilidade da sua progenitora para a utilização de meios de vigilância eletrónica para o eventual cumprimento de PPH. No caso vertente, a inserção familiar e profissional do arguido favorece a execução da pena no regime de permanência na habitação, assim como o juízo crítico por este demonstrado, sendo por isso de considerar que destarte se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, pretende-se que o mesmo prossiga com os elementos fundamentais que estruturam a sua vida, sem que deixe de estar sujeito a uma compressão de liberdade que definitivamente o determine a uma actuação conforme ao Direito e à vida em sociedade. Uma vez que o arguido actividade profissional, autoriza-se que o arguido se ausente da sua residência para exercer actividade profissional com interrupção da monotorização, de segunda a sexta-feira, das 07:45 às 17:45 horas, na carrinha da empresa, com sede em ... para a obra correspondente, sem prejuízo de alterações caso se venham a justificar uma vez que o local do trabalho varia conforme o surgimento das obras e pontualmente terá de prestar trabalho ao sábado no mesmo horário – art. 43.º, n.º 3, do Código Penal. Face ao aludido entendemos que considerando as alterações na vivência, e situação actual do arguido, é possível concluir que a forma realiza adequadamente as finalidades da execução da pena de prisão estando, nos termos referidos no relatório da DGRSP verificados estão os pressupostos para a respectiva execução (artigo 19.º da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto).
Deve, pois, a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação (sita na Estrada ..., ..., Traseiras, ... ..., Vila Nova de Gaia), com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Porque se mostra adequado face ao percurso criminoso do arguido, à reintegração do condenado na sociedade, subordina-se o regime de permanência na habitação ao cumprimento, até ao termo da pena, da obrigação de o arguido efectuar os exames para obtenção de carta de condução, com interrupção da respectiva monotorização, pelo tempo estritamente necessário à deslocação da área da residência à escola de condução, para assistir a aulas, se necessário e realização de exames e regresso à sua residência, devendo comprovar essas mesmas aulas e exames junto da DGRSP (artigo 43.º, n.º 4 do Código Penal).
III. DISPOSITIVO
Pelo exposto..” .
*
Cumpre apreciar.

Quanto às pretensões formuladas no recurso, cabe referir que no sistema sancionatório português as sanções privativas da liberdade constituem a ultima ratio da política criminal, por influência dos princípios político-criminais da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade. Como reflexo, a lei estabelece no artigo 70.º do Código Penal uma preferência pela pena não privativa da liberdade sempre que ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção, previstas no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal.
Considerando o conteúdo normativo presente no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de uma pena visa assegurar exclusivamente finalidades de prevenção: geral positiva, traduzidas na proteção de bens jurídicos, e especial positiva, tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.
Prosseguindo finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, a pena é concebida “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, do ordenamento jurídico-penal”. Por sua vez, assegurando finalidades de prevenção especial positiva ou de socialização a pena visa, “com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas concepções sobre a vida e sobre o mundo, pela sua posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes”. (Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - Parte Geral I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2011, (2.ª reimpressão), págs. 51 e 55).
Assim sendo, a opção pela pena alternativa à pena de prisão terá que ser feita sempre e apenas nos casos em que através dela se possam realizar as finalidades da punição.
Por outro lado, para efeitos de determinação da medida concreta da pena a aplicar deve, impreterivelmente, o Julgador recorrer aos critérios legalmente definidos nos artigos 70º a 74º do Código Penal.
Nesta matéria refere o artigo 71º, nº 1 do citado diploma legal que: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, enumerando-se no nº 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias exemplificativas que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Os parâmetros fundamentais para o Julgador aferir da pena concreta a aplicar um arguido, são por um lado a culpa do mesmo (porquanto esta “não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo desta”) e, por outro as necessidades/exigências de prevenção geral e especial. No caso sob apreciação e analisada a motivação da Douta sentença, foi feita a ponderação de todos os factos que depõe a favor e contra o arguido.
A aferição da medida da culpa do arguido implica a ponderação da censura do facto cometido, o desvalor da sua atitude, a qual por vezes resulta do quadro de ilicitude cometida e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
No caso sob apreciação, a Douta Sentença ora recorrida face aos relevantes antecedentes criminais do arguido, onde se destaca a sua sujeição ao condicionalismo da liberdade condicional, não obstante os índices de inserção social, familiar e profissional, optou-se pela pena privativa da liberdade cfr.art.70º do Cód.Penal, considerando-se acertadamente que “…em face das oito anteriores condenações do arguido, além do mais em penas de prisão efectiva, tendo o arguido cometido os factos em apreciação no período da liberdade condicional, somos de entender que a insistência na aplicação de pena de multa por nova condenação e ilícito criminal da mesma natureza, não satisfaria as necessidades concretas de ressocialização do arguido, não se mostrando suficiente para promover a recuperação do mesmo e satisfazer as exigências de reprovação e prevenção do crime, nem suficiente se mostra, no presente caso, face à necessidade de assegurar a confiança da comunidade nas normas violadas…”. Com efeito, as incidentes exigências de prevenção manifestadas no caso concreto, tornavam completamente desajustada a cominação de uma pena de multa.
