PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PRESSUPOSTOS
SUSPENSÃO
REVOGAÇÃO
REQUISITOS
Sumário

I – A aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade privilegia um adequado recurso às medidas não privativas de liberdade e permite o equilíbrio necessário e desejável entre a protecção da ordem pública e a reparação dos prejuízos causados à comunidade pela prática da infracção, tendo em consideração as necessidades de reinserção social do delinquente.
II – Tal medida só deve ser aplicada, por um lado, quando estiverem criadas as necessárias condições externas de apoio social ao infractor, e por outro, quando este não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente.
III – A lei prevê que a prestação de trabalho pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, devidamente comprovado, não podendo, no entanto, o tempo de execução ultrapassar 30 meses.
IV – A revogação de tal pena implica a violação dos deveres impostos, que tem de assumir certa gravidade, ou seja, uma violação culposa e intencional, que pode consubstanciar uma negligência grosseira, que corresponde à figura da culpa temerária ou esquecimento de deveres.
V – A revogação só não ocorrerá se ficar demonstrado que o condenado não cumpriu, ou falhou, por vontade própria, ou seja, sem culpa sua.
VI – Não pode aceitar-se como justificação válida a conduta de alguém que se coloca sistematicamente numa posição de incumprimento, inviabilizando a execução daquela medida decretada.
VII – Acresce que, sendo o referido prazo de trinta meses um prazo peremptório, sem suspensão e sem interrupção, qualquer causa, impossibilidade absoluta, de prestar o trabalho tinha que ser arguida durante aquele lapso de tempo.

Texto Integral

Processo nº 1324/13.2TAVLG.P2
2ª Secção Criminal- Tribunal da Relação do Porto.


Relatório:
Por despacho de fls. 812/815v decidiu-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, devendo a arguida AA, devidamente identificada, proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenada, a qual se computa em 240 dias (descontadas as 10 horas de trabalho prestadas) à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de €1.320 (mil trezentos e vinte euros).

Contra a decisão veio o arguido recorrer, com as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo procedeu à revogação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, determinando o pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenada, ou seja, em 240 dias, à taxa diária de €5,50, perfazendo o valor total de €1.320,00.
II. A arguida não se conforma com o douto despacho revogatório considerando que nele se violaram os artigos 58 e 59, do Código Penal.
III. Na douta decisão posta em crise consta apenas, como fundamento para revogação da pena de substituição, ao abrigo do nº 1, alíneas a) e b), do artigo 59 do Código Penal, que a arguida coloca sistematicamente entreves ao cumprimento da pena, sem qualquer justificação plausível.
IV. Discorda-se do douto entendimento do Tribunal a quo, por entendermos que a decisão de revogação de prestação de trabalho a favor da comunidade não deverá equivaler, in casu, à mera soma dos impedimentos.
V. Na verdade, o Tribunal a quo não teve em consideração o último evento, verdadeiramente impeditivo de prestação de qualquer trabalho, constituindo um evento externo e alheio à vontade da Recorrente.
VI. Verifique-se que o último entrave para realização do trabalho a favor da comunidade foi, precisamente, um acidente de trabalho, devidamente comprovado, cujos documentos foram juntos aos autos.
VII. De facto, a Recorrente comprovou ter sofrido um acidente de trabalho, através de relatórios médicos, constituindo tal evento um verdadeiro impedimento de teor médico, que influenciara toda a sua vida, inclusivamente para poder cumprir os seus deveres impostos por sentença condenatória.
VIII. Ora, tal circunstancialismo não pode ser relacionado com as situações anteriores, uma vez que enforma um evento (ainda mais) determinante para ter impedido, a Arguida, de cumprir o seu dever.
IX. Não estão comprovados nos autos, os fundamentos de facto ou de direito referidos no artigo 59 nº 1, do Código Penal, que determinam a revogação da pena de substituição aplicada à Arguida, pois:
X. A Arguida nunca teve intenção de “brincar” com o Tribunal.
XI. Não recusou sem justa causa a prestação de trabalho,
XII. Não infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena em que foi condenada.
XIII. A arguida não desprezou ou infringiu grosseiramente a mesma pena de substituição que lhe foi aplicada, sendo notório que não se colocou dolosa ou intencionalmente em condições de não cumprir a pena.
XIV. In totum, não se encontram cabalmente verificadas as infracções grosseira e repetida.
XV. Não existem fundamentos para determinar o pagamento da multa através da revogação do trabalho a favor da comunidade, tanto é que, na presente data, a Recorrente não tem meios para proceder ao pagamento do valor de €1.320,00.
