INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
EXCLUSÃO DE VERBAS
PASSIVO
MAPA DE PARTILHA
Sumário


.1- Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, sempre que o regime de bens foi um regime de comunhão, há que fazer proceder à divisão do património comum que se criou com o casamento.
.2- A massa comum conserva uma certa autonomia, pelo que o acervo de bens comuns a partilhar pode aumentar durante o inventário, mais que não seja pela capacidade de frutificação dos bens, assim como pode ocorrer o inverso, mais que não seja pela possibilidade de perecimento dos mesmos pelo decurso do tempo.
.3- Ao efetuar-se a partilha há que ter em conta as alterações que o património comum sofreu ao longo do tempo, por ser impossível partilhar bens que não o compõem ou deixar na comunhão bens que o passaram a compor: neste tipo de inventário, na sequência da dissolução do casamento, em que se não levantam questões relacionadas com a colação ou legítima, haverá que eliminar da relação de bens os inexistentes, sem prejuízo de se poder partilhar o que foi sub-rogado no seu lugar ou do cônjuge prejudicado poder fazer valer o seu direito indemnizatório contra o outro cônjuge, se o entender culpado por tal perda.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

Apelante e Apelado e cabeça-de-casal: J. G.,
Apelante, Apelada, Requerente e interessada: A. M.

Apelação em processo de inventário judicial na sequência de divórcio

Para pedir o inventário para partilha dos bens comuns do casal, a Requerente invocou ter sido casada no regime de comunhão e adquiridos com o cabeça-de-casal, estando divorciados desde 17 de novembro de 2011.
Em 5-6-2012, foi apresentada relação de bens; em 21-6-2012 foi acusada a falta de descrição de bens e, em 27-6-2012, o credor bancário veio requerer a atualização do valor de que é credor. O cabeça-de-casal veio responder a 5-7-2012. Após produção de prova, foi proferida decisão a 12 de setembro de 2013, tendo sido apresentada nova relação de bens a 26-9-2013.
Em 10 de Outubro de 2013, a Requerente veio invocar que deve ser eliminada a verba 80 do passivo “uma vez que o cabeça de casal beneficia em exclusivo da morada de família”.
Após a realização de perícia, em 7.09.2020, o cabeça-de-casal veio requerer a eliminação das verbas 71 a 75 da relação de bens, por constituírem quotas sociais de sociedades que foram dissolvidas e invocar que as verbas nºs 1 e 2 foram alienadas.
Mais pediu a atualização do passivo, sendo a verba 79 (dívida do casal ao BANCO ...) para o valor de 38 339,39 € e a verba 80 (amortizações mensais feitas pelo cabeça-de-casal associados ao crédito para construção da benfeitoria, em bem próprio do cabeça de casal, relacionada sob a verba 78) para o valor de 35.651,95 €.
A Requerente respondeu em 21-09-2020, afirmando que o cabeça-de-casal apresentou nova relação de bens, ficando determinados os bens a partilhar e que na sequência da avaliação peticionada pela Requerente foi determinado o valor dos imóveis e benfeitoria a partilhar. Defendeu que as quotas sociais devem permanecer na relação de bens, por a dissolução da sociedade ser inoponível à partilha, já que ocorreu posteriormente à fixação da relação especificada de bens. Pugnou pela condenação do cabeça-de-casal por litigância de má-fé em multa e indemnização de valor não inferior a 5 000,00 € (cinco mil euros).
O cabeça-de-casal respondeu, salientando que a Requerente não compareceu à assembleia geral da sociedade para a qual havia sido convocada cuja ordem de trabalhos era a dissolução/liquidação da sociedade, que o valor das quotas foi apurado no relatório pericial de 28/11/2014.
Em 20/01/2020, em sede de conferência de interessados, foi proferida decisão que determinou a exclusão das verbas 1 e 2, por vendidas e que em seu lugar se relacionaria o valor resultante da venda.
Quanto às quotas sociais 71 a 75 foi entendido que não é possível partilhar quotas de uma sociedade que não tem existência jurídica e que por isso devem ser eliminadas da relação de bens.
Mais decidiu remeter os interessados para os meios comuns quanto ao valor das verbas 80 e verba única de fls. 633, “mantendo-se inalterados os valores indicados, ou seja, € 10.465,12 (verba nº 80) e € 1.556,97 (verba única – fls. 633).
Quanto à verba nº 8 (passivo) da relação de bens de fls. 172 fica aprovada pelo valor indicado (€ 3.603,31) uma vez que não foi objeto de impugnação.
Mais se iniciou a licitação de bens, a qual continuou no dia seguinte.
Em 5.02.2021, o BANCO ... veio afirmar que o valor de capital à data de 20/01/2020 (data de pagamento da última prestação) ascendia a 37.057,98€.
Em 14-4-2021, a Requerente do inventário pronunciou-se sobre a forma a dar à partilha, referindo que se somam os valores dos bens relacionados e admitidos, com o aumento proveniente das licitações e benfeitoria, abate-se o passivo aprovado, divide-se o produto em duas partes iguais, sendo cada uma a meação de cada um dos ex-cônjuges, sendo os preenchimentos segundo o decidido na conferência de interessados.
Em 20-5-2021, foi determinado que se procedesse à partilha pela forma apontada, considerando os valores que resultaram da conferência de interessados.
Em 20-4-2021, o cabeça-de-casal veio dar a forma à partilha de forma semelhante quanto às operações a efetuar.
Foi elaborado mapa informativo a 1-06-2021, explanado, por termo, a 12-10-2021.
Em 17-11-2022 (fls. 147) foi proferido despacho que conheceu o requerimento do cabeça-de-casal no sentido de a Requerente do inventário ter direito a receber tornas em valor inferior ao apurado naquele mapa, tendo-se determinado a elaboração do mapa de partilha, a qual foi executado em 26-1-2022 (fls 123).
O cabeça-de-casal reclamou do mesmo a 17-2-2022, afirmando que o valor do ativo é só “210.639,62€ (= 263.315,00 € (total do ativo) - 52.683,38€ (total do passivo aprovado) : 2 = 105.315,81€, valor que constitui a meação de cada um dos interessados. A requerente A. M. licitou bens no valor de 80 450,00€, sendo a sua meação de 105 315,31€, apenas tem direito a receber de tornas 24 865,81€ (= 105 315,81€ (valor da meação) - 80 450,00€ (soma dos bens que licitou) e não 51 207,50€, como consta erradamente do mapa de partilha.”
Também a Requerente do inventário reclamou, afirmando que não reconheceu a verba nº 79 do passivo, no valor de 37 057,98 € (dívida ao Banco...), pelo que a mesma não devia ter sido contabilizada no mapa de partilha.
Em 3-6-2022 foi proferida decisão que salienta que na conferência de interessados realizada a 20.02.2020, no que concerne ao passivo relacionado pelo cabeça-de-casal, pelo Credor Banco..., S.A. foi dito que o valor atualizado do passivo da verba nº 79 era de € 37.057,98. E que requerente e cabeça-de-casal disseram nada ter a opor à atualização do valor, confirmando ser o valor atual em dívida. Mais salientou que pelo despacho proferido na conferência de interessados foi decidido que ficavam judicialmente reconhecidas as três verbas de passivo do património comum, cujo somatório perfaz € 15.625,40, indeferindo as reclamações. Foi proferida sentença de homologação da partilha constante do mapa.
A Requerente do inventário, notificada, veio apelar do despacho proferido a 21-1-2021 que decidiu pela exclusão das verbas 71 a 75 da relação de bens e pediu a anulação de todo o processado subsequente à conferência de interessados de 21/01/2021, de molde a incluir na partilha as ditas verbas 71 a 75 da relação de bens e reelaborar-se o mapa de partilha em conformidade. Formula as seguintes
conclusões:
. I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a 21/01/2021 que decidiu pela exclusão das verbas nºs 71 a 75 da relação de bens e bem assim da sentença, proferida a 03/06/2022 e notificada a 09/06/2022, que homologou o mapa de partilha de fls. 1020 a 1022 que não incluiu as ditas verbas 71 a 75.
II. No que ao recurso do despacho intercalar de 21/01/2021 diz respeito, cumpre referir que as ditas verbas referem-se a quotas de sociedades que, por sua vez, detinham bens imóveis, sociedades estas que foram dissolvidas pelo cabeça de casal recorrido.
III. Essas mesmas quotas foram, aliás, indicadas pelo recorrido na respetiva relação de bens.
IV. Ora, por despacho de 02/12/2013 foi designado o dia 20/01/2014 para a realização da Conferência de Interessados, que ocorreu pelas 09h30m.
V. Nesse despacho de marcação da conferência entendeu - e bem - a Mma. Juíza a quo que estavam determinados os bens a partilhar, que são os constantes da relação de bens (entretanto corrigida).
VI. São, pois, esses os bens a partilhar pelos interessados sendo inoponíveis à partilha quaisquer alterações posteriores.
VII. Nessa conferência de interessados de 20/01/2014, a requerente solicitou a avaliação das verbas 69 a 78 (respeitantes às quotas das sociedades “X Lda.”, “Y Lda.” e “W Lda.”, imóveis e benfeitorias).
VIII. Nessa sequência, os imóveis e benfeitorias, verbas 76, 77 e 78, foram avaliados nos seguintes termos:
• Verba 76 - prédio urbano na freguesia de ..., Esposende, inscrito na matriz sob o artigo .., no valor de 14 544 €;
• Verba 77 – prédio rústico na freguesia de ..., Esposende, inscrito na matriz sob o artigo …, no valor de 23 850 €;
• Verba 78 – benfeitorias, realizadas pelo casal, que consistiram na construção de um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de ..., Esposende, no valor de 163 059 €;
IX. Já às quotas sociais foram fixados os seguintes valores: • Verba 75: “Y - Caixilharia de Alumínios r PVC, Unipessoal, Lda. (verba 75), no valor de 284 057,10 € • Verbas 69 e 70: “W Lda.”, no valor de 91 346,48 €; • Verbas 71 a 73: “X Lda.” no valor de 10 000,00 €.
X.A requerente reclamou (fls. 267 a 269), tendo sido a reclamação deferida, por despacho de fls. 279.
XI.A preceito dessa reclamação, o perito J. B. (fls. 78) refere que não lhe foram fornecidas declarações de constituição de suprimentos à sociedade “Y” pelo cabeça de casal, aqui recorrido.
XII. Compreende-se porquê, já que a dita sociedade “Y” é dona de um armazém na Zona Industrial de …, Esposende, que prometeu comprar a M. M., a 18/03/2010, por 175 000 €.
XIII. Da mesma forma que no ano de 2009, a sociedade “W Lda.” era dona de três prédios rústicos, sitos na freguesia de ..., Esposende, inscritos na matriz respetiva sob os artigos …, … e .., todos com o valor global de 91 000,00 € (noventa e um mil euros);
XIV. É evidente, face ao exposto, que a extinção das sociedades mais não é do que uma tentativa do recorrido de subtrair património comum à partilha.
XV. Não obstante, existe uma relação de bens comuns, anterior à extinção das ditas sociedades, cujo teor ficou definitivamente assente a 02/12/2013.
XVI. Ora, são os bens e quotas nela elencados, com os valores lá referidos – nos quais se incluem as avaliações feitas neste inventário - que devem ser considerados para efeitos da partilha.
XVII. Os actos do cabeça-de-casal recorrido, designadamente a extinção das sociedades, porque posteriores à fixação da relação de bens, são inoponíveis a estes autos.
XVIII. Deveriam por isso as ditas quotas sociais - verbas nºs 71 a 75 – ter permanecido na relação de bens, ou pelo menos, os respetivos valores, definitivamente fixados, que ascendem, no seu todo, a 852 856,58 €.
XIX. A fixação da relação de bens a partilhar não pode ser posta em causa por um requerimento que peticiona a exclusão das verbas acima mencionadas.
XX. Donde, com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao aceitar o dito requerimento de eliminação de verbas, excluindo-as da relação de bens, sem sequer os substituir pelos respetivos valores, como deveria.
XXI. Contrariamente, aliás, ao que determinou quanto às verbas nºs 1 e 2, outrossim excluídas, mas cujo valor ficou relacionado.
XXII. O processo de partilha continha, pois, todos os elementos para que, na conferência de interessados, fossem adjudicadas as verbas tal qual constam da respetiva relação de bens definitivamente assente por despacho de 02/12/2013.
XXIII. Assim, ao decidir excluir as verbas nºs 71 a 75, remetendo os interessados para os meios comuns, mal andou o Tribunal a quo, pois que retirou o conteúdo e alcance práticos ao despacho referido na conclusão anterior, e bem assim à conferência de interessados, esvaziando o direito da recorrente à respetiva meação.
XXIV. Quanto ao recurso da decisão final de 03/06/2022, e em face das conclusões que antecedem, impugna também a douta sentença revidenda de 03/06/2022 que, indevidamente, homologou o mapa de partilha de fls. 1020 a 1022, mapa esse que não incluiu as ditas verbas 71 a 75 da relação de bens, como deveria.
XXV. Daí que, por maioria de razão, as duas decisões sindicadas violaram o disposto nos arts. 1350, nº 1 e 1352º, nº1 do Código de Processo Civil (na versão vigente para estes autos), razão pela qual deverão, ambas, ser revogadas por esta Relação, anulando-se todo o processado subsequente à dita conferência de interessados de 21/01/2021, de molde a incluir na partilha as ditas verbas 71 a 75 da relação de bens e reelaborar-se o mapa de partilha em conformidade.”

O cabeça-de-casal também apelou. Apresentou as seguintes
conclusões:
1. O Cabeça de Casal através do requerimento refa. 36397139, do passado dia 7.09.2020, requereu a atualização do passivo relativo à verba nº 80 da relação de bens para o montante de 35.651,95€.
2. A requerente A. M. notificada do referido requerimento respondeu a 21.09.2020, através do requerimento refª 36527968.
3. No qual não impugna o valor indicado pelo Cabeça de Casal, nem se opõe à respetiva atualização.
4. Pelo que, o silêncio da requerente A. M., determina a aceitação da atualização requerida da verba nº 80 para o valor de 35.651 ,95€.
5. O Tribunal "a quo" não se pronunciou nas conferências de interessados realizadas dos dias 20.01.2021 e 21.01.2021 sobre a atualização requerida pelo Cabeça de Casal em 7.09.2020.
6. Por isso, o despacho proferido na conferência de interessados de 20.01.2021, plasmado em ata, enferma da nulidade consagrada na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C ..
7. E viola o disposto no artigo 1520º do C.P.C ..
8. Pois, se o Juiz, violando os preceitos legais, que lhe impõem a decisão no inventário, não decide aí as questões suscitadas comete, porventura, denegação de justiça.
.9. Os interessados têm o direito de obter no processo de inventário o julgamento da generalidade das questões suscitadas.
10. Considerando a procedência das conclusões, 1, 2, 3 e 4, e, o critério decisório plasmado na ata de 20.01.2021, o passivo da verba nº 80 da relação de bens tem de ser atualizado para €35.651 ,95.
11. Se, assim, não se entender o despacho de 20.01.2021, e, por conseguinte, a sentença homologatória da partilha padecem das nulidades constantes nas al. d) e c) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C., e violam o disposto no artigo 152° do C.P.C..
12. Porém, foi proferido despacho determinativo de forma à partilha nos termos seguintes: "Soma-se o activo e deduz-se o passivo aprovado, e o resultado líquido obtido divide-se em duas partes iguais, cada uma das quais constitui a meação de cada um dos ex-cônjuges, que se lhes adjudica.
O preenchimento das meações respetivas far-se-á de acordo com o decidido na conferência de interessados e o resultado das licitações. "
13. O mapa de partilha, bem como o mapa informativo, não cumprem o despacho determinativo da forma à partilha.
14. Pois, o mapa de partilha não está executado em conformidade com o despacho determinativo da forma à partilha.
15. O total do ativo a partilhar ascende a 263.315,00€.
16. O total do passivo, considerando a atualização da verba 80, nos termos das conclusões supra 1 a 10, é de 77.683,38€.
17. O total do passivo considerando apenas o constante do mapa de partilha é de 52.683,38€.
18. Executando-se a partilha de acordo com o despacho determinativo da forma à partilha, temos que:
A) Considerando a actualização do passivo da verba n° 80, na procedência da conclusão 16, o activo liquido a partilhar é apenas de 185.444,79€ [ = 263.315,00€ (total activo) - 77.870,21€ (total passivo)] : 2 = 92.722,40€, valor que constitui a meação de cada um dos interessados.
A requerente A. M. licita bens no valor de 80.450,00€, sendo a sua meação de 92.722,40€, apenas tem direito a receber tornas no montante de 12.272,40€ [=92.722,40€ {valor da transação) - 80.450,00€ (soma dos bens que licitou)].
B) Considerando os valores constantes do mapa de partilha impugnado, temos que:
o activo liquido é apenas de 210.639,62€ [= 263.315,00€ (total do activo) - 52.683,38€ (total do passívo] : 2 = 105.315,81€, valor que constitui a meação de cada um dos interessados.
A requerente A. M. licitou bens no valor de 80.450,00€, sendo a sua meação de 105.315,81€, apenas tem direito a receber tornas de 24.865,81€ [=105.315,82€ (valor da meação) - 80.450,OO€(soma dos bens licitados] e não 51.207,50€, como consta erradamente do mapa de partilha.
19. O douto despacho determinativo da forma à partilha não foi impugnado, tendo transitado em julgado.
20. O mapa de partilha, e objecto da reclamação de fls., na parte em que indica o montante de 43.394,80€ de tornas a pagar pelo Cabeça de Casal à requerente A. M., viola ostensivamente o despacho determinativo de forma à partilha.
21. Pois, na verdade, nos termos do despacho determinativo de forma à partilha a requerente A. M. tem direito a tornas no montante de :
a) 12.272,40€, na procedência das conclusões 1 a 10 e 16, conforme demonstração na conclusão 18-A; ou
b) 24.865,81€, considerando o passivo do mapa de partilha impugnado, conforme demonstração em 18-8.
22. O Tribunal" a quo "ao homologar por sentença a partilha constante do mapa de partilha de fls.; viola o despacho determinativo de forma à partilha, transitado em julgado, incorreu em erro de julgamento e cometeu as nulidades previstas nas alíneas d) e c) do nº 1, artigo 615º do C.P.C ..
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, atualizando o passivo da verba n° 80 da relação de bens para 35.651 ,95€, revogando-se a douta sentença homologatória da partilha, ordenando-se a retificação do mapa informativo e do mapa de partilha, de forma a cumprir o despacho determinativo de forma à partilha, designadamente que o passivo seja totalmente deduzido.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face às conclusões apresentadas pelos Recorrentes, são as seguintes as questões a conhecer neste acórdão:
-- se devem ser excluídas as verbas 71 a 75 da relação de bens: se a dissolução de sociedade na pendência do inventário cujas quotas estavam relacionadas determina a sua exclusão da relação de bens ou a sua substituição pelos respetivos valores;
-- se o passivo da verba 80 da relação de bens tem que ser atualizado para 35.651,95 €, atendendo ao requerimento de atualização apresentado pelo Cabeça de Casal em 7.09.2020 e silêncio parcial da Requerente do inventário;
-- se o despacho proferido na conferência de interessados de 20.01.2021 enferma das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
-- se o mapa de partilha não está executado em conformidade com o despacho determinativo da forma à partilha, tendo em conta o total do ativo e do passivo.

III- Fundamentação de Facto

Os factos processuais relevantes para a decisão desta causa, ocorridos nestes autos, já foram enunciados no relatório.

IV- Fundamentação de Direito

1 -- Se devem ser excluídas as verbas 71 a 75 da relação de bens: se a dissolução de sociedade na pendência do inventário cujas quotas estavam relacionadas determinam a sua exclusão da relação de bens ou a sua substituição pelos respetivos valores.

O divórcio dissolve o casamento, fazendo cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges; sempre que o regime de bens foi um regime de comunhão, a partilha é a forma a que há que recorrer para proceder à divisão do património comum que se criou com o casamento.
Os bens comuns mantêm a natureza de património coletivo até à partilha, ou seja, um património com dois sujeitos que do mesmo são titulares e que globalmente lhes pertence, numa situação semelhante à da herança indivisa, isto é, no sentido de que a contitularidade de direitos não significa tanto uma contitularidade sobre cada um dos bens nele integrados, mas sim uma contitularidade do direito a metade do valor do património em si mesmo considerado, que será preenchido com bens que dele façam parte”, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/18/2008, processo n.º JSTJ000, (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).
Os efeitos patrimoniais do divórcio retrotraem-se ao momento da propositura da ação, nos termos do artigo 1789º nºs 1 e 2, do Código Civil. Como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed, pág. 561, com esta disposição pretende-se evitar “que um dos cônjuges seja prejudicado pelos atos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança que o outro venha a praticar, desde a proposição da ação, sobre valores do património comum” e por isso deve ser partilhado o património do casal, integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da ação.
“…Enquanto não se procede à partilha, a massa comum conserva uma certa autonomia e pode ficar acrescida com os aumentos provenientes de acessão, as indemnizações de seguro, os bens resultado de sub-rogação real, os frutos e rendimentos e os juros dos capitais vencidos até à sentença da partilha, os lucros líquidos das explorações comerciais, industriais, terrestres ou marítimas ou agrícolas de bens alheios tomados de arrendamento e que anteriormente se estavam fazendo por conta ou em proveito do casal. Tais bens deverão, pois, relacionar-se como comuns do património em partilha” (esclarece João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II vol, 369-370, apresentando a posição de Cunha Gonçalves).
E assim se explica que, no caso de venda de bens comuns, se passe a partilhar não os próprios bens, mas o seu preço: tal valor entrou no património comum na sequência da venda de bens que o compunham, havendo que retirar os bens que saíram do património comum e colocar em seu lugar o respetivo preço obtido pela sua venda.
Tal como o acervo de bens comuns a partilhar pode aumentar durante o inventário, mais que não fosse pela capacidade de frutificação dos bens, também o inverso pode ocorrer e o mesmo pode diminuir, mais que não seja pela possibilidade de perecimento das coisas pelo decurso do tempo.
Assim se conclui que o património comum pode sofrer alterações no seu conteúdo, seja por força da natureza ou da ação humana.
Ora, ao efetuar-se a partilha há que ter em conta as alterações que o património comum sofreu ao longo do tempo, por ser impossível partilhar bens que não o compõem ou deixar na comunhão bens que o passaram a compor. (Questão diferente se coloca para os casos em que existam bens e valores a atender para o cálculo da legítima e a colação, problemas que aqui se não levantam).
No presente caso foi relacionado um conjunto de quotas societárias, mas veio a demonstrar-se que as ditas sociedades foram dissolvidas e liquidadas (sem que tenha sido alegada a causa da dissolução, nem o resultado da liquidação).
Com o procedimento de liquidação das sociedades comerciais (artigos 146.º a 165.º do Código das Sociedades Comerciais) pretende-se apurar a situação patrimonial da sociedade dissolvida, para o que se faz a realização do ativo, a satisfação do passivo, a determinação do saldo líquido, positivo ou negativo e se destinam os bens sociais eventualmente remanescentes.
Nada foi alegado quanto à existência de algum saldo ou bens sociais remanescentes que se pudessem relacionar com a extinção da sociedade cujas quotas haviam sido realizadas e logo não se verifica que entraram outros bens no património comum na sequência da dissolução da sociedade.
O que a Requerente do inventário pretende é que se proceda à partilha de um bem já inexistente, pelo valor que entende que corresponde à sua avaliação, aceitando que o bem já não existe e sem invocar, nem demonstrar, que as operações de dissolução e liquidação apesar de terem extinguido tal bem trouxeram, em seu lugar, para o património valor equivalente.
(Tão pouco invocou, com factos, que o cabeça-de-casal se locupletou com o valor de tais verbas, na qualidade de administrador das quotas ou que foi responsável pela extinção das sociedades, agora na qualidade de administrador das sociedades, fosse por má gestão das sociedades, fosse por as delapidar, o que sempre deveria ser analisado fora do processo de inventário)
Mesmo que se demonstrasse – e nem sequer o invocou - que tal perda era imputável a dolo, culpa ou má administração por parte do cabeça-de-casal – tal valor já não seria relacionado como um bem a partilhar, mas já como um valor que o património comum teria a receber do cabeça-de-casal.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/16/2013, no processo 133/08.5TBMGD-C.P1: “- por isso, deve ser partilhado o património coletivo do casal, integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da ação;
- Se um dos cônjuges, no exercício dos seus poderes de administração de bens comuns - como é o caso de dinheiro de ambos - deu destino desconhecido a parte deles, não pode contornar-se a realidade de que eles deixaram de integrar o património coletivo; não sendo aí encontrados, não podem ser partilhados.
- Se esse ato tiver sido praticado intencionalmente em prejuízo do casal ou do outro cônjuge, o cônjuge administrador, que não é obrigado a prestar contas da sua administração, responde por ele, nos termos do art. 1681, nº1, do C.C., pelo que a sua exclusão da partilha não resulta, a final, em prejuízo do outro cônjuge.”
É certo que “o reconhecimento de determinado bem como comum, nesse ato processual que é a apresentação de uma relação de bens num processo judicial, sempre haverá de constituir confissão, pelos declarantes, sobre a respetiva existência e natureza comum (cfr., neste sentido, Ac. do TRL de 2/4/2007), sob pena de o mesmo se traduzir num ato inútil e, por isso e por definição, não pretendido pelo direito processual.”, como se escreveu no a do Tribunal da Relação do Porto de 04/16/2013, no processo 133/08.5TBMGD-C.P1.
Mas aqui não se discute se as quotas existiram e eram bens comuns – tal é pacífico – o que se discute são as consequências da extinção e liquidação das respetivas sociedades (e por inerência a extinção das suas quotas). Ora, como vimos, não existindo as mesmas, não podem ser partilhadas.
Não tendo sido alegado, nem apurado, que a extinção da sociedade trouxe algum benefício para os titulares das quotas, nenhum outro bem se pode considerar sub-rogado no seu lugar.
Fica, não obstante, aberta à Requerente a possibilidade de, nos meios comuns, se assim o entender, obter ressarcimento de eventuais prejuízos que lhe tenha sido causado pelo liquidatário.
Termos em que há que dar razão ao despacho recorrido, quando entendeu excluir da relação de bens as quotas que deixaram de existir.
Improcede a apelação da Requerente do inventário.

2 -- Se o passivo da verba 80 da relação de bens tem que ser atualizado para 35.651,95 € e se ocorreu nulidade da decisão proferida na conferência de interessados de 20.01.2021
Da lei aplicável a este inventário
São aplicáveis a estes autos as normas que regulam o inventário previstas no Código de Processo Civil61, vigente à data da sua instauração (com a alteração do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, na redação anterior à Lei nº 23/2013, de 5 de março), face ao disposto nos artigos 2º nº 3 e 87º nº 1 da Lei 29/2009 (esta lei nunca chegou a produzir efeitos, por não ter sido publicada a Portaria a que a primeira norma ora citada se refere) e ao disposto nos artigos 7º da Lei n.º 23/2013 de 05 de Março (revogado) e 11º nº 1 da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
O cabeça-de-casal veio invocar a nulidade do ocorrido na conferência de interessados de 20 de janeiro de 2021, por ali se não ter apreciado um requerimento que havia sido formulado em 7.09.2020, entendendo que deveria ter sido atendido o valor alegado no mesmo, visto que a Requerente do inventário não se pronunciou sobre essa matéria.
Das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil
As causas de nulidade da sentença (e dos despachos, por lhe serem extensíveis, nos termos do artigo 613º nº 3 do atual Código de Processo Civil) estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio: não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença ou despacho e conduzir à sua revogação.
Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença ou um despacho podem padecer: têm que traduzir-se na falta de assinatura do juiz, na omissão total dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ininteligibilidade da decisão por oposição entre esta e os fundamentos, ambiguidade ou obscuridade; omissão de pronúncia sobre pedidos, causas de pedir ou exceções que devessem ser apreciadas ou conhecimento de questões de que não se podia tomar conhecimento; condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Atingem as decisões por razões de natureza mais formal, sem averiguar da sua razão, legalidade ou bondade.
É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam, como dispõe a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil. Da mesma forma, também o é a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão ou a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, como dispõe a alínea c) deste preceito.
As questões a que alude a alínea d), cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações ou factos: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados).
Por outro lado, porquanto se estipula no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a sua consequência resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso.
Ora, o requerimento que o Requerente pretende que não foi conhecido foi prejudicado pelo novo requerimento que efetuou em sede de conferência de interessados (tendo pedido a atualização para determinado valor, veio, depois, pedir tal atualização para um outro), pelo que o tribunal não era obrigado a apreciar requerimento prejudicado pelo anterior.
O que o tribunal tinha que conhecer e conheceu – e essa era a questão em apreço – foi qual o valor da dívida do património comum para com o património do cabeça-de-casal.
Não ocorreu, pois, qualquer omissão de pronúncia. Tão pouco foi concretizada qualquer contradição ou ininteligibilidade nas decisões, nenhuma se vislumbrando.
Improcedem as invocadas nulidades.

Da atualização do valor da verba 80 para 35.651 ,95€
A aprovação das dívidas é da competência da conferência de interessados (artigo 1353.º, n.º 3 do Código de Processo Civil61), não seguindo, por isso, o mesmo regime que a reclamação de bens.
De qualquer forma, também não se pode atribuir a força da confissão ficta ao silêncio (não oposição) à relação de bens, pois o regime da reclamação de bens, previsto no artigo 1348º nº 6 do Código de Processo Civil (na redação do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro, versão vigente na data da apresentação do inventário, como vimos) admite que esta seja apresentada mesmo depois do prazo previsto para o efeito (embora possa, nesse caso, ser sujeita a multa).
É, pois, o próprio regime de reclamações à relação de bens que retira a força confessória ficta ao silêncio do interessado que se não opõe ao conteúdo da relação de bens e enunciação do passivo no prazo de dez dias a contar da sua notificação, porquanto permite que tal oposição seja efetuada posteriormente. Se tal ocorre em relação a esta peça, também as posteriores alterações à mesma seguem o mesmo regime.
Por força do que estatui o art. 1348º, nº 6, do C.P.C., a reclamação por falta de relacionação de bens em processo de inventário pode ser deduzida mais que uma vez e até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha”, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/03/2015, no processo 1603/08.0TBSTR-B.E1.
Assim, estando a Requerente do inventário ainda em tempo para negar o valor da dívida passiva invocada pelo cabeça-de-casal, dúvidas não há que o seu silêncio quanto à mesma até à conferência de interessados que teve lugar em 20/01/2020, negando as atualizações efetuadas, não tem valor confessório. Da mesma forma, não ficou precludido o direito a apresentar oposição em momento posterior.
Por outro lado, o regime do apuramento das dívidas ativas no âmbito do inventário não segue a par e passo o regime da determinação dos bens a partilhar.
Como se sintetizou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/25/2013, no processo 744/07.6TMPRT-D.P1, “Em processo de inventário em consequência de divórcio e perante as disposições conjugadas dos artigos 1404.º e 1353.º e seguintes do Código de Processo Civil, cabe à conferência de interessados deliberar sobre a aprovação do passivo, onde se inclui a compensação de valor pago por um dos interessados para além do que lhe competia, relativamente a dívida da responsabilidade de ambos.
II - Perante a não aprovação, é deferido ao juiz o conhecimento da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados ou, na impossibilidade de decisão, a remessa dos interessados para os meios comuns.”
Neste explica-se que “Nas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges e vigorando entre eles o regime de bens supletivo, de comunhão de adquiridos (artigo 1717.º do Código Civil), começam por responder os bens comuns e, só na falta ou insuficiência destes, respondem, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges, conforme determina o artigo 1695.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.”
O cônjuge que com os seus bens próprios pagar dívidas após a cessação das relações patrimoniais que decorrem do casamento, que vinculavam ambos os cônjuges, nomeadamente por terem sido contraídas por ambos no decurso do casamento, tem direito a ser reembolsado de metade do montante global de tais pagamentos e despesas, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 1730.º, 524.º e 1697.º do Código Civil. Importa, no entanto, salientar que, vigorando qualquer um dos regimes de comunhão de bens, o crédito em causa só é exigível no momento da partilha dos bens do casal. “…surge um crédito de compensação a favor do cônjuge que pagou mais que a sua parte, sobre o outro cônjuge, crédito que só é exigível, porém, no momento da partilha dos bens do casal» – Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito da Família”, volume I, Coimbra Editora, 3.ª edição, páginas 467 e 468).
Neste caso estamos já perante dívidas entre patrimónios, as quais deviam ser relacionadas em separado e sujeitas a numeração própria (artigo 1345º nº 2 do Código de Processo Civil).
Este passivo deve ser objeto de deliberação em sede de conferência de interessados (artigo 1353º nº 3 do Código de Processo Civil61).
Se houver interessados contrários à aprovação da dívida, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados, determina o artigo 1355º, ex vi artigo 1356º, ambos do Código de Processo Civil61. Por seu turno, o artigo 1360º o Código de Processo Civil61 aponta para os casos em que a dívida não é aprovada por todos, nem reconhecida pelo tribunal, determinando que não poderá ser tomada em conta no processo de inventário.
Vimos já que o facto da Requerente do inventário não se ter oposto anteriormente à atualização da dívida a não penaliza, porque tal faculdade não fica precludida no decurso de 10 dias a contar da sua apresentação.
Tendo a mesma negado o valor apresentado, cumpria ao tribunal, analisando os dados do processo, verificar se haviam sido apresentados elementos probatórios que suportassem tal montante. E não os encontrou, nem é ora invocado que tivesse sido produzido algum documento que o suportasse (ou a qualquer outra atualização efetuada).
Não existem, pois, elementos que permitam aumentar, como é objeto da pretensão recursiva, o valor do passivo para além do que foi reconhecido (sendo que não é possível nesta sede sequer colocar a hipótese de eliminar este montante por falta de apresentação de documento comprovativo do pagamento dos valores invocados, visto que tal colocaria o Recorrente em posição pior do que se encontraria se não tivesse recorrido, violando-se a proibição do reformatio in pejus).
Termos em que nesta parte improcede o recurso interposto pelo cabeça-de-casal.
-- se o mapa de partilha não está executado em conformidade com o despacho determinativo da forma à partilha, tendo em conta o total do ativo e do passivo.
Não resulta claro das alegações do Recorrente tudo o que o mesmo pretende que fosse alterado no mapa de partilha, para que, no seu entender, correspondesse ao despacho que lhe deu forma.
É sim, evidente, quanto a um primeiro ponto, que este pretende que se tenha em conta no mapa de partilha a verba 80 como tendo o valor de 35.651, 95 €, mas como acabámos de ver não há fundamento legal para se proceder a qualquer aumento do valor definido no despacho sob recurso – 10.465,12 €.
Assim, havendo que ter em conta os valores considerados o despacho que supra se confirmou, o valor do passivo é menor do que o afirmado pelo Recorrente (52 683,38 € e não 77.870,21 €) e em consequência o cabeça-de-casal carece de razão quanto ao resultado da subtração do passivo ao ativo e valor da meação de cada ex-cônjuge, tendo sido acertado o valor atendido no mapa de partilha.
E desta forma, o valor para fixar a meação de cada interessado é de 210 631,62 € (a diferença entre o valor total dos bens relacionados com as alterações acordadas na conferência de interessados (€263.315,00) e o passivo (€52.683,38), correspondendo cada uma daquelas a metade deste valor (105.315,81 €).
O Recorrente não se insurgiu contra o despacho determinativo da partilha, que considerou transitado e que quer ver retratado no mapa.
Ora, neste não se definiu que o encargo que onera a benfeitoria fosse tido em conta exclusivamente no valor deste, na senda do que vem sendo aceite por ampla jurisprudência e não se determinou que fosse descontado o passivo hipotecário no valor da benfeitoria. Na conferência de interessados ambos os cônjuges acordaram quanto à aprovação do valor da dívida hipotecária assumida, não tendo sido afastada o regime de solidariedade, sequer nas relações entre os cônjuges.
Sendo certo que na conferência de interessados não foi deliberada a forma do passivo aprovado, não se vê como se pode entender que o mapa terá desvirtuado o despacho determinativo da partilha, nem é explanado o que se pretendia que ali ficasse a constar ao invés do que foi lavrado, visto que, como se viu, deduziu-se o passivo (apurado) ao ativo, na totalidade e se preencheram os quinhões como determinado.
Assim, não é possível concluir que o mapa informativo e o mapa de partilha não reflitam o teor do despacho determinativo da forma à partilha ou que a sentença homologatória violou tal despacho.
Também por aqui improcede o recurso interposto pelo cabeça-de-casal.

V- Decisão

Por todo o exposto, julgam-se improcedentes as apelações e em consequência mantém-se as decisões recorridas.
Custas das apelações pelos respetivos Recorrentes (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).

Guimarães, 17-11-2022

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves