SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
LEI Nº 57/98
DE 18 DE AGOSTO
Sumário

O juízo de prognose feito a propósito da aplicação da suspensão da execução da pena não é coincidente com o que deve ser formulado para se aplicar o regime previsto no artº 17º, nº1 da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto.
Se o juízo de prognose para a suspensão da pena coincidisse com o juízo que há que formular para efeitos de aplicação do artº 17º, então podíamos concluir que sempre que fosse aplicada uma pena suspensa na sua execução ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º da mesma Lei, não necessitando o legislador de consagrar o poder do tribunal, e não o dever, da não transcrição, ainda que se trate de um poder dever, desde que verificados os pressupostos impostos na lei, mas apreciados pelo tribunal.
Uma coisa é a esperança de que o arguido não volte a delinquir como fundamento para que não cumpra uma prisão efectiva e se possa conceder-lhe uma última oportunidade de adoptar uma conduta conforme ao direito; outra coisa, bem diferente daquela, é o perigo da prática de novos crimes, considerando as circunstâncias que acompanharam o crime e que constam da sentença já transitada em julgado, e bem assim os antecedentes criminais.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos autos com o NUIPC 2963/19.3GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … – Juiz …, foi lavrado despacho, aos 22/04/2022, que indeferiu o requerimento do condenado AA, em que impetrava a não transcrição da sentença que o condenou nesses autos nos certificados de registo criminal a que se referem os artigos 13º, nº 1 e 10º, nº 6, da Lei nº 37/2015, de 05/05.

2. O condenado não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1 – O arguido vem interpor recurso do despacho de 22/04/2022, com a referência citius …, que indeferiu a não transcrição da condenação, sofrida nos autos, no certificado do registo criminal.

2 – O arguido foi, nos autos, condenado, por sentença de 12/01/2022, pela prática, em 22/12/2019, de quatro crimes de injúria agravada, em pena de multa, e um crime de resistência e coação sobre funcionário, em pena de prisão suspensa na sua execução.

3 – O arguido requereu a não transcrição da sentença no seu registo criminal, tendo o Ministério público promovido nada ter a opor à não transcrição.

4 – O tribunal “a quo”, por despacho de 22/04/2022, ora em crise, decidiu que: “considerando que o arguido já sofreu uma condenação anterior, na qual já se havia requerido a não transcrição, num curto hiato temporal, afigura-se que a presente condenação já não se revela suficiente para prevenir a prática de futuros crimes, pelo que se indefere a requerida não transcrição da presente condenação no certificado do registo criminal do arguido.”

5 – A não transcrição da condenação, nos temos do n.º 1 do artigo 13º da Lei 37/2015, assenta nos seguintes requisitos: que não se esteja perante a condenação pelos crimes previstos no artigo 152º, 152ºA e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, que estejam em causa penas de prisão inferiores a um ano ou penas não privativas da liberdade, que inexistam antecedentes criminais por crime da mesma natureza e que resulta das circunstâncias do crime que não haverá perigo da prática de novos crimes.

6 – Ora, nos presentes autos, não está em causa nenhum dos crimes previstos no artigo 152º, 152º-A e no capítulo V do título I do livro II do código Penal, nem a condenação que o arguido sofreu foi em penas não privativas da liberdade (multa e prisão suspensa).

8 – (numeração como no original que consta do citius) Também, arguido não tem, nem tinha, qualquer condenação anterior por crime da mesma natureza, e das circunstâncias que acompanharam o crime em apreço nos autos, não resulta qualquer perigo de cometimento de futuros crimes, tanto mais que, relativamente à suspensão da pena de prisão, o próprio Tribunal “a quo” fez um juízo de prognose favorável.

10 - (como no original) O juízo de prognose favorável, necessário para a suspensão da pena de prisão, é muito mais exigente do que o juízo necessário para a não transcrição, porquanto apenas se exige, quanto à não transcrição, que não haja um juízo desfavorável, não exigindo um juízo favorável (tal como se exige para a suspensão da pena de prisão).

11 - O despacho ora em crise errou na aplicação do artigo 13º da Lei 37/2015, pois que fundamentou a decisão de indeferimento na existência de uma condenação anterior por crime de natureza distinta e porque não teve em consideração as circunstâncias que acompanharam o crime, mas apenas a própria condenação em si (e a condenação anterior).

12 - Pelo exposto, deverá o despacho ora em crise ser revogado, determinando-se a não transcrição da condenação no certificado do registo criminal, com a cancelamento do respetivo registo já, entretanto, efetuado.

Nestes termos, concedendo provimento ao recurso e revogando o despacho recorrido, farão V. Exas. JUSTIÇA.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso pugnando pelo seu não provimento, com fundamento em que os pressupostos previstos no artigo 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05/05, são cumulativos e, no caso, o requerente foi condenado em pena superior a um ano de prisão.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso,– neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a de saber se estão verificados os requisitos enunciados no artigo 13º, da Lei nº 37/2015, de 05/05, para a não transcrição da sentença condenatória nos certificados de registo criminal a que se refere o nº 6, do artigo 10º, da mesma.

2. Elementos relevantes para a decisão

2.1 O recorrente foi condenado, por sentença de 20/07/2021, transitada em julgado aos 01/10/2021, no Proc. nº 928/21.4GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de … - Juiz …, em pena de multa, pela prática, aos 09/07/2021, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal.

Foi determinada a não transcrição da sentença.

2.2 Por sentença de 12/01/2022, transitada em julgado aos 14/02/2022, foi AA condenado nos autos principais pela prática, aos 22/12/2019, de quatro crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, com referência aos artigos 132º, nº 2, alínea l) e 188º, nº 1, alínea b), do Código Penal, na pena única de cento e cinquenta e cinco dias de multa e pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do Código Penal, na pena de treze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

2.3 Aos 20/01/2022, requereu o condenado ao tribunal a quo a não transcrição nos certificados de registo criminal da sentença que nestes autos o condenou, ao abrigo do estabelecido nos artigos 13º, nº 1 e 10º, nº 6, da Lei nº 37/2015, de 05/05, aduzindo, entre o mais, que “exerce a actividade profissional de vigilante/segurança, sendo que, para o efeito, necessita de regularmente obter certificados de registo criminal para entregar à entidade patronal e para renovar a respectivo cartão de vigilante junto do Ministério da Administração Interna; a ausência de antecedentes criminais no certificado criminal constitui uma condição fundamental para o legal exercício da actividade profissional, mormente para a emissão e renovação do cartão de vigilante.”

2.4 O despacho recorrido, lavrado aos 22/04/2022, apresenta o seguinte teor (transcrição):

Considerando que o arguido já sofreu uma condenação anterior, na qual já se havia requerido a não transcrição, num curto hiato temporal, afigura-se que a presente condenação já não se revela suficiente para prevenir a prática de futuros crimes, pelo que se indefere a requerida não transcrição da presente condenação no certificado do registo criminal do arguido.

Apreciemos.

Estabelece-se no artigo 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05/05:

“Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º.”

Estes pressupostos, quer os formais, quer o material (que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes), são cumulativos.

E, ao contrário do que sustenta o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, a condenação sofrida pelo requerente nos autos principais em 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal, não impede a não transcrição pretendida.

Na verdade, o Ac. do STJ nº 13/2016, de 07/07/2016, DR I Série, nº 193, de 07/10/2016, fixou jurisprudência no sentido de que “a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no nº 1 do artigo 17º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”, sendo que, os seus fundamentos têm, em nosso entender, plena aplicação no que tange a abranger a pena não privativa da liberdade referida no artigo 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05/05.

Assim, verificados estão os pressupostos formais, pois a condenação anterior (por condução de veículo em estado de embriaguez) também não foi por crime da mesma natureza daqueles em causa nos presentes autos.

O despacho recorrido funda-se, para o indeferimento, em que o arguido já sofreu uma condenação anterior, na qual já se havia requerido a não transcrição, num curto hiato temporal, afigura-se que a presente condenação já não se revela suficiente para prevenir a prática de futuros crimes.

Ainda que com alguma imperfeição de expressão, manifesto se torna que se considerou não estar preenchido o aludido pressuposto material.

Ora, nos autos principais o recorrente foi condenado pela prática de quatro crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º, nº 1e 184º, com referência aos artigos 132º, nº 2, alínea l) e 188º, nº 1, alínea b), do Código Penal e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº 1, do mesmo Código.

E, percorrida a respectiva sentença, resulta provado que o recorrente tentou forçar a entrada no serviço de urgências do Centro de Saúde de …, tendo sido impedido pelo segurança. Devido a esta ocorrência, ao local se deslocou uma patrulha da GNR integrada por dois militares.

No decurso de uma troca de palavras com um dos militares, desferiu o ora recorrente uma palmada na direcção de um braço deste, não o tendo atingido, vindo a ser acalmado por aquele.

Agarrou, pouco depois, o outro militar da Guarda por trás, pelos colarinhos da camisa e tentou arrastá-lo.

Foi manietado, mas, devido à força que exerceu para resistir à acção dos agentes, caiu ao solo juntamente com um destes.

Após a comparência de uma outra patrulha, integrada também por dois militares, já algemado, o recorrente esperneou e tentou desferir pontapés na direcção dos quatro agentes, para evitar que o conduzissem para a viatura de uma das patrulhas, enquanto proferia para estes as expressões: “cabrões” e “filhos da puta”.

Em consequência da acção do recorrente, um dos militares sofreu traumatismo no ombro esquerdo, com diminuição do balanço articular deste ombro na extensão, rotação e anteversão, lesões que demandaram sete dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional; um outro sofreu uma entorse no pé direito, com dores e proeminência (hematoma suncutânea) com 2cm de longauta e dolorosa à palpação.

À data exercia o recorrente a actividade profissional de vigilante.

Considerou ainda a sentença, que o grau de ilicitude e de culpa é elevado.

Tendo em atenção o quadro factual descrito, não é possível afastar a existência de significativo perigo da prática de novos crimes, concretamente até da mesma natureza, pelo recorrente.

Sustenta ele também que, tendo o tribunal recorrido aplicado a pena de substituição de suspensão na sua execução da pena de prisão, deveria ter igualmente concluído por não resultar perigo do cometimento de futuros crimes para efeitos da não transcrição da sentença.

Não tem, porém, a razão pelo seu lado.

Com efeito, como se pode ler no Ac. R. do Porto de 05/04/2006, citado pelo Acórdão do mesmo Tribunal de 06/05/2015, Proc. nº 43/12.1GCOVR-A.P1, consultável em www.dgsi.pt:

“O juízo de prognose feito a propósito da aplicação da suspensão da execução da pena não é coincidente com o que deve ser formulado para se aplicar o regime previsto no artº 17º, nº1 da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto”. Aliás e como este acórdão também dá conta, se o juízo de prognose para a suspensão da pena coincidisse com o juízo que há que formular para efeitos de aplicação do artº 17º, então podíamos concluir que sempre que fosse aplicada uma pena suspensa na sua execução ocorreria automaticamente a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º da mesma Lei, não necessitando o legislador de consagrar o poder do tribunal, e não o dever, da não transcrição, ainda que se trate de um poder dever, desde que verificados os pressupostos impostos na lei, mas apreciados pelo tribunal.

Concordamos, pois, com o MP quando na resposta ao recurso se expressou da seguinte forma “(…) uma coisa é a esperança de que o arguido não volte a delinquir como fundamento para que não cumpra uma prisão efectiva e se possa conceder-lhe uma última oportunidade de adoptar uma conduta conforme ao direito. Essa esperança é sempre tida como base na suspensão da execução de uma pena de prisão. E outra coisa, bem diferente daquela, é o perigo – que sabemos existir – da prática de novos crimes, considerando as circunstâncias que acompanharam o crime e que constam da sentença já transitada em julgado, e bem assim os seus antecedentes criminais” – fim de citação.

Este é também o entendimento que subscrevemos, com as devidas adaptações, tendo em conta o regime da Lei nº 37/2015, de 05/05.

Termos em que, ainda que com fundamento não inteiramente coincidente, não merece censura a decisão recorrida, cumprindo negar provimento ao recurso.

III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo condenado AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Évora, 8 de Novembro de 2022

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso