CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
DIREITO DE RETENÇÃO
CONSUMIDOR
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PROMITENTE-VENDEDOR
PROMITENTE-COMPRADOR
INTERPRETAÇÃO DA LEI
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I - A aplicabilidade do segmento uniformizador do AUJ n.º 4/2014 redunda numa “extensão” do regime do art. 755.º, n.º l, al. f), do CC, a situações que, à partida e em compaginação com o regime especial insolvencial (cfr. art. 102.º, do CIRE), não se poderiam integrar naquele regime geral, que pressupõe a ocorrência de uma situação de incumprimento definitivo do contrato promessa
II - O âmbito de aplicação do AUJ n.º 4/2014, circunscreve-se às situações em que o credor promitente-comprador não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência (os denominados negócios em curso caracterizados por quanto a eles não se ter verificado incumprimento definitivo antes da declaração da insolvência).
III - A consagração legal dos AUJ nos moldes em que se encontra definida (sem possibilidade de fixarem doutrina com força obrigatória geral) não é violadora do princípio constitucional da separação de poderes, uma vez que não se encontram dotados da característica que determinou a declaração de inconstitucionalidade dos assentos.
IV - As funções cometidas aos tribunais na interpretação da lei, impondo, por vezes, proceder à integração de lacunas tendo em vista a solução do caso concreto e respeitando a proibição de abster-se de julgar, não faz ultrapassar a função jurisdicional por forma a actuarem como legislador.

Texto Integral





Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório

1. Nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de insolvência referente a U... Lda., após suspensão da instância e apresentação pelo Administrador da Insolvência de lista de créditos reconhecidos, foi realizada audiência prévia na qual, para além do mais e para o que neste âmbito assume cabimento, foi determinado o prosseguimento dos autos para apreciação das impugnações de créditos respeitantes aos credores A..., SA; J. F. Miguéns, Lda.; AA; BB; Herdeiros de CC.

2. Após julgamento foi proferida sentença na qual foi decidido:

Julgar procedente a impugnação apresentada pela J. F. Miguéns a fls. 380 a 384 e em consequência reconhece-se a existência do crédito no montante de €145.000,00 na sequência da celebração de um contrato-promessa de compra e venda, bem como a existência do direito de retenção sobre a fracção designada pela letra T;

Julgar improcedente a impugnação apresentada pela Caixa de Aforros de ..., ... e ... (Caixa Nova) no que respeita aos credores AA e BB habilitado por DD, mantendo-se o reconhecimento feito pelo Sr. AI;

Julgar parcialmente procedente a impugnação apresentada por Caixa de Aforros de ..., ... e ... (Caixa Nova) quanto aos herdeiros de CC a quem se reconhece o crédito reconhecido, mas sem qualquer garantia na sequência do invocado direito de retenção;

Julgar improcedente a impugnação apresentada por Caixa de Aforros de ..., ... e ... (Caixa Nova) quanto à credora J. F. Miguéns;

Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a impugnação apresentada pelo credor AA, a fls. 779 e em consequência reconhece-se o crédito no montante de €99.759,58 bem como o direito de retenção sobre a fracção designada pelas letras AD, e improcedente quanto ao valor de €30.000,00 respeitante a obras.

(…)

Graduar os créditos (…) nos seguintes termos:

VERBA 8 – Fracção designada pela Letra H

1. As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto que venha a resultar da exoneração do passivo restante - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;

2. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 2;

3. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 9 e o crédito garantido reconhecido no Apenso I;

4. Do remanescente dar-se-á pagamento, rateadamente, a todos os créditos reconhecidos como comuns, constantes da Lista e das Verificações Ulteriores de Crédito e ainda, o saldo remanescente (não pago) aos credores garantidos pelo produto dos bens sobre os quais recai a sua garantia.

VERBA 19 - Fracção designada pela Letra T

1. As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto que venha a resultar da exoneração do passivo restante - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;

2. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido aqui reconhecido ao credor J. F. Miguéns no montante de €145.000,00 e identificado na Lista com o nº 22;

3. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 9 e o crédito garantido reconhecido no Apenso I;

4. Do remanescente dar-se-á pagamento, rateadamente, a todos os créditos reconhecidos como comuns, constantes da Lista e das Verificações Ulteriores de Crédito e ainda, o saldo remanescente (não pago) aos credores garantidos pelo produto dos bens sobre os quais recai a sua garantia.

VERBA 27 – Fracção designada pelas Letras AD

1. As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto que venha a resultar da exoneração do passivo restante - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;

2. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 25;

3. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 9 e o crédito garantido reconhecido no Apenso I;

4. Do remanescente dar-se-á pagamento, rateadamente, a todos os créditos reconhecidos como comuns, constantes da Lista e das Verificações Ulteriores de Crédito e ainda, o saldo remanescente (não pago) aos credores garantidos pelo produto dos bens sobre os quais recai a sua garantia.

VERBA 77 – Fracção designada pelas Letras CH

1. As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto que venha a resultar da exoneração do passivo restante - art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;

2. Do Remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 9 e o crédito garantido reconhecido no Apenso I;

3. Do remanescente dar-se-á pagamento, rateadamente, a todos os créditos reconhecidos como comuns, constantes da Lista e das Verificações Ulteriores de Crédito e ainda, o saldo remanescente (não pago) aos credores garantidos pelo produto dos bens sobre os quais recai a sua garantia.”.

3. Da sentença apelaram EE e Abanca Corporación Bancária, S.A., Sucursal em Portugal, tendo o tribunal da Relação do Porto proferido acórdão onde foi decidido:

“(…) (i) Julgar improcedente a apelação interposta pelo credor EE;

(ii) Julgar-se parcialmente procedente a apelação interposta pela credora “Abanca Corporación Bancária, Sucursal em Portugal”, em consequência do que se altera a decisão recorrida nos seguintes termos

Relativamente ao produto da venda da verba nº 19 (fracção designada pela Letra T), graduam-se os créditos pela seguinte ordem:

1º. As dívidas da massa insolvente nos termos estabelecidas no art. 172.°, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E.;

2º. Do remanescente dar-se-á pagamento ao crédito garantido indicado na Lista com o nº 9 e o crédito garantido reconhecido no Apenso I;

3º. Do remanescente dar-se-á pagamento, rateadamente, a todos os créditos reconhecidos como comuns, designadamente do crédito reconhecido ao credor “J. F. Miguéns, Ldª” no montante de €145.000,00 e identificado na Lista com o nº 22;

4º. Os créditos subordinados.

(iii) Confirmar no mais a sentença recorrida.”.

4.Inconformada, J. F.Miguens, Lda. vem recorrer de revista visando a revogação do acórdão e a manutenção da sentença. Concluiu nos seguintes termos (transcrição):

A - Pese embora o STJ não conheça da matéria de facto, conhece da matéria de direito que possa ser apreciada decorrente da revogação ou alteração da decisão da matéria de facto; Em concreto, se da decisão de alteração decorrer um vício que afecte a validade da mesma, o STJ tem a necessária competência para proceder a sua alteração;

B- De acordo com o princípios da liberdade de apreciação da prova e da formação da convicção do julgador, não é por ter o julgador formado a sua convicção com base em prova indirecta que deve ser alterada a decisão que este formou sobre a matéria de facto; Para que tal suceda, têm que ser apontadas razões objectivas e das quais resultem razões de certeza das quais decorra o motivo pelo qual era mal fundada, ou enfermava de erro, a decisão proferida sobre a matéria de facto e que foi objecto de revogação;

C- Na decisão em causa, encontram-se insuficientemente fundamentadas as razões que desacreditam a prova indirecta que serviu de base à formação da convicção do julgador, sendo assim nula, por indevidamente e insuficientemente fundamentada, a decisão que alterou a resposta à matéria de facto, e em concreto o ponto 7 da mesma; Razão pela qual, deve ser afastada a alteração e mantida a decisão proferida em primeira instância, dado ser aquela que decorre da imediação na apreciação da prova;

D- Nos presentes autos e como decorre dos documentos juntos, a celebração do contrato promessa teve lugar no distante ano de 2002, antes da entrada em vigor do CIRE- Dec.-Lei 53/2004 de 18 de Março; O incumprimento é do ano de 2005, e a declaração de insolvência e a respectiva reclamação de créditos do ano de 2009, decorrendo dos termos da reclamação que as partes nunca previram ou consideraram sequer a polémica que viria a resultar no Ac. de Fixação de Jurisprudência de 2014;

E- Por tal facto, deveria ter sido aplicada a jurisprudência decorrente do Ac. do TRC de 02.02.2016, acima citado, que decidiu que nas situações como as constantes dos autos, não tem aplicação, por não constar sequer da previsão das partes e da sua decisão em contratar, a questão que veio a ser apreciada no Ac. de Fixação de Jurisprudência de 2014;

F- Pelas razões acima expostas, a interpretação restritiva da norma da al. f) do n.º 1 do Art.º 755 do CPC, não obedece às regras legais que orientam a interpretação restritiva de normas, e nessa medida, a interpretação viola do Art.º 9º do Cód. Civil, sendo ilícita e não comportada na lei;

G- A indicada interpretação restritiva, é na verdade, a criação de uma nova norma, não compreendida na lei anterior, criadora de uma nova e distinta realidade, realizando uma distinção entre sujeitos, ficcionando a existência de uma divisão que não tem sustentação na letra da lei, dado que, a norma da al. f) do n.º 1 do Art.º 755 do CPC recorre a um vocábulo de natureza inclusiva, como sucede com o vocábulo “beneficiário”, palavra em si indistintiva;

H- Afigura-se assim que, do ponto de vista da lei material, a interpretação em causa é ilegal, violadora do Art.º 9º do Cód. Civil; e do ponto de vista da ordem constitucional, também se verifica a ilegalidade da interpretação, dado que, está vedado ao interprete, e por força do princípio da separação dos poderes, criar norma não existente no sistema, na medida em que o poder legislativo se encontra reservado a outros órgãos, que não os tribunais, sendo distinta a função de julgar e a função de legislar;

I- Ao criar uma nova norma, que opera a distinção de uma realidade jurídica, e bem assim, fixa as consequências da mesma, o poder judicial invade a esfera de competência do poder legislativo, e em especial, a esfera de reserva de legislação da Assembleia da República, a quem caberia criar a norma que se pretende estabelecer com o chamado recurso à interpretação restritiva;

J- Assim, a interpretação restritiva do disposto na al. f) do n.º 1 do Art.º 755 do Cód. Civil, afigura-se como inconstitucional, por violação da esfera de reserva legislativa da Assembleia da República;”

5. Abanca Corporación Bancária, S.A., Sucursal em Portugal (Abanca), em contra-alegações, defendeu a inadmissibilidade da revista (por não verificação dos pressupostos exigidos pelo artigo 14.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e a improcedência da mesma.

II – Apreciação do recurso

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC), mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
ü Questão prévia: (in)admissibilidade da revista
1. Da falta de fundamentação da decisão de facto
2. Da (in)aplicabilidade do AUJ n.º 4/2014
3. Da ilegalidade/inconstitucionalidade da interpretação da lei feita pelo referido AUJ

Questão prévia

1. Em causa está o acórdão que revogou parcialmente a sentença proferida no âmbito de incidente de verificação e reclamação de créditos, apenso aos autos de insolvência, incidente que, segundo o entendimento da Recorrida, assumiria aplicação no disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas[1], nos termos do qual “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”; nessa medida e segundo a Recorrida, a presente revista não seria admissível por falta do pressuposto específico de recorribilidade: a oposição de acórdãos.

Tal entendimento ancora-se numa interpretação ampla relativamente ao campo de aplicação do artigo 14.º, n.º1, do CIRE, considerando que o mesmo se estende também aos restantes apensos e incidentes que integram o processo de insolvência.

Trata-se, porém, de posicionamento jurisprudencial, que embora maioritário até sensivelmente ao segundo semestre de 2014, se mostra inflectido, porquanto passou a ser entendimento predominante neste Supremo Tribunal, constituindo orientação constante nesta 6ª Secção, que a irrecorribilidade das decisões das Relações prevista no artigo 14.º, do CIRE, se encontra circunscrita às decisões proferidas no processo principal de insolvência e às respeitantes aos embargos à sentença de declaração de insolvência, excluindo-se as que sejam proferidas em qualquer dos restantes processos/incidentes que constituam apensos daquele[2].

2. Tem-se, pois, como adequado o entendimento de que o regime restritivo previsto no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, assume apenas aplicação relativamente aos recursos de revista interpostos no processo de insolvência, nos incidentes nele processado e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, pelo que, em todos os demais processos e incidentes processados por apenso, os recursos das respectivas decisões neles proferidas se encontram sujeitos ao regime geral.

Por conseguinte, não tendo aplicação o artigo 14.º, n.º1, do CIRE, ao presente caso em que está em causa recurso do acórdão de sentença proferida em processo apenso aos autos de insolvência (cfr. artigo 132.º, do CIRE), são-lhe aplicáveis as regras gerais de verificação das condições de admissibilidade de recurso previstas no Código de Processo Civil (cfr. artigo 17.º, n.º1, do CIRE), que, no caso e tal como reconhece a Recorrida, se encontram presentes, pelo que sendo a revista admissível, nada obsta ao conhecimento do seu objecto.

1. Dos factos

1.1 Provados

O tribunal a quo considerou assente a seguinte factualidade:

Quanto ao credor J. F. Miguéns, Lda.

3. J. F. Miguéns, Lda. celebrou com a insolvente um acordo denominado contrato de empreitada correspondente ao Orçamento ...2 e posteriormente celebrou um aditamento correspondente ao Orçamento nº ...4 e posteriormente ao ano 2005 foram ainda adjudicados os trabalhos das garagens no valor de €45.500,00 acrescido do IVA em vigor.

4. O total dos trabalhos ascendeu a €278.264,13 acrescidos, ainda, de trabalhos no valor de €55.055,00.

5. A credora celebrou com a insolvente um contrato-promessa de compra e venda através do qual aquela prometeu vender-lhe e esta prometeu comprar-lhe a fracção autónoma designada pela letra “T”, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Rua ..., ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50.

6. Que dos trabalhos realizados pela reclamante à insolvente o valor de €145.000,00 o foram a título de sinal para a aquisição de um apartamento objeto do contrato promessa de compra e venda identificado em 5.

7. (corrigida a redacção pelo tribunal da Relação) Desde, pelo menos, o ano de 2006 a credora “J. F. Miguens, Ldª” tinha em seu poder as chaves da fracção autónoma designada pela letra “T”, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Rua ..., ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50.

Quanto ao credor AA

8. O Senhor Administrador de Insolvência reconheceu a AA um crédito no montante de Eur.99.759,58 (noventa e nove mil setecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), bem como o direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AD”, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Rua ..., ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50.

9. Em 27 de Setembro de 2000 o reclamante celebrou com a A..., Limitada (anterior denominação social da insolvente) um contrato promessa de compra e venda através do qual aquele promete comprar-lhe pelo preço de €99.759,58 um apartamento tipo ..., no 3º andar, do bloco ..., uma garagem na cave do mesmo prédio com o numero ..., localizado no Edifício Habitacional já construído, denominado Edifício ..., sito na Rua ..., no Lugar ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da ..., inscrito na matriz predial urbana da ... sobre o nº ...50, descrito na competente Conservatória do registo predial, sobre o nº ...89 e detentor do Alvará de Autorização de Utilização nº ...31, emitido pela Câmara Municipal ... em 19 de Abril de 2007.

10. Junto a esse contrato-promessa de compra e venda foi elaborado um mapa de acabamentos referentes à habitação objeto do contrato prometido.

11. O pagamento identificado em 8. foi realizado através de dois cheques sacados sobre a Caixa Geral de Depósitos, tendo como números ...89 e ...90.

12. AA reclamou junto do Sr. AI o crédito o valor de €229.519,16 correspondente ao sinal em dobro do sinal pago no âmbito do contrato-promessa identificado em 7. e €30.000,00 em obras de acabamento feitas na fracção.

13. Em 30 de Agosto de 2005 a insolvente entregou ao reclamante todas as chaves da fracção que passou a ser a partir dessa data a sua residência.

14. Nessa data o reclamante fez obras na fracção, designadamente obras de alteração e passou aí a residir até aos dias de hoje aos olhos de toda a gente.

15. Em 6 de Julho de 2006 a insolvente outorgou com o reclamante um aditamento ao contrato-promessa no qual mencionam que este é um segundo aditamento, no qual identificam a fracção autónoma designada pelas Letras AD a que corresponde um apartamento do Tipo ..., sito no 3º andar, bloco ..., com uma garagem identificada com o nº 7 sita na cave, bem com a realização da escritura de compra e venda em Julho de 2007.

16. O reclamante requereu a ligação da água, luz e gás e praticou nele todos os actos de posse da sua vida quotidiana à vista de todos, fixando aí a sua residência de forma permanente.

17. Estes actos são praticados pelo reclamante de forma pacífica, pública, contínua à vista de todos e sem a oposição de quem quer que seja.

18. O reclamante por carta registada de 6.3.2009 interpelou o Sr. AI para que reconhecer o seu crédito ou optar pela realização ou não da escritura pública de compra e venda, uma vez que estando a correr o prazo para reclamação de créditos, se nada fosse dito pelo Sr. AI se consideraria o contrato-promessa incumprido definitivamente.

19. O Sr. AI respondeu informando pela não realização da escritura de compra e venda.

Quanto ao credor BB

20. Entre A... Limitada e BB foi celebrado em 28.01.2003, um contrato-promessa de compra e venda de um apartamento tipo ..., no 1º andar, do Bloco ..., com lugar de garagem.

21. Da cláusula quarta consta que na data da celebração do contrato-promessa foi entregue pelo promitente-comprador à promitente vendedora a título de sinal e início de pagamento o valor de €149.639,37, valor que a promitente vendedora deu quitação através de recibo do qual consta que tal montante foi pago através de cheque nº ...21, do Banco Montepio Geral bem como a identificação da fracção.

22. Da cláusula quarta consta ainda que no acto da celebração da escritura o segundo outorgante pagará os restantes €19.951,92, a qual foi paga através do cheque nº...80, também do Banco Montepio Geral entregue à U... Lda. que havia sucedido na responsabilidade contratual da sociedade A... Limitada.

23. A promitente vendedora emitiu, em 4.8.2005, recibo de quitação do valor de €19.951,92 e do qual fez constar U... Lda., com sede na Avenida ..., aqui representada pelos seus sócios gerentes FF e GG, declara que recebeu de BB a quantia de 19.951,92€ através do cheque s/ Banco Montepio Geral, nº ...80, relativo à liquidação da última prestação do apartamento Edifício ..., conforme contrato promessa outorgado a 28 de Janeiro de 2003.

Dando-se nesta data plena quitação da quantia em dívida, nada mais tendo a pagar na data de escritura”.

24. Recebida a totalidade do preço pela insolvente não foi realizada a respetiva escritura de compra e venda, sob a alegação de que não possuía ainda a necessária licença de habitação.

25. O imóvel foi entregue ao promitente-comprador com a entrega das chaves para que o mesmo o passasse a habitar, mobilando-o e nele passou a habitar durante o dia, fazendo nela as suas refeições e recebendo os seus amigos durante o dia, pois como era doente e possuía um quarto da C... preferia lá dormir para maior segurança da saúde.

26. O promitente-comprador cedeu a sua posição contratual no contrato promessa de compra e venda identificado em 20., em março de 2009 a DD (Apenso R).

27. (rectificado pelo tribunal da Relação) Após março de 2009, DD passou a habitar no imóvel, como residência de lazer, nomeadamente aos fins de semana, mantendo-o mobilado e renovando a sua mobília a seu gosto e fornecendo-o de água e de luz.

28. Estes actos de posse por parte de DD sobre o imóvel foram praticados de forma pública, pacífica, de forma continuada, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de que exercia um direito que lhe pertencia.

Quanto ao crédito dos herdeiros de CC

29. CC, celebrou, em 9 de Outubro de 2003, um contrato promessa de compra e venda com a insolvente através do qual esta prometeu vender àquele à fracção autónoma designada pelas letras “CH”, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Rua ..., ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50.

30. A título de sinal e início de pagamento o promitente-comprador entregou à promitente vendedora o valor de €16.210,00.

2. Do direito

2.1 Da falta de fundamentação da matéria de facto

                Defendendo que a alteração à matéria de facto levada a cabo pelo tribunal a quo relativamente à matéria de facto provada constante do ponto n.º 7 não se encontra suficientemente fundamentada[3], a Recorrente vem invocar perante este tribunal a nulidade de tal decisão.

Ainda que não tenha indicado o preceito legal em que alicerça a sua pretensão, a nulidade invocada pela Recorrente assumirá cabimento na alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, sendo que, no caso, tal nulidade não se mostra cometida pelo tribunal a quo, conforme se facilmente se evidencia do teor do aresto.
Com efeito, embora o juiz se encontra adstrito ao dever de fundamentar (de facto e de direito) as decisões que profere, mostra-se pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) conduz à nulidade da decisão, não integrando tal vício uma fundamentação deficiente, que apenas pode merecer cabimento em sede de erro de julgamento.
A nulidade que a Recorrente arguiu reporta-se à decisão do tribunal da Relação que, ao conhecer da impugnação à matéria de facto deduzida pela Apelante Abanca Corporación Bancária, S.A., Sucursal em Portugal (Abanca), alterou a redacção do ponto de facto nº 7 dos factos provados[4], que passou a ter o seguinte teor: “Desde, pelo menos, o ano de 2006 a credora “J. F. Miguens, Ldª” tinha em seu poder as chaves da fração autónoma designada pela letra “T”, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Rua ..., ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50”.

Conforme resulta da leitura do acórdão na seguinte passagem que aqui se deixa transcrita, os fundamentos que alicerçaram tal decisão fáctica foram expressamente enunciados na decisão:

            “Já no que tange à materialidade acolhida no ponto nº 7 dos factos provados, a testemunha HH referiu que se dirigiu por diversas vezes ao “Edifício ...” verificando que na fracção “T” “não vivia lá ninguém” já que a mesma “não estava em condições de ser habitada, por ainda não estar acabada”, adiantando ainda que, embora a “Miguens” tivesse na sua posse a chave da mesma, o seu sócio-gerente somente passou a ocupá-la já após a declaração da insolvência da “U...” Por seu turno, nas declarações de parte que prestou, o legal representante da “Miguens” afiançou que já em 2006 tinha em seu poder as chaves da fracção, ai guardando inclusive algum material para a obra, afirmação que se mostra corroborada pelo auto de entrega junto aos autos, subscrito pela “U...”, com data de 23.12.2006 (no qual se declara que nessa data se “procedeu à entrega da fracção autónoma correspondente ao apartamento tipo ..., Drt-Letra C, sito no R/CH e lugar de garagem a designar, situado no bloco ..., incluindo a correspondente garagem anexa à mesma com o nº 21, assim como a entrega das chaves. Mais declaram que a partir da presente data os consumos de água, luz e despesas de manutenção do apartamento correm por conta da J. F. Miguens que se considera entregue com o auto de entrega”) e bem assim pelos depoimentos prestados por II e JJ.

Assim, se os mencionados elementos de prova apontam no sentido de que efectivamente a “J. F. Miguens, Ldª” tinha em seu poder as chaves da fracção em data anterior à declaração da insolvência da “U...”, já não se nos afigura, contudo, que tenha sido produzida prova consistente de que a mesma estivesse destinada a servir de habitação ao seu sócio-gerente. De facto, neste conspecto, com exceção do que foi por este referido nas declarações de parte que prestou na audiência final (declarações essas que, conforme recorrentemente tem sido sublinhado na casuística, quando desacompanhadas de qualquer outra prova que a sustente, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial que beneficie o declarante), as demais pessoas inquiridas sobre essa matéria (v.g. II e JJ), embora tenham confirmando que aquele tinha em seu poder as chaves da fracção, quanto à utilização que era feita da mesma (designadamente como alegada habitação do filho do sócio-gerente da empresa) prestaram, na essência, depoimentos indirectos porque a fonte de informação é o referido sócio-gerente, aspeto esse que não pode, naturalmente, deixar de relevar na avaliação do seu valor probatório.

Com efeito, os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro consistente meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos.

Assim sendo, atendendo às razões exaradas no acórdão recorrido em termos de justificar a decisão de alterar a matéria de facto constante do ponto n.º7, somos de entender que se mostra plenamente evidenciada a não verificação da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

2.2 Da (in)aplicabilidade do AUJ 4/2014

Constitui objecto da presente revista determinar da natureza do crédito reconhecido à Recorrente J. F. Miguéns, Lda., no valor de 145.000,00, que lhe advém da celebração de contrato-promessa de compra e venda de imóvel (fracção autónoma designada pela letra “T” identificada em 5. dos factos provados) com a U... Lda., posteriormente declarada insolvente.

Assume relevância neste âmbito a seguinte realidade fixada na sentença, que não foi objecto de controvérsia: o contrato-promessa em causa mantinha-se em vigor à data da declaração de insolvência da promitente vendedora.

Trata-se de aspecto crucial (constitui um crédito resultante de contrato promessa celebrado com a Devedora, que se mantinha em vigor ao tempo da declaração de insolvência) porque delimitador do regime jurídico a aplicar.

Vejamos.

Ao invés do decidido na sentença (que considerou o referido crédito garantido por beneficiar de direito de retenção[5]), o acórdão recorrido qualificou tal crédito como comum por entender que, na sequência do AUJ n.º4/2019 (publicado no DR, 1.ª série de 27-07-2019), não foi demonstrado o conceito de consumidor para efeitos de aplicabilidade do AUJ n.º 4/2014, que é um conceito restrito, reportado ao promitente-comprador que destina o imóvel ao uso não profissional.

Insurge-se a Recorrente invocando a inaplicabilidade ao caso do AUJ n.º 4/2014 sustentada na seguinte ordem de argumentos:

- estar em causa nos autos factualidade anterior à polémica subjacente ao referido AUJ;

- mostra-se o AUJ ilegal por violar o artigo 9.º, do Código Civil, criando lei nova sob as vestes de interpretação restritiva do artigo 755.º, n.º1, alínea f), do Código Civil;

- mostra-se o AUJ inconstitucional por violar a esfera da competência de reserva da Assembleia da República.

2.2.1 Conforme já realçado, foi concluído na sentença que a situação dos autos assumia integração na previsão do artigo 102.º, n.º1, do CIRE, porquanto o contrato-promessa em causa consubstanciava um “negócio em curso” porque não fora incumprido definitivamente antes da declaração da insolvência da promitente-vendedora. Esta é, pois, a premissa fáctico-jurídica que sustentou a aplicabilidade do segmento uniformizador do AUJ n.º 4/2014.

Com efeito, quanto à delimitação do âmbito de aplicação do segmento uniformizador do referido AUJ n.º 2014, de 20-03, tem vindo a ser consistentemente decidido neste Supremo Tribunal, que o mesmo se circunscreve às situações em que o credor promitente-comprador não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência[6] pois que, salienta o acórdão desta 6ª Secção, de 11-05-2017, o AUJ 4/2014 fez instituir um regime especial em sede insolvencial, por forma a que apenas os promitentes-compradores consumidores cujo contrato tenha sido resolvido após a declaração de insolvência, pudessem gozar de privilégio em relação à hipoteca, em sede de graduação de créditos.[7]

Na sequência do decidido no acórdão deste tribunal de 11-09-2018 (Processo n.º 25261/11.6T2SNT-D.L1)[8], tal delimitação retira da alçada do AUJ os contratos promessa que se encontrem incumpridos à data da declaração da insolvência uma vez que, nesses casos, não se pode configurar a situação de o administrador da insolvência não os cumprir.

A este respeito, na caracterização do negócio jurídico em curso para efeitos do disposto nos artigos 102.º e seguintes, do CIRE, explicita o supracitado acórdão de 20-07-2016 “Mas importa ir mais longe e questionar quais são estes contratos que o administrador da insolvência não cumpre.

A resposta é dada pelo artigo 102.º do CIRE. Ainda que este não contenha um princípio tão geral como a sua epígrafe sugere e a solução que consagra tenha que ser integrada e completada pelos artigos seguintes – mormente em matéria de contrato-promessa pelo artigo 106.º - o certo é que o regime aí estabelecido é fundamentalmente um regime para contratos em curso ou em fase de execução, em que não há ainda cumprimento total do contrato por qualquer uma das partes. É essa execução que é suspensa e é o cumprimento, que ainda seria exigível ao devedor insolvente que o administrador pode recusar – quer essa recusa seja uma resolução ou antes deva ser concebida como uma reconfiguração contratual.

E daí que a doutrina tenha sublinhado que o regime dos artigos 102.º e seguintes do CIRE não se aplica a contratos que já foram resolvidos anteriormente à data da declaração de insolvência, encontrando-se agora em uma fase de liquidação.

A este respeito observa FERNANDO DE GRAVATO MORAIS que «o incumprimento definitivo (imputável ao promitente-vendedor) da promessa de compra e venda (por exemplo, com a alienação do bem (…) com a recusa séria e categórica em cumprir ou com a resolução ilegítima daquele promitente) que importe a extinção do contrato-promessa antes da declaração de insolvência – no caso de entrega da coisa ao promitente-comprador que sinalizou a promessa – gera a aplicação das regras civilistas» acrescentando que «verificada a insolvência posteriormente á extinção do contrato não cabe aplicar o disposto no art. 106.º, dado que o regime integrado no capítulo IV, referente aos “efeitos sobre os negócios em curso” pressupõe que o cumprimento ainda seja possível».

Também L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS afirma que «se tiver havido resolução do contrato por qualquer uma das partes antes da declaração de insolvência, não estamos perante um negócio em curso no sentido do Capítulo IV do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas»”.       

Reportando-nos à situação sob apreciação, ao invés do que parece pretender a Recorrente (quando afirma, sem justificar, que o incumprimento do contrato-promessa é de 2005 – cfr. D das conclusões das alegações), a questão de saber se o incumprimento definitivo do contrato-promessa em causa ocorreu em data anterior à declaração da insolvência encontra-se neste âmbito ultrapassada.

Por conseguinte, como esteve subjacente à decisão recorrida, não tendo ocorrido incumprimento definitivo do contrato promessa em causa antes da declaração da insolvência, enquanto negócio jurídico em curso, para efeitos do disposto nos artigos 102.º e ss. do CIRE, cabia ter em linha de conta a jurisprudência fixada no AUJ n.º 4/2014[9], de 20/03/2014, mostrando-se, por isso, relevante para o reconhecimento à Recorrente do direito de retenção a circunstância da mesma ser considerada consumidora ao intervir como promitente-compradora no negócio firmado com a sociedade declarada insolvente.    

Na verdade, se é certo que o regime ínsito no artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil, não faz depender o direito de retenção atribuído ao beneficiário da promessa de transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel da circunstância de o mesmo ser um consumidor, importa esclarecer que a aplicabilidade do segmento uniformizador do citado AUJ n.º4/2014 redunda numa “extensão” do regime do citado artigo 755.º, n.º1, alínea f), às situações que, à partida e em compaginação com o regime especial insolvencial (cfr. artigo 102.º, do CIRE), não se poderiam integrar naquele regime geral, que pressupõe a ocorrência de uma situação de incumprimento definitivo do contrato promessa.

Note-se, conforme já sublinhado, que o âmbito de aplicação daquele AUJ reporta-se às situações em que o credor promitente-comprador não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência (negócios em curso caracterizados por, quanto a eles, sublinhe-se, não se ter verificado incumprimento definitivo antes da declaração da insolvência), já que os contratos promessa que se encontrem incumpridos à data da declaração da insolvência (sujeitos ao regime geral do artigo 755.º, n.º1, alínea f), do CC) não podem configurar a situação de o administrador não os cumprir.

É, pois, de acordo com estes parâmetros que importa apreciar a pretensão da Recorrente de lhe ser reconhecido o direito de retenção sobre o seu crédito sob a invocação da ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação feita pelo acórdão recorrido do artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil.

Por conseguinte, carecem de cabimento as observações feitas pela Recorrente em E e F das conclusões das alegações já que, estando em causa uma situação de contrato promessa não cumprido pelo administrador da insolvência (sujeito ao regime especial previsto no artigo 102.º, do CIRE), encontra-se arredada do regime do artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil[10], o qual só assumiria cabimento por lhe poder ser extensivo levando em conta o AUJ n.º4/2004.

2.2.2 A Recorrente invoca ainda o decidido no acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2016, proferido no Processo n.º 1516/14.7TBCLD-B.C1, para sustentar que, no caso, não lhe pode ser exigida a demonstração da qualidade de consumidor para ver garantido o seu crédito por direito de retenção, nos termos do artigo 755.º, n.º1, alínea f), do Código Civil.

Alega nesse sentido que a polémica subjacente ao conflito jurisprudencial que determinou a prolação do referido AUJ não se encontrava na previsão das partes (quer quando da celebração do contrato promessa, quer quando da insolvência e, bem assim, quando da apresentação das reclamações de créditos e respectivas impugnações); daí a sua inaplicabilidade.

Carece, porém, de razão porquanto o posicionamento que invoca não tem em conta a natureza e valor dos AUJs (embora não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.[11]) e a diferente realidade fáctico-jurídica apreciada nos autos n.º 1516/14 (que levou a que fosse concluído ocorrerem razões ponderosas para concluir pelo necessário afastamento do entendimento constante do citado AUJ caso se considerasse o mesmo aplicável às reclamações de créditos formuladas no âmbito de um processo de falência ao abrigo do CPEREF).  

Com efeito, ao invés do que acontece no caso sob apreciação, naquele processo (ainda que também estivesse em causa contrato-promessa de natureza obrigacional com tradição da coisa prometida vender, que não foi cumprido por força da falência), como salienta o citado aresto, as reclamações de créditos reportavam-se a 1996, no âmbito de um processo de falência e ao abrigo do CPEREF[12].

De resto e conforme realça a Recorrida nas contra-alegações, ainda que no caso dos autos as reclamações de créditos tenham sido apresentadas em 2009, não pode ser descurado o facto de o despacho saneador ter sido proferido em 2018, dando assim possibilidade à Recorrente de indicar prova que permitisse demonstrar estar preenchido o conceito de consumidor.

           

2.3 Da ilegalidade/inconstitucionalidade da interpretação da lei feita pelo referido AUJ

Defende a Recorrente (cfr. conclusões F a J) que o acórdão recorrido, ao aderir à jurisprudência objecto de uniformização no AUJ n.º 4/2014 e no AUJ n.º 4/2019, restringindo a titularidade do direito de retenção fundado no incumprimento de um contrato-promessa ao consumidor, constitui uma interpretação ilegal do artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do CC, por violar o artigo 9.º, do Código Civil, infringindo o princípio da separação de poderes consagrado nos artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), uma vez que os referidos AUJs, bem como o acórdão recorrido, não procederam à interpretação da lei (escolhendo um de entre os vários sentidos possíveis), mas ao fazerem uma interpretação restritiva da alínea f) do n.º1 do artigo 755.º do Código Civil, criaram uma lei nova

A argumentação da Recorrente foi objecto de apreciação no acórdão deste tribunal de 10-11-2020[13], proferido âmbito do Processo n.º 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1 (acessível através das Bases Documentais do ITIJ) justificando, por isso, que aqui se reproduza o que a esse propósito foi então ponderado.

(…) a revogação do instituto dos assentos e a sua substituição progressiva pelo recurso ampliado de revista e pelo recurso para uniformização de jurisprudência (consagrados nos artigos 686.º e 688.º, do CPC) esvaziou as questões de constitucionalidade que então se suscitavam a propósito dos assentos e que justificaram a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 2.º, do CC[14] (…) e que, ulteriormente, conduziram à sua revogação pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12.

(…) Tendo a lei expressamente posto termo à existência do instituto dos assentos com a caracterização que lhes foi atribuída de terem força obrigatória geral e de serem irrevogáveis, e não tendo os actuais recursos para o STJ que visam a uniformização de jurisprudência (recurso ampliado de revista e recurso para uniformização de jurisprudência) nenhuma destas características, desde logo por constituírem mero precedente qualificado, de carácter persuasivo, e havendo sempre a possibilidade de serem revogados (cfr. artigos 687.º, n.º 2, e 695.º, n.º 1, do CPC), encontra-se esvaziada a questão de inconstitucionalidade no que se refere à actividade do STJ na uniformização de jurisprudência (cfr. artigo 53.º, alínea c), da Lei de Organização do Sistema Judiciário - LOSJ), designadamente, por violação do princípio da separação de poderes.

Com efeito, refere Pinto Furtado, “Esta uniformização já não será inconstitucional, pois o agora acórdão uniformizador nem é irrevogável nem sequer faz “doutrina com força obrigatória geral”, como se declarava no art. 2.º do CC, para os assentos, mas apenas se impõe aos tribunais pelo prestígio e valor de convencimento tirado por (…) o Pleno das secções cíveis” - J. Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil, Quid Juris, p. 121.

Aliás, realce-se, a orientação seguida pelo Tribunal Constitucional (no sentido de que a atribuição de força obrigatória geral à actividade interpretativa do STJ constituía uma invasão da reserva de competência do poder legislativo) deixou em aberto a possibilidade de o legislador ordinário manter o instituto dos assentos desde que a obrigatoriedade da doutrina se circunscrevesse aos tribunais judiciais - cfr. Abrantes Geraldes, Uniformização da Jurisprudência Cível, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, volume I, Coimbra Editora, p. 620, criticando a erradicação absoluta dos assentos por parte do legislador.

Neste sentido, ainda na vigência do artigo. 2.º do CC, foi decidido por aquele Tribunal no Acórdão n.º 1197/96, que “os assentos, entendidos como "jurisprudência qualificada" que obrigue os juízes e os tribunais hierarquicamente subordinados àquele que os tenha emitido, e não já os tribunais das outras ordens nem a comunidade em geral, não são inconstitucionais.”- http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19961197.html

Assim, necessariamente, por maioria de razão, no que se refere aos actuais acórdãos uniformizadores de jurisprudência, não tendo estes as características que determinaram a declaração de inconstitucionalidade dos assentos (possibilidade de fixarem doutrina com força obrigatória geral), a sua consagração legal não é violadora do princípio constitucional da separação de poderes, constituindo, ao invés, um importante instrumento de uniformização de jurisprudência, favorecedor de uma maior igualdade e certeza jurídica.

Conforme se mostra ressalvado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 743/96 “A Constituição não proíbe o legislador de estabelecer institutos adequados à uniformização da jurisprudência - era essa a primeira e essencial vocação dos assentos -, mas veda-lhe seguramente a criação de instrumentos ali não previstos, que, com eficácia externa (e, por maioria de razão, com força obrigatória geral), interpretem, integrem, modifiquem, suspendam ou revoguem normas legais”, o que, no actual quadro legal relativo aos acórdãos uniformizadores manifestamente não sucede por não terem tal eficácia obrigatória geral.

Por conseguinte, a argumentação expendida pelos Recorrentes no sentido do acórdão recorrido, na esteira dos AUJs n.ºs 4/2014 e 4/2019, violar a Constituição por afrontar o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 101.º da CRP, carece de fundamento na medida em que a actividade reservada pela lei ao STJ de proceder à uniformização de jurisprudência nos moldes em que esta é actualmente exercida, não pode ser entendida como uma actividade normativa.

            (…) A Constituição consagra no artigo 111.º o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania o qual tem por objecto a “divisão” ou separação das funções do Estado e a sua ordenação e distribuição por vários órgãos de soberania.

Este princípio tem sido descrito como tendo três graus de concretização: divisão funcional, divisão orgânica e divisão pessoal, relevando, nesta sede, apenas o primeiro grau por se referir à diferenciação funcional entre os órgãos de soberania, isto é, à separação e individualização das funções fundamentais do poder político pelos órgãos de soberania (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª Edição revista, Coimbra Editora, pp 496-497).

Uma vez que a Constituição consagra uma estrutura orgânica funcionalmente adequada, deduz-se que os órgãos especialmente qualificados para o exercício de certas funções não podem praticar actos que materialmente se aproximam ou são mesmo característicos de outras funções e da competência de outros órgãos, falando-se a esse propósito de um núcleo essencial caracterizador do princípio da separação e absolutamente protegido pela Constituição.

Assim, “a nenhum órgão podem ser atribuídas funções das quais resulte o esvaziamento das funções materiais especialmente atribuídas a outros, exigindo-se pois através do princípio da separação a correspondência entre o órgão e função, só admitindo excepções quando não for sacrificado o seu núcleo essencial ( cfr. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª edição, Almedina, pág. 553).

Sendo atribuída aos tribunais, enquanto órgãos de soberania, competência para administrar a justiça em nome do povo, e à Assembleia da República e ao Governo a função de legislar nos termos e condições previstas na Lei Fundamental (cfr. artigos 110.º, 161.º, 198.º e 202.º, n.º 1, da CRP), é claro que, por efeito do mencionado princípio da separação, não compete aos órgãos jurisdicionais criar normas.

No entanto, na sua tarefa de aplicação da lei os tribunais têm forçosamente de interpretar a lei e, por vezes, inclusive, de proceder à integração de lacunas tendo em vista a solução do caso concreto e respeitando a proibição de abster-se de julgar (cfr. artigos 8.º, 9.º e 10.º, todos do CC), sem que o exercício dessas funções implique, de algum modo, a afectação do núcleo essencial das funções atribuídas a outros órgãos de soberania, nomeadamente daqueles a quem é atribuída competência legislativa.

Conforme refere Francisco Ferrara: “o juiz (…) está submetido às leis, decide como a lei ordena, é o executor e não o criador do direito. A sua função específica consiste na aplicação do direito” (In, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido pelo Prof. Manuel de Andrade, 2.ª Edição, Arménio Amado Editor, Sucessor, p. 6, na qual se pode ler igualmente:, “o juiz é o intermediário entre a norma e a vida: é o instrumento vivo que transforma a regulamentação típica imposta pelo legislador na regulamentação individual das relações dos particulares: que traduz o comando abstracto no comando concreto entre as partes, formulado na sentença. O juiz é a viva vox iuris”.).

A respeito da interpretação da lei têm sido ao longo do tempo debatidas inúmeras teorias, constituindo precisamente uma das críticas a determinados métodos propostos pelos cultores do direito, como sejam os métodos histórico-evolutivo e positivo ou teleológico, a circunstância de, conforme referia o Prof. Cabral de Moncada, destes métodos transformarem o juiz em legislador uma vez que “com efeito, é sempre ele, em última análise, a ser o árbitro de todas as interpretações da lei e portanto de todas as situações jurídicas a que ela se aplica, regulando a seu bel-prazer todas as contestações judiciais”- (Citado por Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Arménio Amado, Editor, Sucessor, pp. 61-62). .

Nessa medida, a crítica subjacente à alegação dos Recorrentes de que a interpretação de determinada norma feita pelos tribunais (no caso, quanto à titularidade do direito de retenção) consubstancia uma violação do princípio da separação, apenas poderia assumir pertinência de maior relevo na tarefa de integração de lacunas (em que o juiz na ausência de casos análogos pode resolver o a situação de acordo com a norma que o próprio intérprete criaria – cfr. artigo 10.º, n.º 3, do CC); não, nas situações de interpretação (mesmo extensiva) em que não se suscitam tantas dúvidas quanto à não afectação da distribuição funcional de competências face ao poder legislativo.

Em todo o caso, mesmo que houvesse esse risco, não impondo a nossa lei qualquer método ou corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, e uma vez que se limita a consagrar princípios que combatem os excessos dos autores objectivistas e subjectivistas , impondo como limite à interpretação um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sempre se terá de concluir que a interpretação feita pelo julgador ao abrigo dos parâmetros consagrados no artigo 9.º, do CC, não o faz ultrapassar a função jurisdicional por forma a actuar como legislador – (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, págs. 58 e 59).

De resto, “a independência dos tribunais compreende a autonomia na interpretação do direito”, sendo apenas problemáticas aquelas situações, como ocorre(ria) com os antigos assentos, em que exista uma vinculação pelos tribunais por interpretações heterónomas, quando dotadas de força geral e abstracta – (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª Edição revista, Coimbra Editora, p. 795).

Ora, no caso do acórdão recorrido, a interpretação das normas, designadamente do artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do CC, mostra-se reconduzida ao caso concreto e sem qualquer efeito geral ou abstracto, ainda que corroborando e apoiando-se na doutrina de acórdãos uniformizadores de jurisprudência (e não assentos), que não dispõem de força obrigatória.

Nesse sentido, não pode deixar de se concluir que a interpretação levada a cabo não é violadora do princípio da separação de poderes.

Refira-se quanto à possibilidade de controlo de constitucionalidade da tarefa interpretativa do julgador, que o Tribunal Constitucional tem entendido que, em matéria que não envolva questões de natureza criminal ou fiscal, “não pode o TC verificar se a interpretação normativa questionada ultrapassa o sentido possível das palavras da lei, sob pena de se converter em última instância de recurso, não apenas em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da Constituição), mas na fixação do próprio sentido decisivo da lei, o que lhe está claramente vedado, enquanto órgão a quem apenas compete fiscalizar a conformidade constitucional das normas de direito ordinário, resultem elas diretamente da lei ou de certa interpretação da lei.” (cfr. Acórdão n.º 610/2016, e demais jurisprudência aí citada, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160610.html).

Este foi, designadamente, o entendimento seguido por aquele Tribunal no Acórdão 398/2019 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190398.html) ao referir:

“No tocante à invocada violação dos princípio da separação de poderes e da segurança jurídica, fundada na alegada circunstância de o tribunal a quo ter criado uma norma nova, adotando uma interpretação sem correspondência mínima na literalidade da lei, salienta-se que a questão que, verdadeiramente, se coloca é de legalidade e não de inconstitucionalidade direta, não estando, nessa dimensão de legalidade, incluída na competência do Tribunal Constitucional, por não caber a este Tribunal “resolver divergências jurídicas ou jurisprudenciais ocorridas a propósito dos preceitos de direito ordinário, decidindo acerca da sua adequação e conformidade aos princípios interpretativos vigentes no sistema jurídico (C. Lopes do Rego, “Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Almedina, 2010, p. 38)”.

Acrescentando que “no âmbito do direito civil em que se localiza a norma em apreciação, não existe um parâmetro de constitucionalidade que imponha específicas limitações em matéria de interpretação ou integração. Não nos encontramos perante um domínio constitucionalmente coberto pelo princípio da legalidade – como seria o penal ou fiscal – que imponha a satisfação de especiais exigências de certeza e segurança jurídica. Assim, não se vislumbra a violação de qualquer princípio ou norma constitucional”.

Por conseguinte, ao invés do afirmado pelos Recorrentes, a interpretação dada pelo acórdão recorrido do disposto no artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do CC, no sentido de o direito de retenção, em sede de processo de insolvência e para efeitos de graduação de créditos, apenas ser reconhecido ao consumidor, conforme o tem interpretado a jurisprudência do Supremo, não constitui uma violação do princípio da separação de poderes, por não se verificar qualquer ofensa da distribuição funcional das competências dos órgãos de soberania, sendo que, sublinhe-se, se mostra subtraída da competência do Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade de interpretações feitas pelos tribunais relativamente a preceitos de direito ordinário, mormente, em matéria cível”.

Improcedem, pois, na totalidade, as conclusões das alegações.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

           
Lisboa, 30 de Novembro de 2021

Graça Amaral (Relatora)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Costa

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

_________________________________________________


[1] Doravante CIRE.
[2] Entre outros, acórdãos de 18-10-2016, Processo n.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1 - 6.ª Secção, de 22-11-2016, Processo n.º 1495/12.5TBSTS-F.P1.S1 - 6.ª Secção, a cujos sumários se pode aceder através de www.stj.pt.

[3] Por, no seu entender, o tribunal da Relação não ter justificado a não consideração da prova indirecta em que assentou o juízo probatório da decisão fáctica da 1ª instância decorrente da imediação da prova.
[4] A 1.ª instância havia dado como provado que: “A credora teve a posse da fração objeto de um contrato-promessa de compra e venda, designadamente da fracção autónoma designada pela letra “T”, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Rua ..., ... e Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...50, nele habitando, usando a fracção para habitação.”
[5] Por aplicação do segmento uniformizador do AUJ n.º 4/2014, de 20-03 e por ter sido feita a prova da sua qualidade de consumidora (não obstante se tratar de uma pessoa coletiva foi demonstrada a ocupação para fins privados).
[6] Cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 20-07-2016, Processo n.º 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1.
[7] Processo n.º 1308/10.2T2AVR-R.P1.S1, a cujo sumário se pode aceder através de https://www.stj.pt/?page_id=4471.
[8] Acórdão em que tiveram intervenção a aqui relatora e a Exma. Conselheira 1.ª adjunta.

[9] Que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, n.1, alínea f) do Código Civil».  
[10] Regime que pressupõe o incumprimento ilícito do contrato-promessa, que no caso não ocorreu.
[11] Acórdão do STJ de 12-05-2016, Processo n.º 982/10.4TBPTL.G1-A.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.

[12] Lê-se no referido acórdão “Importa notar que tal Acórdão foi proferido em 2014 e as reclamações de créditos aqui em causa foram formuladas em 1996 (18 anos antes).

Ora, ainda que – como nota o Ac. do STJ de 17/11/2015[4] – a doutrina daquele Acórdão seja aplicável imediatamente a qualquer processo, já que aquilo que está em causa é apenas a interpretação da lei, a verdade é que, ao tempo em que foram formuladas as reclamações, nada fazia prever que o direito de retenção que os credores reclamavam exigisse a alegação e prova da sua qualidade de consumidor (e, certamente por isso, nada alegaram no sentido de o demonstrar)”.
[13] Por nós relatado e integrando o colectivo a Exma. Senhora Conselheira aqui 1.ª adjunta.
[14] Acórdão n.º743/96 (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).