Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARMA BRANCA
Sumário
Uma navalha do tipo "Borboleta" não é arma proíbida.
Texto Integral
I – Relatório
No âmbito do Processo Comum com intervenção do tribunal Singular nº ...../1 que correu termos pela ..ª Secção do ..º Juízo Criminal do Porto foi o arguido B............, nascido a 26 de Fevereiro de 1966, na freguesia de ....., concelho de Gondomar, filho de C........... e de D............, residente na Rua ......., n.º ...., ......., Gondomar condenado como autor material de um crime de posse de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 3, do Código Penal, com referência ao artigo 3.º, n.º 1, f) do Decreto Lei n.º 207-A/75, de 17/04, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de 4,00 € bem como nas custas do processo tendo sido fixada a taxa de justiça em 1 UC e ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, foram declarados perdidos a favor do Estado, os objecto apreendidos nos autos e descritos a fls. 4 e ordeno a sua oportuna destruição. Diligências necessárias.
Inconformado com tal decisão o arguido dela veio interpor recurso formulando as seguintes conclusões:
1. O arguido foi acusado, imputando-se-lhe a prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts.º 275.º, n.º 3 do C.P., em conjugação com o art.º 3.º, n.º 1, alínea f) do Dec.-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril. Tendo sido condenado numa pena de multa;
2. O arguido não se pode conformar com a condenação no crime que lhe foi imputado, nomeadamente porque no entendimento do aqui recorrente o Tribunal a quo classificou incorrectamente a arma que o arguido detinha à data da prática dos factos como sendo uma arma branca com disfarce e cuja detenção é proibida e punível;
3. Atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, alínea f) do D.L. n.º 207-A/75, de 17.04, é proibida, salvo nos casos previstos neste diploma, a detenção, uso e porte das seguintes armas, (...) f) armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse;
4. Assim, considerando o elenco de armas rotuladas de proibidas, deve concluir-se que a alínea f) do n.º 1 do art. 3.º trata apenas e tão só de objectos que pelas suas características representam maior perigosidade e, assim sendo, o atributo de disfarce abrange as armas brancas e as de fogo;
5. Por Acórdão n.º 4/2004, de 21 de Abril o Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência: Para efeito do disposto no artigo 275.º, n.º 3, do Código Penal, uma navalha com 8,5 cm ou 9,5 cm de lâmina só poderá considerar-se arma branca proibida, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, se possuir disfarce e o portador não justificar a sua posse;
6. Assim, não podem subsistir dúvidas que arma branca, como arma branca proibida, só com disfarce;
7. Discorre ainda o citado e douto acórdão do S.T.J. que o disfarce é uma dissimulação da arma a tal ponto que até poderá confundir-se com qualquer outro objecto ou instrumento de todo inócuo em termos de perigosidade;
8. É precisamente quanto à questão do disfarce que o aqui recorrente entende que o Tribunal a quo decidiu mal ao qualificar a arma que o arguido detinha como sendo uma arma com disfarce, tendo realizado uma incorrecta subsunção dos factos à lei;
9. No caso em apreço, o arguido trazia consigo uma navalha vulgarmente denominada de borboleta, que mais não é do que uma navalha cuja única particularidade é a do sistema de abertura – abertura ao meio do cabo onde recolhe a lâmina quando fechada;
10. Não se pode, pois, considerar com toda a propriedade como disfarce o mecanismo que permite a abertura/fecho da lâmina, uma vez que a expressão disfarce não poderá deixar de ser entendida como alguma coisa que parece o que não é ou, o que é a mesma coisa, não é o que parece;
11. Não existem quaisquer dúvidas em qualificar a navalha em causa como uma arma branca, porém, é, no entendimento do aqui recorrente, completamente descabido classificá-la como uma arma branca com disfarce, tal como, incorrectamente, fez o Tribunal a quo;
12. Só se poderá considerar como arma branca com disfarce aquela que se apresentar aos olhos de um homem médio como sendo qualquer outra coisa que não uma navalha (in exemplis, um pente ou isqueiro que contém dissimuladamente uma lâmina);
13. Pela leitura do auto de exame pericial directo efectuado à navalha em causa, junto a fls. 22 e 23 dos autos, constata-se que se trata de uma navalha de cor preta tipo borboleta, com um comprimento total de 24 cm e de lâmina, de um só fio de corte com cerca de 11 cm (...) em mau estado de conservação;
14. Não consta no referido exame pericial qualquer tipo de referência à existência de um mecanismo de dissimulação ou de disfarce;
15. Não se deu como provado que a navalha em causa tivesse um qualquer mecanismo de disfarce, facto que não era de somenos importância para a condenação do arguido no crime que lhe fora imputado;
16. Entende o arguido que, a navalha que detinha à data da prática dos factos não reúne as características de arma proibida, desde logo, por não possuir qualquer disfarce;
17. E isto independentemente de ter ou não justificado a sua posse, contudo convém referir que o arguido apresentou justificação da posse da navalha quer em depoimentos que prestou, quer em plena audiência de julgamento;
18. Decidindo como decidiu, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 3.º do D.L. n.º 207-A/75, de 17.04, bem como o disposto no art.º 275.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.;
19. O Tribunal a quo não tinha todos os elementos necessários para, nos termos das disposições legais supra citadas poder condenar o arguido no crime de detenção de arma proibida.
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se o recorrente do crime de detenção de arma proibida.
O M.P. na 1ª instância não apresentou resposta.
Neste Tribunal a Exmª. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso.
Cumprido o disposto no nº2 do artigo 417º do C.P.P. foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se á realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal aplicável.
II – Fundamentação
A) – Factos Provados
1) No dia 20 de Outubro de 2001, cerca das 6 horas, na Rua Fernandes Tomás" no Porto, o arguido trazia consigo uma navalha, vulgarmente denominada "borboleta", examinada e descrita no auto de exame directo de fls. 22, cujo teor aqui dou por integralmente por reproduzido e a folhas 23, num comprimento total de 24 em, sendo de lâmina de 11 em, com abertura ao meio do cabo onde recolhe a lâmina quando fechada, pronta a ser utilizada como instrumento de agressão, não tendo o mesmo dado aos agentes da PSP que o interceptaram qualquer justificação para a sua posse;
2) O arguido trazia consigo a referida navalha cujas características de objecto contundente e susceptível de provocar lesões graves a outrem conhecia e não justificando a sua posse.
3) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente;
4) Sabia não ser a sua conduta permitida por lei.
5) O arguido tem como habilitações literárias o 7.º ano de escolaridade;
6) Encontra-se alegadamente desempregado;
7) Aufere o rendimento social de inserção no valor mensal declarado de 150,00 €;
8) Vive com a mãe;
9) O arguido confessou integralmente os factos de que vinha acusado e mostrou arrependimento;
10) Como antecedentes criminais o arguido apresenta uma condenação pela prática de um crime de condução ilegal, pelo qual foi condenado numa pena de 50 dias de multa à razão diária de 2,00 €.
B) Factos Não-Provados
- Nenhuns
C) - Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido que confessou os factos de que vinha acusado, no auto de folhas 22 e no CRC junto aos autos.
Quanto às condições pessoais do arguido, o tribunal valorou também as suas próprias declarações que se mostraram sinceras.
D) – Do Direito
A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se a posse de uma navalha de 24 cm de comprimento, sendo 11 cm de lâmina, com abertura ao meio do cabo onde recolhe a lâmina quando fechada, vulgarmente conhecida por “borboleta” configura o crime de posse de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 3, do Código Penal, com referência ao artigo 3.º, n.o 1, f) do Decreto Lei n.o 207-A/75, de 17/04.
Com efeito resulta da matéria de facto dada por assente que Agentes da P.S.P. destacados na Rua Fernandes Tomás, no Porto, no dia 20 de Outubro de 2.001, pelas 6 horas interceptaram o arguido com a referida navalha o qual não apresentou qualquer justificação para a sua detenção.
Provou-se ainda que tal navalha podia ser utilizada como instrumento de agressão, sendo o arguido conhecedor das suas características de objecto contundente susceptível de provocar lesões graves a outrem.
A navalha – borboleta - é constituída por três peças – uma lâmina e dois cabos – ligadas por dois eixos – ligando cada um dos cabos à lâmina. Este sistema, sem comprometer a firmeza e segurança da faca, tem sobre a navalha vulgar diversas vantagens (do ponto de vista do utilizador):
- permite a abertura com uma mão apenas, podendo o seu utilizador segurar com a outra mão um objecto que não quer ou pode largar;
- quando fechada, os seus dois cabos protegem a lâmina em toda a sua extensão e largura – tal como uma bainha;
- permite que a abertura desta navalha seja muito rápida;
- pela facilidade de troca de pegada, faz com que seja uma das navalhas mais eficazes em artes marciais.
A decisão recorrida considerou que os factos provados consubstanciavam o crime p.p. no artº. 275º, nº. 3, da CP, com a seguinte fundamentação:
Considera-se “arma” qualquer instrumento que possa ser utilizado como meio de agressão (artº. 4º do D.L. 48/95, de 15 de Março, que aprovou o actual Cód. Penal) sendo de acordo com o disposto no artº. 3º/f) do D.L. 207-A/75 que se verifica quando é que, em concreto, a detenção da arma em causa é proibida.
Na verdade, dispõe a referida previsão legal que são proibidas (designadamente) armas brancas que possam ser utilizados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse.
Estamos aqui em presença de um crime de perigo, punindo-se a detenção de armas proibidas por via da simples produção de perigo concreto ou, mesmo, abstracto, constituído pelo risco sério para a vida e integridade física das pessoas e para a paz social.
Ao preenchimento dos elementos do tipo legal basta o mero perigo abstracto ou presumido de lesão, porque a mera posse duma arma proibida, só por si, representa um risco muito sério para aqueles valores juridicamente protegidos agora referidos.
No caso da navalha apreendida ao arguido, estamos desde logo perante uma arma branca, expressão que abrange todo um conjunto de instrumentos cortantes e perfurastes que se confeccionam a partir do aço polido e que ferem com a ponta ou o gume impulsionadas unicamente pela força corporal.
Como se sabe, o C. Penal pune a detenção e uso de "arma proibida", mas não esclarece o conteúdo desta expressão normativa.
Assim, há que recorrer à legislação que se encontra em vigor sobre armas, basicamente, o DL nº. 207-A/75, de 14 de Abril.
Este, na parte que nos importa, indica que é proibida a detenção, uso e porte de "armas brancas ou de fogo com disfarce ou ainda outros instrumentos sem aplicação definida, que possam ser usados como arma letal de agressão, não justificando o portador a sua posse"(artº. 3º, nº. 1, al. f)).
O que é o disfarce senão uma dissimulação da arma a tal ponto que até poderá confundir-se com qualquer outro objecto ou instrumento de todo inócuo em termos de perigosidade! E é dissimulação que, por regra, se leva a cabo de forma deliberada e com a exclusiva finalidade de aumentar a perigosidade e agressividade da arma (branca). Do mesmo passo que oculta a perigosidade acaba por ser mais agressiva, quando usada, quer pela surpresa causada quer pela diminuição ou eliminação de defesa por parte da vítima. Por isso se justifica a sua inclusão no rol das armas proibidas” – cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2004.
Tem, assim, disfarce, uma espada ocultada num guarda-chuva, um punhal dissimulado numa caneta ou uma faca escondida na biqueira de uma bota.
Ora, a “borboleta” não tem qualquer disfarce! Não foi concebida ou desenvolvida para ocultar a sua real natureza. É certo que se trata de uma navalha ainda pouco conhecida em certos meios. Isto é, é certo que nem todas as pessoas a conhecem mas tal não significa que esta navalha tenha disfarce. Nenhuma das suas características foi pensada ou desenvolvida para ocultar a natureza da navalha, mas, tão-só, para a tornar mais rápida e simples de manusear ou para melhor proteger a sua lâmina.
Ora, o canivete em questão não pode ser considerado arma proibida, pois que nem apresentava disfarce, nem é um objecto sem aplicação definida.
Por outro lado, instrumentos sem aplicação definida são os que normalmente os cidadãos não trazem consigo; e, por isso, a anormalidade da sua detenção terá de ser justificada
Ora, um pequeno canivete com lâmina de 11 cm de comprimento e comprimento total de 24 cm é um objecto que, com bastante frequência, os cidadãos trazem consigo para os mais variados fins, lícitos.
Assim, a sua detenção não constitui qualquer "anormalidade", é bastante corrente e, portanto, não precisa de ser justificada.
Deste modo, o canivete em questão, não sendo uma arma branca com disfarce nem um objecto sem aplicação definida, não deve ser considerada "arma proibida", para o efeito da integração da conduta do recorrente na previsão do crime p.p. no artº. 275º, nºs. 1 e 3, do CP.
Nestes termos o recorrente deve ser absolvido da prática de tal crime.
3 – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra em que se absolve o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo nº 3 do artigo 275º do C.P com referência á alínea f) do nº1 do artigo 3º do D.L 207 A/75 de 14 de Abril.
Restitua o objecto apreendido a folhas 4 ao arguido.
Boletim à D.S.I.C.
Sem Tributação
Porto, 08 de Junho de 2005
António Manuel Alves Fernandes
José Henriques Marques Salgueiro
Manuel Joaquim Braz
José Manuel Baião Papão