XVI. Estando inteiramente disponível para reatar as suas obrigações, através de trabalho comunitário, conforme foi requerido pela mesma.
XVII. Ainda será possível à Recorrente a subsistência da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, concedendo-lhe a derradeira possibilidade de proceder ao cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade.
XVIII. Pelo que se pugna pela manutenção da prestação de trabalho a favor da comunidade.

Resposta do MP:
1ª No âmbito dos presentes autos no dia 25-11-2015 proferida sentença, a qual transitou em julgado no dia 07-01-2016, a qual condenou a recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo disposto no artigo 205, nº 1 e 4 alª a) do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €5,50, o que perfaz a quantia global de €1.375,00 (mil trezentos e setenta e cinco euros).
2ª Em 11 de Outubro de 2016 a arguida veio requerer a substituição da ena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58 do Código Penal.
3ª Tal pretensão mereceu deferimento por douto despacho proferido em 21 de Setembro de 2017.
4ª A arguida apenas compareceu, pela primeira vez na EBT no dia 8/06/2019 apenas tendo realizado 6 horas.
5ª A DGRSP informou, por diversas vezes, os autos das dificuldades em contactar com a arguida, da falta de comparecia desta nas entrevistas e na EBT.
6ª Em 22 de Setembro de 2021 a DGRSP informou que a arguida prestou 2 horas no dia 01 de Fevereiro e 2h no dia 8 de Fevereiro de 2020
7ª A arguida esteve desde 8 de Junho de 2019 e até 01 de Fevereiro de 2020 sem prestar qualquer hora de trabalho a favor da comunidade.
8ª Está bem patente no processo o desinteresse demonstrado pela condenada em prestar trabalho (desde 21.09.2017 – data em que foi proferido despacho a conceder a possibilidade da condenada prestar trabalho em substituição da pena de multa e até à presente data a condenada apenas cumpriu:
- no dia 8 de Junho de 2019, 6 horas
- no dia 1 de Fevereiro de 2020, 2 horas,
- no dia 8 de Fevereiro de 2020, 2 horas.
9ª Por conseguinte, se a condenada quisesse realmente cumprir a pena de multa através da prestação de trabalho teve a oportunidade durante os últimos anos de o fazer.
10ª De acordo com o artigo 59, nº 1 o Código Penal a prestação de trabalho só pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução ultrapassar 30 meses.
11º A arguida não alegou, nem juntou aos autos qualquer prova de que o acidente de trabalho que sofreu consubstancie “motivo grave de ordem médica”, que a impeça de prestar trabalho.
12ª Mesmo que estivéssemos perante “motivo grave de ordem médica”, a verdade é que nunca estaria verificado o pressuposto exigido pelo aludido artº 59, nº 1 do Código Penal, designadamente que o tempo de execução não ultrapassasse os 30 meses, na medida em que em face dos sucessivos incumprimentos pela arguida na prestação de trabalho já se mostra integralmente decorrido esse lapso temporal.
13ª Como decorre dos autos, a condenada recusa-se voluntariamente a cumprir a prestação de trabalho a favor da comunidade como foi determinado, comprometendo-se por diversas vezes a comparecer perante a DGRSP e a EBT sem que, contudo, o venha a fazer apresentando sempre desculpas por forma a protelar no tempo o cumprimento da pena (alegando motivos de saúde da própria ou de familiar, questões laborais).
14ª Destarte, considero que se mostra inviável o cumprimento da prestação de trabalho pela condenada, pelo que bem andou o Tribunal ao revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade ordenando a liquidação da pena de multa em dívida, nos termos do disposto no artigo 59 ex viartigo 48, nº 2 ambos do Código Penal.
15ª O despacho ora colocado em crise não viola quaisquer disposições legais.

A fls. 841/843, neste Tribunal Superior, pela mão da Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, foi elaborado parecer reiterando os argumentos da decisão e resposta a quo, no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Mantém-se a regularidade da instância.
Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

Do despacho recorrido.
A arguida AA, por sentença transitada em julgado, foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205 do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €5,50, perfazendo a multa global de €1.375 (mil trezentos e setenta e cinco euros).
Mediante requerimento de fls. 559 a 561, veio a arguida requerer a substituição da pena de multa, que nestes autos lhe foi aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade, alegando que, não dispõe de condições económicas que lhe permitam proceder ao pagamento daquela em prestações.
Na sequência do requerido e após ter sido solicitado e junto aos autos pela DGRSP o competente relatório de caracterização profissional, em Setembro de 2017 foi deferida a pretensão da arguida, autorizando-se a mesma a cumprir 250 horas de trabalho a favor da comunidade no Complexo Municipal de Piscinas..., aos sábados, no período da manhã, em substituição da aludida pena de multa em que foi condenada.
Sucede, porém, que a fls. 746, veio a DGRSP informar que a condenada não havia comparecido à entrevista para início de execução da medida, tendo sido realizadas várias tentativas de contacto, as quais se revelaram infrutíferas. Notificada a condenada para esclarecer o que, em face de tal informação, tivesse por conveniente, nada disse, tendo sido designada data para audição da condenada, conforme auto de fls. 752, tendo a mesma referido que atravessou período de problemas de saúde, sofrendo de uma depressão, tendo iniciado, em Setembro de 2017, um trabalho em organismo escolar, das 11h às 19 horas, todos os dias úteis da semana, manifestando disponibilidade e vontade em cumprir a pena de substituição, razão pela qual por despacho datado de 22 de Março se decidiu não revogar a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, determinando-se, então, que a condenada iniciasse, de imediato, o cumprimento da mesma.
Mediante ofício de fls. 796, veio a DGRSP dar conta do comportamento reiterado de incumprimento por parte da arguida, razão pela qual tomaram-se-lhe novas declarações apresentando a mesma como justificação a circunstância de o filho se encontrar doente prevendo alta médica para o mesmo no dia 27 de Março de 2020, comprometendo-se a apresentar junto da entidade beneficiária de trabalho ou junto da técnica de reinserção social, no dia 28 de Março.
Mais uma vez, em face dessa manifestação de vontade e justificação apresentada, o tribunal permitiu à arguida a possibilidade de prestar trabalho a favor da comunidade, oportunidade que a arguida, desta feita, também não aproveitou, porquanto veio a DGRSP informar que no aludido dia 28 de Março de 2020, a arguida os contactou informando que se encontrava a trabalhar num lar de terceira idade como auxiliar, onde estão pessoas contaminadas com Covid-19, sendo sua tarefa prestar cuidados a essas mesmas pessoas. Por esse motivo, a própria considerava que poderia ser arriscado cumprir a medida de trabalho comunitário numa instituição onde existem outras pessoas que poderão ser colocadas em situação de risco, informando que iria dirigir ao processo um pedido de pagamento do remanescente da multa – o que nunca sucedeu até à presente data – razão pela qual se sustiveram as diligências para colocação da arguida.
Não obstante, a arguida mudou posteriormente de ideias e decidiu que pretendia retomar a prestação de trabalho a favor da comunidade, circunstância que foi comunicada à DGRSP que prontamente veio novamente dar conta que a arguida contrariamente ao que havia sido estipulado não iniciou a prestação de trabalho, desta feita, no Centro Social ... (nova EBT) no dia 18 de maio de 2021, tendo contactado a entidade beneficiária de trabalho a informar que iniciou actividade laboral e apenas poderá iniciar a execução da medida a 06 de Julho de 2021, razão pela qual foi realizada tentativa de contacto telefónico com a mesma a fim de aferir das razões para o não inicio na data previamente estabelecida, sem que tivesse atendido o telemóvel ou devolvido a chamada.
Contudo, mais uma vez, mediante requerimento, refª 30145159, veio a arguida requerer novamente que lhe fosse concedida a possibilidade de retomar a prestação de trabalho em substituição da pena de multa.
Em face do requerido e com vista nos autos, a Digna Magistrada do Ministério Público deduziu oposição por ser manifesto o total desinteresse da arguida na prestação de trabalho a favor da comunidade, promovendo o indeferimento do requerido, com a consequente revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, por facto que lhe é imputável, determinando-se a liquidação da pena de multa descontando-se 10 horas de trabalho já prestadas (240 dias x €5,50).
Notificada a arguida do doutamente promovido, veio requerer que lhe fosse dada oportunidade no sentido de prestar trabalho a favor da comunidade, porquanto terá reorganizado a sua vida, beneficiando de apoio familiar e encontrando-se em tratamento médico, pelo que, em condições de cumprir o remanescente das horas de trabalho a favor da comunidade.
Em face desses motivos, o tribunal decidiu conceder-lhe uma última e derradeira oportunidade, determinando que se oficiasse à DGRSP solicitando que diligenciasse pela colocação imediata da arguida na EBT com vista ao cumprimento das horas de trabalho em falta e informando os autos de qualquer incumprimento que se viesse a registar.
Mais se determinou que a arguida fosse advertida de que em caso de novo incumprimento, seria revogada a prestação de trabalho a favor da comunidade, liquidando-se de imediato a pena de multa, a qual em caso de falta de pagamento poderá ser convertida em prisão subsidiária.
Nessa sequência, a DGRSP veio informar que foram encetadas as necessárias diligências para a arguida retomar a execução da medida e dos contactos estabelecidos no dia 16/11/2021 com a entidade beneficiaria de trabalho e com a arguida, ficou estabelecido que esta iria comparecer na entidade beneficiária no dia seguinte, a 17/11/2021, no período da tarde, a fim de proceder à combinação com a responsável da instituição do horário a executar neste inicio da medida, dentro da disponibilidade agora apresentada -um dia inteiro correspondente ao seu dia de folga e nos restantes dias entre as 15h30m e as 17h30m. Acordou-se que principiaria no dia 18, dia que indicou como de folga.
Não obstante isso, a verdade é que nesse dia 18, cerca das 10h da manhã a arguida contactou telefonicamente com estes serviços e também com a entidade a dar conta que teria sofrido um acidente de trabalho, de que teria recorrido a hospital, que não referenciou, pelo não poderia comparecer na entidade, no período da tarde, conforme se havia comprometido. Dadas as sucessivas justificações dilatórias, absentismo e falta de sentido compromisso apreciados, a entidade beneficiaria de trabalho manifestou se intolerante e por consequência indisponível na prossecução aí da prestação de trabalho.
Informou igualmente a DGRSP que antecipam sérias dificuldades, face às atitudes até agora evidenciadas pela arguida, de que venha a corresponder aos requisitos de integração e devido cumprimento das horas de trabalho fixadas.
Notificada a arguida do teor da aludida informação veio a mesma alegar ter sofrido um acidente de trabalho em resultado do qual ficou com uma incapacidade temporária para o trabalho, razão pela qual pediu que se suspendesse a prestação de trabalho por um período de 3 meses por ser sua intenção cumpri-lo assim que recuperar da lesão sofrida.
Com vista nos autos, a Digna Magistrada do Ministério Púbico pugnou pelo indeferimento do requerido, conforme douta promoção que antecede.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artº 48, nº 1, do Código Penal, que “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Por seu turno, dispõe o artº 58, nº 1 do Código Penal que “Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 1 ano, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada as finalidades da punição”.
Como escreveu o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências jurídicas do crime, pág. 378, pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, sobretudo, que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição; que ela se revele, já o sabemos, susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.
A sua aplicação privilegia um adequado recurso às medidas não privativas de liberdade e permite o equilíbrio necessário e desejável entre a protecção da ordem pública e a reparação dos prejuízos causados à comunidade pela prática da infracção, tendo em consideração as necessidades de reinserção social do delinquente.
A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só deve ser aplicada, por um lado quando estiverem criadas as necessárias condições externas de apoio social ao infractor, e por outro, quando este não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente – neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Évora, de 24 de Maio de 1983, CJ, VII, Tomo III, pág. 337. Uma das finalidades da punição é justamente a prevenção especial – a pena tem que ser adequada a afastar o agente da prática de novos delitos. Como vem referido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 29 de Março de 2006, acessível in www.dgsi.pt. “A pena de substituição de trabalho a favor da comunidade destina-se predominantemente a pessoas em relação às quais o contacto com o trabalho possa assumir – em certos casos até pela novidade da situação… - um efeito socializador”.
Já o artº 59 do Código Penal estabelece o regime aplicável às situações de suspensão provisória, revogação, extinção e substituição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Requereu agora a arguida a suspensão da prestação do trabalho pelo período de três meses, com fundamento na circunstância de ter sofrido um acidente de trabalho.
Dispõe o nº 1 do artº 59 do Código Penal que a prestação de trabalho pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo no entanto o tempo de execução ultrapassar 30 meses.
Ora, no caso dos autos em primeiro lugar não se mostra comprovado que o acidente de trabalho de que alegadamente foi vítima a arguida integra o conceito “motivo grave de ordem médica”, porquanto nos documentos juntos pela arguida nada vem referido a esse propósito.
Ademais, mesmo que estivéssemos perante “motivo grave de ordem médica”, a verdade é que nunca estaria verificado o pressuposto exigido pelo aludido artº 59, nº 1 do Código Penal, designadamente que o tempo de execução não ultrapassasse os 30 meses, na medida em que em face dos sucessivos incumprimentos pela arguida na prestação de trabalho já se mostra integralmente decorrido esse lapso temporal.
Deste modo, ante o exposto, indefere-se a requerida suspensão da prestação de trabalho, por inadmissibilidade legal.
Posto isto, vejamos se é caso de revogar a prestação de trabalho pela arguida.
E, neste conspecto, para o que importa, estabelece o nº 2 do artº 59 do Código Penal que “O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
No caso de incumprimento da condição de suspensão da pena, ao lado do elemento objectivo da violação do dever, a lei penal torna dependente a revogação da concorrência de um elemento subjectivo, traduzido na culpa, enquanto infracção grosseira ou repetida dos deveres impostos na decisão condenatória.
Mostra-se então necessário, que se indague, muito concretamente, das razões do incumprimento.
A violação dos deveres tem de assumir certa gravidade. Compreende-se, por isso que a lei ponha como um dos pressupostos da intervenção judicial uma violação culposa. Apesar de a lei penal não definir o que deve entender-se por violação intencional, deixando ao critério do seu aplicador a fixação dos seus contornos, nos termos do preceituado no artº 59, nº 2, alª b) do Código Penal, todavia, podemos socorrer-nos do conceito de negligência grosseira, sendo que este corresponde à figura da culpa temerária ou esquecimento de deveres – o que, no caso concreto, se traduz na colocação propositada em situação de não poder trabalhar.
É necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, ou falhou, por vontade própria, em suma, é necessário apreciar a sua culpa.
Daqui decorre que se impõe um poder-dever ao julgador, aliás como acontece em sede de julgamento, de procurar reunir todos os elementos para aquilatar da situação que determinou o incumprimento e tomar uma das medidas do artº 59, nº 2 do Código Penal. Não se pode esquecer esse poder-dever imposto pelo artº 340, nº 1 do Código de Processo Penal, isto é, ordenar a produção de todos os meios com vista à boa decisão da causa.
Entende-se, assim, que não é sobre o arguido que recai o ónus de promover a justificação dos factos que o impossibilitem de cumprir, embora tal não o isente de colaborar. Em processo penal não existe, em rigor, qualquer ónus da prova, cabendo ao juiz, oficiosamente, o dever de indagar e esclarecer o feito sujeito a apreciação.
Em todo o caso, e este é o elemento essencial, julgamos que se mostra, desde já, comprovado que a arguida violou, de forma grosseira e intencional, o dever imposto.
No intuito de indagar das razões deste incumprimento, a arguida foi por diversas vezes ouvida, sendo que, duas delas presencialmente, sempre tendo a arguida dito que pretendia cumprir a prestação de trabalho, sendo que, quando constatada pela DGRSP acaba por não colaborar não comparecendo na EBT.
Como vem descrito no Acórdão da Relação de Lisboa, de 3 de Outubro de 2004, “Só a inultrapassável obstinação, a rebeldia intolerável do arguido, justificam a revogação, mas só após a audição do arguido se poderá declarar que o mesmo não está convictamente interessado em afastar-se do crime e que a emenda cívica esperada com a suspensão redundou em fracasso”.
Compulsados os autos verifica-se que a arguida desde a data em que lhe foi deferida a possibilidade de prestação de trabalho em substituição da pena de multa em que foi condenada, em Setembro de 2017, nunca a cumpriu de forma séria e interessada.
Na verdade, basta atentar às sucessivas vicissitudes supra elencadas e que se dão por integralmente reproduzidas para se concluir que a arguida nunca teve qualquer interesse em cumprir as horas de trabalho e, prova disso, é que das 250 horas fixadas apenas cumpriu dez num período temporal de quatro anos!...
A arguida sempre se foi esquivando ao cumprimento desta pena de substituição apresentando inúmeras desculpas que o tribunal foi acreditando e considerando, razão pela qual, sempre foi benevolente dando à arguida inúmeras oportunidades para cumprir esta pena e sem que esta tivesse revelado respeito e interesse no cumprimento.
Na verdade, a conduta da arguida supra relatada apenas demonstra que certamente anda a brincar com o tribunal, tendo assumido de “ânimo leve” a condenação de que foi alvo e da qual pretende, a todo o custo, se esquivar.
Deste modo, analisando e avaliando o comportamento da arguida, desde o momento em que lhe foi deferida a prestação de trabalho – 21 de Setembro de 2017, portanto há mais de quatro anos – até ao presente, concluímos que a arguida se colocou intencionalmente em condições de não querer e poder trabalhar apresentando justificações várias que mereceram ao tribunal – pelo menos até à data – credibilidade, a pondo de ter permitido e concedido à arguida inúmeras oportunidades.
De igual modo, a conduta da arguida supra plasmada, evidencia de forma calara a violação grosseira dos deveres decorrentes da pena em que foi condenada, na medida em que, reitera-se que num período de quatro anos apenas prestou 10 horas de trabalho das 250 inicialmente fixadas, faltando-se ainda cumprir 240.
Entendemos, assim, que a arguida não só se tem vindo a colocar intencionalmente na situação de não poder prestar trabalho a favor da comunidade - quando invoca questões de saúde, suas ou de familiares próximos – como também não o quer prestar, demonstrando absoluto desrespeito pela decisão do tribunal e a manifesta vontade de incumprir a pena em que foi condenada.
O tribunal já foi demasiadamente benevolente com a arguida dando-lhe muitas oportunidades para cumprir sem que a mesma as aproveitasse.
Ante o exposto, verificando-se o preenchimento das alíneas a) e b) do nº 2 do artº 59 do Código Penal, decide-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, devendo a arguida proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenada, a qual se computa em 240 dias (descontadas as 10 horas de trabalho prestadas) à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de €1.320 (mil trezentos e vinte euros).

Do mérito do recurso.
O objecto do recurso define-se no âmbito das conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – artº 412 nº 1 do CPP.
Das conclusões depreende-se:
a) Não estão comprovados nos autos os fundamentos de facto e direito, descritos no artº 59 nº 1 do CPP;
b) A arguida não recusou sem justa causa a prestação de trabalho, o que permite concluir, no propósito da recorrente, que não infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena (condenação);
c) A arguida não tem meios para proceder ao pagamento da multa – não há fundamento para proceder ao pagamento da multa; e
d) A recorrente contínua disponível para reatar as suas obrigações com objectivo de prestar trabalho a favor da comunidade. A arguida deve merecer uma nova oportunidade por parte do Tribunal.
Com o despacho recorrido o tribunal a quo procurou circunstanciar e fundamentar a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade. Detalhado pelo facto do longo e sinuoso histórico processual - sucessivo incumprimento - e fundamentado, porque o Tribunal, com recurso à marcha do processo e reiterada posição da arguida, converge em classificar as condutas como intencionais (colocação em condição de não poder trabalhar) e de recusa, sem justa causa, em prestar trabalho ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena (condenação).
A arguida não pode queixar-se da falta de oportunidades. Efectivamente durante todo este tempo (agora, quase 6 anos) prestou apenas 10 (6+2+2) horas de trabalho. Além de se colocar sistematicamente numa posição de incumprimento, por motivos vários, à revelia do disposto na lei, como veremos de imediato, a arguida recorrente também coloca o Tribunal recorrido, e este Tribunal Superior, na obrigação de dar uma resposta aceitável e persuasiva. Uma máquina como o Tribunal, cara (dispendiosa) e complexa, não pode ser usada a despropósito, onerando o erário público e consequentemente os contribuintes. Esta é uma questão que mais tarde ou mais cedo vai ter de ser colocada politicamente como forma de racionalizar a acção da justiça. Este e outros institutos permitem comportamentos similares… Este pressuposto não está previsto na lei mas segundo critérios (princípios) de suficiência e economia processual é fácil convir que os autos não podem constituir um instrumento de diversão. Deixando de parte estes considerandos, centremo-nos no concreto conceito de incumprimento.
Da justificação que desencadeou a revogação.
O despacho recorrido (14/01/22) salienta no relatório in fine que a arguida procurou contactar telefonicamente com o Tribunal no sentido de esclarecer um acidente de trabalho, com recurso a hospital. Certo é que a fls. 810/811- ref.30930557- (30/12/21) - a arguida invoca expressamente aquele acidente de trabalho solicitando a manutenção da substituição do pagamento da pena de multa, por trabalho a favor da comunidade, com suspensão da prestação previsível durante um período de 3 meses (artº 59 nº 1 do CPP).
Este facto está devidamente invocado no recurso – ref.31263537- (3/12/22).
Naquele requerimento a arguida/recorrente refere-se ao episódio de Urgência ocorrido no Hospital 1 .... Consequência desta lesão foi-lhe atribuída uma incapacidade temporária absoluta, nos termos do Boletim Clínico passado pelo Hospital 2....
Juntou 3 documentos: uma declaração a atestar entrada na urgência no dia 17/11/21, às 08,54 horas e alta nesse mesmo dia, poucas horas depois – 11,16 horas. Os boletins clínicos subsequentes datam de, 22 de Novembro de 2021, e 29 de Novembro do mesmo ano (2021) respectivamente com incapacidades temporárias absolutas a partir daquelas datas até alta, cujo requerimento previu para 3 de Janeiro de 2022.
Este requerimento mereceu uma promoção com data de 06/01/22 no sentido do indeferimento – a arguida não pretende cumprir a pena e o processo não pode eternizar-se
O despacho do tribunal a quo (despacho recorrido) fez menção expressa a esta matéria: notificada a arguida do teor da aludida informação veio a mesma alegar ter sofrido um acidente de trabalho em resultado do qual ficou com uma incapacidade temporária para o trabalho, razão pela qual pediu que se suspendesse a prestação de trabalho por um período de 3 meses por ser sua intenção cumpri-lo assim que recuperar da lesão sofrida.
A pena de multa pode ser substituída por dias de trabalho nos termos do artº 48 nº1 do CP. A esta matéria é correspondentemente aplicável o disposto nos artºs 58 e 59, ambos, do CP.
Remetidos para o artº 58 do CP importa desde já salientar que a pena só deve ser substituída quando por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Portanto, além do consentimento e pressuposto formal (pena não superior a 2 anos de prisão), também é necessário alcançar a socialização do condenado, tudo isto coordenado com as exigências de prevenção de integração – tutela do ordenamento jurídico.
Neste sentido o Tribunal deve imediatamente aferir se esta possibilidade é exequível e não caminhar cegamente segundo critérios ou vantagens abstractos deste tipo de reacção penal, porque a reinserção social por esta via pode ser aparente. De facto o processo não contém um relatório social obtido para efeito do disposto nos artºs 1 alª g) e 370 ambos do CPP. Apesar desta observação, o tribunal recorrido conseguiu - plano de execução da pena - um pequeno relatório da DGRSP (fls. 710/711) dirigido sobretudo à possibilidade desta execução. Para lá do plano de execução solicitado à DGRS - apoio, vigilância e supervisão do cumprimento da medida - há muito mais a ponderar, em momento precedente, designadamente aferir das necessárias condições externas de apoio social ao(à) arguido(a), sobretudo quando este(a) não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar adequadamente – Acórdão do TRP de 24 de Maio de 1983 – CJ,VII, Tomo 3, fls. 337.
Este juízo de prognose não foi devidamente ponderado, muito embora, nesta etapa, é mais fácil chegar a essa conclusão… As vantagens desta pena são inegáveis mas as cifras do seu insucesso são muito expressivas…
Sabemos contudo que a arguida foi gradualmente arranjando argumentos para evitar o cumprimento da pena – prestação de trabalho – e o tribunal, no afã de contemporizar com uma pretensa ressocialização, optou pelo sucessivo deferimento dos requerimentos, muito embora sempre a coberto do disposto na lei, a tal ponto que a entidade receptora da prestação laboral acabou por desinteressar-se do cumprimento gratuito/remunerado desta modalidade de pena. O tribunal, em jeito de conclusão, dá nota deste cansaço: deste modo, analisando e avaliando o comportamento da arguida, desde o momento, em que lhe foi deferida a prestação de trabalho – 21 de Setembro de 2017, portanto há mais de quatro anos – até ao presente, concluímos que a arguida se colocou intencionalmente em condições de não querer e poder trabalhar apresentando justificações várias que mereceram ao tribunal – pelo menos até à data – credibilidade, a pondo de ter permitido e concedido à arguida inúmeras oportunidades.
De igual modo, a conduta da arguida supra plasmada, evidencia de forma clara a violação grosseira dos deveres decorrentes da pena em que foi condenada, na medida em que, reitera-se que num período de quatro anos apenas prestou 10 horas de trabalho das 250 inicialmente fixadas, faltando-se ainda cumprir 240.
Independentemente de tudo que ficou dito, não podemos deixar de avaliar o último acto da arguida ao referir (alegar), mediante requerimento, que deu entrada na urgência hospitalar (declaração) e beneficiou da fixação de uma incapacidade temporária absoluta - 22 e 29 de Novembro - (documentos apresentados com o requerimento). Será que desta vez a arguida se colocou intencionalmente em incumprimento, violando de forma clara e grosseira os deveres decorrentes da pena substituída (?).
Vamos regressar ao despacho recorrido.
O tribunal a quo, na sua primeira parte historiou, o comportamento da arguida perante o dever de prestar o trabalho, nos termos em que o aceitou, porém, foi sempre o tribunal quem deferiu as pretensões da arguida, até ao momento em que a arguida vem dizer que sofreu um acidente de trabalho e está com incapacidade absoluta temporária. É precisamente aqui que o tribunal a quo, com fundamento no artº 59 nºs 2, alªs a) e b) do CPP decidiu revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade…
Vejamos ainda quando foi deferida a prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como em que data foram prestados os referidos 10 dias de trabalho.
O deferimento da prestação de trabalho a favor da comunidade é de 16/11/2016, prestação reiterada pelo despacho de fls. 721/722 (21/09/2017), onde se determinou concretamente o lugar da prestação de trabalho, correspondente a 250 horas, no Complexo Municipal de Piscinas... …
Depois a arguida entrou em estado depressivo e o Tribunal voltou a condescender e decidiu não revogar a prestação, cfr. despacho de fls. 768/769. Acaba por ser a entidade a declarar estar indisponível para acolher a execução da prestação (fls. 786).
Das informações da DGRSP verificamos que a arguida cumpriu 10 horas de trabalho repartidas em dois momentos: 08/06/2019 (6 horas) e 1 e 8 de Fevereiro/2020, um total de respectivamente mais 4 horas (2+2), nas Piscinas .... Os argumentos, para estas intermitências são vários e passam pela saúde do filho, até ao facto de trabalhar num estabelecimento geriátrico e recear contaminar outras pessoas por causa do Covid-19 … momento em que a fls. 810 surge o citado requerimento a alegar acidente de trabalho
A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outro, não podendo no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses – artº 59 nº 1 do CP. A revogação opera, durante o cumprimento da pena substituída, quando a arguida se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar, ou recusar, sem justa causa, prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena em que foi condenada (artº 59 nº 2 alªs a) e b) do CP) …
Efectivamente a prestação, em princípio, pode ser suspensa por motivo grave de ordem médica. Sem grandes interpretações, temos de convir que esta prova foi produzida e oferecida por um Estabelecimento Hospitalar, por especialista a quem são exigidos especiais conhecimentos técnicos, muito embora um acidente de trabalho, objecto de exame médico, esteja sujeito à livre apreciação da prova.
Acontece que neste caso o tribunal está vinculado ao disposto no artº 163 do CPP e se discordar terá que fundamentar a divergência.
O tribunal não se pronunciou, em concreto, sobre o acidente de trabalho, nem questionou a incapacidade temporária de trabalho. Por aqui a revogação parece estar afastada. A veracidade dos documentos não foi posta em causa, por isso o seu valor probatório é pleno.
Os requerimentos anteriores (datados) foram todos deferidos. O tribunal aceitou aqueles fundamentos e não procedeu à revogação da pena – prestação de trabalho. Quando chegamos ao requerimento de fls. 810/811 de 30/12/21 o tribunal acorda para a insolência do reiterado incumprimento. Só que neste caso a arguida requerente justifica e apresenta documentos de valor probatório incontestado. Apesar deste motivo não podemos deixar de assinalar que o tempo de execução da pena ultrapassou 30 meses, vale dizer a execução da prestação expirou.
A substituição teve início em 16/11/16 e interrompeu-se aquando da execução da prestação por dois fugazes momentos, nos dias 08/06/19 e 1 e 8 de Fevereiro de 2020. No momento destas interrupções já haviam decorrido mais de 30 meses, prazo limite para a execução da pena estar cumprida. Em bom rigor este é um prazo peremptório, sem suspensão e sem interrupção. Efectivamente não há causas de suspensão ou interrupção durante mais de 30 meses. A arguida só iniciou a execução da prestação naqueles dois referidos momentos e por um período que não ultrapassa as 10 horas. Afirmar também que a arguida vem alegar acidente de trabalho – incapacidade temporária absoluta – muito embora, nesta data, já havia decorrido o tempo máximo para a execução da pena: 30 meses. Qualquer causa - impossibilidade absoluta - de prestar o trabalho tinha que ser arguida durante aquele lapso de tempo, circunstância que nos levaria a ponderar a situação, com as necessárias adaptações, a exemplo do disciplinado no artº 59 nº 6 do CP.
O nosso caso é distinto e, por limite de tempo de execução (artº 59 nº 1, in fine, do CP), ordena-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade devendo a arguida AA proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenada, a qual se computa em 240 dias (descontadas as 10 horas de trabalho prestadas) à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de €1.320 (mil trezentos e vinte euros).
Improcede o recurso.

Acordam os juízes que integram esta 2ª Secção Criminal do TRP em julgar, improcedente o recurso interposto pela arguida AA, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC,s.

Registe e notifique.

Porto 2 de Novembro de 2022.
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio.