SOCIEDADE ANÓNIMA
AQUISIÇÃO TENDENTE AO DOMÍNIO TOTAL
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
MORA DO DEVEDOR
JUROS DE MORA
AÇÕES
SÓCIO
Sumário


I - Sendo a obrigação ilíquida, a mora só se constitui a partir do momento em que o valor da obrigação se materializa.
II - Se, na aquisição potestativa de ações tendentes ao domínio total, o valor oferecido ao sócio minoritário for por este contestado, são devidos juros de mora sobre o valor real que vier a ser apurado, desde que superior àquele, mas apenas a partir do momento em que esse valor é judicialmente liquidado.

Texto Integral



                

PROC. N.º 70/2001

6ª SECÇÃO (CÍVEL)

REL. N.º 197[1]

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ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

AA e esposa BB, residentes na Rua ..., vieram intentar ação sob a forma de processo ordinário contra Interfamília II, SGPS, SA [atualmente, A..., SGPS, S.A.], pedindo – no que agora interessa – que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia a que tiverem direito, atento o número de ações que possuem, quantia que deverá ser acrescida dos juros legais, contados desde a data de propositura da ação, até integral pagamento.

Para tanto e em suma, alegaram que são donos de 17.076 ações da sociedade A..., SGPS, S.A., e, no dia 22 de Dezembro de 2000, na sequência da oferta apresentada, a sociedade Ré celebrou escritura pública de aquisição das ações da AIP, SGPS, SA, na qual declarou ter consignado em depósito no BNC, SA, indicando o número da respetiva conta, a quantia de 1.025.613.723$00.

Alegam ainda que o valor de cada uma das ações por si detidas ronda os 7 mil escudos.

A Ré contestou impugnando os fundamentos da ação e pedindo a sua improcedência.

Os AA. vieram ainda oferecer réplica, uma vez que no seu entender na contestação apresentada foram deduzidas exceções.

Foi proferida sentença em que se condenou a Ré Interfamília II, no pagamento aos Autores AA e esposa BB da quantia de 255.798,48 € (duzentos e cinquenta e cinco mil, setecentos e noventa e oito euros e quarenta e oito cêntimos), com juros à taxa legal, prevista para os juros comerciais, calculados desde 22.12.2000 e vincendos até efetivo e integral pagamento, mas apenas na parte que exceda os montantes consignados em depósito.

Interposto recurso de apelação pelos Autores e pela Ré, foi proferido acórdão com o seguinte teor:

Na procedência parcial das alegações de recurso dos autores, AA e BB e improcedência das alegações da InterfamiliaII, altera-se a sentença recorrida e condena-se a Interfamília II, no pagamento aos AA. AA e esposa BB da quantia de 255.798,98[2] (duzentos e cinquenta e cinco mil, setecentos e noventa e oito euros e quarenta e oito cêntimos), valor que deverá ser actualizado em função do valor da moeda tendo em conta a data de aquisição de 22.12.2000.

Notificados deste acórdão, vieram os Autores e a Ré interpor novo recurso, agora de revista para o STJ.

Os Autores concluem as alegações de recurso do seguinte modo:
1. O presente recurso cinge-se, unicamente, à parte do Douto Acórdão proferido que considerou no tocante à invocada omissão de pronúncia e cita-se “Conforme se vê da condenação do Acórdão em crise a Ré não foi condenada em juros, mas apenas na actualização em função da desvalorização do valor da moeda reportada à data de 22/12/2000”;
2. Salvo o devido respeito este entendimento não pode colher;
3. A Douta Sentença proferida em 1 a instância já tinha condenado a aqui recorrida ao pagamento da actualização do valor fixado às acções em função do valor da moeda tendo em conta a data de 22/10/2000;
4. Bem como havia condenado a aqui recorrida ao pagamento de juros à taxa legal, prevista para os juros comerciais, calculados desde 22/10/2000 e vincendos até efetivo e integral pagamento na parte que excedesse os montantes consignados em depósito por cada uma dessas transmissões;
5. Esta condenação em juros não foi objecto de qualquer recurso, pois a aqui recorrida aquando da interposição do seu recurso da Sentença proferida em 1a Instância não pôs em causa a condenação em juros;
6. E, mesmo, posteriormente em sede de recurso por si apresentado esta não vem novamente sindicar ou questionar a condenação em juros;
7. Bem ao invés aceita expressamente essa condenação ao alegar que a taxa aplicável não deveria ser a praticada para os juros comerciais, mas outrossim a praticada para os juros civis;
8. Deste modo a condenação da aqui recorrida em juros, por não ter sido objecto de qualquer recurso da douta decisão proferida em 1a Instância para o Tribunal da Relação, já há muito transitou em julgado;
9. Bem como e pelas mesmas razões nessa condenação foi fixado o pagamento de juros à taxa comercial.
10. Com efeito a não referência no Douto Acórdão do Tribunal da Relação à condenação em juros, mas somente na actualização do valor da moeda deve-se muito simplesmente ao facto de ter sido essa a questão que lhe havia sido suscitada;
11. Pois a condenação em juros constante da douta sentença de 1a Instância nunca foi questionada ou objecto de recurso;
12. Distingue a Lei entre caso julgado material e formal conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos distintos daqueles em que foram praticados os despachos, as sentenças ou os Acórdãos;
13. Deste modo, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580 °e 581. °C.P.C. (cfr. art. 619 °do C.P.C.);
14. Assim, o caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele impedindo que possa ser definido em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material controvertida;
15. A este respeito cita-se o Douto Acórdão do STJ de 20-06-2012, (...) A figura jurídico-       -processual do caso julgado pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal;
16. Deste modo não restam dúvidas de que relativamente à parte que excede os montantes consignados em depósito - € 62.668,98 - são devidos juros pelo atraso no pagamento;
17. E que os juros devidos devem ser calculados à taxa de juro comercial como já anteriormente decidido quer pela 1a Instância quer pelo Douto Tribunal da Relação do Porto.

 A Ré também recorreu, concluindo as suas alegações como segue:
A. A Recorrente, apesar de não estarem sanadas as nulidades antes declaradas por este Supremo Tribunal, renuncia à sua arguição, esperando que o Tribunal a quo possa conhecer do recurso;
B. Os Recorridos deduziram um pedido genérico, que por natureza é ilíquido. Não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor, o que não é o caso, porquanto a Recorrente cumpriu com o disposto no artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais. Não havendo mora, não há razão para aplicar qualquer fator de correção à quantia em causa;
C. O pressuposto da faculdade de aplicação de um fator de correção monetária que não tenha sido peticionado é a existência de substancial desvalorização da moeda; desde a adesão ao Euro em 01.01.1999 que Portugal deixou de sofrer o efeito da desvalorização. Não pode, portanto, ser oficiosamente determinada a correção monetária.
D. A Recorrente consignou a contrapartida da aquisição, à razão de PTE 2.267$00 (EUR11,31), podendo os Recorridos proceder ao seu levantamento desde 22.12.2000; a consignação em depósito é liberatória, pelo que não podem ser imputadas à Recorrente as consequências da decisão dos Recorridos de não proceder ao levantamento da contrapartida (admitindo que não o tenham feito);
E. A Recorrente é devedora da diferença, em singelo, do valor consignado e do valor da condenação em 1ª Instância, ou seja, EUR 62.668,92;
F. A haver correção monetária (e não há), a mesma poderia apenas incidir sobre a parte não consignada, ou seja, EUR 62.668,92, como aliás havia sido decidido em 1ª Instância (depois da decisão de aclaração);
G. Salvo o devido respeito, a Sentença recorrida ofendeu o disposto no artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais, nos artigos 805.º, n.ºs 1 e 3, 841.º, 844.º e 846.º do Código Civil, e no artigo 556.º do Código de Processo Civil.

Pede, em consonância, que se revogue o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro, no qual se condene a Recorrente a pagar a quantia de EUR 62.668,92, em singelo ou, subsidiariamente,            acrescida de correção monetária, desde 22.12.2000, calculada sobre a referida quantia de EUR 62.668,92.

Houve contra-alegações de ambas as partes.

Na pendência do recurso faleceu o Autor marido, tendo sido habilitados os seus herdeiros.

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Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes, as questões que se entrecruzam em ambos os recursos são as de saber se são devidos juros (civis ou comerciais) pela Ré e se deverá haver lugar à correção monetária dos montantes envolvidos, tal como decidido no acórdão recorrido.

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II.        FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS

Está provado que:


1. A Ré constitui-se por escritura pública celebrada em 24/07/1998, no ... Cartório Notarial de, sendo o seu capital social de cinco milhões de escudos, representado por cinco mil ações no valor nominal de mil escudos cada.

2. Em 06/04/2000, a sociedade “A..., SGPS, S.A., (AIP) detinha a totalidade das ações da Ré.

3. Em assembleia geral da AIP, realizada em 05/05/2000, foi deliberado, por unanimidade, manter a situação de domínio sobre a Ré, tendo tal deliberação sido registada em 24/07/2000.

4. Em 22/09/2000, a AIP vendeu às sociedades “F..., SGPS, SA”, “S... SGPS, SA”, “I..., SGPS, SA, “L..., SA”, “A..., SGPS, SA”, “F..., SA”, “I..., SGPS, SA” e “A..., SA” todas as ações representativas do capital social da Ré.

5. Em 20/10/2000, a assembleia geral da Ré deliberou aumentar o capital de 5.000.000$00 para 56.736.406.000$00, sendo o aumento a subscrever e a realizar pelas acionistas referidas em 4., através da entrega de ações da AIP.

6. Por escritura pública outorgada no dia 06/11/2000, a Ré aumentou o seu capital social para 56.736.406.000$00, mediante a emissão de novas ações, subscrito e realizado integralmente pelas acionistas referidas em 4., através da entrega de ações de que eram titulares na AIP, redenominou o capital social para euros e renominalizou as ações, arredondando o valor unitário de € 4,99 para 5 euros, passando o capital social a ser de € 283.000.000,00, representando por 56.600.000 ações, no valor nominal de cinco euros cada, distribuídos pelas sociedades referidas em 4..

7. Em consequência do aumento de capital referido em 6., a Ré passou a deter 27.026.500 ações representativas de 97,39% do capital social da AIP.

8. Por carta datada de 07/11/2000, a Ré comunicou à AIP que era titular de ações correspondentes a mais de 90% do seu capital social.

9. Em 16/11/2000, o Conselho de Administração da Ré deliberou a oferta de aquisição de ações dos demais accionistas da AIP, mediante a contrapartida de Esc. 2.267$00 por ação.

10. Após o referido aumento de capital, a Ré fez publicar no dia 12/12/2000, no DR III Série, n.º 285 e no Jornal “...”, no dia 13/12/2000, uma oferta de aquisição das participações livres, pelo preço unitário de Esc. 2.267$00 por ação, válida por 6 dias, entre o dia 15 e o dia 20 de Dezembro de 2000.

11. No dia 22/12/2000, a Ré outorgou a respetiva escritura pública de aquisição das ações, onde é declarado que os titulares de 271.531 ações haviam dado resposta favorável à oferta, faltando adquirir os restantes 451.969.

12. Nessa mesma escritura, a Ré declarou adquirir as 451.969 ações representativas do capital social da AIP, das quais não era titular, pelo preço unitário de Esc. 2.267$00.

13. Em tal escritura, a Ré declarou ainda consignar em depósito o preço das ações adquiridas, à razão de 2.267$00, coincidente com a oferta, no valor global de 1.024.613.723$00.

14. Em 21/12/2000, a Autora AG, SA detinha 415.551 ações da AIP.

15. Em 22/12/2000, os AA. AA e esposa BB eram proprietários de 17.076 ações da sociedade “A..., SGPS, S.A.”.

16. O relatório a que alude o artigo 490º, n.º 2 do CSC, constante de fls. 240 a 244 dos autos e datado de 16 de Setembro de 2000, foi subscrito por CC, em representação de “Á..., Sociedade de Revisores Oficiais de Contas”.

17. Em 19/04/2000 foi inscrita no registo comercial a designação de fiscal único da Ré nos autos, sendo como efetivo “Á..., Sociedade de Revisores Oficiais de Contas”, representada por CC (ROC) e suplente “DD e EE, FF”, representada por DD (ROC).

