ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL
Sumário

De acordo com o princípio do acusatório é a acusação (ou a pronúncia) que define o objecto do processo e que delimita a actividade cognitiva do tribunal (princípio da vinculação temática).
O regime da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia previsto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, constitui, por um lado, garantia de defesa do arguido, visando obstar a que este possa ser julgado e condenado por factos distintos dos inicialmente imputados, sem oportunidade de se pronunciar sobre eles e, por outro, possibilita que nas decisões proferidas se verifique a maior adesão possível à realidade material.
Diferencia a lei as situações em que deve atender-se à factualidade distinta que resulte do julgamento, daquelas outras em que é vedado ao tribunal atender a novos factos, constituindo critério diferenciador a natureza da alteração das condutas imputadas. 
Tratando-se de alteração substancial e não se colocando questões de competência do Tribunal, a continuação do julgamento pelos novos factos, está condicionada ao acordo do Ministério Público, do arguido e do assistente, conforme resulta do n.º 3 do artigo 359.º do Código de Processo Penal. Inexistindo esse acordo, a alteração referida “não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso (…)”.
Tratando-se de alteração não substancial dos factos descritos na acusação (ou na pronúncia) “(…) com relevo para a decisão da causa, o presidente oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.” (artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Alteração substancial é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, conforme dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal. Por contraposição, a alteração não substancial de factos é aquela de que não decorrem esses efeitos. 

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
I. Relatório
1. Por sentença de 6 de Maio de 2022 proferida nos presentes autos, após julgar  improcedente nulidade relativa à alteração substancial dos factos suscitada pelo arguido RS___, foi este condenado na pena de 10 meses de prisão, pela prática, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de F_____  e, ainda, na pena de 6 meses de prisão, pela prática do mesmo crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do mesmo diploma, na pessoa de V____ . 
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 2 anos, com regime de prova, assente em plano individual de readaptação a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, nos termos dos artigos 50.º e 53.º do Código Penal.
O pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Garcia de Orta, E.P.E.
foi julgado parcialmente procedente tendo o arguido sido condenando no pagamento da quantia de €119,07, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da notificação desse pedido e até integral e efectivo pagamento.
2. Inconformado, veio o mesmo RS_____ interpor recurso sintetizando a motivação apresentada com as seguintes conclusões: 
“1.a) O Tribunal a quo procedeu à alteração dos factos operada em sede de audiência de julgamento e que se traduz numa alteração praticamente integral da acusação, uma vez que os 17 artigos alterados e comunicados ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 358.º do Código Processo Penal contam uma história (muito) alterada daquela outra que foi carreada em sede acusatória pelo Ministério Público;
2.ª) A versão apresentada em consequência da história alterada em sede de audiência de julgamento resultou da composição de uma versão diferente dos acontecimentos relatada pelas testemunhas arroladas pela acusação;
3.ª) A prova testemunhal que foi usada para fundamentar a acusação pública é a mesma para fundamentar a alteração dos factos operada pelo Tribunal a quo, isto é, essa alteração dos factos resulta da alteração da versão apresentada pela prova testemunhal em sede de audiência de julgamento.
4.a) Dos 13 artigos acusatórios iniciais pouco resta, uma vez que, em consequência da alteração dos factos operada, passamos a ter 17 artigos que contam uma versão (muito) alterada daquela outra que foi carreada em sede acusatória pelo Ministério Público.
5.ª) Esta alteração deu azo a uma acusação diferente, embora com a imputação do mesmo tipo ilícito.
6.ª) O Tribunal a quo, à medida que se foi desenrolando o julgamento, foi sendo confrontado com insuficiências de produção de prova no que diz respeito à versão apresentada no libelo acusatório, procurando colmatar com a introdução de várias alterações não substanciais dos factos (porque praticamente todos os factos do libelo acusatório foram alterados, concretizados ou acrescentados), agora na perspectiva de que tais factos passaram a concretizar a acusação;
7.ª) A alteração dos factos que foi operada alterou também o destino a dar pelo Tribunal a quo aos factos inicialmente articulados, porquanto, sem a introdução dessa alteração, a acusação seria, pelo menos, parcialmente, improcedente.
8.ª) A alteração não substancial dos factos constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para determinar a moldura penal.
9.a) Os factos alterados e aditados agora em crise não se traduzem numa mera concretização da actividade imputada ao Recorrente, de modo parcelar e mais ou menos pontual como é exigido, antes, traduzem um novo libelo acusatório que acarretou, necessariamente, repercussões agravativas na determinação concreta da medida da pena.
10.ª) Porquanto, a substancial ampliação de factos agora em discussão criou na convicção maior de censurabilidade do Julgador sobre a alegada conduta do Recorrente.
11.ª) No âmbito do NUIPC 516/18.2PBSXL, passamos da imputação “de um soco na face esquerda” para “um murro no lado esquerdo da cara”, uma perseguição do arguido ao ofendido que seguiu “no seu encalço e junto a um portão ali existente, deu um pontapé no peito de F_____ , que embateu com as costas nesse portão, e desferiu-lhe socos no corpo”;
12.ª) No âmbito do NUIPC 1002/19.9PBSXL, passamos da imputação de “dois murros e pontapés em várias partes do corpo” do ofendido para “um soco no olho direito, o que o fez andar para trás e tentar fugir, até que acabou por cair ao chão, perdendo os sentidos”.
13.ª) Os ofendidos e as testemunhas corroborantes (apenas no NUIPC 516/18.2PBSXL) procuraram melhorar as versões respectivas, apresentando, sem dúvida, uma versão mais sofisticada em sede de audiência de julgamento - que fundamentou a alteração dos factos - do que aquela que foi apresentada em sede de inquérito - que foi basilar para a acusação pública.
14.ª) Isto representa uma violação clara e inequívoca das regras de apreciação da prova em Processo Penal, mais propriamente, da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, uma vez que o relato da factualidade deveria ser muito mais descritiva ainda em sede de inquérito, devido à proximidade temporal com a alegada prática dos factos mas, nos presentes autos, aconteceu precisamente o contrário, onde a descrição dos factos foi muito mais concreta e pormenorizada em sede de audiência de julgamento, consubstanciando, desde modo, uma nova versão do alegadamente ocorrido e presenciado.
15.ª) Consequentemente, o Douto Despacho que operou a dita alteração dos factos procurou antes introduzir uma Nova Acusação (substituindo a deduzida pelo Ministério Público), e, nessa perspectiva, inquinou a Douta Sentença Recorrida de nulidade, por aplicação analógica, intra-sistemática, dos artigos 283.º, n.º 3 e 379.º, n.º 1 do CPP.”
3. O Senhor Procurador da República junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso e apresentou as seguintes conclusões: 
“1. A decisão recorrida é material e formalmente correcta, devendo merecer inteira confirmação pois não enferma de qualquer vício, deficiência, obscuridade ou contradição;
2. O enquadramento jurídico-penal, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se correcto e a pena aplicada revela-se bem doseada, atendendo ao ilícito criminal em causa, aos bens jurídicos tutelados, à personalidade do arguido e seus antecedentes, e às necessidades de prevenção, geral e especial, que o caso reclama;
3. A comunicação da alteração dos factos descritos na acusação, teve lugar no momento próprio, ou seja, após o encerramento da discussão da causa, no momento da deliberação, quando ainda não havia ocorrido a publicação da decisão final, tendo, pois, sido tempestiva a alteração fáctica efectuada, e, consequentemente, não houve violação do artigo 358º, do Código de Processo Penal ou de qualquer outro preceito legal, pelo que não se verifica qualquer a nulidade;
4. O instituto processual da alteração não substancial dos factos, constitui uma concessão às necessidades de pragmatismo, de forma a permitir ultrapassar situações em que a acusação ou a pronúncia contêm omissões ou imprecisões, mediante a alteração desses factos, sem, contudo, tocar na garantia de defesa/contraditório e no essencial desses libelos, tornando mais claros e mais condicentes com a realidade os factos ou as suas circunstâncias;
5. O que ocorreu in casu, uma vez que o crime imputado é o mesmo, os factos são os mesmos, ainda que configurados de modo algo diverso. A situação processual do recorrente mantém-se estável, não havendo que registar uma qualquer alteração da delimitação temática - também proibida - que resulta da acusação do titular da acção penal;
5. Pelo que não merece assim a douta sentença recorrida, qualquer reparo, dado que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, efectuou uma correcta apreciação e valoração da prova produzida, decidindo em conformidade, como é de lei e de justiça, pelo que não foi violado qualquer preceito legal; (…).”
4. O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância. 
5. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.

II. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, nas quais, de forma sintética e por referência à motivação do recorrente, são expostas as razões da discordância face à decisão recorrida (artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1 do CPP). Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar de eventuais questões de conhecimento oficioso designadamente, se existentes, da verificação dos vícios do artigo 410º do Código de Processo Penal.  Inexistindo questões a conhecer oficiosamente e face às conclusões apresentadas, no presente recurso importa apenas apreciar da nulidade suscitada pelo arguido e que o mesmo faz decorrer da alteração dos factos operada em sede de audiência de julgamento, por a considerar substancial e enquadrável no artigo 359.º do Código de Processo Penal.

III. Fundamentação 
Vejamos o teor da acusação deduzida pelo Ministério Público, bem como o teor dos segmentos relevantes da sentença recorrida.
- O arguido vinha acusado dos seguintes factos:

 “NUIPC: 516/18.2PBSXL
1. No dia 06.07.2018, pelas 03h10, o arguido encontrava-se a exercer a sua função de vigilante privado junto à entrada do estabelecimento comercial de diversão noturna, denominado “Selfie”, sito na Av.ª Silva Gomes, em Amora.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o ofendido F_____, que se encontrava no interior daquele estabelecimento, deslocou-se à entrada do mesmo, para receber as suas amigas E__ e de M___.
3. Nessa ocasião, o ofendido questionou o arguido sobre os motivos de ter recusado a entrada naquele estabelecimento de E__ e de M___.
4. De seguida, sem que nada o fizesse prever, o arguido aproximou-se do ofendido F_____  e desferiu-lhe um soco na face esquerda, projetando-o no solo.
5. Em consequência direta e necessária dos atos praticados pelo arguido, o ofendido F_____  sentiu dores e sofreu ferimentos na face, concretamente, inchaço do olho esquerdo, corte junto à orelha e sangramento do nariz.
6. O arguido atuou com o propósito, concretizado, de molestar o corpo do ofendido, provocando-lhe dores físicas e lesões corporais.
NUIPC: 1002/19.9PBSXL
7. No dia 24.11.2019, pelas 04h30, o arguido encontrava-se a exercer a sua função de vigilante privado junto à entrada do estabelecimento comercial de diversão noturna, denominado “Selfie”, sito na Av.ª Silva Gomes, em Amora.
8. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o ofendido V____  deslocou-se ao interior daquele estabelecimento, para se encontrar com um seu amigo.
9. Após verificar que o seu amigo não se encontrava ali, o ofendido saiu para o exterior do estabelecimento.
10. Nessa ocasião, sem que nada o fizesse prever, o arguido aproximou-se do ofendido V____ e desferiu-lhe, pelo menos, dois murros e pontapés em várias partes do corpo deste.
11. Em consequência direta e necessária dos atos praticados pelo arguido, o ofendido V____ sentiu dores e sofreu edema peri-orbitário direito e fratura da 8.ª, 9.ª e 10.ª costelas direitas, lesões que lhe determinaram 45 dias de doença, sendo os primeiros 30 dias com afetação da capacidade para o trabalho em geral.
12. O arguido atuou ainda com o propósito, concretizado, de molestar o corpo do ofendido, provocando-lhe dores físicas e lesões corporais.
13. Em ambas as situações descritas, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”
- Na sequência da produção de prova foi comunicada alteração dos factos descritos na acusação, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal e, a requerimento do Ilustre Defensor do arguido, foi concedido o prazo de 10 dias para preparação da defesa. 
Foi proferida sentença da qual consta a seguinte a factualidade provada e não provada:
 “(…)

NUIPC: 516/18.2PBSXL
1) No dia 06-07-2018, entre as 2 e as 3horas, o arguido encontrava-se a exercer a sua função de vigilante privado junto à entrada do estabelecimento comercial de diversão noturna, denominado “Selfie”, sito na Av.ª Silva Gomes, em Amora;
2) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o ofendido F_____  deslocou-se até à porta desse estabelecimento de diversão nocturna, acompanhado das suas amigas E__ e M___, para ali entrarem, mas como F_____  envergava um fato de treino, o arguido disse que com tal indumentária não podia ali entrar;
3)Nessa sequência, F_____  foi a casa, trocou de roupa, foi ter novamente com E__ e M___ que estavam num bar nas imediações e encaminharam-se os três para a porta do Selfie, pretendendo ali entrar;
4) Ali chegados, o arguido deixou entrar F_____ , que acedeu ao interior do estabelecimento, mas barrou a entrada a E__ e M___ , alegando que as mesmas tinham falado muito antes e reclamado pelo facto de ele não ter deixado entrar aquele;
5) Por volta das 3H10, quando F_____ , depois de ter questionado o arguido sobre os motivos de ter recusado a entrada naquele estabelecimento de E__ e de M___ , se virou para estas, sugerindo que fossem para outro estabelecimento de diversão nocturna, o arguido, aproveitando o facto de estar atrás daquele, desferiu-lhe um murro no lado esquerdo da cara;
6) F_____  voltou-se e lançou um dos punhos na direcção do arguido, mas não o chegou a atingir, tendo sido então que um outro segurança do estabelecimento projectou para os olhos do primeiro um spray;
7) F_____  fugiu desse local e atravessou a estrada que estava em frente, tendo o arguido ido no seu encalço e junto a um portão ali existente, deu um pontapé no peito de F_____, que embateu com as costas nesse portão, e desferiu-lhe socos no corpo;
8) F_____ agarrou então o arguido pelo casaco e ambos caíram ao chão, ficando o arguido por cima dele, até que surgiram outras pessoas no local, que afastaram o arguido de F_____;
9) Em consequência direta e necessária dos atos praticados pelo arguido, F_____  sentiu dores e sofreu ferimentos na face, concretamente, inchaço do olho esquerdo, corte junto à orelha e sangramento do nariz.
10) O arguido atuou com o propósito, concretizado, de molestar o corpo do ofendido, provocando-lhe dores físicas e lesões corporais.
NUIPC: 1002/19.9PBSXL
11) No dia 24-11-2019, pelas 04H30, o arguido encontrava-se a exercer a sua função de vigilante privado junto à entrada do estabelecimento comercial de diversão noturna, denominado “Selfie”, sito na Av.ª Silva Gomes, em Amora;
12) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o ofendido V____  deslocou-se até à porta daquele estabelecimento, para se encontrar com um seu amigo, tendo pedido ao arguido que o deixasse ali entrar somente para chamar tal pessoa, uma vez que, quando com ele falara ao telemóvel, pelo barulho existente, não percebeu o seu pedido para sair;
13) O arguido respondeu-lhe que não podia entrar sem pagar o consumo mínimo do estabelecimento, ao que ele tirou então o dinheiro que tinha no bolso, na ordem dos €1800,00, que era fruto da exploração que fazia de um estabelecimento, para tirar o montante necessário para pagar;
14) Nessa ocasião, sem que nada o fizesse prever, o arguido aproximou-se do ofendido V____ e desferiu-lhe um soco no olho direito, o que o fez andar para trás e tentar fugir, até que acabou por cair ao chão, perdendo os sentidos;
15) Em consequência direta e necessária dos atos praticados pelo arguido, o ofendido V____ sentiu dores e sofreu edema peri-orbitário direito.
16) O arguido atuou ainda com o propósito, concretizado, de molestar o corpo do ofendido, provocando-lhe dores físicas e lesões corporais.
17) Em ambas as situações descritas, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
18) Em virtude do comportamento do arguido quanto a V____  o Hospital Garcia de Horta prestou cuidados de saúde a este último no dia 26-11-2019, no valor de €119,07, consubstanciado em episódio de urgência no valor de €112,07 e ainda exame radiológico aos ossos da face no valor de €7,00. (…)
Factos não provados:
Não se provou toda a factualidade, com relevância para a decisão da causa, que não se compagina com a supra descrita, designadamente, que:
- Na sequência do arguido ter desferido um soco na face esquerda em F_____, este tenha caído ao chão;
- O arguido tenha desferido mais do que um soco em V____ e que lhe tenha dados pontapés em várias partes do corpo;
- Em virtude de actos do arguido, V____ tenha sofrido fractura da 8.ª, 9.ª e 10.ª costelas direitas e suportado 45 dias de doença, 30 dos quais com incapacidade para o trabalho;
- Em virtude de actos do arguido relativamente a V____ o Hospital Garcia de Orta tenha ainda efectuado exame radiológico à grelha costal daquele, no valor de €7,50.
(…)”
Como referido supra, no presente recurso importa apenas apreciar se a alteração dos factos vertidos na acusação, considerada pelo tribunal a quo como não substancial e, assim, comunicada ao arguido nos termos do artigo 358º, n.º 1 do Código de Processo Penal -, consubstancia antes uma alteração substancial dos referidos factos sujeita ao regime do artigo 359.º do mesmo diploma e se, em consequência, se verifica a nulidade invocada, prevista na art.º 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal. 
De acordo com o princípio do acusatório é a acusação (ou a pronúncia) que define o objecto do processo e que delimita a actividade cognitiva do tribunal (princípio da vinculação temática). Não quer isto significar que devam ser inteiramente desconsiderados factos distintos daqueles descritos na acusação e que se apresentem no decurso da audiência de julgamento, estabelecendo a lei as situações de atendibilidade destes.   
O regime da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia previsto nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, constitui, por um lado, garantia de defesa do arguido, visando obstar a que este possa ser julgado e condenado por factos distintos dos inicialmente imputados, sem oportunidade de se pronunciar sobre eles e, por outro, possibilita que nas decisões proferidas se verifique a maior adesão possível à realidade material. Diferencia a lei as situações em que deve atender-se à factualidade distinta que resulte do julgamento, daquelas outras em que é vedado ao tribunal atender
a novos factos, constituindo critério diferenciador a natureza da alteração das condutas imputadas. 
Tratando-se de alteração substancial e não se colocando questões de competência do Tribunal, a continuação do julgamento pelos novos factos, está condicionada ao acordo do Ministério Público, do arguido e do assistente, conforme resulta do n.º 3 do artigo 359.º do Código de Processo Penal. Inexistindo esse acordo, a alteração referida “não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso (…)”.
Tratando-se de alteração não substancial dos factos descritos na acusação (ou na pronúncia) “(…) com relevo para a decisão da causa, o presidente oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.” (artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Alteração substancial é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, conforme dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal. Por contraposição, a alteração não substancial de factos é aquela de que não decorrem esses efeitos. 
“A alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
II - Já a alteração não substancial constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para determinar a moldura penal.”[1]  
Entendeu o tribunal a quo verificada esta última situação, comunicando-a no decurso da audiência de julgamento e reiterando esse entendimento na sentença proferida quando se pronunciou pela improcedência da nulidade suscitada pelo arguido. 
Confrontados os factos constantes da acusação com aqueles que constituem a factualidade provada constante da sentença recorrida, uns e outros reproduzidos supra, nenhuma dúvida existe quanto à natureza não substancial da alteração introduzida. 
Como se refere na sentença recorrida, “ (…) quer os factos aditados relativamente ao descrito na acusação quanto a F_____  ou quanto V____ não mudam a imagem de cada desses pedaços de vida trazidos a julgamento: continua a ser a mesma data, local, intervenientes, bem como os actos em questão imputados ao arguido de agressão física, apenas se tendo aditado pormenores quanto ao circunstancialismo que antecedeu a actuação do arguido; quanto ao primeiro que a alegada ofensa ao corpo de F_____ não foi somente um soco, mas para além disso um pontapé e socos; e quanto ao segundo até se alterou que em vez de dois murros estava em causa um único soco e especificando-se a zona do corpo alegadamente atingida.
A imagem desses eventos, a provar e que o Tribunal terá que apreciar se ficou demonstrada ou não, é a mesma do ponto de vista ontológico, em termos de valoração social, cultural e jurídica, à luz da apreciação de um homem médio e bem assim do ponto de vista do direito de defesa do arguido.”
Com efeito, dos aditamentos e alterações introduzidas nenhum efeito resulta em termos de enquadramento jurídico dos factos ou da moldura penal aplicável, tratando-se de factualidade contida no quadro global definido na acusação, com meras concretizações quanto modo como foram perpetradas as agressões físicas aos ofendidos. 
Nestes termos, nenhuma censura merece a decisão recorrida, sendo de julgar improcedente a nulidade suscitada pelo arguido.

IV. Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em considerar improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida. 
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s – artigo 513º do CPP.
Notifique.
(Acórdão elaborado pela relatora em suporte informático e revisto pelos signatários – artigo 94º, n.º 2 do Código de Processo Penal). 

Lisboa, 26 de Outubro de 2022.  
Rosa Vasconcelos
Francisco Henriques
Maria da Conceição Miranda
 
_______________________________________________________[1] Acórdão do TRC de 10 de Novembro de 2021.