Analisada a motivação da Douta sentença, facilmente se depreende que foi feita uma ponderação de todos os fatores determinantes para a medida da pena, valorando-se as circunstâncias que, in casu, depõem a favor e contra o arguido.
A graduação da concreta pena de prisão deve expressar a culpa e as exigências de prevenção. Assim, no delito com pena de prisão até dois anos a medida de 1 ano e três meses, situando-se acima do ponto médio da moldura abstrata, afigura-se claramente ajustada, respondendo às pesadas exigências de prevenção e à incidente censura do facto, impondo-se que o arguido recorrente seja confrontado de forma impressiva com essa censura do seu facto, para que, não sobrem possibilidades e riscos de nova recidiva no seu comportamento delitivo. Com efeito, os pesados antecedentes criminais, e o cometimento do delito no âmbito da liberdade condicional, reveste uma gravidade intrínseca, denunciadora de um acentuado juízo de censura e de relevantes exigências de prevenção especial, condicionalismo que faz elevar significativamente o ponto ótimo da pena, mostrando-se adequada a pena concreta cominada ao arguido, não podendo, desconsiderar-se a importância do delito, como pretende o recorrente, apenas por ser um crime de diferente etiologia. Aqui também improcedem as conclusões do recorrente.
Sobre a ponderação do leque de penas de substituição, o critério do Tribunal “A Quo” mostrou sensatez, quando afastou as seguintes penas de substituição “(…) atendendo às exigências de prevenção geral e especial, dadas as recidivas criminais manifestadas pelo arguido, temos que concluir que as anteriores penas não surtiram o efeito desejado, pelo que resulta claramente insuficiente a substituição da aludida pena prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade ou pela suspensão da sua execução, ainda que subordinada a regime de prova, veja-se que este crime foi cometido no período da liberdade condicional (relembremos a necessidade de prevenir futuros crimes), não sendo possível fazer qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que qualquer das penas de substituição aludidas sejam adequadas e suficientes para realizar as finalidades da punição e prevenir o cometimento de novos ilícitos”. Com efeito, o arguido foi alvo de 8 censuras penais por criminalidade significativa, dos quais as últimas quatro condenações referem-se a crimes violentos, evidenciando o arguido uma impressionante insensibilidade às sucessivas condenações a que foi sujeito, e respetivas penas.
A sucessiva ineficácia das várias penas cominadas de prisão suspensas na sua execução, e a relativa ineficácia das penas de prisão efetivas, associado ao incumprimento do regime de liberdade condicional, não é indiferente ao direito, aos Tribunais e muito menos à sociedade, antes, cada pena tem como pressuposto a inserção social e a recuperação do arguido, evidenciando o arguido a constante indiferença às sucessivas condenações, o que agrava de forma acentuada as exigências de prevenção especial.
No caso dos autos, as exigências da culpa são elevadas, dado que o arguido manifestou o desprezo mais completo pelo cumprimento das penas e para com os fins das sanções que já lhe foram cominadas, evidenciando a referida indiferença, não podendo a sociedade continuar a sofrer o impacto de novos delitos.
A criminalidade em causa nos autos, não é menor, depois, o risco evidenciado pelo arguido em comportamentos recidivos é elevado. Portanto, as sucessivas condenações cominadas ao arguido nos vários processos crime que contra si correram termos, não conseguiram o efeito integrador desejado, revelando-se uma sucessão de penas ineficazes, processos onde parece não terem sido devidamente ponderados os factores de risco que afetam o arguido, não obstante a sua inserção social e profissional, essa inserção, ao longo do tempo, sempre se revelou ineficaz para fazer recuar o arguido do cometimento de novos delitos, condicionalismo que compromete definitivamente o juízo de prognose favorável, ponderação que o Tribunal “A Quo” fez com equilíbrio e sensatez.
Perante a atitude do arguido, associada à sua crónica indiferença, desprezo e insensibilidade às penas de prisão e a todas as outras penas de substituição em que já foi condenado, mostra-se comprovada a ineficácia da pena de prisão suspensa na sua execução, assim, como quando substituída por trabalho a favor da comunidade. O conjunto destas circunstâncias tornam desfavorável qualquer juízo de prognose positivo sobre a conduta do arguido perante um cenário de mera ameaça da pena de prisão, facto que inviabiliza a suspensão da pena (cfr.art.50º do Cód. Penal).
Depois, o crime em apreciação nos autos, diversamente do que sustenta, só porque é diverso dos seus antecedentes criminais, não pode, por essa circunstância, ser desvalorizado, dado evidenciar uma expressão da culpa superior, refletindo um agravamento das exigências de prevenção especial, nem esse ilícito é de gravidade ínfima, pois está diretamente associado aos importantes valores da segurança rodoviária.
Seja como, for, improcedendo as conclusões de recurso que pretendiam a cominação de outra pena de substituição, em torno da opção feita pelo Tribunal “A Quo” possibilitando ao arguido o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação nos termos do art.43º do Cód.Penal, não obstante a benevolência desta forma de cumprimento da pena de prisão (alicerçada essencialmente na atitude crítica que o arguido mostrou e na sua inserção social), com um alargado leque de permissões de saída, reconduz-se agora o objeto de recurso à impugnação da obrigação que o Tribunal sujeitou o arguido de efetuar os exames para obtenção de carta de condução nos termos do art.43º nº4 do Cód.Penal.
Desde já, deve referir-se que a pena cominada, já foi classificada como forma de cumprimento da pena de prisão conforme Acórdão da Rel.P de 7/03/2018 (Relatado pela Srª Desembargadora Maria Ermilinda Carneiro) onde se sustentou que “o regime de permanência na habitação previsto no art.43º CP passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou cumprimento da pena de prisão.” E a razão desta classificação radica no que foi sustentado nos Acórdãos do TRP de 28/06/2017, Proc. nº260/15.2GAPVZ.P1, e do TRC de 22/11/2017,Proc. nº55/16.6GDLRA.C1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt., ou seja, a razão de não ser expressamente uma pena de substituição, mas antes, uma “forma de execução” ou de cumprimento da pena de prisão, permite que o tribunal no âmbito do art.56º nº2 do CP pondere a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão. No entanto, essa pena continua próxima da nomenclatura das penas de substituição, a qual apesar de não ter consagração legal (apenas tem construção doutrinária), a decisão que aplique o regime de permanência na habitação nos do art.43º ocorre no momento da opção da pena a cominar ao arguido, porém, apesar de ser esse o momento decisório (o que inculca a ideia de substituição), não deve desvirtuar a sua essência como uma forma de cumprimento da pena de prisão, reunindo o seu regime importantes elementos de integração social e profissional.
Feita esta precisão, o cumprimento da pena de prisão com permanência na habitação concede um misto de reclusão com liberdade e responsabilidade, como referia já Jacques Vérin numa formulação pertinente da ideia “pedagogia da responsabilidade” in “Pour une nouvelle Politique Pénale”, Droit et Société, Vol.9º, pág.123, Paris, 1994. E pese embora no regime fixado no art.43º do CP somente no nº4 se estabeleça um conjunto obrigações que possam apetrechar o regime de permanência na habitação, contudo, para viabilizar o seu cumprimento os nºs2 e 3 do mesmo preceito já estruturam o regime de controlo com as ausências autorizadas, com ênfase para a atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. Portanto, se a aplicação desta pena supõe exigências de prevenção geral moderadas; que não exista perigo de continuação da atividade criminosa nas ausências autorizadas, ao mesmo tempo visa, a par da reclusão no “meio natural” do condenado, incentivar a integração profissional pré-existente, assim como promover a formação profissional e ou educacional. Não obstante ser recente a receção deste regime no direito positivo, há várias décadas que se discute a concretização e relevo da sua filosofia. É longa a discussão na doutrina entre as medidas de reeducação e formação quer em meio natural, quer institucionalmente, como arcaicamente são as prisões (sobre esta discussão ver Jacques Vérin in Op Cit.p.130 e 131). Ainda assim, o mesmo autor, adepto das virtualidades da educação e da formação profissional dá-nos notícia do pensamento de “Donald Clemmer, directeur du department of Corrections à Washington DC, déclarait au cours d’une recente conferénce sur léducation en milieu pénitentiaire «Après une experience de plus de trente-quatre années, j’incline à penser que ce sont les activités éducatives qui peuvent avoir sur les détenus la meilleure influence.»” Definindo aquele especialista americano a educação em três ramos: o ensino escolar; formação profissional; e a educação social. Mais adiante Jacques Vérin refere queA reação geral foi de admiração perante as possibilidades frequentemente insuspeitas das atividades culturais em meio penitenciário”, acrescentando, contudo, que os estágios de formação em meio livre atingem resultados muito mais impressionantes que a formação em meio prisional (in Op.Cit.p.239). Depois, como alertava Gonzalo Rodríguez Mourulo há que corrigir o desajuste entre o valor nominal da pena e o seu valor efetivo in “Directrices Político-Criminales del Anteproyecto de Código Penal” in “Política Criminal Y Reforma Del Derecho Penal”, S;Mir Puig, G.Strantenwerth, C,Roxin e outros, pag.327, Editorial Temis, 1982), ou seja, mais importante que o cumprimento do tempo da pena fixando em um ano e três meses com permanência na habitação, é o valor efetivo da pena que reside na promoção da integração sócio-profissional do condenado, sendo este resultado efetivo, o mais almejado de uma pena.
Portanto, se é indiscutível que a obtenção da carta de condução representa uma aquisição de competências muito valiosas à integração do arguido, e se o arguido mantém alguns índices de inserção, contudo, a sua crónica indiferença às condenações anteriores com inerente incremento das exigências de prevenção especial, mantém premente a necessidade de aprofundar a integração social e profissional do arguido, como fator que esconjure o cometimento de novos delitos, onde a obrigação cominada pelo Tribunal “A Quo” prosseguindo este objetivo, constitui feliz aplicação do nº4 do art.43º do CP.
No caso dos autos, a obrigação imposta, a par de equilibrada, porque ajustada à situação do arguido, cumpre a razoabilidade imposta por lei, dado que o arguido dispõe de uma situação económica (trabalha como servente pedreiro apurando-se que “A subsistência do agregado familiar tem por base os ganhos variáveis provenientes da atividade realizada pelo arguido, acrescido da reforma de progenitora, de cerca de €440”) que lhe permitirá pagar os montantes devidos à escola de condução, que, como é prática e costume desse ramo do comércio, são cobrados faseadamente; depois, a obrigação de efetuar os exames para obtenção da carta de condução surge associado ao núcleo mais importante desta pena, cuja meta é manter e aprofundar integração sócio-profissional do condenado.
Deve sublinhar-se que, como já se aludiu, o regime de permanência na habitação é excecionado por um leque alargado de permissões de saída da habitação, e por isso mesmo, é dotado de grande flexibilidade, contudo, não pode o arguido pretender que essa forma de cumprimento da pena de prisão seja destituído de sacrifícios e obrigações (campo onde a pena adquire a sua verdadeira expressão mais pedagógica), tanto mais que, a obrigação que lhe foi imposta desempenha, como se referiu, de forma muito eficiente os propósitos de integração social e até profissional, constituindo, por isso, o núcleo efetivo da pena.
A obrigação decidida pelo Tribunal “A Quo” deve manter-se, embora deva ser feita uma ressalva a introduzir na sua redação e que flexibilize a sua aplicação, sempre que surja algum obstáculo no cumprimento da mesma.
Como resulta dos fundamentos expostos, o recurso não poderá merecer provimento.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e consequentemente, nos termos e fundamentos expostos, manter a decisão do Tribunal a quo, contudo a obrigação imposta no ponto 2 do dispositivo da sentença passará a ter a seguinte redação:
2. Porque se mostra adequado face ao percurso criminoso do arguido, à reintegração do condenado na sociedade, subordina-se o regime de permanência na habitação ao cumprimento, até ao termo da pena, da obrigação de o arguido efetuar os exames para obtenção de carta de condução, com interrupção da respetiva monotorização, pelo tempo (artº 381º CPP) estritamente necessário à deslocação da área da residência à escola de condução, para assistir a aulas, se necessário, e realização de exames e regresso à sua residência, devendo comprovar essas mesmas aulas e exames junto da DGRSP. Caso surja algum obstáculo à frequência de aulas ou realização dos exames, deverá o arguido comunicar ao Tribunal no prazo de dez dias, a fim do requerimento ser apreciado com vista à viabilização da obrigação que sobre si impende (artigo 43.º, n.º 4 do Código Penal).”.

Custas pelo arguido fixando a taxa de justiça em 3 ucs - 513º, n.º 1 do Código Processo Penal).

Notifique.

Sumário:
(regime de permanência na habitação; pressupostos; subordinação a obrigação)
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Porto, 23 de Novembro 2022.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas