REGISTO AUTOMÓVEL
PRESUNÇÃO DO REGISTO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
NULIDADES DE SENTENÇA
PROVA DOCUMENTAL
FOTOCÓPIA
Sumário

I - Os vícios na decisão proferida em matéria de facto não são, pelo menos em regra, invocáveis em sede de nulidade da sentença (art.º 615º do Código de Processo Civil), mas no âmbito de aplicação dos art.ºs 640º e 662º do mesmo código.
II - Os fundamentos da sentença são (além da argumentação jurídica) os factos provados e não provados, e não os meios de prova; estes mais não são mais do que a motivação ou a fundamentação daqueles factos.
III - A não impugnação pela parte contrária de uma mera fotocópia (não certificada) de um documento do registo (automóvel) equivale ao reconhecimento implícito da sua conformidade com o original.
IV - O registo automóvel, à semelhança do que é regra no registo predial (art.º 1º do Código do Registo Predial), não tem efeito constitutivo (como acontece com a hipoteca, p. ex.) ou transmissivo. Tem como efeito primordial conceder ao facto registado uma forma de publicidade organizada, independentemente de qualquer efeito jurídico específico. É o que se chama de efeito declarativo ou enunciativo.
V - Porém, a presunção emanada do art.º 7º do Código do registo Predial protege o titular inscrito, na medida em que lhe facilita a prova da titularidade do direito inscrito, ao inverter o respetivo ónus (art.ºs 344º, nº 1 e 350º, nº 1, do Código Civil).
VI - O perfil da ação de reivindicação afere-se pela causa pretendi que, nas ações reais, como expressamente dispõe o nº 4 do citado art.º 581º do Código de Processo Civil, é o facto jurídico de que deriva o direito real, facto que, em concreto, deve ter a força suficiente para criar a favor do reivindicante e nele radicar o domínio da coisa reivindicada; e pelos pedidos que são dois: o do reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o da restituição da coisa, por outro.
VII - Cabe à parte contrária invocar e provar o facto impeditivo da entrega ou restituição do bem. Caso contrário --- não demonstrando que tem sobre ele outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a possui por virtude de direito pessoal bastante, ou ainda que o bem pertence a terceiro, nada obstará à sua restituição.
VIII - É o que acontece quando o R., mecânico que recebeu o veículo na sua oficina para diagnóstico e orçamentação de reparação, não justifica o direito de retenção que invoca.

Texto Integral

Proc. nº 1002/21.9T8GDM.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar – J3

Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
AA, residente na Rua ..., nº ..., 1º Dtº, Frente, ... Porto, instaurou ação declarativa com processo comum contra BB, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... Gondomar, alegando essencialmente que, sendo proprietário de um determinado veículo, colocou-o na oficina mecânica do R. a fim de que este elaborasse um orçamento de vistoria do mesmo. O R. nunca elaborou esse orçamento e o A. solicitou a dois amigos e estes anuíram em ir à dita oficina para levantarem o veículo, aos quais o R. recusou a sua entrega, tal como recursou fazê-lo diretamente ao A. e a través da sua advogada, o que tem perturbado o seu direito de propriedade e a sua posse.
A situação de imobilização do veículo tem acarretado vários danos no mesmo e desvalorização comercial, além do prejuízo emergente da privação do uso.
O A. fez culminar o seu articulado com o seguinte pedido:
«a) Seja declarado que o autor é proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-.., melhor identificado no item 1º da p.i.;
b) Seja o réu condenado a reconhecer o direito de propriedade do autor e a restituir-lhe o automóvel que detém;
c) Seja o réu condenado, pela detenção indevida, a pagar ao autor a quantia diária de 50.00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da detenção (1 de novembro de 2020) até sua efetiva entrega;
d) Seja o réu condenado a pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, quantia não inferior a 50,00€, diários, até à entrega do imóvel, acrescida de juros, à taxa de 5% ao ano;
e) Seja o réu condenado a pagar ao autor, pelos danos causados no veículo por aquela no móvel em causa, a quantia que se vier a apurar em execução de sentença.»

Citado, o R. ofereceu contestação pela qual impugnou grande parte da matéria alegada na petição inicial. Alegou essencialmente que é mecânico e que quem o contactou para a elaboração de um orçamento de diagnóstico a uma avaria no motor do veículo foi CC. Elaborou o orçamento e o CC aceitou-o, dando ordens para a execução do serviço. Efetuado o diagnóstico da avaria, o CC não deu ordem de reparação nem procedeu ao seu levantamento, apesar de o R. o ter alertado para que o levantasse com brevidade dado o espaço que estava a ocupar na sua oficina e o prejuízo que isso lhe causava. Recusou efetuar a entrega aos dois indivíduos que apareceram na sua oficina, porque o trabalho que realizou não foi pago. Desconhece quem seja o proprietário do veículo.
É-lhe devido o preço do serviço de diagnóstico prestado e afirma-se no direito de retenção do veículo enquanto aquele não for pago.
Sob o artigo 41º, o R. declarou impugnar os documentos juntos com a petição inicial, ao abrigo dos art.ºs 444º e 446º do Código de Processo Civil (cf. artigo 41º da contestação).
Concluiu no sentido de que a ação seja julgada improcedente, com a sua absolvição do pedido.
O tribunal proferiu despacho fundamentado, com a seguinte decisão:
«(…)
Ante o exposto, ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 2 alínea b) e n.º 4 do Código de Processo Civil, convida-se o Autor a completar, no prazo de 10 dias, a petição inicial, suprindo as aludidas insuficiências.
No mesmo prazo, deverá o Autor juntar aos autos certidão de registo automóvel contendo todo o histórico de inscrições relativas ao veículo em causa nos presentes autos.
Notifique as partes do presente despacho, desde já se concedendo o prazo de 10 dias ao Réu, para o exercício do contraditório quanto ao articulado que venha a ser apresentado.»
O A. juntou nova petição inicial aperfeiçoada e, quanto ao pedido, alterou apenas a al. e), da qual passou a constar a indicação da quantia de € 4.000,00 como sendo o valor do dano contabilizado na data do articulado inicial.
Juntou uma fotocópia que aparenta corresponder a um documento emitido pelo serviço de registo automóvel.
O tribunal dispensou a audiência prévia, saneou o processo, identificou o objeto do litigio, especificou os temas de prova e pronunciou-se sobre os meios de prova.
Teve lugar a audiência final, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Em face do exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo o Réu BB dos pedidos.
Custas da ação a cargo do Autor».
Na sentença, o tribunal concedeu às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre a verificação dos requisitos de condenação do A. como litigante de má fé.
Apenas o A. se pronuncio sobre o tema, por requerimento de 10.3.2022, no sentido de que tal pedido seja julgado improcedente.
Por despacho fundamentado de 1.4.2022, o tribunal conheceu daquele incidente, com o seguinte dispositivo:
«Considerando a gravidade da conduta do Autor, que com a sua tese insustentada por qualquer meio de prova, obrigou o Tribunal e o Réu a dispêndio de meios, ao abrigo do disposto no art. 542.º, n.º 1 do C.P.Civil e do art. 27.º, n.º 1 do R.C.Processuais, condeno o Autor AA, como litigante de má fé, em multa de 4 (quatro) UC`s.»

*
Inconformado, apelou o A. da sentença, alegando com as seguintes CONCLUSÕES[1]:
«A. A sentença de que se recorre padece de nulidades, por violação das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
B. Existe ambiguidade ou obscuridade na sentença que torna a mesma ininteligível, bem como, entendemos que que a mesma não conheceu de questões que deveria apreciar, verificando-se uma omissão de pronúncia – salvo o devido respeito que é muito.
C. Podemos constatar que foi considerado na sentença do Tribunal “a quo” como facto provado que “…DD e EE deslocaram-se às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa. (artigo 10.º)” – cfr. item 1) dos factos provados constantes na sentença recorrida.
D. Verificamos que foi considerado na mesma sentença do Tribunal “a quo” como facto não provado que “Em outubro de 2020, o autor solicitou a dois amigos, por duas vezes, de nome DD e EE, que se deslocassem às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa (artigo 10.º)” – cfr. artigo 18) dos factos não provados constantes na sentença recorrida.
E. Dos factos não provados da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que “o autor interpelou, por várias vezes, o réu, com o intuito de levantar o automóvel, mas este, por razões que são completamente alheias àquele, recusou-se a entregar o mesmo” “ E fê-lo presencialmente, por si ou por terceiros a seu pedido, estes na pessoa da sua Mandatária por meio da carta referida em 3)”.
F. Consta dos factos provados da sentença recorrida que “A mandatária do Autor remeteu ao réu, no dia 6 de novembro de 2021, uma carta a interpela-lo para a entrega do aludido veículo automóvel (artigo 14.º)”.
G. Verifica-se, na mesma sentença, que o Tribunal “a quo” considerou ainda provado que “O réu não entregou o veículo automóvel em causa (artigo 15.º)”.
H. Considerou ainda o Tribunal “a quo” na sua sentença, como facto provado que “Nos dois momentos em que os Srs. DD e EE (…) se dirigiram ao domicílio profissional do réu para procederem ao levantamento da viatura, este informou os mesmos que não entregaria tal viatura; (artigo 11.º)” – cfr. artigo 2) dos factos provados.
I. Existem fundamentos na sentença que o Autor não consegue compreender, nomeadamente, deparando-se que o mesmo facto julgado pelo Tribunal “a quo” como provado, este Tribunal declara-o, na mesma sentença, mais à frente, como não provado, como são os casos aqui vertidos nos itens 10) e 11) deste libelo.
J. A a sentença recorrida mostra-se, em nosso modesto entendimento, ininteligível e em oposição, porquanto a mesma dá factos como provados, sendo que, apreciando a matéria não provada, os raciocínios elaborados nesta, contrariam aquela factualidade.
K. Verifica-se incompreensão de fundamentos e oposição dos mesmos – temos a oposição entre o facto dado como provado no item 1) dos factos provados da sentença do Tribunal “a quo”, que posteriormente é dado como não provado no item 18) dos factos não provados da mesma.
L. Verifica-se na Sentença do Tribunal “a quo” ininteligibilidade da decisão e oposição –, temos o declarado nos itens 20) e 21) dos factos não provados da sentença do Tribunal “a quo”, e o facto 3) dado como provado na mesma sentença, isto é, o Tribunal “a quo” entende que não foi provado que o autor não interpelou o réu para levantar o automóvel (pelo menos) na pessoa da sua mandatária, mas, ao mesmo tempo, considera provado que a sua mandatária remeteu missiva a interpela-lo para entrega do veículo.
M. Não se compreende como poderá o Tribunal “a quo” entender como não provado que os Srs. DD e EE se deslocaram às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa, sendo que, no 1º parágrafo das suas motivações quanto à matéria de facto fixada, refere que “O Tribunal formou a sua convicção dos factos provados alegados pelo autor na admissão dos mesmos pelo Réu, atentos os termos da contestação, na qual o Réu não nega a entrega da viatura na sua oficina (o que confirmou em audiência) e ainda a recusa de entrega-la às duas pessoas que o Autor identifica (…)”.
N. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” demonstra-se em oposição com ela própria, sendo ambígua e/ou obscura, razão pela qual a mesma deverá ser declarada nula nos termos do artigo 615º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, nulidade que aqui expressamente se argui.
O. O Autor propôs-se provar que “O autor é legítimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..”, conforme se extrai do item 1) da petição inicial.
P. O Tribunal “a quo” uma das questões que definiu no ponto II da sentença recorrida que, de acordo com o artigo 607º, nº 2 do Código de Processo Civil, as questões que cumpria solucionar, as quais se passam a expender: Propriedade do veículo.
Q. Ao omitir a decisão de uma questão que o próprio Tribunal “a quo” entendeu dever decidir, constitui uma nulidade insanável por omissão de pronúncia, estatuído no artigo 615º, nº1, al. d) do CPC, que aqui expressamente se argui e deve ser declarada.
R. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, tanto mais que, não especifica os fundamentos que justificam a decisão, pelo que a sentença é nula nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea c) e d) do Código de Processo Civil, nulidade que aqui expressamente se argui e deve ser declarada.
S. A improcederem os argumentos aduzidos no capítulo supra – o que só por hipótese académica se admite -, sempre se dirá que a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, seja a documental, seja a testemunhal – gravada – não foi devidamente apreciada pelo Tribunal “a quo”, pelo que passamos a impugnar a que entendemos merecer entendimento diferente da convicção formulada por aquele Tribunal.
T. Consideramos que deve ser inserido nos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” o facto que: “O autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..”, facto este constante do item 1) da petição inicial.
U. Deverá ser inserido nos factos provados da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que “Tal bem móvel foi adquirido pelo autor em 2007, por contrato de compra e venda celebrado com a sociedade “Q..., S.A.”” e “Aquisição esta registada na conservatória do Registo Automóvel competente.”;
V. O Autor com a sua petição inicial juntou, para demonstração da sua aquisição do veículo automóvel em causa, uma cópia não certificada do histórico dos registos que sobre o mesmo pendem.
W. Tal documento, foi emitido pela Conservatória do Registo Predial e Comercial de Vila Nova de Famalicão, assinada pela funcionária responsável pela emissão do documento, e carimbada pelos mesmos serviços.
X. O documento junto aos autos pelo Autor espelha a descrição pormenorizada de todos os registos existentes sobre o veículo, extraindo-se da Ap. ..., de 27/06/2007 o registo da propriedade do veículo de matrícula GX-..-.. – objeto dos autos – a favor do AA, aqui Autor.
Y. O documento não foi impugnado pelo Réu aquando da sua junção por parte do Autor, nem foi objeto de qualquer impugnação da letra, assinatura ou conteúdo.
Z. O documento em causa é um documento exarado por uma autoridade pública competente, por quem exerce publicamente as respetivas funções, com carimbo de tal autoridade, apesar de não ser certificado pela mesma.
AA. Parece-nos que nada obsta a que tal documento seja qualificado como similar a um documento autêntico, e, como tal, beneficia da força probatória estatuído pelo artigo 371º do Código Civil, pois não foi arguida a sua falsidade pelo Réu.
BB. Não obstante, nos termos das disposições especiais previstas no artigo 380º e seguintes do Código Civil, mais concretamente nos artigos 384º, 386º e 387º, tal documento deverá merecer a mesma força probatória do documento original ou das certidões de teor.
CC. O documento não foi impugnado, nem o Tribunal ou o Réu viram a necessidade de aquele ter sido confrontado com o original ou com a certidão de onde foram extraídas ou, ainda, do documento arquivado na Conservatória do registo Automóvel.
DD. Assim, este facto - “O autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..” – deveria ter sido dado como provado.
EE. Caso assim não se entenda, tal documento deve ser, em alternativa, qualificado, pelo menos como documento particular (cfr. artigo 363º do Código Civil).
FF. O Réu não alegou que tal documento não fora emitido pela Conservatória do Registo Automóvel.
GG. Está provada a autenticidade de tal documento (cfr. artigo 374º do Código Civil).
HH. Estando demonstrada a autenticidade de tal documento, nos termos do artigo 376º, nº 2 do Código Civil, este tem força probatória plena quanto aos factos nele contidos, isto é a propriedade do automóvel em causa ser, desde o ano de 2007, do Autor!
II. Parece-nos claro, que deve ser inserida na matéria provada que o “O autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..”, tendo por fundamento o teor do documento junto aos autos como documento nº 3 junto aquando da junção da petição inicial aperfeiçoada, onde constam todos os registos sobre o automóvel objeto da presente ação, documento este emitido pela Conservatória do Registo Predial e Comercial de Vila Nova de Famalicão com toda a consequência daí advinda na aplicação do direito ao caso concreto, pelo que se pede seja revogada a Sentença recorrida por Acórdão que decrete tal propriedade.
JJ. Nos termos do código do registo predial, no seu artigo 7º (ex vi o art. 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 02/12), beneficia de presunção legal quem tiver propriedade registada a seu favor.
KK. Nos termos do artigo 350º do Código Civil “1.quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, “2.as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário (…)”.
LL. Para além de entendermos resultar, expressamente, dos documentos juntos aos autos pelo Autor que este é proprietário do aludido veículo, não poderemos deixar de dar relevo aos depoimentos das testemunhas DD e EE, arroladas pelo Autor.
MM. O Tribunal “a quo” na sua motivação referiu que “A testemunha DD afirmou que, efetivamente, o Autor utilizava a viatura, mas ficou surpreendido porque não sabia que a mesma era propriedade do Autor”.
NN. Ouvindo o depoimento da referida testemunha facilmente se constata que do depoimento da mesma não se extrai qualquer afirmação no sentido escrito pelo Tribunal.
OO. Tal testemunha, em vários momentos do seu depoimento refere de forma clara e inequívoca que o veículo automóvel em apreço é do Autor e que era este quem circulava com o mesmo.
PP. Do depoimento supra transcrito e no qual sublinhamos a negrito o que entendemos ser o mais evidente para a questão sindicada, parece-nos que poderemos concluir em sentido divergente do que a conclusão tomada pelo Tribunal “a quo” ao invés de existir um qualquer estado de surpresa por parte da testemunha quando confrontado com o proprietário do veículo em causa seria ao Autor;
QQ. Existiu, outrossim, afirmações perentórias da testemunha DD à mesma questão repetida por diversas vezes pelo Tribunal “a quo” sobre quem seria o proprietário do veículo GX-..-.., ao que a mesma repetiu “o carro é do Sr. AA”.
RR. Também do depoimento da Testemunha EE, parece-nos resultar claro a sua perentoriedade em afirmar que o veículo de matrícula GX-..-.. é da propriedade do Autor.
SS. O Tribunal “a quo” não obstante o dito pelas testemunhas supra identificadas nos excertos supra transcritos, escreve na motivação da sentença a páginas 9 que “Ademais, as testemunhas afirmam desconhecer que o Autor seja o proprietário da viatura, pelo que, a ter-lhes sido feita a solicitação pelo Autor, só pode ter sido porque pensavam que a viatura era da empresa, sendo o Autor o seu superior hierárquico.”, sendo esta conclusão do tribunal completamente antagónica pelo dito pelas testemunhas, não tendo qualquer suporte ou correspondência com a prova testemunhal produzida nos autos, nulidade que aqui se invoca. Cfr. artigo 615º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil.
TT. Estamos face a um manifesto erro de julgamento, nomeadamente na apreciação da prova gravada, o que deverá ser atendido pelo Tribunal superior com a consequente revogação da Sentença por Acórdão que também por este argumento deverá inserir na matéria dada provada o facto “O autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..”.
UU. De acordo com o que as referenciadas testemunhas depuseram em Audiência de Discussão e Julgamento, referindo, de forma inequívoca que o aludido automóvel é propriedade do Autor, bem como era este que o conduzia diariamente.
VV. Perante a prova descrita, não se compreende, nem se aceita, que o Tribunal “a quo” não tenha considerado provado que o veículo automóvel em causa é propriedade do Autor.
WW. O Tribunal “a quo”, deveria ter dado como provado a matéria de facto descrita, uma vez que, da reapreciação do suporte probatório – nomeadamente a prova testemunhal gravada e documental –, resultou que o Autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-...
XX. Deve o Tribunal “ad quem” julgar provado o item 1) da petição inicial, mormente, “O autor é legítimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..”, e inseri-lo na matéria dada como provada.
YY. Deve o Tribunal “ad quem” julgar provado os itens 10) e 11) dos factos não provados constantes da sentença do Tribunal “a quo”, concretamente, “Tal bem móvel foi adquirido pelo autor em 2007, por contrato de compra e venda celebrado com a sociedade “Q..., S.A.”” e “Aquisição esta registada na conservatória do Registo Automóvel competente.” - Ap. ..., de 27/06/2007.
ZZ. E ainda, os artigos 18), 19), 20), 21) e 23) dos factos considerados não provados pelo Tribunal “a quo”.
AAA. Deverá o Tribunal “ad quem” ordenar que o veículo automóvel em contenda seja restituído ao Autor, tendo em conta, desde logo, que o Réu não logrou demonstrar qualquer direito que lhe permita obstar aquela restituição, como infra se alegará em sede das questões de direito.
BBB. A decisão do Tribunal “a quo”, vertida na Sentença da qual interpomos o presente recurso, não apreciou, da melhor forma, a prova produzida em julgamento, errando na interpretação do Direito Substantivo que aplicou naquela decisão.
CCC. Consideramos que deverá ser modificada a matéria de facto dada como provada na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, como se aludiu supra, pelo que deverão ser considerados provados os seguintes factos: “O autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ...
TE, e de matrícula GX-..-..”;“Tal bem móvel foi adquirido pelo autor em 2007, por contrato de compra e venda celebrado com a sociedade “Q..., S.A.”” e “Aquisição esta registada na conservatória do Registo Automóvel competente.”.
DDD. Como se explicitou supra e que damos por reproduzido para todos os efeitos legais, encontra-se demonstrada a autenticidade do documento junto autos como documento nº 3 aquando da junção da petição inicial corrigida e que este tem força probatória plena quanto aos factos nele contidos, isto é a propriedade do automóvel em causa ser, desde o ano de 2007, do Autor, nos termos dos normativos enunciados.
EEE. Resulta claro que o veículo automóvel de matrícula GX-..-.. encontra-se registado a favor do Sr. AA, aqui Autor.
FFF. Goza o Autor da presunção da titularidade do direito de propriedade estabelecida no artigo 7º do Código do Registo Predial (ex vi o art. 29º do Decreto-Lei nº 54/75, de 02/12).
GGG. Não obstante a presunção legal prevista naquele artigo 7º do Código do Registo Predial ser ilidível, dispensa quem dela beneficia de provar o facto a que ela conduz, de acordo com o disposto no artigo 350º do Código Civil.
HHH. Esta presunção é ilidível, cabendo então ao Réu fazer prova de que a inscrição feita a favor do Autor não corresponde à realidade jurídica – o que o Réu não fez.
III. Encontra-se presumida, por presunção não ilidida pelo Réu, a propriedade do Autor sobre aquele veículo automóvel de matrícula GX-..-...
JJJ. O Réu não logrou demonstrar qualquer direito de crédito que lhe atribuísse a faculdade de deter o veículo de matrícula GX-..-.., contra o seu proprietário, muito menos alegou o Réu – muito menos provou – um qualquer direito real que se opusesse ao direito real que o Autor se arroga ter sobre aquele veículo.
KKK. O Réu não alegou, muito menos provou – conforme resulta da matéria dada como provada e não provada – quaisquer factos que lhe permitissem uma qualquer retenção ou outro direito que lhe permitisse recusar a entrega do veículo automóvel ao Autor, legitimo proprietário do mesmo.
LLL. Deverá o Tribunal “ad quem” substituir a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” por Acórdão que reconheça o direito de propriedade do veículo automóvel de matrícula GX-..-.. ao Autor, e, consequentemente, ordenar o Réu a restituir ao Autor o mesmo.
MMM. O Tribunal “a quo” na matéria de Direito da sua Sentença, na página 13 da mesma, refere que “(…) O Autor, alegando que o Réu está na posse da viatura porque tal se mostraria essencial à realização da prestação a que se obrigou em função de contrato entre ambos celebrado, teria que demonstrar o incumprimento contratual e, consequentemente, que o Réu deixou de estar legitimado a estar na posse da viatura”.
NNN. O Autor arroga-se proprietário do automóvel de matrícula GX-..-.., propriedade esta suportada pela sua fé registral – e na posse.
OOO. Em momento algum, foi alegado e/ou peticionado pelo Réu qualquer direito real incompatível com o da propriedade do Autor;
PPP. Muito menos o Autor alegou a posse do Réu sobre o veículo automóvel em apreço, ao contrário do quer fazer crer o Tribunal “a quo” na parte de Direito da Sentença por si proferida.
QQQ. Em momento algum, no caso dos autos, o Réu arroga-se proprietário do veículo automóvel de matrícula GX-..-.. tendo por base a posse do mesmo.
RRR. O Réu nunca poderia arguir a posse do veículo automóvel em contenda, como não arguiu, uma vez que na sua contestação refere que o veículo lhe foi entregue para realizar uma prestação de serviços, no âmbito do seu labor.
SSS. O Réu não tem – nem nunca teve – a posse do veículo automóvel em contenda, nem o mesmo o alegou na sua contestação.
TTT. O “a quo” confundiu a figura jurídica da posse com a detenção.
UUU. O Réu alegou que é mero detentor da viatura de matrícula GX-..-.. para cumprimento de uma prestação de serviços que alega ter-lhe sido contratada, prestação da qual nasceu um alegado crédito, factos que não logrou provar.
VVV. O Réu nem peticionou, qualquer direito de crédito sobre o Autor que lhe permitisse exercer um direito de retenção sobre o veículo automóvel de matrícula GX-..-...
WWW. A motivação constante da Sentença do Tribunal “a quo” padece de erro, pois este Tribunal entendeu que o Réu se encontra na posse do veículo automóvel de matrícula GX-..-.. para a realização de um serviço realizado por este.
XXX. Estamos perante uma detenção e não um ato de posse, pois o Réu nunca invocou qualquer facto do qual se pudesse extrair a posse, alegando, no entanto, que o carro estaria na “sua mão” para uma reparação mecânica, o que era a sua profissão!
YYY. O Réu não logrou provar qualquer direito de crédito sobre o Autor, nem o peticionou, razão pela qual não tem qualquer legitimidade para deter o veículo automóvel de matrícula GX-..-.., propriedade do Autor.
ZZZ. A inibição que o Réu está a protagonizar ao Autor, do pleno exercício do direito de propriedade deste, é ilícita, devendo ordenar-se a restituição ao Autor por parte do Réu do veículo automóvel de matrícula GX-..-.., peticionada, nos termos do artigo 1311º do Código Civil.
AAAA. Deverá o Tribunal “ad quem” substituir a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” por Acórdão que, condene o Réu a reconhecer a propriedade do veículo de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-.. a favor do Autor; e ordene a sua restituição a este.» (sic)
Pretende a substituição da sentença por acórdão que:
«a) Declare a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” nula, por estar em oposição com ela própria, sendo ambígua e/ou obscura, termos do artigo 615º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, nomeadamente, ao dar como provados factos que também os insere na matéria dada como não provada, nomeadamente, os factos ínsitos no item 1 dos factos provados e 18 dos factos não provados; e ainda os factos dados como não provados nos itens 20 e 21 e os julgados como provados no item 14;
b) Declare nula a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, por esta omitir a decisão de uma questão que o próprio Tribunal “a quo” entendeu dever decidir, verificando-se uma nulidade insanável por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº1, al. d) do CPC;
c) Reaprecie a prova produzida em audiência, e em especial a prova gravada, e nessa sequência, deve o Tribunal “ad quem” julgar provados os seguintes factos alegados pelo Autor, e inseri-lo na matéria dada como provada, e alterar de não provados para provados, os seguintes:
(…)»
d) condene o Réu a reconhecer a propriedade do veículo de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-.. a favor do Autor; e ordene a sua restituição a este.»
*
Não se conformado também com o despacho que o condenou como litigante de má fé, o A. dele apelou também.
*
O R. não ofereceu contra-alegações relativamente a qualquer um dos recursos.

O tribunal recorrido admitiu ambos os recursos interpostos e pronunciou-se sobre as invocadas nulidades da sentença, negando a sua verificação.
Porém, na Relação, foi admitido pelo relator o recurso da sentença com subida imediata e nos próprios autos, e, quanto ao recurso da decisão condenatória do A. como litigante de má fé, foi ordenada a sua separação, como recurso autónomo.
*
*
Foram colhidos os vistos legais.

II.
A matéria a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (e não tenha sido decidido com trânsito em julgado) --- está aqui delimitada pelas conclusões da apelação do A. interposta da sentença, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Estão para a apreciar e decidir as seguintes questões:
1. Nulidades da sentença;
2. Contradição entre matéria de facto dada como provada e não provada;
3. Impugnação da decisão proferido em matéria de facto;
4. O direito de propriedade do veículo;
5. A ação de reivindicação, os seus requisitos e o pedido de restituição do veículo.
*
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância[2]:
1) … DD e EE deslocaram-se às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa. (artigo 10.º)
2) Nos dois momentos em que os Srs. DD e EE (…) se dirigiram ao domicílio profissional do réu para procederem ao levantamento da viatura, este informou os mesmos que não entregaria tal viatura; (artigo 11.º)
3) A mandatária do Autor remeteu ao réu, no dia 6 de novembro de 2021, uma carta a interpelá-lo para a entrega do aludido veículo automóvel. (artigo 14.º)
4) O réu não entregou ao autor o veículo automóvel em causa. (artigo 15.º)

Da Contestação
5) O Réu dedica-se, por conta própria, à prestação de serviços de mecânica automóvel. (artigo 4.º)
6) No exercício daquela atividade, o Réu foi contactado pelo Senhor CC a questionar se teria oportunidade para realizar um diagnóstico a uma avaria no motor de uma viatura automóvel, da marca Mercedes, modelo ..., com a matrícula GX-..-... (artigo 5.º)
7) A viatura automóvel acima indicada foi entregue nas instalações do Réu no dia 29 de setembro de 2020. (artigo 9.º)
8) A viatura automóvel identificada foi transportada de reboque para as instalações do Réu. (artigo 10.º)
9) O Réu respondeu à carta referida em 3), rejeitando a entrega da viatura, enquanto não lhe fosse liquidado o pagamento do serviço prestado. (artigo 27.º)
*
Na sentença considerou-se não provada a seguinte matéria:

Da Petição Inicial
10) O autor comprou, em 2007, à sociedade “Q..., S.A.” o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo ..., e com a matrícula GX-..-..; (artigos 1.º e 2.º)
11) Aquisição essa registada na Conservatória do Registo Automóvel. (artigo 3.º)
12) Em 29 de setembro de 2020, o autor procurou o réu com intuito de este apresentar um orçamento para proceder à vistoria ao aludido veículo automóvel. (artigo 4.º)
13) O réu solicitou ao autor, para que pudesse realizar o mencionado orçamento, lhe deixasse ficar o veículo na sua oficina. (artigo 5.º)
14) Nessa sequência, o autor anuiu ao pedido do réu, e deixou o veículo em apreço na oficina deste, sita na Rua ..., ..., ... Gondomar. (artigo 6.º)
15) Tal orçamento foi solicitado porquanto o automóvel já é antiquado, e nessa medida, o autor pretendia perceber, primeiramente, se valeria a pena despender de qualquer quantia na vistoria do mesmo. (artigo 7.º)
16) Se o orçamento que o réu apresentasse para proceder à vistoria do mencionado veículo automóvel fosse muito oneroso, o autor não pretendia sequer adjudicar o serviço. (artigo 8.º)
17) Acontece que, os meses foram passando, e apesar da insistência do autor, o réu nunca entregou o orçamento àquele, referindo sempre que se encontrava com muito serviço, e que ainda não tivera tempo para elaborar o orçamento solicitado. (artigo 9.º)
18) Em outubro de 2020, o autor solicitou a dois amigos, por duas vezes, de nome DD e EE, que se deslocassem às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa. (artigo 10.º)
19) … em representação do autor,…; (artigo 11.º)
20) O autor interpelou, por várias vezes, o réu, com o intuito de levantar o automóvel, mas este, por razões que são completamente alheias àquele, recusou-se a entregar o mesmo. (artigo 13.º)
21) E fê-lo presencialmente, por si ou por terceiros a seu pedido, estes na pessoa da sua Mandatária por meio da carta referida em 3). (artigo 14.º)
22) O réu nunca apresentou ao autor qualquer orçamento para vistoria nem este, em momento algum, deu ordem ou assinou qualquer “folha de obra” a aprovar um orçamento. (artigo 16.º)
23) Apesar de o autor já se ter deslocado imensas vezes ao local para tentar reaver o seu automóvel, o certo é que até hoje, o réu não procedeu à sua entrega. (artigo 17.º)
24) O automóvel, pelo facto de se encontrar parado, sofreu os seguintes danos: as lonas dos freios dos travões ficaram coladas aos tambores, com necessidade de serem mudadas; os pneus ficaram deformados; a bateria ficou descarregada, o que diminui a sua durabilidade e causa a sua inutilização; o tanque do combustível e o próprio combustível existente no veículo estão a degradar-se e as peças do veículo, nomeadamente, a mangueira, filtros de partículas, filtros de óleo, óleo injetores, líquido de refrigeração, mangueiras, velas, sistema de refrigeração e climatização degradam-se; (artigos 18.º a 24.º)
25) A falta de lubrificação das componentes do motor fazem com que estas sequem e se estraguem, ao ponto de terem que ser substituídas, o que está a suceder no veículo em causa; (artigo 25.º)
26) Bem como criação de bolores na pintura com o desgaste da mesma, o que está a acontecer no veículo em causa. (artigo 26.º)
27) Quanto mais tempo o veículo estiver parado, maior o risco de esses danos se tornarem permanentes, sendo que os que estão supra discriminados já se tornaram, e consequentemente será necessária uma reparação. (artigo 27.º)
28) Estes danos, no momento, já são superiores a € 2 000,00 (dois mil euros). (artigo 28.º)
29) O automóvel em causa tem um valor de mercado superior a € 4 000,00 (quatro mil euros). (artigo 30.º)

Da Contestação
30) Em face daquela solicitação, o Réu informou o Senhor CC que o serviço solicitado teria um custo a rondar os € 300,00 (trezentos euros), acrescido do respetivo imposto. (artigo 6.º)
31) Uma vez que seria necessário proceder à desmontagem do motor. (artigo 7.º)
32) O senhor CC aceitou aquele orçamento, tendo dado ordens para proceder à entrega da viatura automóvel identificada nas instalações do Réu e para que este realizasse o serviço. (artigo 8.º)
33) O Réu, após a entrada da viatura automóvel na sua oficina, procedeu ao diagnóstico da avaria do motor, tendo, para tanto, procedido à desmontagem do mesmo, e realizado um teste de compressão ao motor. (artigos 11.º e 12.º)
34) Após aquele diagnóstico e o valor avançado para a realização da intervenção técnica para debelar aquela avaria, o senhor CC não deu ordem de reparação da viatura, assim como não procedeu ao levantamento da mesma. (artigos 13.º e 14.º)
35) O Réu alertou o senhor CC que a viatura automóvel deveria ser levantada com a maior brevidade possível, porquanto estava a ocupar um espaço nas instalações do Réu que serviria para reparar outras viaturas automóveis. (artigos 15.º e 16.º)
36) Foi igualmente alertado para o facto de estar a ser cobrada uma taxa de parqueamento, no valor de € 0,80 (oitenta cêntimos)/hora, à aludida viatura automóvel, como era do conhecimento do senhor CC, uma vez que o Réu já tinha, por diversas vezes, reparado várias viaturas automóveis daquele cliente. (artigos 17.º e 18.º)
37) O qual tinha conhecimento dos valores que o Réu aplicava, inclusivamente a título de parqueamento. (artigo 19.º)
38) O Réu não voltou a ser contactado pelo senhor CC. (artigo 20.º)
39) Tendo recebido nas suas instalações, em data anterior a 9 de Novembro de 2020, a visita de dois indivíduos, que não sabe identificar, a solicitar a entrega da viatura automóvel. (artigo 21.º)
40) Contudo, o Réu não acatou aquele pedido, desde logo, porque não se identificaram, e o serviço tinha sido solicitado pelo senhor CC. (artigos 22.º e 23.º)
41) Por outro lado, recusaram a efetuar o pagamento do serviço prestado pelo Réu. (artigo 24.º)
42) Em face daquela solicitação do Autor, o Réu tentou entrar em contacto, por diversas vezes, com o senhor CC, questionando-o do motivo de estar outra pessoa a arrogar-se proprietário da viatura automóvel identificada. (artigo 28.º)
43) Porém, o senhor CC não voltou a atender as chamadas telefónicas do Réu. (artigo 29.º)
44) Assim, na ausência de uma resposta do senhor CC, o Réu emitiu, a 10 de Dezembro de 2020, a fatura do serviço prestado, bem como do parqueamento da mesma e remeteu-a ao senhor CC. (artigos 30.º e 31.º)
45) O pagamento da fatura não foi realizado pelo senhor CC, tendo o Réu dado entrada de uma injunção contra o mesmo, a qual correu termos no Balcão Nacional de Injunções, sob o n.º 24513/21.1YIPRT. (artigo 32.º)
46) A viatura aqui em crise aparenta não circular há mais de 4 anos, até pelas avarias mecânicas e elétricas que regista. (artigo 35.º)
*
IV.
Apreciação das questões da apelação

1. Nulidades da sentença
O A. recorrente invocou a nulidade da sentença, com os fundamentos previstos das al.s b), c) e d) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil.

Quanto à al. c), diz o apelante que a decisão padece de ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível, porque existem fundamentos na sentença que o A. não consegue compreender, designadamente a constatação, em oposição, dos mesmos factos como provados e não provados. Alega ainda que o tribunal extraiu conclusões em matéria de facto que são completamente antagónicas com o que foi afirmado pelas testemunhas e que não têm qualquer suporte probatório.
No que respeita às al.s b) e d), o tribunal omitiu fundamentação e decisão sobre a propriedade do veículo (na conclusão R) referiu-se às al.s c) e d), mas terá querido indicar as al.s b) e d)).
Comecemos a nossa análise pelos fundamentos de nulidade previstos na al. c) do nº 1 do art.º 615º.

São dois os alegados fundamentos de nulidade da sentença com referência ao art.º 615º, nº 1, al. c):
- Ambiguidade e obscuridade quanto aos seus fundamentos; e
- Contradição entre a matéria de facto e o que foi afirmado pelas testemunhas e contradição ente a matéria dada como provada e não provada.
Vejamos.
As causas de nulidade de uma sentença (ou de um despacho) estão taxativamente expressas nos art.ºs 613º, nº 3 e 615º, nº 1, designadamente em conjugação com os art.ºs 666º, nº 1 e 679º, todos do Código de Processo Civil. Correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, e devem ser arguidas de harmonia com aquele primeiro preceito legal, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem. Constituem vícios intrínsecos da decisão, que, por serem considerados graves, comprometem a sentença ou o despacho qua tale, considerando-os peças imprestáveis, insuscetíveis de cumprirem minimamente o fim a que se destinam.
Dispõe a al. c) do nº 1 do art.º 615º que a sentença (ou o despacho – art.º 613º, nº 3) é nula quando os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A decisão é ambígua quando é equívoca, imprecisa, dúbia, podendo ter mais do que um sentido, contém plurissignificações argumentativas ou decisórias, deixando o intérprete sem saber o caminho que foi racionalmente seguido na fundamentação ou qual a deliberação efetivamente tomada; é obscura quando não é clara, é confusa, é difícil de entender, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal (i) ou da racionalidade do seu discernimento jurídico (ii), tendo repercussões tanto a nível declarativo (efeito imediato), como da sua consequência prática (efeito mediato).
De acordo com o referido normativo, a ambiguidade e a obscuridade só funcionam como causa de nulidade, se forem de tal modo graves que tornem a decisão ininteligível, ou seja, incompreensível. Se assim não for, a decisão pode estar viciada, a merecer correção, mas o vício pela sua menor gravidade, não justifica a nulidade.
Estes fundamentos de nulidade não se verificam. Estamos no domínio da decisão em matéria de facto e não dos fundamentos de Direito ou da decisão final da sentença. Qualquer dos factos dados como provados e não provados indicados pelo recorrente como sendo obscuros e ambíguos --- pontos 1, 2, 3, 4 e 18 --- é, em si mesmo, inequívoco e claro; basta, para tal conclusão, proceder à leitura de cada um deles para verificar que são, todos eles, absolutamente compreensíveis e inteligíveis.

Alega também o recorrente que ocorre oposição ou incompatibilidade entre o facto do ponto 1, dado como provado, e o facto do ponto 18, dado como não provado, assim como entre o facto dado como provado no ponto 3 e os factos dados como não provados nos pontos 20 e 21.
Ainda de acordo com a al. c) do nº 1 do art.º 615º, a sentença é nula se existir oposição entre os fundamentos e a decisão.
A nulidade resultará dos próprios termos da sentença e está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 154° e 607°, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil de fundamentar as decisões e, por outro lado, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Esta oposição é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir.[4]
Trata-se de um vício que compromete a decisão desde logo na sua construção. A decisão perde a sua justificação ao apoiar-se ostensivamente numa base que, na realidade, não a sustenta. Os fundamentos constantes dela conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso e querido pelo juiz subscritor, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, bastante diferente, de tal modo que a decisão não é um ato considerado racionalmente sustentado; antes revela uma distorção do raciocínio que se impõe entre as premissas de facto e de Direito e a conclusão. A fundamentação há de apontar num sentido enquanto o segmento decisório segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direção claramente diferente.
A eventual contradição entre factos dados como provados e matéria dada como não provada escapa também a esta causa de nulidade. A existir, não representa um vício entre os fundamentos e a decisão propriamente dita, mas um vício na própria decisão da matéria de facto, por isso, apreciável na sede da sua impugnação, no âmbito da aplicação dos art.ºs 640º e 662º do Código de Processo Civil. Atente-se especialmente no que dispõe o nº 1 e o nº 2, al. c) do último dos artigos citados.

Alega ainda o apelante que a nulidade ocorre em virtude de os factos terem sido julgados ao arrepio da prova produzida, nomeadamente da prova testemunhal.
Mais uma vez o recorrente lavra num equívoco. Estará em causa um erro de julgamento em matéria de facto, suscetível de impugnação em conformidade com os citados preceitos legais, e não uma situação de oposição entre os fundamentos da sentença e a respetiva decisão. Os fundamentos da sentença são os factos provados e não provados, e não os meios de prova; estes mais não são mais do que a motivação ou a fundamentação daqueles factos (art.º 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil).

Mas o A. afirma ainda, na conclusão R), a verificação das nulidades previstas nas al.s b)[5] e d) do nº 1 do art.º 615º, por o tribunal ter omitido fundamentação e decisão sobre a propriedade do veículo.
Nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b): “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
É pela fundamentação que a decisão se revela um ato não arbitrário, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional. É por ela que as partes ficam a saber da razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente admitidos.
Não surpreende, pois, que a falta de fundamentação da decisão, quando ela é devida, gere a sua nulidade. Tal falta, quer se trate de um mero despacho ou de uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira.
A norma penaliza a falta absoluta de fundamentação da decisão de uma das suas questões a tratar e decidir, não padecendo desse vício aquela que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou mesmo errada. Este é o entendimento praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência. Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afeta o valor legal da decisão.[6]
Já o Professor Alberto dos Reis escrevia[7] que «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Só aquela ausência de motivação torna a peça imprestável. A fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões de facto e de Direito que servem de apoio à solução adotada pelo julgador.
A sentença contém fundamentação em matéria de facto e em matéria de Direito. Os factos dados como provados e não provados estão acima transcritos.
Quanto à fundamentação jurídica, desenvolve-se ali argumentação relativamente ao invocado direito de propriedade do A. sobre o veículo, concluindo-se, com base nela, que “da matéria facto dada como provada resulta que o Autor não logrou provar o seu direito de propriedade sobre o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo ..., com a matrícula GX-..-..”. Em consequência, o tribunal julgou o pedido de reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre o automóvel e o pedido de condenação do R. na sua restituição improcedentes, o que se contém na decisão expressa de julgar a ação totalmente improcedente.
A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência em correlação com a respetiva causa de pedir[8]. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir, e também as exceções invocadas pela defesa.
Portanto, a sentença não só está fundamentada --- bem ou mal, não interessa para efeito da nulidade --- como decidiu --- bem ou mal, não interessa também para aqui --- a questão da propriedade do veículo, inexistindo, por isso, também o vício da omissão de pronúncia.
Improcedem todos os fundamentos que o A. invocou como causa de nulidade da sentença e, assim, a primeira questão da apelação.
Trataremos agora autonomamente a questão da existência de contradição entre matéria de facto dada como provada e não provada.
*
2. Contradição entre matéria de facto dada como provada e não provada
Ocorre oposição ou incompatibilidade entre o facto do ponto 1, dado como provado, e o facto do ponto 18, dado como não provado, assim como entre o facto dado como provado no ponto 3 e os factos dados como não provados nos pontos 20 e 21, como defende o recorrente?
O ponto 1, provado, refere: … DD e EE deslocaram-se às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa.
O ponto 18, não provado, refere: Em outubro de 2020, o autor solicitou a dois amigos, por duas vezes, de nome DD e EE, que se deslocassem às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa.
Não vemos onde esteja a contradição. Do facto de não se provar que foi o A. que solicitou àqueles dois indivíduos que fossem levantar o veículo automóvel às instalações de oficina do R., em outubro de 2020, não se segue necessariamente que os mesmos não se deslocaram a essa oficina para tal efeito. É possível que ali se tenham deslocado sem que tivesse sido a solicitação do A.
Não há aqui qualquer contradição ou oposição na decisão.

Do ponto 3 (provado) consta: A mandatária do Autor remeteu ao réu, no dia 6 de novembro de 2021, uma carta a interpelá-lo para a entrega do aludido veículo automóvel.
Dos pontos 20 e 21 (não provados) consta:
O autor interpelou, por várias vezes, o réu, com o intuito de levantar o automóvel, mas este, por razões que são completamente alheias àquele, recusou-se a entregar o mesmo.
E fê-lo presencialmente, por si ou por terceiros a seu pedido, estes na pessoa da sua Mandatária por meio da carta referida em 3).
Aqui existe evidente contradição entre o facto dado como provado sob o ponto 3 e a afirmação como não provado, no ponto 21, de aquela interpelação (através da mandatária do A.) tivesse ocorrido.
Os referidos pontos 20 e 21 integram o elenco da matéria de facto que, em sede de invocação do erro de julgamento na decisão em matéria de facto o apelante pretende que sejam considerados provados. É, naturalmente, nessa sede que a contradição deverá ser desfeita.
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2. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
O apelante deu cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil.
Pretende que seja dado como provada a matéria do artigo 1º da petição inicial, a saber:
O A. é legítimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-...
E ainda:
Tal bem móvel foi adquirido pelo A. em 2007, por contrato de compra e venda celebrado com a sociedade Q..., S.A.” (ponto 10)
Aquisição esta registada na Conservatória do Registo Automóvel competente.” (ponto 11)

Os pontos 18), 19), 20) 21) e 23) da matéria dada como não provada:
18) Em outubro de 2020, o autor solicitou a dois amigos, por duas vezes, de nome DD e EE, que se deslocassem às instalações do réu, a fim de levantarem o veículo automóvel em causa. (artigo 10.º)
19) … em representação do autor,…; (artigo 11.º)
20) O autor interpelou, por várias vezes, o réu, com o intuito de levantar o automóvel, mas este, por razões que são completamente alheias àquele, recusou-se a entregar o mesmo. (artigo 13.º)
21) E fê-lo presencialmente, por si ou por terceiros a seu pedido, estes na pessoa da sua Mandatária por meio da carta referida em 3). (artigo 14.º)
23) Apesar de o autor já se ter deslocado imensas vezes ao local para tentar reaver o seu automóvel, o certo é que até hoje, o réu não procedeu à sua entrega. (artigo 17.º)

Para prova desta matéria indicou o documento de registo junto com a petição inicial aperfeiçoada, que considerou não impugnado, e os depoimentos das testemunhas DD e EE, tendo identificado, para o efeito, as passagens dos depoimentos que considera mais relevantes.
Comecemos por observar e valorar os documentos relativos ao veículo automóvel e outras provas relevantes para efeito de determinação da pessoa do seu proprietário.
Com a petição inicial originária, o A. juntou uma suposta fotocópia do certificado de matrícula do veículo em causa, GX-..-.., de onde consta como titular do certificado/proprietário o aqui A., AA, com a residência constante dos autos. Este documento foi impugnado pelo R., BB, na contestação, onde afirmou, sob o respetivo artigo 41: “O Réu impugna, ao abrigo do disposto no artigo 444.º e 446.º do Código do Processo Civil, os documentos juntos com a petição inicial, o que faz expressa e especificadamente quanto a todos e cada um deles, pelo sentido que deles pretende retirar o Autor.”
Na sequência do despacho de aperfeiçoamento de 5.11.2021, pelo qual se ordenou também ao demandante que juntasse aos autos certidão de registo automóvel contendo todo o histórico de inscrições relativas ao veículo em causa, o A. juntou uma nova petição inicial, aperfeiçoada, e, com ela, o documento nº 3, uma suposta fotocópia de um documento emitido pelo Instituto do Registos e Notariado (não certificado) no dia 16.11.2021 (data da véspera da sua junção) relativo ao histórico das inscrições relativas ao dito automóvel, de onde resulta que o mesmo está matriculado e registado em nome do A. desde 27.6.2007, pela inscrição AP ..., ali figurando como sendo o seu proprietário, por o ter adquirido, por compra e venda, ao beneficiário anteriormente inscrito, Q..., S.A.
Este documento, tal como o documento nº 2, juntos com a petição inicial aperfeiçoada, notificados ao R., não foram por ele impugnados.
Trata o documento nº 3 de uma fotocópia de documento supostamente arquivado na Conservatória do Registo Automóvel de Vila Nova de Famalicão; porém, contendo informação não certificada, nos dizeres do próprio documento. A sua conformidade com original não é atestada pela entidade competente para emitir a respetiva certidão, pelo que não é aqui aplicável o art.º 378º, mas o art.º 368º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual “as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão”.
Como explica José Lebre de Freitas[9] “(…) não sendo impugnada a exatidão, (a fotocópia) assume a força probatória do original; sendo ela impugnada, não tem qualquer valor probatório. (…). (…) a lei tem evoluído no sentido de presumir a fidelidade da cópia não impugnada, quando ela é transmitida eletronicamente, mas conferindo ao juiz o poder de ordenar, em qualquer momento, a exibição, para confronto, do original”.
Fernando Pereira Rodrigues[10] defende também que, “neste caso a fotocópia terá a força probatória do respetivo original sem a parte contra quem for apresentada não requerer a exibição do original. Se requerer a exibição do seu original, a fotocópia não tem a força probatória do original, se este não for apresentado ou, sendo-o, se não mostrar conforme com ele (artigo 387º, nº 2, do Código Civil)”.
À parte a quem for oposta a fotocópia, bastará impugná-la, negando a sua exatidão. Nada mais tem que fazer. O ónus probatório desloca-se para o apresentante da cópia, sendo a este que caberá demonstrar que a cópia é fiel, reproduzindo com verdade o original.[11]
A falta de impugnação equivale ao reconhecimento implícito da conformidade da fotocópia com o original.[12]
Com efeito, na falta de impugnação, devem aqueles documentos ter-se por genuínos, ou seja, que constituem uma reprodução fiel dos documentos originais, designadamente quanto ao teor de registo do veículo à data da sua emissão.[13]
A fotocópia que constitui o documento nº 3 junto com a petição inicial aperfeiçoada, não tendo sido impugnada, tem exatamente o mesmo valor que o original, fazendo prova plena do conteúdo deste, ou seja, a inscrição no registo automóvel nos termos que dela constam.
Prosseguindo…
Uma vez que a fundamentação da decisão recorrida passou pela ponderação de toda a prova oralmente produzida e porque se afigurou necessário à boa compreensão dos factos impugnados, nos termos do art.º 640º, nº 2, al. b), in limine, do Código de Processo Civil, foi ouvida toda a prova gravada.
A discussão da prova, em audiência, andou essencialmente em torno de duas questões:
- A quem pertencia o veículo GX-..-.. quando foi solicitado ao R. o serviço de diagnóstico de motor; e
- Quem é que solicitou a prestação desse serviço.
A matéria impugnada na apelação respeita àquela primeira questão (artigo 1º da petição inicial e pontos 10 e 11 da matéria dada como não provada), mas não já à matéria diretamente respeitante à determinação da pessoa que contratou o serviço com o R. (ponto 12 da matéria dada como provada, que não foi impugnado).
Do referido documento de registo automóvel resulta que o veículo GX-..-.. está registado em nome do A., AA, desde 27.6.2007, por o ter comprado à sociedade Q..., S.A. (sua anterior proprietária desde janeiro de 1991).
No seu depoimento de parte, à semelhança do que alegara no artigo 29º da contestação, o R. declarou desconhecer o proprietário do veículo, mais concretamente se pertence ao A. ou a CC.
As testemunhas DD e EE são funcionários da Q..., S.A, pelo menos, desde o ano de 2006, na dependência hierárquica do A. (um diretor na empresa), tendo sido administrador dessa sociedade a testemunha CC, atualmente reformado, e cuja gestão passou a ser da responsabilidade das suas filhas (conforme depoimento das três testemunhas). Referiram que o veículo era utilizado pela esposa da testemunha CC (já falecida) e que foi vendido ao A. há vários anos, em data que não souberam precisar, que era ele que o conduzia, designadamente para casa e de casa para o trabalho, até ter ficado estacionada por longo tempo no parque subterrânea da Q..., S.A, sito nas instalações da empresa, na Zona Industrial .... O veículo tinha uma avaria no motor, que poderia ser num dos 4 cilindros (tinha um trabalhar estranho).
O documento nº 1 junto à petição inicial originária, que constitui uma cópia do certificado de matrícula do veículo como estando matriculado em nome do A., vai também ao encontro da restante prova produzida.
Assim, não há meio de prova algum que contrarie os factos registados. Pelo contrário, os três depoimentos testemunhais são consentâneos com eles. É da experiência comum que gerentes e administradores de sociedades usem e cedam o uso de veículos das empresas aos seus familiares mais próximos, dadas as vantagens fiscais daí emergentes.
A repercussão da prova na matéria impugnada e objetivada no artigo 1º da petição inicial e nos pontos 10º e 11º da matéria dada como não provada é evidente:
O artigo 1º da petição inicial --- “O autor é legitimo proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-..” --- é manifestamente conclusivo, encerrando exclusivamente matéria de Direito. Um dos pedidos essenciais da ação é a condenação do R. no reconhecimento de que o A. é o proprietário do veículo. Tal resposta, por não respeitar a matéria de facto, só por si, decidiria aquele pedido. E porque só as realidades da vida, quer se trate de factos observáveis na realidade sensorial, quer de factos psicológicos, são suscetíveis de prova, nega-se à impugnante qualquer resposta ao artigo 1º da petição inicial.
Já os pontos 10 e 11 da matéria dada como não provada merecem, por todas as razões já expostas, resposta positiva, devendo transitar para o acervo dos factos provados:
10- O A. comprou, em 2007, à sociedade Q..., S.A. o veículo de marca Mercedes, modelo ..., com a matrícula GX-..-..;
11- Aquisição essa registada na Conservatória do Registo Automóvel no dia 27.6.2007, em nome do A.

Quanto aos pontos 18, 19, 20, 21 e 23
Não existe discrepância significativa na prova oralmente produzida.
As testemunhas DD e EE são os funcionários da Q..., S.A que, nas suas palavras, se deslocaram, mais do que uma vez, à oficina do R. a partir de setembro de 2020 (o que foi, em larga medida, reconhecido pelo R.). Primeiro o DD, a pedido do A., seu superior hierárquico na empresa, e autorizado pela administração, para entregar o veículo na oficina com vista ao diagnóstico da avaria e eventual reparação posterior; depois aquelas duas testemunhas, por duas vezes, mais uma vez a pedido do A. e autorizadas pela administração, para procederem ao levantamento do veículo, o que sempre foi recusado pelo R. com vários argumentos, entre eles o de que o seu serviço não estava pago; de resto, considerando este que o devedor era o CC por o ter contratado com ele (mas não se conhecendo qualquer oposição do R. ao recebimento do preço da parte de pessoa diferente). Ficou muito claro, pelas declarações do R. e pelo depoimento de CC, que aquele já havia reparado vários veículos automóveis a pedido deste, que o considerava um bom mecânico, desconhecendo o R. a pessoa do A. até ao momento em que este compareceu na sua oficina para levantar o veículo, sem que no entanto manifestasse intenção de pagar o serviço realizado, o que o demandado recusou com o argumento de que o caso já estava entregue ao seu advogado e que deveria tratar o assunto com o mesmo.
Das declarações do R. resulta que foi o CC que enviou os dois funcionários à sua oficina para levantarem o veículo. Nesta parte, não é possível formar convicção segura de que aqueles foram enviados em representação do A.
A confiança que as declarações e os depoimentos mereceram nesta matéria, pela forma lógica e explicada como foi exposta pelos referidos depoentes, conduz à demonstração daquela matéria na seguinte medida:
18. A partir de outubro de 2020, o A. solicitou a dois funcionários subalternos da Q..., S.A, par a qual também trabalhava, de nome DD e EE, por duas vezes, que se deslocassem às instalações da oficina do R. e aí levantassem o veiculo automóvel em causa.
Mantém-se como não provado o ponto 19 da matéria de facto da sentença.
Quanto ao ponto 20, provou-se que o R. foi interpelado quatro vezes para entregar o veículo, duas vezes pelos dois funcionários da Q..., S.A, nas deslocações que, juntos, fizeram à oficina, uma vez diretamente pelo A., a única vez que se deslocou à oficina e uma outra vez por carta enviada pela advogada do A. (cf. carta junto com a petição inicial, datada de 6 de novembro de 2020)
Os pontos 20 e 21 transitam para os factos provados com o seguinte teor:
20. O A. interpelou o R., uma vez diretamente e outra vez através da sua advogada que lhe enviou a carta referida em 3, com o intuito de levantar o automóvel, mas este recusou a sua entrega, tal como fizera ao DD e ao EE.
O ponto 23 está provado apenas na medida em que já foi considerado demonstrado pelo tribunal a quo no ponto 4 dos factos provados.
Termos que procede parcialmente a impugnação da decisão em matéria de facto.
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4. O direito de propriedade do veículo
Está provado que o A. comprou, em 2007, à sociedade Q..., S.A. o veículo de marca Mercedes, modelo ..., com a matrícula GX-..-... Essa aquisição foi registada na Conservatória do Registo Automóvel no dia 27.6.2007, em nome do A.
De acordo com o art.º 1º, nº 1, do DL nº 54/75, de 12 de fevereiro[14], que aprovou o regime do Registo da Propriedade Automóvel, “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.
O registo automóvel, à semelhança do que é regra no registo predial (art.º 1º do Código do Registo Predial), não tem efeito constitutivo (como acontece com a hipoteca, p. ex.) ou transmissivo. Tem como efeito primordial conceder ao facto registado uma forma de publicidade organizada, independentemente de qualquer efeito jurídico específico. É o que se chama de efeito declarativo ou enunciativo.
O direito de propriedade daqueles veículos está obrigatoriamente sujeito a registo, tal como a mudança de nome dos proprietários (art.º 5º, nº 1, al. a) e nº 2, do referido diploma legal. A cada veículo automóvel corresponde um certificado de matrícula (art.º 9º, nº 1, ainda daquele decreto-lei).
Segundo o art.º 29º do referido regime do Registo Automóvel, “são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma legal e no respectivo regulamento”.
Como escreve Manuel de Andrade[15] a propósito do registo predial, o registo não dá direitos, mas apenas os conserva. O registo não pode, portanto, assegurar a existência efetiva do direito da pessoa a favor de quem esteja registado um prédio, mas só que, a ter existido, ainda se conserva, ainda não foi transmitido a outra pessoa.
Além do já referido efeito enunciativo, do excecional efeito constitutivo ou transmissivo e do efeito de oponibilidade (a terceiros), existe também o efeito presuntivo, segundo o qual se presume a existência do direito registado e a sua pertença a quem está registado como seu titular (art.º 7º do Código de Registo Predial). Não sendo o registo, em regra, constitutivo, a validade e eficácia do contrato de compra e venda de um veículo automóvel não estão, pois, dependentes da efetivação do registo do direito de propriedade, apesar de este ser obrigatório. Porém, podemos afirmar que a presunção emanada do citado art.º 7º protege o titular inscrito, na medida em que lhe facilita a prova da titularidade do direito inscrito, ao inverter o respetivo ónus (art.ºs 344º, nº 1 e 350º, nº 1, do Código Civil). Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, sendo que as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir. É, por regra, uma presunção juris tantum, ilidível mediante prova em contrário.[16]
O art.º 1268º, nº 1, do Código Civil, dispõe que “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”.
Que posse é esta?
Tem-se entendido que a posse relevante para o funcionamento daquela presunção não tem que ser a que reúne todos os requisitos da usucapião, embora tenha que se manifestar por uma atuação fática sobre a coisa.[17] Ela releva ainda que lhe falte capacidade aquisitiva por carência do decurso de tempo necessário à usucapião.
Ora, a posse “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (art.º 1251º do Código Civil). Tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem (art.º 1252º, nº 1, do Código Civil). Compõe-se por dois elementos essenciais: o corpus, a constituir o domínio de facto sobre a coisa e, o animus, a significar a intenção de exercer sobre a coisa o direito real correspondente àquele domínio de facto, sendo que a prova deste último elemento pode resultar de uma presunção, ou seja, a existência do corpus faz presumir a existência do animus em caso de dúvida (citados art.ºs 1251º e 1252º).
Os factos provados não traduzem a existência de posse do veículo por ninguém, pois que o veículo se encontra na oficina do R. a título precário e sob mera detenção deste para efeito de diagnóstico de uma avaria no motor.
Não foi ilidida a presunção emergente do art.º 7º do Código de Registo Predial. havendo que concluir, assim, que o Mercedes, modelo ..., com a matrícula certificada GX-..-.., é propriedade do A.
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5. A ação de reivindicação e os seus requisitos, designadamente o pedido de restituição do veículo
Enquanto pretensão da ação, o pedido traduz o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, o efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o requerente solicita ao tribunal (art.º 581º, nº 3, do Código de Processo Civil).
O primeiro pedido da ação (pedido a) da petição inicial) é o de que “seja declarado que o autor é proprietário do veículo automóvel de marca mercedes, modelo ..., e de matrícula GX-..-.. (…)”.
Este pedido é, como vimos, procedente.
O segundo pedido da ação (pedido b)) é o de que “seja o réu condenado a reconhecer o direito de propriedade do autor e a restituir-lhe o automóvel que detém”.
Estes dois pedidos constituem a pretensão essencial da ação e são próprios da típica ação de reivindicação. Os restantes são pedidos complementares e respeitam a indemnizações e a sanção pecuniária compulsória, não sendo sequer questionados na apelação.
Dispõe o art.º 1311º, nº 1, do Código Civil[18], sob a epígrafe “acção de reivindicação”, que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”.
O perfil da ação de reivindicação afere-se, pois, pela causa pretendi que, nas ações reais, como expressamente dispõe o nº 4 do citado art.º 581º, é o facto jurídico de que deriva o direito real, facto que, em concreto, deve ter a força suficiente para criar a favor do reivindicante e nele radicar o domínio da coisa reivindicada; e pelos pedidos que são dois: o do reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e o da restituição da coisa, por outro[19]. Assim acontece no caso.
Cabe à parte contrária invocar e provar o facto impeditivo da entrega ou restituição do bem. Caso contrário --- não demonstrando que tem sobre ele outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a possui por virtude de direito pessoal bastante, ou ainda que o bem pertence a terceiro, nada obstará à sua restituição[20].
Especificando melhor, o demandado pode defender-se de duas maneiras:
a) Atacando o pedido de reconhecimento do direito de propriedade a que o reivindicante se arroga, alegando que a coisa lhe pertence ou mesmo a outrem (com a invocação da exceção perentória da usucapião do direito de propriedade); ou
b) Atacando o pedido de restituição da coisa, ou seja, não negando o direito de propriedade do reivindicante, mas contestando o seu dever de a entregar, quer com base em qualquer relação (real ou obrigacional), que lhe confira a posse ou a retenção da coisa (a título de usufrutuário, de locatário, de credor pignoratício, etc.), quer, ainda, com algumas situações especiais previstas na lei que lhe facultem, por exemplo, o direito de retenção[21].
O efeito visado pela reivindicação é obter a restituição de um bem por pertencer ao reivindicante. A alegação e a prova do direito de propriedade do bem é um pressuposto da restituição, não é um fim em si mesmo nesta ação.
O R. opôs-se à restituição ao A. do veículo que lhe foi entregue para diagnóstico de avaria, com o conhecido argumento de que não faria a restituição enquanto lhe fosse liquidado o pagamento do serviço prestado.
Nos termos do art.º 754º do Código Civil, “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
A verificação deste direito real de garantia, depende, assim, dos seguintes pressupostos:
- Que alguém retenha licitamente uma coisa cuja entrega é devida a outrem (art.º 754º, conjugado com o art.º 756º, ambos do Código Civil);
- Que o detentor, devedor da entrega da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem ela é devida;
- Que o crédito do detentor esteja diretamente relacionado com a coisa detida, devendo resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
No caso em análise, resultou não provado que o A. procurou o R. com o intuito de este apresentar um orçamento para proceder à vistoria do aludido veículo, tal como resultou ainda não demonstrado que foi ao A. que o R. pediu que deixasse ficar o veículo na oficina para realizar o orçamento e que o A. anuiu a tal pedido do R. No essencial, não se provou se foi o A. que contratou com o R. a realização do diagnóstico e do orçamento relativamente à avaria do veículo. E, em boa verdade, desconhecemos quem acordou como R. a realização daquele trabalho (esta matéria nem sequer foi objeto de impugnação recursiva). Do ponto 6 da matéria de facto provada extrai-se simplesmente que o R. foi contactado por CC perguntando-lhe se teria oportunidade para realizar um diagnóstico a uma avaria no motor do GX-..-.. e, do ponto 8, consta que foi transportado para aquela oficina.
Para obstar à entrega do veículo ao A., seu proprietário, o R. teria que provar os referidos pressupostos do direito de retenção; só assim poderia justificar o seu direito (real de garantia) à não restituição do veículo enquanto o serviço não for pago pelo respetivo devedor.
A matéria de facto provada não permite concluir pela existência de relação negocial entre o R. e o A., nem sequer que o R. realizou o serviço que alguém lhe encomendou. É certo que o R. respondeu à carta referida no ponto 3, “rejeitando a entrega do veículo enquanto não lhe fosse pago o serviço prestado”; mas uma coisa é afirmar que prestou o serviço e outra, bem diferente, é provar a sua efetiva realização.
Por conseguinte, na falta de prova de fundamento para retenção do veículo ao abrigo do art.º 754º do Código Civil, deve o R. entregá-lo ao A., seu proprietário, justificando-se a reivindicação.
Por conseguinte, a ação deve proceder quanto ao reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre o veículo e quanto à obrigação do R. o restituir àquele.
A matéria dos demais pedidos (secundários) da ação não é objeto do recurso.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando-se a sentença, julgam-se procedentes os dois pedidos principais da ação (pedidos a) e b)) e, em consequência, condena-se o R., BB, a reconhecer que o veículo de marca Mercedes, modelo ..., de matrícula GX-..-.., é propriedade do A., AA, a quem deve efetuar a respetiva entrega.

As custas da apelação são da responsabilidade do R. recorrido, por nela ter decaído totalmente (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil), considerando-se a taxa de justiça paga pela interposição do recurso.

As custas da ação são da responsabilidade de A. e R. na proporção do decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 10 de novembro de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Por demais repetitivas, o que é de evitar.
[2] Por transcrição.
[3] Por transcrição.
[4] Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, página 246.
[5] Referiu-se à al. c), mas terá querido indicar a al. b).
[6] Cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396. Cf. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, in www.dgsi.pt e Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 390.
[7] Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140.
[8] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58
[9] A Ação declarativa Comum, 3ª edição, pág.s 246 e 247.
[10] Os Meios de Prova em Processo Civil, 2ª edição, 2016, pág. 101.
[11] Inocêncio Galvão Teles, Contrato-Promessa de Compra e Venda, Parecer inserido na Colectânea de Jurisprudência de 1984, T. IV, pág. 8.
[12] Cf. acórdão da Relação do Porto de 12.01.98, in www.dgsi.pt, citado no acórdão desta mesma Relação de 15.12.2005, proc. 0536133, publicado na mesma base de dados.
[13] Em sentido semelhante, cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.6.84, de 9.2.93 e 12.1.95, in www.dgsi.pt.
[14] Sucessivamente alterado pelos decretos-leis nºs 242/82 de 22.06, 461/82 de 26.11, 217/83 de 25.05, 54/85 de 04.03, 403/88 de 09.11, 182/2002, de 20.08, 178-A/05 de 28.10, 85/2006, de 23.05, 20/2008, de 31.01 e Lei n.º 39/2008, de 11.08, Lei n.º 30/2017, de 30/05 e DL n.º 111/2019, de 16/08).
[15] Teoria Geral da Relação Jurídica, II, págs. 19 e 20.
[16] Cf., entre outros, acórdãos da Relação do Porto de 16/9/1991 e de 16/1/1995, de Coimbra de 17/11/1992 e de 26/4/1994, Colectânea de Jurisprudência, T.s V, IV, I, II, pág.s 58, 249, 197 e 34, respetivamente, e do Supremo Tribunal de Justiça de 27/1/1993 e de 11/5/1995, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T.s I e II, pág.s 100 e 75, respetivamente.
[17] Oliveira Ascensão, Direito Civil Reais, 5ª ed, págs. 106.
[18] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[19] Cf. Pires de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, vol. III, pág. 100.
[20] Cf. acórdãos da Relação do Porto de 22.1.1994 e de 25/5/1995, Colectânea de Jurisprudência, T.s I e III, pág.s 216 e seg.s e 223 e seg.s, respetivamente; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.1994 e de 7.2.1995, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II e T. I, pág.s 62 e seg.s e 67 e seg.s, respetivamente.
[21] Cf., acórdão da Relação do Porto de 15/7/1991, Colectânea de Jurisprudência, T. IV, pág. 241.