LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CRIME DE INCITAMENTO AO TERRORISMO
Sumário

I - A admissão de restrições à liberdade de expressão, de ideias e de opiniões, consentida pela Constituição da República e por diversos instrumentos internacionais, é mais ampla no âmbito das manifestações de ideias de ódio e incitamento a atos de violência e discriminação, apelando as instâncias internacionais a uma atuação dos Estados contra todas as formas de expressão que propagam, incitam ou promovem o ódio racial, a xenofobia, a violência e outras formas de ódio que se baseiem na intolerância, que frequentemente estão na génese de comportamentos terroristas;

II - Em termos normativos, o combate ao terrorismo em Portugal teve como precedente o artigo 300º do Código Penal e, entretanto, em virtude de eventos internacionais que reclamaram a harmonização do sistema penal no âmbito da estratégia comum dos Estados no combate à criminalidade organizada, em especial o terrorismo, passou a vigorar a Lei nº 52/2003, de 22.08.

III - No que respeita ao crime de incitamento ao terrorismo, através de meios de comunicação eletrónica, previsto e punível pelo artigo 4º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 52/2003, de 22.08, são elementos objetivos do tipo a difusão de mensagem ao público incitando à prática que vise prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante as condutas descritas no n.º 1 do artigo 2º.
Trata-se de um crime de perigo abstrato concreto, uma vez que o tipo em causa exige que as condutas previstas no n.º 1 do artigo 2.º, pela sua natureza ou pelo contexto em que são praticadas, sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.
A consumação do crime ocorre logo que o autor encoraje terceiros à prática de factos elencados no citado artigo 2º, n.º 1, com intenção de intimidar pessoas ou grupo de pessoas, desde que os mesmos, pela sua natureza ou pelo contexto em que são praticados, sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar, independentemente de tais pessoas virem a concretizar os factos encorajados.
Do ponto de vista do elemento subjetivo, embora admita qualquer tipo de dolo, é necessário que esteja presente a intenção de intimidar certas pessoas ou grupos de pessoas.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. - RELATÓRIO
1. No âmbito do processo n.º 38/20.1JBLSB.L1, no Tribunal Central de Instrução Criminal - Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi o arguido F______ , melhor identificado nos autos, submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido em 09.06.2022, tendo, a final, sido proferida decisão no sentido de não estar indiciada a prática de qualquer crime e, em consequência, não se verificarem os perigos a que alude o artigo 204º do Código de Processo Penal.
2. Inconformado com tal decisão, em 05.07.2022, dela veio o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância interpor o presente recurso, nos termos que constam do respetivo requerimento e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, sendo a motivação rematada pelas seguintes conclusões e petitório [transcrição]:
«1. A MM.a JIC não considerou que a factualidade constante no despacho de apresentação a 1.º Interrogatório Judicial, preenchesse o tipo de crime de terrorismo, p. e p. no art.º 4.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 52/2003 de 22.08.
2. São elementos objetivos do tipo previsto no art.º 4.º, nº 3 da citada lei a difusão de mensagem ao público incitando à prática que vise prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante as condutas descritas no n.º 1 do artigo 2.º, já transcrito.
3. Trata-se de um crime de perigo abstrato concreto, uma vez que o tipo em causa por força das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1 "in fine" e o art.º 4.º, nº 3, exige que as condutas previstas no referido n.º 1 do art.º 2.º da mesma Lei, pela sua natureza ou pelo contexto em que são praticadas, sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.
4. O crime tem-se por consumado, logo que o autor encoraje terceiros, à prática de factos previstos no n.º 1 do art.º 2.º, com intenção de intimidar pessoas ou grupo de pessoas, desde que os mesmos pela sua ou pelo contexto em que são praticadas, sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar, independentemente de tais pessoas virem a concretizar ou os factos encorajados.
5. Quanto ao elemento subjetivo para além de admitir qualquer tipo de dolo, é necessário, que esteja presente o elemento subjetivo especial da ilicitude requerido pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 1, e 4º, nº 3, da citada Lei que será a intenção de intimidar certas pessoas ou grupos de pessoas.
6. Incitar, significa encorajar estimular outrem a algo, no caso do tipo em causa a condutas no nº 1 do art.º 2.º, e dirigidas contra as pessoas ou grupo de pessoas ali referidas.
7. O destinatário do incentivo terá de ser indeterminado, pois caso contrário, estar-se-á perante a figura da instigação prevista no art.º 26.º do Código Penal.
8. A publicação em causa afetou gravemente o dispositivo policial, obrigando a Direção Nacional da PSP a reanalisar e reforçar os procedimentos de segurança nas operações que efetuou no referido Bairro.
9. Ao não considerar preenchido o referido tipo legal, a Mma Juíza violou o disposto no art.º 4.º, n.º 3 da Lei 52/2003 de 22.08,
10. Deve, pois, o douto despacho ser substituído por outro que subsuma os factos ao referido tipo legal e em consequência aplicar ao arguido a medida de coação requerida pelo Ministério Público.
V. Exas., porém, com mais elevada prudência, decidirão, como for de JUSTIÇA!»
3. Respondeu ao recurso o arguido, apresentando as seguintes conclusões e pedido [transcrição]:
«À luz dos princípios constitucionais conformadores do sistema processual penal, as medidas de coação não são uma forma de antecipação da responsabilização e punição penal, só se justificando como meio de tutela de necessidades de natureza cautelar, ínsitas às finalidades últimas do processo penal.
Assim sendo, não importa para a aplicação de uma determinada medida de coação ao Arguido a comprovação de que os factos constantes do requerimento para apresentação do Arguido a 1.0 Interrogatório Judicial preenchem integralmente os elementos da previsão do tipo legal do crime que lhe é imputado, bastando para tal um juízo de indiciação ou não da prática do crime (o chamado fumus comissi delito;
Mas sim a verificação dos demais requisitos gerais de aplicação no caso concreto da medida de coação em causa, previstos nos artigos 192.º e seguintes do C.P.P., nomeadamente o perigo de continuação da atividade criminosa, aduzido pelo M.P., em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do Arguido, com vista à tutela das necessidades de natureza cautelar do processo.
Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo M.P., com todas as consequências legais.
CONFORME É DE TODA A JUSTIÇA!.»

4. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, sufragando os fundamentos, de facto e de direito, da motivação recursória e respetivos conclusões do Ministério Público em 1.ª instância, emitiu parecer consonante, no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida.
5. Foi cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
6. Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
*
II. – FUNDAMENTAÇÃO
1. Incidências processuais relevantes
1.1- Em 09.06.2022, o Ministério Público deduziu despacho de apresentação do arguido F______ a 1.º interrogatório judicial de arguido detido, com o seguinte teor [transcrição]:
“O arguido F______ era à data dos factos a seguir descritos, titular do perfil do “Instagram”, onde utilizava o nickname ______
A conta de F____encontra-se disponível no endereço https://www.youtube.com/channel/.
O arguido é residente no Bairro Quinta do … – Sacavém, tem gosto pela música “rap”, consideram-se “digital influencers”, com publicações visualizadas por milhares de seguidores.
O arguido apresenta-se inclusivamente como “mentalista”, associado ao grupo conhecido por M… - M… B…”, o qual é constituído por vários indivíduos moradores no Bairro Social da Quinta do …, conhecido pelas autoridades policiais por se dedicar ao furto, roubo, tráfico de estupefacientes, posse ilegal de armas e à criação de música rap, através da qual cantam temas recorrentes de exaltação ao consumo e do tráfico de drogas, à delinquência, ao mundo do crime, às rivalidades entre gangues e a constante presença de frases antissistema.
No dia 13 de julho de 2020, elementos policiais deslocaram-se ao Bairro Quinta do … para procederem ao encerramento de vários estabelecimentos que estariam a funcionar para além das 20H00, ao arrepio das restrições impostas pelo Governo de Portugal em virtude do surto pandémico “Covid19”.
Nessa ocasião, os elementos da PSP foram recebidos por moradores do bairro, com insultos, pedradas e arremesso de outros objetos, tendo estes inclusive, incendiado vários caixotes de lixo.
Após tais acontecimentos, o arguido decidiu, publicar na rede social “Instagram” vídeos apelando aos jovens de referido bairro a uma atuação concertada de atos hostis contra elementos das forças de segurança.
Foi imbuído desse propósito que o arguido, em dia não apurado do mês de agosto de 2020, fazendo uso da sua conta do “Instagram” publicou na página https://www.instagram.com//, livremente acessível a qualquer pessoa e que tem registado cerca de 9.976 seguidores, três vídeos, dirigidos aos jovens do bairro da Quinta do ...”, em Sacavém, com o seguinte teor:
“Peço a todos os rapazes da zona para não baixarem a moral, Polícia é para arrebentar mesmo, não vamos fugir deles nunca, pensam que chegam aqui para abusar, não conseguem fazer isso, não vão fazer abusos aqui mano, moral mesmo, todos os Bairros unidos caralho.
Isto é mesmo muito triste, mas é a triste realidade, não fizemos nada, nada mesmo, só estamos sentados aqui na zona. Que Corona, que Corona é esse, caralho? O Corona é a tática para trancar-nos caralho. A tática, pensam que somos burros ou quê? Chegam aqui e batem a nós e com fogo para irmos para casa caralho, eles são o quê caralho? Rapazes moral, moral mesmo, todos os Bairros unidos, todos os Bairros caralho, porque pensam que chegam aqui para nos fazerem o que querem caralho, e não é bem assim caralho, não é bem assim e eles que venham aqui e vão levar no cú mesmo, filhos da puta caralho”.
***
No dia 8 de junho de 2022, cerca das 07H15, o arguido guardava na sua residência sita na Quinta do …, Sacavém, resultou a apreensão dos seguintes artigos:
1 (um) telemóvel de marca IPHONE, modelo IPHONE X, com n.º de série
F17CLG, com IMEI 3548443, de cor branca e laterais
em cor prateada;
1 (um) cartão SIM com o nº 0000318 4G128 da operadora MOCHE, que se encontrava inserido no telemóvel apreendido
1 (uma) t-shirt de manga à cava, de cor cinzenta e capuz azul escuro, com a estampagem “MISTRAL” na parte da frente;
2 (dois) gorros de cor azul com a inscrição “POLICIA” na parte frontal;
1 (um) boné de cor branca aparentemente da marca “NIKE”, com um símbolo da marca referida junto à pala
Ao publicar e dirigir os vídeos aos jovens do Bairro da Quinta do …, agiu o arguido com o propósito de desenvolver um processo de radicalização através daquela rede social, de disseminar ideias radicais e planos violentos, procurando recrutar e incentivar os jovens para a ação contra as Forças e Serviços de Segurança, mormente a PSP, bem sabendo da influência que exercem junto de jovens, que conquistam com as suas ideias subversivas e apelos à sua integração em grupos/subgrupos daquele Bairro, o que quis.
O arguido agiu de forma livre deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.
Pelo exposto constituiu-se o arguido F______ como autor de um crime de incitamento ao terrorismo, através de meios de comunicação eletrónica p. p. pelo art.º 4º, nº 3 e 4 e de um crime de recrutamento para ato terrorista, p. p. pelo art.º 4º, nº 6, ex vi do disposto no art.º 2º, nº 1 todos da Lei 52/2003, de 22.08 (LCT),
Da Prova.
CD fls. 147
Informação de fls. 148 a 151
Auto de Tradução e Transcrição de fls. 167 a 16
Inquirição de fls. 176
Print screen de fls. 181 a 188
CRC de fls. 189 a 190
Relatório de Informações Criminais da PSP de fls. 254 a 263
Auto de Busca e Apreensão de fls. 507 a 508
Reportagem Fotográfica de fls. 509 a 528
Relatório da Polícia Judiciária de fls. 535 a 566
CRC de fls. 574 a 577»
1.2. Realizado em 09.06.2022 o 1.º interrogatório judicial de arguido detido, documentado em registo audiofónico, o Ministério Público, com fundamento nos mesmos factos e imputação penal, pugnou pela aplicação ao arguido da medida de coação de obrigação de apresentação periódica na respetiva área de residência, por entender que se verificava perigo de continuação da atividade criminosa.
A final, foi proferido despacho[1], no qual a Ex.ma Juíza, em síntese, considerou, além do mais que para aqui não releva:
- Dos autos, designadamente dos meios de prova elencados a fls. 581 e 582 e, bem assim, das declarações do arguido, afigura-se-nos que resultam apenas indícios da prática por parte do arguido da factualidade que está descrita a fls. 580, em concreto, aquilo que o arguido assume – ter efetuado a publicação no mês de agosto de 2020, na sequência da deslocação da PSP ao bairro da Quinta do …, onde aquele reside, e de ter havido desacatos entre os residentes naquele bairro e os polícias que participaram naquela operação.
- Estamos em crer, salvo o devido respeito, que do próprio teor do vídeo ou da publicação efetuada pelo arguido não resulta que o mesmo tenha agido com o propósito de desenvolver um processo de radicalização, de disseminar de ideias radicais ou planos violentos, que pretendesse recrutar ou incentivar jovens para ação contra as Forças e Serviço de Segurança, que tivesse veiculado ideias subversivas.
- Note-se que aquilo que é referido e expressamente consta da publicação é que, na ótica do arguido e, eventualmente, dos residentes no Bairro, a perceção foi de que a polícia teria chegado ao bairro e abusado.
- A publicação efetuada pelo arguido é de levantamento da moral dos residentes do Bairro. Não se vislumbra que tenha sido feito qualquer apelo à violência. A perspetiva é a de união e a de passar a ideia de que não deixarão que a PSP efetue mais operações em que sejam eles, residentes no Bairro, os lesados.
- Portanto, não se vislumbra de forma alguma que esteja aqui qualquer apelo ou incitamento à violência. É exatamente uma declaração no sentido de que, supostamente, eles residentes no Bairro é que foram alvo de uma operação que pôs em causa a sua integridade e a sua moral.
- Na ótica de quem faz a publicação nada fizeram para merecerem a intervenção alegadamente violenta por parte da PSP.
- E, portanto, a nosso ver, pese embora o arguido tenha assumido a publicação, os factos não são subsumíveis ao crime que lhe está indiciariamente imputado.
- Nas suas declarações, o arguido referiu que vive naquele bairro e que foi baleado numa confusão entre pessoas de bairros sem que nada tivesse que ver com ele e, de forma muito credível, referiu que vive com dificuldades, que tem tentado pugnar pela defesa dos direitos dos residentes naquele bairro numa perspetiva puramente pacífica, tem bom relacionamento com a polícia, numa perspetiva de trato cordial e de coexistência pacífica.
- Não há qualquer indício de que o arguido esteja envolvido em atividades ilícitas.
- Não há indícios de que o arguido cometeu o crime que lhe é imputado e, portanto, que haja perigo de continuar com alguma atitude de tentativa de reunião de esforços com vista à violência e, designadamente, contra a polícia.
- Por todo o exposto, entende-se que o arguido deve aguardar os ulteriores termos do processo sujeito apenas às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência já prestado, nos termos dos artigos 191º, 192º, 193º, 194º e 196º do Código de Processo Penal.

2. Apreciação do recurso
2.1. Decorre das disposições conjugadas dos artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, que o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões – deduzidas por artigos –, já que é nelas que o recorrente sintetiza as razões – expostas na motivação – da sua discordância com a decisão recorrida.
Contudo, o tribunal de recurso está, ainda, obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afetem o recorrente, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do mesmo diploma, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito [cfr. Acórdão do Plenário das Secções do STJ n.º 7/95, de 19.10.1995, e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 10/2005, de 20.10.2005[2]].
O objeto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior são, assim, definidos e delimitados pelas referidas questões, umas, suscitadas pelo recorrente, e, outras, de conhecimento oficioso[3].
Assim, no caso concreto, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente as questões a apreciar circunscrevem-se à seguintes:
- Se a factualidade indiciada preenche os elementos típicos do crime de incitamento ao terrorismo, através de meios de comunicação eletrónica, previsto e punível pelo artigo 4º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 52/2003, de 22.08;
- Se se verificam dos pressupostos da aplicação da medida de coação de obrigação de apresentação periódica.

2.2. Insurge-se o Ministério Público contra o despacho da Ex.ma Juíza que presidiu ao 1.º interrogatório judicial de arguido detido que considerou não estar indiciada a prática dos crimes que foram imputados a este no despacho de apresentação àquela diligência e, como tal, dever o mesmo continuar a aguardar os ulteriores trâmites do processo sujeito apenas às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência.
Vejamos.
O Ministério Público apresentou o arguido a 1.º interrogatório judicial de arguido detido com fundamento na prática por este de factos que entende serem suscetíveis de integrarem um crime de incitamento ao terrorismo, através de meios de comunicação eletrónica, previsto e punível pelo artigo 4º, n.ºs 3 e 4, e de um crime de recrutamento para ato terrorista, previsto e punível pelo artigo 4º, n.º 6, ex vi do disposto no artigo 2º, n.º 1, todos da Lei n.º 52/2003, de 22.08 (Lei de Combate ao Terrorismo).
É inquestionável que, conforme bem assinala o Magistrado do Ministério Público, a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático, baseada na dignidade da pessoa humana, empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, no pluralismo de expressão e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais, onde todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (artigos l.º, 2.º e 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
O direito de liberdade de expressão, tal como todos os direitos, não tem, porém, caráter absoluto, estando sujeito às necessárias e adequadas restrições que, de forma proporcional, garantam a tutela de outros direitos fundamentais com aquele conflituantes, como é o caso do direito à honra, ao bom nome, à reputação e à imagem (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), ou quando usado para manifestação de ideias de ódio e de incitamento a atos de violência e de discriminação, contrárias aos valores e princípios constitucionais já referidos da honra, bom nome e reputação, da dignidade humana, da integridade pessoal (artigo 25.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), da liberdade de consciência, de religião e de culto (artigo 41.º da CRP).
A admissão de restrições à liberdade de expressão, de ideias e de opiniões, consentida pela Constituição da República e por diversos instrumentos internacionais, é mais ampla no âmbito das manifestações de ideias de ódio e incitamento a atos de violência e discriminação, apelando as instâncias internacionais a uma atuação dos Estados contra todas as formas de expressão que propagam, incitam ou promovem o ódio racial, a xenofobia, a violência e outras formas de ódio que se baseiem na intolerância, que frequentemente estão na génese de comportamentos terroristas.
Em termos normativos, o combate ao terrorismo em Portugal teve como precedente o Código Penal, designadamente, com a revisão operada pelo D.L. nº 400/82, de 23.09 e, posteriormente, pelo DL n.º 48/95, de 15.03, contemplando nesta o artigo 300º as “Organizações Terroristas”.
Em virtude de eventos internacionais, em particular o atentado em 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos da América, atribuído à organização terrorista fundamentalista islâmica de cariz jihadista Al-Qaeda, passou a vigorar uma estratégia global de combate ao terrorismo, havendo que vincular os Estados a uma estratégia comum, passando a ser uma incumbência da União Europeia a harmonização do sistema penal no combate à criminalidade organizada, em especial o terrorismo, desde logo nos termos dos artigos 29º e 31º, nº 1, al. e), do Tratado.
No nosso país passou a vigorar a citada Lei nº 52/2003, de 22.08 – a primeira lei de Combate ao Terrorismo – em cumprimento da primeira Decisão Quadro nº 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de julho, que previu pela primeira vez a punição do terrorismo internacional e a extensão da aplicação da lei portuguesa a factos cometidos fora do território nacional, dentro do quadro de estratégia europeia e mundial globalizada[4].
Concretamente, com relevo para o caso que nos ocupa, dispõe o artigo 4º, nos seus n.ºs 3, 4 e 6, o seguinte:
“3 - Quem, por qualquer meio, difundir mensagem ao público incitando à prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
“4 - Quando os factos previstos no número anterior forem praticados por meio de comunicação eletrónica, acessíveis por Internet, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.”
“6 - Quem, por qualquer meio, recrutar outrem para a prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.”
Por seu turno, estatui o citado n.º 1 do artigo 2º:
“Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, atuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioativas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;
d) Atos que destruam ou que impossibilitem o funcionamento ou desviem dos seus fins normais, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população;
e) Investigação e desenvolvimento de armas biológicas ou químicas;
«f) Crimes que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, biológicas ou químicas, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas;
sempre que, pela sua natureza ou pelo contexto em que são cometidos, estes crimes sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.”
Conforme assinala o Magistrado do Ministério Público no recurso, são elementos objetivos do tipo previsto no artigo 4º, n.º 3[5], a difusão de mensagem ao público incitando à prática que vise prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um ato, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante as condutas descritas no n.º 1 do artigo 2º.
Trata-se de um crime de perigo abstrato concreto, uma vez que o tipo em causa exige que as condutas previstas no n.º 1 do artigo 2.º, pela sua natureza ou pelo contexto em que são praticadas, sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar.
A consumação do crime ocorre logo que o autor encoraje terceiros à prática de factos elencados no citado artigo 2º, n.º 1, com intenção de intimidar pessoas ou grupo de pessoas, desde que os mesmos, pela sua natureza ou pelo contexto em que são praticados, sejam suscetíveis de afetar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar, independentemente de tais pessoas virem a concretizar os factos encorajados.
Do ponto de vista do elemento subjetivo, embora admita qualquer tipo de dolo, é necessário que esteja presente a intenção de intimidar certas pessoas ou grupos de pessoas.
No caso dos autos, como se disse, a Ex.ma Juíza que presidiu ao 1.º interrogatório judicial de arguido detido considerou não estar indiciada a prática dos crimes que foram imputados àquele no despacho de apresentação àquela diligência, pelas razões que apontou, supra sintetizadas.
É consabido que a verificação de indícios ou de suspeitas fundadas da prática de um crime constitui requisito geral e primacial de aplicação de qualquer medida de coação (maxime artigos 192º, n.ºs 1 e 2, e 193º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal), sendo certo que a lei processual penal exige a formulação de um juízo indiciário qualificado ou mais exigente para a aplicação das medidas de coação mais gravosas, ou seja, as que com maior intensidade podem atingir o princípio constitucional da presunção de inocência (a proibição e imposição de condutas, a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva).
Conforme decorre do estatuído no artigo 283º, n.º 2, do Código Processo Penal, consideram-se indícios suficientes [da verificação de crime e de quem foi o seu agente] “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”, o que conduzirá à dedução de acusação.
Na indiciação em fase de inquérito, nomeadamente para efeito de aplicação de medida de coação, os indícios suficientes terão que corresponder a uma probabilidade razoável de o arguido, por força deles, vir a ser condenado. Correspondem, assim, às razões, de facto e de direito, que sustentam e revelam a convicção de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória.
Por conseguinte, na fase de inquérito, a exigência legal de indícios suficientes da prática de factos tipificados pela lei como crime deve ter-se por verificada quando, com base nos indícios existentes à data, se encontra indiciada a existência do ilícito e quando ocorrem suspeitas sérias da sua imputação ao arguido, permitindo formular um juízo segundo o qual será mais provável a futura condenação do arguido do que a absolvição ou o arquivamento do processo.
No caso vertente, entendeu a Ex.ma Juíza a quo que dos autos, designadamente dos meios de prova elencados a fls. 581 e 582 e, bem assim, das declarações do arguido, resultam apenas indícios da prática por parte daquele da factualidade que está descrita a fls. 580, em concreto, aquilo que o mesmo assume – ter efetuado a publicação no mês de agosto de 2020, na sequência da deslocação da PSP ao bairro da Quinta do …, onde aquele reside, e dos desacatos entre os residentes naquele bairro e os polícias que participaram naquela operação. Especificou que do próprio teor do vídeo ou da publicação efetuada pelo arguido não resulta que o mesmo tenha agido com o propósito de desenvolver um processo de radicalização, de disseminar ideias radicais ou planos violentos, que pretendesse recrutar ou incentivar jovens para ação contra as Forças e Serviço de Segurança, que tivesse veiculado ideias subversivas. Observou que aquilo que é referido e expressamente consta da publicação é que, na ótica do arguido e, eventualmente, dos residentes no Bairro, a perceção foi de que a polícia teria chegado ao bairro e abusado e, como decorrência, a publicação é no sentido de levantamento da moral dos residentes do Bairro, não se vislumbrando que tenha sido feito qualquer apelo à violência, a perspetiva é a de união e a de passar a ideia de que não deixarão que a PSP efetue mais operações em que sejam eles, residentes no Bairro, os lesados. Concluiu que não se vislumbra de forma alguma que esteja aqui qualquer apelo ou incitamento à violência; sendo antes uma declaração no sentido de que, supostamente, eles, residentes no Bairro, é que foram alvo de uma operação que pôs em causa a sua integridade e a sua moral, sendo que nada fizeram para merecerem a intervenção alegadamente violenta por parte da PSP. Ademais, nas declarações que prestou, o arguido referiu que vive naquele bairro e que foi baleado numa confusão entre pessoas de bairros sem que nada tivesse que ver com ele e, de forma muito credível, referiu que vive com dificuldades, que tem tentado pugnar pela defesa dos direitos dos residentes naquele bairro numa perspetiva puramente pacífica, tem bom relacionamento com a polícia, numa perspetiva de trato cordial e de coexistência pacífica.
Começando por este último segmento dos fundamentos da decisão recorrida, importa sinalizar que a Ex.ma Juíza de instrução estava em condições privilegiadas para aferir se o arguido estava a prestar declarações de forma credível, uma vez que beneficiou da mais valia da imediação e da oralidade, sendo que nesta instância apenas podemos percecionar aquilo que resulta da gravação audiofónica.
 E estando em causa averiguar o contexto em que o arguido efetuou as publicações e a intencionalidade do mesmo a avaliação da postura processual daquele enquanto prestou declarações a esse respeito releva sobremaneira.
Com efeito, que, em agosto de 2020, foi efetuada a publicação de três vídeos, acompanhados dos textos supra transcritos, bem como o conteúdo de uns e de outros resulta profusamente comprovado nos autos e foi assumido pelo arguido.
Numa primeira leitura, ressaltam à vista as expressões “polícia é para arrebentar mesmo“ e “eles que venham aqui e vão levar no cú mesmo”, que inculcam a ideia de violência física.
Contudo, tais expressões não podem ser analisadas literalmente – até porque, seguramente, não quereriam significar fazer rebentar e violar agentes policiais, respetivamente –, nem dissociadas do enquadramento resultante do restante conteúdo dos textos e das imagens e do circunstancialismo em que foram produzidas.
Efetivamente, o teor literal dos textos tem que ser conjugado com a conteúdo dos vídeos e ambos têm que ser analisados no concreto contexto em que foram produzidos e publicados.
Não se pode ignorar a crueza das palavras, mas também não podemos olvidar que, em regra, nas redes sociais a linguagem utilizada, especialmente pelos jovens, é normalmente de cariz figurativo, mais impactante, pois é esse o objetivo último – impressionar, positivamente ou negativamente, e provocar as reações correspondentes, multiplicando as visualizações e os comentários.
Analisadas as publicações tendo em perspetiva tais considerações, afigura-se-nos que aquelas se inscrevem numa patente manifestação de revolta pela atuação dos agentes da PSP no âmbito de uma operação que haviam desenvolvido no bairro onde o arguido residia e que este entendeu ter decorrido de forma abusiva e injusta, apelando, por isso, à união de todos os bairros para se oporem a comportamentos similares no futuro.
Acresce que não foram carreados para o processo elementos objetivos externos que permitam infirmar as declarações do arguido, sendo que, perante tal ausência de outros contributos probatórios, o mero decurso do tempo corrobora o conteúdo dessas declarações.
Explicitando melhor, para prova do contexto em que teriam sido efetuadas as publicações e das repercussões destas, foi indicado pelo Ministério Público, no despacho de apresentação do arguido a primeiro interrogatório judicial, o depoimento, plasmado a fls. 176, do agente da PSP VC, o qual revelou ter apenas conhecimento indireto da intervenção promovida por elementos da PSP no Bairro da Quinta do …, aproximadamente um mês antes, em 13.07.2020, pois não esteve no local, tal como referiu expressamente.
O arguido assumiu que fez as publicações em causa no mês de agosto de 2020, mas refutou a intenção de apelar ou incitar à violência, explicitando, de forma coerente, o contexto em que assim procedeu, nomeadamente por se encontrar revoltado e nervoso em virtude um vídeo que lhe foi mostrado, em que era visível um seu conhecido a ser fortemente agredido na cabeça, o que o fez apelar à união de todos os bairros.
Ora, o arguido foi apresentado a primeiro interrogatório apenas em 09.06.2022, ou seja, quase dois anos após as publicações em causa, não tendo sido aduzidos, no despacho de apresentação – que delimita o objeto do primeiro interrogatório judicial –, quaisquer outros factos referentes a comportamentos daquele que consubstanciem alguma das ações de incitamento à violência ou similares.
É inquestionável que, estando o processo em fase de inquérito, ainda poderão ser carreados para os autos outros elementos fácticos e probatórios que, por si só ou conjugados com os já existentes, demandem uma outra interpretação do conteúdo das publicações e das explicações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial.
Enquanto tal não suceder ou se não vier a acontecer, afigura-se-nos que se mantém válido o juízo indiciário efetuado pela Ex.ma Juíza a quo no sentido de que apenas se mostra suficientemente indiciado que o arguido, na sequência de uma intervenção policial no bairro onde residia, procedeu, em agosto de 2020, à publicação dos vídeos e dos textos documentados, mas tais publicações não incitam à violência, nem aquele agiu com tal intenção, pelo que não se mostra preenchido  o elemento objetivo e, muito menos, o elemento subjetivo dos crimes que lhe vinham imputados[6].
Em decorrência, não estando indiciada a prática de crime, não se impunha a sujeição do arguido à pretendida medida de coação de obrigação de apresentação periódica.
Ainda que se entendesse que estava indiciada a prática dos crimes imputados pelo Ministério Público ao arguido, o decurso de um período temporal de dois anos sem que haja notícia de quaisquer outros comportamentos similares por parte do mesmo afasta, inelutavelmente, a conclusão no sentido da verificação de perigo da continuação da atividade criminosa, não se vislumbrando qualquer outro dos perigos elencados no artigo 204º do Código de Processo Penal.
Improcede, por conseguinte, o recurso interposto.

III. – DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando o despacho recorrido.

Sem custas, atenta a isenção de que goza do Ministério Público [artigos 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 4º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais].
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(Elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – artigo 94º, n.º 2, do Código de Processo Penal)
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Lisboa, 26 de outubro de 2022
Isabel Cristina Gaio Ferreira de Castro
Rui Gonçalves
Maria Elisa Marques
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[1] Tal despacho não foi transcrito, nem se mostra viável a sua transcrição na sequência da audição do mesmo que efetuámos, atenta a sua extensão e a dificuldade resultante do recurso a linguagem coloquial, da existência de repetições, entre outros aspetos, pelo que se optou por efetuar uma súmula, tão próxima quanto possível, do que foi dito oralmente.
[2] Publicados no Diário da República, I.ª Série - A, de 19.10.1995 e 28.12.1995, respetivamente.
[3] Vide Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061
[4] Cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 16.06.2021, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[5] As conclusões e a motivação visam apenas o crime de incitamento ao terrorismo, através de meios de comunicação eletrónica, previsto e punível pelo artigo 4º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 52/2003, de 22.08, não havendo qualquer referência ao crime de recrutamento para ato terrorista, previsto e punível pelo artigo 4º, n.º 6, ex vi do disposto no artigo 2º, n.º 1, do mesmo diploma, pelo que terá que se entender que, ainda que implicitamente, o Ministério Público concorda com a decisão recorrida no que tange ao não preenchimento deste segundo crime. Assim, a apreciação cingir-se-á ao crime objeto de discordância expressa no recurso.
[6] Relembre-se que, conforme antes assinalado, no recurso em apreciação o Ministério Público apenas pugna pelo enquadramento jurídico dos factos no crime de incitamento ao terrorismo, através de meios de comunicação eletrónica, previsto e punível pelo artigo 4º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 52/2003, e já não do crime de recrutamento para ato terrorista, previsto e punível pelo artigo 4º, n.º 6, ex vido disposto no artigo 2º, n.º 1, do mesmo diploma, que antes sustentava também se verificar.