ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ANULAÇÃO DO PROCESSADO
CREDOR
SENTENÇA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
OFENSA DO CASO JULGADO
Sumário


Tendo a Relação decidido julgar procedente a arguição de nulidade suscitada por um credor por efeito da omissão do aviso a que alude o n.º 4 do art. 129.º do CIRE, com a consequente anulação do processado, tal decisão não ofende qualquer caso julgado imposto pela sentença que graduou entretanto os créditos.

Texto Integral




Processo n.º 4292/18.0T8VNF-A.G2.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Guimarães

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Na sequência da declaração de insolvência de AA (sentença de 14 de julho de 2020, proferida pelo Juízo de Comércio ...), apresentou-se o Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP, ao abrigo do artº 128. do CIRE, a reclamar créditos, entre estes o de 429.394,00€ (acrescendo juros vincendos), emergente (responsabilidade subsidiária) de contribuições e juros de mora vencidos da responsabilidade direta da sociedade D..., Lda.

Referiu para o efeito, e além do mais, que (artigo 9.º da reclamação) “Para garantia de pagamento desta dívida de reversão da sociedade D..., Lda., foi constituída uma hipoteca legal, sobre a fração autónoma descrita em Livro na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...10..., da freguesia ..., ..., da titularidade do devedor, registada pela apresentação ...36, de 201/05/08, conforme melhor se constata através de cópia da certidão de teor do prédio que se junta e se dá por integralmente reproduzida sob documento nº ... para os devidos efeitos legais”, conquanto também tenha afirmado (artigo 16.º) que “O crédito do ora reclamante, no montante global de capital e juros, não está subordinado a qualquer condição, tanto suspensiva como resolutiva, nem beneficia de qualquer garantia real”.

Tal crédito foi levado pela Administradora da Insolvência à lista de créditos reconhecidos, com a natureza de crédito comum.

Veio depois a ser proferida sentença (7 de fevereiro de 2021) que julgou reconhecido tal crédito e o graduou como comum.

Notificado da sentença, apresentou o referido Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP requerimento (16 de fevereiro de 2021) com o seguinte teor:

“1º A douta sentença proferida julgou verificados os créditos reconhecidos pela Sra. Administradora de Insolvência, através da homologação da respetiva lista oportunamente junta aos autos.

2º Porém, a lista prevista no artigo 129.º do CIRE não foi, como devia ter sido, notificada ao aqui credor em momento algum, nem por email nem por notificação eletrónica, isto apesar de, o aqui exponente, ter oportunamente reclamado os seus créditos em 30.07.2020, por submissão em citius como “comunicação com Administrador Judicial”, que se anexa e se dá integralmente como reproduzida sob documento n.º ....

3º Por isso, não teve o credor a possibilidade de exercer o direito de impugnação que lhe assiste, nos termos do artigo 130.º, n.º 1 do CIRE, por verificar que parte do seu crédito não foi reconhecido tal como foi reclamado, ou seja, como crédito de natureza garantida.

4º De facto, parte do crédito reclamado, precisamente o valor de 429.394,00€ (quatrocentos e vinte e nove mil, trezentos e noventa e quatro euros), encontra-se garantido pela constituição de uma hipoteca legal sobre a fração autónoma descrita em Livro na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...10..., da freguesia ..., ..., da titularidade do devedor, registada pela apresentação ...36, de 2015/05/08, conforme melhor se poderá constatar através de cópia da certidão de teor do prédio que se encontra junta à reclamação de créditos, que se anexa para os devidos efeitos legais.

5º E, pese embora esta garantia tenha sido oportunamente invocada em sede de reclamação de créditos, certo é que a Sra. Administradora de Insolvência não a considerou, não tendo relacionado o crédito no valor total de 429.394,00€ (quatrocentos e vinte e nove mil, trezentos e noventa e quatro euros) como efectivamente garantido.

6º Ora, com o devido respeito, que é muito, pelo entendimento da Sra. Administradora de Insolvência, não pode o impugnante concordar, nem admitir, que parte do seu crédito não seja relacionado como garantido.

7º Pelo que, terá a Sra. Administradora de Insolvência de admitir e reconhecer como crédito garantido, tal como o impugnante o apresentou na sua reclamação de créditos, o débito total de contribuições e de juros de mora, vencidos e vincendos, no valor global de 429.394,00€ (quatrocentos e vinte e nove mil, trezentos e noventa e quatro euros), o que desde já se requer.

8º E, não tendo sido notificado da relação definitiva de créditos, por razões que desconhece, que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas, e só tendo tido agora, com a sentença de verificação e graduação de créditos, conhecimento da mesma, deverá ser este requerimento recebido como impugnação expressa àquela lista, com fundamento na incorreta qualificação e reconhecimento do seu crédito de natureza garantida como comum.

9º Mais se requer que, em conformidade, e logo que o lapso seja corrigido pela Sra. Administradora de Insolvência, seja a sentença a quo retificada, homologada a lista a corrigir e concedida prioridade de pagamento aos créditos hipotecários reclamados pela Segurança Social sobre os demais créditos, pelo produto da venda do referido imóvel apreendido, observando-se, evidentemente, a preferência resultante do registo.

Termos em que, se requer a V. Exa.:

a. Se digne suprir a omissão referida, a de falta de notificação da lista de créditos reconhecidos, e subsequente tramitação processual, considerando tempestiva e procedente a presente impugnação de créditos, reconhecendo como garantido o crédito no valor global de 429.394,00€ (quatrocentos e vinte e nove mil, trezentos e noventa e quatro euros), do ora impugnante, tal como consta da sua reclamação de créditos;

b. E, seguidamente, se digne retificar a sentença proferida, reconhecendo e graduando o crédito reclamado pela Segurança Social com preferência hipotecária face aos demais, com as legais e devidas consequências, nomeadamente em sede de preferência no pagamento.”

Sobre este requerimento incidiu despacho (18 de março de 2021) que julgou improcedente a invocada nulidade por omissão de procedimento e indeferiu a reclamação à sentença.

Contra o assim decidido apelou o Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP.

A Relação de Guimarães decidiu, com trânsito em julgado, “anular o despacho recorrido (de 18-03-2021), determinando-se que o tribunal a quo profira – se outro obstáculo não existir – um novo em que discrimine (e fundamente) os factos que considerar relevantes e julgar como provados e especifique os fundamentos de direito em seu juízo justificativos da decisão.”

Regressando o processo à 1ª Instância, foi ali proferida nova decisão (2 de julho de 2021) que de igual forma julgou improcedente a nulidade invocada e indeferiu a reclamação à sentença.

O Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP interpôs então apelação contra tal decisão.

Fê-lo com êxito, pois que a Relação de Guimarães decidiu revogar o despacho recorrido, determinando que fosse este substituído por outro a ordenar a notificação do Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP nos termos e para os efeitos do art. 129.º, n.º 4 do CIRE, seguindo depois os autos como for de direito.

Insatisfeito com este desfecho decisório, recorre de revista o Credor (hipotecário) BB.

Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões:

1ª. O presente recurso tem por objeto o douto acórdão, proferido em sede de recurso de apelação, em que “acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação revogam a decisão recorrida e, julgando procedente a arguição de nulidade, determinam que, em 1.ª instância, aquela seja substituída por outra que ordene a notificação do apelante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129.º, n.º 4 do CIRE, e que, depois, os autos prossigam como for de direito”.

2ª. Contudo, o Recorrente não se conforma, nem pode conformar, com tal decisão.

3ª. O Tribunal da Relação, não obstante ter apreciado uma série de questões que lhe foram submetidas, olvidou de se pronunciar quanto à questão, que lhe foi trazida pelo ora Recorrente em sede de contra-alegações, da extemporaneidade da atuação do credor C..., I.P.

I. Da nulidade por omissão de pronúncia

4ª. O douto Tribunal da Relação de Guimarães, que merece todo o nosso respeito, desconsiderou grande parte do argumentário trazido à liça pelo credor ora Recorrente, BB, em sede de contra-alegações. Já aquele que mereceu breves notas no aresto proferido, foi abordado “en passant”, de forma superficial, carecendo do rigor que se impõe e, por isso, se espera de uma decisão judicial.

5ª. Ali, deixou o Recorrente a descoberto a reiterada a atuação do credor C..., I.P., de, por forma a contornar o facto de há muito se ter precludido o seu direito de recorrer da sentença de verificação e graduação de créditos, se servir de um pretenso recurso de decisão subsequente, para, na verdade, visar aquela e até mesmo sindicar a atuação da senhora AI a montante.

6ª. A verdade é que tal sentença havia já transitado em julgado, pelo que, não era mais suscetível de ser substituída ou modificada.

7ª. Contudo, certamente por lapso, não se pronunciou o Tribunal da Relação de Guimarães sobre este tema.

8ª. No entanto, e ainda que por lapso, é intolerável que tal tenha sucedido, pelo que, tratando-se de uma questão que assume particular relevância para a boa decisão da causa, não pode o credor ora Recorrente deixar tal omissão passar em claro.

9ª. Ora, em ordem ao previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, ambos do CPC, tal inação é causa de nulidade do acórdão.

10ª. Nulidade que, desde já, expressamente se invoca.

11ª. Verificada tal nulidade, dever-se-á, de acordo com o n.º 2 do artigo 684.º do CPC, ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, com vista ao respetivo suprimento.

II. Da oposição entre o acórdão de que se recorre e a jurisprudência

12ª. Em face do que supra se disse, ao ignorar o douto Tribunal da Relação tal questão que lhe foi submetida pelo credor ora Recorrente, proferindo a decisão de invalidar atos praticados em momento prévio à proferida sentença de verificação e graduação de créditos, ao determinar a substituição daqueles, o que poderá levar à modificação da referida sentença já transitada em julgado, está aquele a violar o princípio da intangibilidade do caso julgado.

13ª. Princípio transversal a todas as áreas do direito.

14ª. Ora, na jurisprudência são inúmeras as decisões que versam sobre tal princípio, sobre o trânsito em julgado, sobre os princípios estruturantes que em seu torno orbitam, como sejam o da preclusão ou da estabilidade da instância.

15ª. Convoque-se, a título de exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-10-15, processo n.º 231514/11.3YIPRT.C1, o aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, 16-03-2021, Processo n.º3356/18.5T8BRR-C.L1-5, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-03-2016, Processo n.º 114/13.7TBTMR-B.E1, ou o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 20-12-1989, Processo n.º 040562.

16ª. No caso em concreto, não tendo sido apresentado, no prazo consagrado para o efeito, qualquer recurso, a sentença de verificação e graduação de créditos transitou em julgado. Ou seja, não deveria ser suscetível de impugnação por meio de recurso ordinário.

17ª. Contudo, não obstante a força obrigatória adquirida por aquela sentença com o trânsito em julgado, o credor C..., I.P., pela via comum do recurso de apelação, bem para lá da data referida, apresentou, em momentos distintos, dois recursos que, como se disse, tinham como fito atacar aquela.

18ª. Ora, o Tribunal da Relação de Guimarães não só não se recusou a apreciar as alegações apresentadas por aquele credor, como acabou por proferir decisão que poderá, a final, conduzir a uma modificação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

19ª. Fê-lo, sem margem para dúvidas, ao atropelo da lei, de princípios enformadores do direito e, por consequência, da jurisprudência dominante, senão unânime.

20ª. Dito isto, e uma vez deixado claro que o Tribunal da Relação desconsiderou o basilar princípio da intangibilidade do caso julgado, apreciando decisão já estabilizada em virtude do trânsito em julgado, e, como isso, entrando em oposição com acórdãos vários das relações e do Supremo Tribunal de Justiça – deu-se os exemplos daqueles dois arestos do Tribunal da Relação de Coimbra e do Tribunal da Relação de Lisboa –, que, no domínio da mesma legislação, decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito – a possibilidade de recorrer de decisão já transitada em julgado –, deverá o douto Supremo Tribunal de Justiça revogar a decisão recorrida, substituindo-o por outra que decrete a inadmissibilidade do recurso apresentado pelo credor C..., I.P., por extemporâneo, mantendo-se, por isso, a decisão proferida em 1.ª Instância.

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Não se mostra oferecida qualquer contra-alegação.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

Plano factual

Os factos processuais que importam á decisão do presente recurso são aqueles que estão acima relatados, e que aqui se dão por reproduzidos.

Plano jurídico

Sustenta o Recorrente (a esta matéria se referem as conclusões 12ª e seguintes) que a sentença que julgou reconhecido o crédito aqui em causa e o graduou como comum havia transitado em julgado, razão pela qual não podia depois o acórdão ora recorrido ter decidido de forma a neutralizá-la (a sentença “não era mais suscetível de ser substituída ou modificada”; “não deveria ser suscetível de impugnação por meio de recurso ordinário”, está aquele a violar o princípio da intangibilidade do caso julgado”).

Pretende, assim, que, ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado.

Mas o ponto de vista do Recorrente não pode ser subscrito.

É verdade que a dita sentença não foi objeto de recurso por parte do Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP, mas menos verdade não é que a sua neutralização (anulação ou, na expressão do acórdão recorrido, revogação) é a consequência lógica da nulidade de procedimento (extrajudicial) a que o acórdão recorrido deu procedência.

Efetivamente, o Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP, notificado da sentença e constatando que o crédito em causa tinha sido graduado em função de um reconhecimento (como crédito comum) feito pela Administradora da Insolvência na lista respetiva em termos diversos dos da reclamação que deduzira (crédito garantido por hipoteca), e para o que não fora avisado nos termos do n.º 4 do art. 129.º do CIRE, apresentou-se, dentro do prazo legal de 10 dias, a arguir tal omissão e a impugnar desde logo a lista de credores. A omissão em questão situou-se, pois, a montante da sentença, de sorte que a procedência da correspetiva nulidade de procedimento tinha como inevitável consequência a anulação dos atos processuais subsequentes (art. 195.º, n.º 2 do CPCivil, ex vi do art. 17.º do CIRE), entre estes a sentença que graduou os créditos.

O que significa que, contrariamente ao que defende o Recorrente, esta sentença jamais se estabilizou, jamais transitou em julgado.

Daqui que nenhuma ofensa ao caso julgado se mostra praticada.

Do mesmo passo que não há que falar em preclusão do direito do Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP a arguir a dita nulidade de procedimento, nem de qualquer extemporaneidade impeditiva do exercício desse direito.

Mais diz o Recorrente (a esta matéria se referem as conclusões 14ª e 15ª) que há oposição entre o acórdão recorrido “e a jurisprudência”, citando depois, “a título de exemplo”, três acórdãos da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça. Na sua visão tais acórdãos “no domínio da mesma legislação, decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito – a possibilidade de recorrer de decisão já transitada em julgado”.

Mas é por demais óbvio que a dita oposição inexiste por completo.

O que se decidiu no invocado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-10-15, (processo n.º 231514/11.3YIPRT.C1, publicado em www.dgsi.pt) foi que (transcreve-se o sumário): “I – O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art.º 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu. II - Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º. III - Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito), hipótese que valeria para o caso dos autos segundo a alegação da apelante.”

E o que se decidiu no invocado acórdão da Relação de Lisboa de 16-03-2021 (Processo n.º 3356/18.5T8BRR-C.L1-5, disponível em www.dgsi.pt) foi que (transcreve-se o sumário): “- Se o recurso é intempestivo, conforme fora declarado por decisão transitada em julgado, também a nulidade nele invocada é necessariamente intempestiva. - O trânsito em julgado da sentença torna a mesma e o respectivo processado que a gerou firme, imutável e definitivo, insusceptível de modificação pela via de qualquer requerimento ou recurso ordinário, em prol do princípio da certeza e segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, ou seja, tendo a sentença adquirido força obrigatória com o trânsito em julgado, só poderá a mesma ser questionada pela via extraordinária do recurso de revisão e no plano dos apertados e taxativos limites da respectiva admissibilidade.”

Ora, sendo tudo isto inteiramente exato, nada disso contende com o que está em questão no caso vertente, que é simplesmente o efeito da anulação do processado em consequência da procedência de arguição de uma nulidade de procedimento. Anulação essa que, precisamente ao invés do que pretende o Recorrente, impediu que a sentença de graduação dos créditos tenha transitado em julgado.

O que se decidiu no invocado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-12-1989 (Processo n.º 040562, como sumário em www.dgsi.pt) nada tem a ver com o que aqui estamos a discutir. Basta ler o respetivo sumário: “I - O prazo de recurso é de 10 dias após a notificação da decisão. Só pode ultrapassar este prazo legal quem provar que para tal tem motivo de justo impedimento. II - O recurso extemporâneo, ou seja, interposto fora do prazo legal tem como consequência o S.T.J. dele não tomar conhecimento.”

O mesmo se diga do invocado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-03-2016 (Processo n.º 114/13.7TBTMR-B.E1, disponível em www.dgsi.pt). Também aqui basta ler o respetivo sumário: “1. Se a autora, aqui recorrente, pretende impugnar a matéria de facto, mas não cumpre o ónus que lhe é imposto pelo art.640º nº1 alínea a) do C.P.C., não indicando, sequer, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, face ao disposto no art.638º nº1 do C.P.C., não podendo ela beneficiar do acréscimo de 10 dias a tal prazo (30+10), a que se refere o nº7 do citado preceito legal. 2. Por isso, considerando-se a autora notificada da sentença em 11/5/2015 e tendo dado entrada em juízo do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações apenas em 24/6/2015, forçoso é concluir que tal recurso é extemporâneo e, como tal, não pode, nem deve ser admitido, não se tomando conhecimento, por isso, do seu objecto.”

No caso vertente, o recurso de apelação que foi interposto - e não é de mais recordar que tal interposição foi contra a decisão que apreciou a arguição de nulidade processual e não contra a sentença que graduou os créditos, sendo que é o Recorrente que se encarrega de misturar uma coisa com a outra - era tempestivo, razão pela qual a invocação destes dois últimos acórdãos é carecida de qualquer pertinência.

Improcede pois o recurso enquanto fundado em ofensa do caso julgado, em contradição de julgados e em extemporaneidade de atuação do Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP.

Mais sustenta o Recorrente (a esta matéria se referem as conclusões 3ª a 10ª) que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia. Isto porque “desconsiderou grande parte do argumentário trazido à liça pelo credor ora recorrente” na contra-alegação que ofereceu na apelação. Segundo afirma, objetou nessa contra-alegação com a “extemporaneidade da atuação do credor C..., I.P.”, o que relaciona com a temática do trânsito em julgado da sentença que graduou os créditos e com a preclusão do direito do Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP a impugnar a lista de créditos.

Mas a invocada nulidade não existe.

É verdade que o ora Recorrente produziu tal “argumentário” (sic) na sua contra-alegação na apelação, do mesmo passo que é verdade que o acórdão recorrido não se pronunciou destacadamente sobre as referidas objeções. Simplesmente, ao decidir que fora omitida uma formalidade a montante da sentença que graduou os créditos, ao decidir que o Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP não podia ter impugnado uma lista de créditos cujo teor só conheceu com a notificação da sentença, e ao decidir que, em consequência, havia que colmatar aquela omissão e que anular atos processuais subsequentes, tudo isto não significa senão um juízo de improcedência da argumentação tecida pelo Recorrente.

Mas mesmo que assim se não vejam as coisas, sempre é certo que, como acima se referiu a propósito dos demais fundamentos do recurso, não se verificou qualquer ofensa ao caso julgado, nem precludiu o direito processual do Credor Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP a reagir contra a nulidade inerente à omissão de aviso (art. 129.º, n.º 4 do CIRE) verificada, razão pela qual deixa de ter razão de ser “a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, recorrido com vista ao respetivo suprimento” (efeito este visado na conclusão 11ª, aliás em contradição com o que se visa na conclusão 20ª).

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

O Recorrente é condenado nas custas do presente recurso.

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Lisboa, 7 de junho de 2022

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).