18. A sociedade de revisores oficiais de contas referida em 16. foi designada como fiscal único as sociedades “F..., SA” (designação inscrita no registo comercial em 26/06/00); “A..., SA” (designação inscrita no registo comercial de 30/04/99); “I..., SGPS, SA” (designação inscrita no registo comercial de 29/06/00); “L..., SA” (designação inscrita no registo comercial em 21/01/00); “S... SGPS, SA” (designação inscrita no registo comercial em 31/07/00); “F..., SGPS, SA” (designação inscrita no registo comercial em 12/07/99).

19. Em 20/11/2000, foi inscrita no registo comercial a retificação da designação referida em 17., designando-a como fiscal único “DD” e como suplente “N..., FF”.

20. O valor de cada uma das ações referidas em 14 e 15., em 22/12/2000, era de € 14,98.

21. Em Outubro de 2000, a Ré verificou que a ata da sua assembleia geral de 06/04/2000, onde foi designado o fiscal único da sociedade, na sequência da renúncia do anterior, havido sido incorretamente transcrita.

22. Em 2/10/2000, os membros da mesa da assembleia geral da Ré, procederam, por unanimidade, à retificação da transcrição da proposta única acionista, nos termos do qual o fiscal único proposto foi “DD”, representada por DD e para fiscal único suplente “N..., FF”, representada por GG.

23. Desde 06/04/2000 até 20/11/2000, CC não praticou qualquer ato na qualidade de fiscal único da Ré.

24. Nem sequer foi informado da designação.

25. Em Abril de 2000, DD aceitou a sua designação como fiscal único efetivo da Ré.

26. O relatório referido em 16. foi elaborado em 16/11/00.

27. 27. A data nele aposta resultou de lapso do seu subscritor


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O DIREITO

Resulta claramente do dispositivo da sentença da 1ª instância que a Ré foi condenada a pagar aos Autores juros, à taxa legal prevista para os juros comerciais, calculados desde 22.12.2000, e vincendos até efetivo e integral pagamento, mas apenas na parte que exceda o montante consignado em depósito relativo à transmissão das ações respetivas.

Contrariamente ao que afirmam os Autores, não é verdade que a Ré, no recurso que interpôs da decisão da 1ª instância, não se tenha oposto à condenação em juros.

Com efeito, resulta da alínea JJJJ) das conclusões da apelação da Ré que os Autores deduziram “um pedido genérico, ilíquido, portanto, sendo pacífico que a lei postula que só há lugar a juros de mora a partir da fixação do valor”, tendo a mesma Ré defendido, na conclusão PPPP), que, “ainda que o Tribunal a quo tenha decidido condenar em juros (sem que se conceda esta hipótese), desconsiderando a iliquidez no Proc. 60/2001, a condenação só poderia ser válida a partir da interpelação da Recorrente, ou seja, da data da citação;”

Tendo, portanto, impugnado, em sede recursória, a condenação no pagamento de juros, não pode falar-se em trânsito em julgado dessa condenação, circunstância que inutiliza as conclusões 8ª a 15ª da revista nas quais os Autores apelavam às consequências do caso julgado material.

O acórdão da Relação do Porto não exibe quaisquer razões para ter afastado essa condenação em juros, tendo antes optado por aplicar o mecanismo da correção (atualização) monetária, reportado à data da aquisição das ações, ou seja, 22.12.2000.

Um tanto surpreendentemente, diremos nós, uma vez que os Autores recorrentes nunca tal peticionaram. O que pediram, desde o início da ação, foi a condenação da Ré no pagamento de juros de mora.

É nesse estrito âmbito que terá de apurar-se se são efetivamente devidos os juros reclamados pelos Autores na petição inicial, convocando-se para o efeito as normas respetivas.

Artigo 804º

          Princípios gerais

1 - A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.

2 – O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.

Artigo 805º

Momento da constituição em mora

1 – O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2 - Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

Artigo 806º

Obrigações pecuniárias

1 - Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2 - Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.

3 - Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.

Vejamos, então, a hipótese dos autos.

A Ré fixou o valor de aquisição de cada ação em 2.267$00. Com base nesse valor efetuou a consignação em depósito de acordo com a norma do artigo 490º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais[3].

No entanto, aquele valor unitário foi contestado pelos acionistas Autores, sócios minoritários.

Como sabemos, formulada a oferta de aquisição potestativa, a sociedade dominante/compradora, caso o fundamento da oposição dos sócios minoritários seja unicamente o facto de o valor depositado ficar aquém do que os mesmos reputam de justo – como nestes autos - fica vinculada ao dever de pagar, pelo menos, o valor oferecido e depositado, surgindo apenas a possibilidade de ter de pagar valor superior caso assim venha a ser entendido em momento ulterior.  

A obrigação é ilíquida quando, embora certa e existente, não está ainda apurado o seu montante.

Se a obrigação é ilíquida, não há mora. Esta só se constitui a partir do momento em que o valor da obrigação se materializa.

Claro que esta regra [constante da primeira parte do n.º 3 do artigo 805º] não funciona quando o próprio devedor tenha culpa na iliquidez.

Todavia, no caso concreto, nada aponta nesse sentido, sendo também certo que tal questão nem sequer foi equacionada.

O que se sabe é que, no decurso do pleito, ficou apurado, no item 20. dos factos provados, que cada uma das 17.076 ações dos Autores valia, em 22.12.2000, 14,98 € [3.003$22], ou seja, mais 3,67 € [76$62] do que o valor oferecido pela Ré.

Daí que o valor da condenação da Ré, relativamente aos Autores, ascendesse a 255.798,48 €.

Donde se deva concluir que apenas serão devidos juros moratórios a partir da decisão judicial que fixou o valor de cada ação à data da aquisição, pois que, até então, era desconhecida a importância exata a pagar.

Por outro lado, esses juros moratórios incidirão apenas sobre a diferença entre o montante depositado relativo à aquisição das 17.076 ações ao preço 11,31 € (2.267$00),  cujo levantamento poderia ter sido logo requerido pelos Autores, e o valor atribuído ao conjunto dessas ações ao preço unitário de 14,98 €.  

Feitas as contas, a diferença situa-se em 62.668,00 € [255.798,00 € - 193.130,00 €].

Evidentemente que, havendo lugar ao pagamento de juros nos sobreditos termos, não pode haver lugar a qualquer atualização do valor, que, aliás, e como foi dito, nunca foi peticionada pelos Autores recorrentes.

Finalmente, falta abordar a questão de saber se aos juros devidos se aplica a taxa dos créditos civis ou a taxa dos créditos comerciais.

Também aqui a razão parece estar do lado da Ré.

Os juros moratórios devidos correspondem aos juros legais, fixados por portaria ministerial, cuja taxa varia consoante estejam em causa créditos civis (artigo 559.º do Código Civil) ou créditos subsumíveis ao artigo 102.º do Código Comercial.

A taxa de juros comercial é mais elevada do que a civil.

Esta taxa de juro especial, mais gravosa, é aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais singulares ou coletivas.

Estão abrangidos por este regime especial do artigo 102.º do Código Comercial os créditos de que sejam titulares, quer comerciantes em nome individual, quer sociedades comerciais, quer outras entidades que exerçam a título profissional o comércio, desde que tal crédito se insira no exercício de atividade mercantil.

Não é esse, manifestamente, o caso dos Autores, pessoas singulares.

Daí que a taxa de juros aplicável seja a prevista no artigo 559º do CC.

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III. DECISÃO

Nestes termos, na parcial procedência das revistas, revoga-se, na parte impugnada, o acórdão recorrido e condena-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de 62.668,00 €, acrescida de juros civis, vencidos e vincendos, contados desde a data da decisão da 1ª instância, à taxa legal em vigor em cada momento.

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Custas na proporção dos respetivos decaimentos.

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LISBOA, 28 de setembro de 2022

Henrique Araújo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Costa

Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC)


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[1] Relator:      Henrique Araújo
  Adjuntos:    Maria Olinda Garcia
                      Ricardo Costa
[2] Na menção numérica do valor existe lapso, pois são 48 e não 98 cêntimos.
[3] Sob a epígrafe, ‘Aquisições tendentes ao domínio total’, o n.º 4 do artigo 490º do CSC estabelece: O registo só pode ser efetuado se a sociedade tiver consignado em depósito a contrapartida, em dinheiro, ações ou obrigações, das participações adquiridas, calculada de acordo com os valores mais altos constantes do relatório do revisor.