Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CRIME DE BURLA
DEVER DE AUTOPROTEÇÃO
PROIBIÇÃO DE PROVA
RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA AUTOINCRIMINAÇÃO
PROVA POR RECONHECIMENTO
Sumário
I – O descuido ou leviandade do sujeito passivo não exclui a relevância jurídico-penal (como crime de burla) de uma conduta astuciosa que provoca uma autolesão patrimonial. II – Não constitui prova proibida, por violação do direito à reserva da intimidade da vida. privada, a obtenção de informação sobre a participação do arguido em jogos num casino III – Não constitui prova proibida, por violação do princípio da proibição da autoincriminação, a realização de exames periciais à letra constante de documentos processuais como o termo de identidade e residência, autos de interrogatório e procuração forense. IV – Quando em audiência de julgamento uma testemunha relata os atos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao seu reconhecimento (o qual estaria sujeito às regras do artigo 147.º do Código de Processo Penal), mas a prestar um depoimento a valorar no âmbito da prova testemunhal.
Texto Integral
Proc. n.º 1650/18.4JAPRT.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 1650/18.4JAPRT, a correr termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, por acórdão datado de 18-05-2022, foi decidido (transcrição):
«Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em: A - Julgar a acusação e a pronúncia procedentes, por provadas, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, als. a) e b), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (I); 2. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (II); 3. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (III); 4. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (IV); 5. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (V); 6. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (VI); 7. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (VII); 8. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (VIII); 9. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (IX); 10. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (X); 11. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XI); 12. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (XII); 13. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XIII); 14. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (XIV); 15. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XV); 16. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão (XVI); 17. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão (XVII); 18. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão (XVIII); 19. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XIX); 20. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XX); 21. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão (XXI); 22. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (XXII); 23. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, als. a) e b), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão (XXIII); 24. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (XXIV); 25. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (XXV); 26. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (XXVI); 27. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (XXVII); 28. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XXVIII); 29. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (XXIX); 30. Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º, nºs 1 e 2, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão (XXX); 31. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos pontos 1º a 30º deste dispositivo, condenam o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão; 32. Condenam o arguido AA no pagamento das custas criminais do processo, com quatro UCs de taxa de justiça,[1] ao abrigo do disposto nos artgs 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2; e 524º, todos do CPP, bem como nos termos dos artgs 1º, nº 1; 2º; 3º, nº 1; 5º, nº 1; 8º, nº 9; e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III). B – Julgar o PIC deduzido por BB (XI) parcialmente procedente, por parcialmente provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €5.931,00 (cinco mil novecentos e trinta e um euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais (€4.931,00) e não patrimoniais (€1.000,00) sofridos, acrescida do pagamento dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação até integral e efetivo pagamento; 2. No mais, dele absolvem o arguido/demandado AA; 3. Condenam o demandante BB e o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC,[2]ex vi do artº 523º, do CPP; 4. Fixam à instância cível respetiva o valor de €7.931,00 (sete mil novecentos e trinta e um euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. C – Julgar o PIC deduzido por CC (XXII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €15.650,00 (quinze mil seiscentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €15.650,00 (quinze mil seiscentos e cinquenta euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. D – Julgar o PIC deduzido por DD (XXVII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €3.600,00 (três mil e sesicentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida do pagamento dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação até integral e efetivo pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €3.600,00 (três mil e seiscentos), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. E – Julgar o PIC deduzido por EE (XIX) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €7.050,00 (sete mil e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais (€6050,00) e não patrimoniais (€1.000,00) sofridos, acrescida do pagamento dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação até integral e efetivo pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €7.050,00 (sete mil e cinquenta euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. F – Julgar o PIC deduzido por FF (XXV) parcialmente procedente, por parcialmente provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €12.138,00 (doze mil cento e trinta e oito euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais (€11.138,00) e não patrimoniais (€1.000,00) sofridos, acrescida do pagamento dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação até integral e efetivo pagamento; 2. Absolvem o arguido/demandado AA do demais peticionado; 3. Condenam o demandante FF e o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 4. Fixam à instância cível respetiva o valor de €15.338,00 (quinze mil trezentos e trinta e oito euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. G – Julgar o PIC deduzido por GG (XIII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €5.983,00 (cinco mil novecentos e oitenta e três euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais (€4.983,00) e não patrimoniais (€1.000,00) sofridos, acrescida do pagamento dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação até integral e efetivo pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €5.983,00 (cinco mil novecentos e oitenta e três euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. H – Julgar o PIC deduzido por HH e esposa II (I) parcialmente procedente, parcialmente por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento aos demandantes da quantia de €66.262,00 (sessenta e seis mil e duzentos e sessenta e dois euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida do pagamento dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal desde a notificação até integral e efetivo pagamento; 2. Absolvem o arguido/demandado AA do demais peticionado; 3. Condenam os demandantes HH e esposa II e o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 4. Fixam à instância cível respetiva o valor de €75.092,00 (setenta e cinco mil e noventa e dois euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. I – Julgar o PIC deduzido por JJ (XII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €9.252,81 (nove mil duzentos e cinquenta e dois euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora entretanto vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, calculados sobre o capital de €7.519,00, até efetivo e integral pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €9.252,81 (nove mil duzentos e cinquenta e dois euros e oitenta e um cêntimos), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. J – Julgar o PIC deduzido por KK (VI) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento 122 ao demandante da quantia de €11.846,08 (onze mil oitocentos e quarenta e seis euros e oito cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora entretanto vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, calculados sobre o capital de €9.600,00, até efetivo e integral pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €11.846,08 (onze mil oitocentos e quarenta e seus euros e oito cêntimos), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. K – Julgar o PIC deduzido por LL (VIII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €7.159,94 (sete mil cento e cinquenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora entretanto vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, calculados sobre o capital de €5.807,00, até efetivo e integral pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €7.159,94 (sete mil cento e cinquenta e nove euros e noventa e quatro cêntimos), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. L – Julgar o PIC deduzido por MM (VII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €4.970,02 (quatro mil novecentos e setenta euros e dois cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora entretanto vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, calculados sobre o capital de €4.019,00, até efetivo e integral pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €4.970,02 (quatro mil novecentos e setenta euros e dois cêntimos), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP. M – Julgar o PIC deduzido por NN (XVIII) procedente, por provado, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, calculados desde a data de cada uma das entregas efetuadas pelo demandante, até efetivo e integral pagamento; 2. Condenam o arguido/demandado AA no pagamento das custas referentes à instância cível, já que decaiu totalmente, nos termos do artº 527º, nº1, do CPC, ex vi do artº 523º, do CPP; 3. Fixam à instância cível respetiva o valor de €19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), correspondente ao montante global peticionado, nos termos dos artgs 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, por remissão do artº 523º do CPP.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que i) o absolva da prática dos crimes de burla por que foi condenado ou, assim não se entendendo, ii) que declare como proibidas as provas por si elencadas e determine o reenvio do processo para novo julgamento ao abrigo do art. 426.º do CPPenal ou, subsidiariamente, determine que o Tribunal a quo profira novo acórdão sem ponderação dessa prova, ou, assim também não se entendendo, iii) que condene o arguido pela prática de 30 crimes de burla na forma continuada ou, subsidiariamente, por um único crime de burla, procedendo-se à alteração da medida da pena única aplicável.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
(…)«
37. Relativamente ao erro do julgamento em matéria de direito, o Recorrente adianta que no seu entendimento, a decisão proferida pelo Tribunal a quo violou diversas disposições previstas no Direito Penal, Processual Penal e Constitucional que serão infra analisadas separadamente.
38. Ao Direito Penal compete a função de tutela subsidiária de bens jurídicos dignos, isto é, que encontram o seu reflexo no ordem jurídico-constitucional, e necessários, por conta da proteção conferida por outros ramos do direito se revelar insuficiente, de pena.
39. Se o Direito Penal é subsidiário em relação a todas as demais formas jurídicas de proteção de bens jurídicos, então isso tem de começar por valer logo em relação às formas possíveis e exigíveis de autotutela por banda da vítima potencial do crime de burla.
40. Para efeitos da imputação do crime de burla, compete em primeira linha às pessoas adotar as cautelas necessárias à defesa dos seus interesses e, por isso, é que só na hipótese de o comportamento, através do especial engenho ou astúcia se mostrar suscetível de ilidir o cuidado exigível, é que se estará perante uma situação merecedora de tutela jurídico-criminal.
41. No fundo, visa-se questionar aquilo que a vítima, nas circunstâncias em que se encontrava colocada, deveria ter acreditado ou feito, ou seja, importa considerar que grau de responsabilidade se pode reclamar ao enganado quanto ao ato de disposição que realiza, falando-se, a este propósito, em deveres de autoproteção que o enganado deve adotar, visto que o património é sinónimo de poder, e este deve ser administrado de modo diligente e responsável.
42. Se a vítima tinha ao seu dispor os meios para averiguar a veracidade das informações transmitidas pelo agente ou se, não os tendo deveria ter-se apercebido do perigo de engano, haverá que concluir pelo erro evitável e coresponsabilidade da vítima, suscetível de afastar a responsabilidade do agente pela prática do crime de burla, o que significa que só um descuido leve da vítima no cumprimento das incumbências de autoproteção pode permitir a imputação ao agente do crime doloso, já não se podendo dizer o mesmo naqueles outros casos em que se verifique uma negligência grave, isto é, uma falha da autotutela exigível, sendo esta a interpretação correta do artigo 217.º do Código Penal em conjugação com o número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
43. O crime de burla não visa evitar lesões patrimoniais facilmente evitáveis para o titular do património que tivesse empregue o mínimo de diligência, uma vez que o tipo penal cumpre somente uma função subsidiária de proteção e, por isso, se o engano do agente não for ex ante suficientemente astucioso para levar à disposição patrimonial, tendo em conta as incumbências de autoproteção da vítima, haverá irremediavelmente atipicidade da conduta.
44. No presente caso, é de todo evidente, e para tanto basta ter em conta a matéria de facto dada como provada, que nenhum dos ofendidos cumpriu com os seus deveres de autoproteção subjacente à administração do respetivo património, sucede, porém, que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não tomou em consideração esta factualidade, violando, em consequência, o artigo 217.º do Código Penal, conjugado com o número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, por não o ter interpretado no sentido em que se alude no presente texto.
45. Por conseguinte, e salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, deverá o aqui Arguido ser absolvido da prática dos 30 crimes de burla qualificada, punido e previsto pelo número 1 do artigo 217.º e alínea a) e b) do número 2 do artigo 218, ambos do Código Penal.
46. Ainda se requer, e uma vez mais salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, que seja declarada a inconstitucionalidade do número 1 do artigo 217.º do Código Penal, quando interpretado no sentido de que a sua consumação não exige que se verifique, por parte da vítima, a obrigação de cumprir os seus deveres autoproteção, por violação do número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
(…)
64. Os elementos constantes nas fls. 295 e seguintes que consistem no registo de entradas e transações/ trocas de ficha, foram carreados para os autos do presente processo, em sede de inquérito, mediante ordem que o órgão de polícia criminal dirigiu ao Casino ....
65. Não se vislumbra como é que um órgão de polícia criminal, fora do âmbito das medidas cautelares de polícia, pode legal e constitucionalmente, por conta da sua dependência funcional perante a Autoridade Judiciária – número 1 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 48.º, número 1 do artigo 53.º, número 2 do artigo 263.º, todos do Código de Processo Penal, alínea d) e e) do número 1 do artigo 4.º do Estatuto do Ministério Público –, exigir de uma entidade terceira elementos e/ou dados referentes à vida privada do Arguido, sem que para o efeito se verifique, por um lado, qualquer diretriz emanada por aquela Autoridade, à data dos factos, o titular da ação penal e dominus do inquérito, e, por outro, sem qualquer controlo ulterior exercido quer Ministério Público, quer Juiz de Instrução Criminal, que se traduza na posterior validação e/ou autorização dos ditos elementos e/ou dados carreados para o processo.
66. A comunicação que o mencionado órgão de polícia criminal dirigiu àquela entidade terceira, consubstancia um verdadeiro abuso policial, traduzido num exercício arbitrário e indiscriminado das funções que legalmente lhe são reconhecidas, suscetível de violar o número 1 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 48.º, número 1 do artigo 55.º, número 2 do artigo 263.º, todos do Código de Processo Penal, alínea d) e e) do número 1 do artigo 4.º do Estatuto do Ministério Público.
67. O entendimento segundo o qual o órgão de polícia criminal pode, no âmbito das suas funções de coadjuvação da respetiva Autoridade Judiciária, praticar atos fora dos termos indicados por aquela autoridade judiciária, como ocorreu no caso aqui em apreço, e salvo sempre o muito e devido respeito por melhor opinião, deve ser declarado inconstitucional, por violação do número 1 do artigo 219.º da Constituição de República.
68. O Tribunal a quo decidiu no sentido de que os elementos constantes nas fls. 295 e seguintes, constituem prova permitida à luz da Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto, sucede, porém, que que os deveres de controlo, identificação e diligência, comunicação, abstenção, recusa, conservação, exame, colaboração, não divulgação e formação – artigo 11.º – que a mencionada Lei prescreve, apenas se aplica para efeitos de medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo – artigo 1.º – e, por isso, a referida Lei não tem aplicação no caso aqui em apreço, uma vez que o Recorrente nunca foi investigado ou sequer considerado suspeito da prática de crimes de branqueamento ou financiamento ao terrorismo.
69. Caso assim não se entenda, e salvo o devido respeito por melhor opinião, urge concluir no sentido de que deve ser declarado a inconstitucionalidade do número 1 do artigo 53.º, conjugado com o artigo 1.º, ambos da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, quando interpretado no sentido de que a entidades obrigadas prestam a colaboração que lhes for requerida pelas autoridades policias, para efeitos da investigação criminal de um qualquer crime, por violação do número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
70. De igual modo, os elementos constantes nas fls. 295 e seguintes, não podem ser carreados para os autos do presente processo, com fundamento no artigo 125.º do Código de Processo Legal, pois como se viu, a utilização de meios de prova ou de obtenção de prova atípicos, apenas são admissíveis desde que não comprimam direitos fundamentais.
71. Entendeu ainda o Tribunal a quo, segundo cremos, com fundamento na teoria das três esferas, que os elementos constantes nas fls. 295 e seguintes, não violam o direito fundamental do Arguido à reserva da sua vida privada.
72. Não existe qualquer habilitação constitucional para circunscrever o direito à reserva da vida privada somente a uma esfera pessoal íntima.
73. A reserva da intimidade da vida privada e familiar não se reporta apenas a factos ocorridos na privacidade do domicílio ou, eventualmente contidos em meios de comunicação abrangidos por um dever de sigilo e confidencialidade, podendo igualmente respeitar a ocorrências verificadas em sítios públicos.
74. A esfera privada apresenta um âmbito geral que abrange o respeito de camadas intermédias e periféricas da vida privada, como as reservas do domicílio e de lugares adjacentes, da correspondência e de outros meios de comunicação privada, dos dados pessoais informatizáveis, dos lazeres.
75. A transmissão de dados privados inerentes à vida lúdica do Arguido praticada em locais públicos, comprime e limita o seu direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar, sendo que a partilha desses mesmíssimos dados, mediante uma ordem emanada por um simples órgão de polícia criminal, sem que para o efeito se tivesse verificado uma qualquer diretriz proferida pela Autoridade Judiciária competente naquele exato sentido ou qualquer controlo ulterior inerente à sua admissibilidade – rectius, legalidade –, exercido também por aquela mesmíssima Autoridade, não pode deixar de consubstanciar um meio de prova ou de obtenção proibido à luz do número 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal e número 1 do artigo 26.º da Constituição da República.
76. A utilização de provada proibida em sede de fundamentação da decisão implica a nulidade do Acórdão – nulidade essa que desde já fica aqui invocada – e determina o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do número 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal.
77. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera hipótese académica, urge salientar que a utilização e valoração daquela prova e meio de obtenção proibido, inquina os factos dados como provados nos pontos 93, 94, 95 e 150, por conseguinte, devem aqueles ser retirados da matéria de facto dada como provada, com a consequente repetição do Acórdão pelo Tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida, tudo nos termos do número 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal, interpretado a contrario.
78. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera hipótese académica, urge salientar que a utilização e valoração daquela prova e meio de obtenção proibido, por se ter demonstrado essencial à prova de que o Arguido fez das burlas denunciadas modo de vida, isto é, por ser elementar para a agravação dos crimes pelos quais foi condenado, inquina praticamente todos os factos dados como provados e, por isso, Tribunal recorrido deverá proferir novo Acórdão.
79. Ainda, casso assim não se entenda, apraz advertir que a recolha daqueles elementos, apenas ocorreram por conta das declarações prestadas em sede de inquérito, pela testemunha OO, onde asseverou que terá terminado a relação que mantinha com o Arguido por conta do seu comportamento estranho relacionado com o vício do jogo.
80. Por conseguinte, é manifesta a relação entre os mencionados meios de prova ou de obtenção o que, em consequência, por conta da proibição de utilização e valoração daquele primeiro, verifica-se o vício do segundo, sendo deste modo, também ele proibido, à luz do número 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
81. O princípio da lealdade impele aos sujeitos processuais que evitem o recurso a estratégias de investigação que conduzam à autoincriminação, violando o princípio nemo tenetur se ipsum accusare.
82. Repugna ao mais elementar sentido de justiça, como também viola o direito do Arguido a ser submetido a um processo equitativo na dimensão de justo processo, por abalar e minar a sua confiança na justiça – artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa –, que as suas assinaturas apostas em termos de constituição de Arguido, de identidade e residência, autos de interrogatório e – pasme-se, pela sua gravidade – procurações forenses conferidas ao seu Defensor, sejam utilizadas, mediante a realização de um exame pericial, para se aferir acerca da sua similitude com aquelas outras alegadamente por ele apostas em declarações de dívida entregues aos ofendidos.
83. A utilização e valoração em sede de fundamentação de exames periciais onde se concluiu que é muito provável que a assinatura aposta nas ditas declarações que se encontravam na posse dos ofendidos sejam da autoria do Arguido, quando para se aferir acerca da mencionada similitude, utilizou-se termos de constituição de Arguido, de identidade e residência, autos de interrogatório e Procurações forenses, constitui um meio de prova proibido, nos termos da alínea d) do número 2 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, por consubstanciar não só uma forma de denegação da justiça, mas também por se violar o princípio da lealdade processual.
84. A utilização travestida e sub-reptícia daqueles elementos para os efeitos referidos, e depositando o Arguido uma expectativa legitima, isto é, confiança plena, que os mesmos não seriam utilizados para a prova da sua culpabilidade, até porque pelo menos um deles não só foi elaborado e assinado na presença do seu Defensor, como também foi por este transmitido aos autos do presente processo, constitui ainda uma violação do princípio – constitucional – da proibição de auto-incriminação, traduzida no brocado latino nemo tenetur se ipsum accusare.
85. A utilização da assinatura aposta numa Procuração Forense para efeitos da realização do dito exame pericial, uma vez que aquela foi conferida ao Defensor por conta da relação de confiança que se estabeleceu entre este e o Arguido, se por um lado, viola o direito deste último à proibição de autoincriminação, na medida em que produziu e forneceu prova contra si mesmo, por outro, apesar de também ali se relacionar, abala a sua confiança na administração da justiça, uma vez que contra ele foi praticado um ato de todo inesperado – artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
86. Por todos estes motivos, e salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, deverá este douto Tribunal concluir no sentido de que a utilização e valoração do exame pericial para efeitos de fundamentação do Acórdão, consubstancia um meio um meio de prova proibido, nos termos da alínea d) do número 2 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, bem como uma violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare conjugado com o princípio da tutela da confiança consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, deve ser declarado nulo o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo – nulidade essa que desde já aqui se invoca –, determinando-se, pela sua extrema gravidade, o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do número 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal.
87. Conforme cotejo com as fls. 136 e seguintes, designadamente as declarações prestadas pelo ofendido HH e PP, estes foram confrontados com fotografias do Arguido à revelia do disposto no número 1, 2 e 5 do artigo 147.º do Código de Processo Penal, assim, urge trazer à colação a teoria dos frutos da árvore envenenada, segundo a qual as provas que atentam contra direitos fundamentais, isto é, a prova por reconhecimento sem o cumprimento dos seus requisitos, arrastam com um efeito à distância todas as outras, no presente caso, as declarações dos ofendidos, que tenham sido produzidas em sua consequência, tornando-as inaproveitáveis e/ou inexistentes.
88. Em face do sobredito, também se conclui que os factos carreados no despacho de acusação proferido pelo Digníssimo Procurador da República, indiciados por se encontrarem assentes naqueles meios de prova – declarações dos ofendidos – são inaproveitáveis e inexistentes, tornando não só a acusação pública nula, como também o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, ainda para mais, quando este de igual modo, realizou em sede de audiência de julgamento uma prova por reconhecimento, sem dar cumprimento ao disposto no número 2 do artigo 147.º do Código de Processo Penal.
89. Por todos estes motivos, e salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, deverá concluir-se no sentido de que a utilização e valoração das declarações prestadas pelos ofendidos HH e PP, para efeitos de fundamentação do Acórdão, consubstancia um meio um meio de prova proibido, por violação do disposto no número 8 do artigo 32.º da Constituição da República e número 2 do artigo 147.º do Código de Processo Penal e, em consequência, deve ser declarado nulo o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo – nulidade essa que desde já aqui se invoca –, determinando-se o reenvio do presente processo para novo julgamento, à luz do número 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal ou, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera hipótese académica, deve o Tribunal a quo proferir novo Acórdão, sem a ponderação daquela prova proibida, nos termos do número 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal, interpretado a contrario.
(…)
*
*
Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes do acórdão recorrido (transcrição):
«I - Fundamentação de facto: A) Factos provados:[3] Da acusação e dos PICs: 1. O arguido AA, durante vários anos e pelo menos até 2018, explorou um estabelecimento comercial denominado E... situado na Rua ..., ..., em ..., Santa Maria da Feira, prestando serviços de reparações elétricas em automóveis. 2. Entretanto, o arguido encerrou aquele estabelecimento e abriu uma oficina em Espinho, na Avenida ..., ..., .... 3. No decurso desta sua atividade o arguido conheceu várias pessoas que se dirigiram ao seu estabelecimento para reparações automóveis, tendo em virtude da sua disponibilidade e desse relacionamento granjeado a sua confiança. 4. De facto, o arguido apresentava-se a estas pessoas, que se deslocavam ao seu estabelecimento e que não o conheciam pessoalmente, como pessoa honesta e tendo especiais conhecimentos com pessoas que conseguiam obter eletrodomésticos e, principalmente, automóveis usados, a preços muito mais baixos do que os normais de mercado. 5. Para tanto, fingia contactar com pessoas que dirigiam empresas que, efetivamente existem e são reconhecidas no mercado, como sucede com a C... e a L..., entregando por vezes aos ofendidos listas com os bens que tinha em carteira para venda, com as suas caraterísticas e valor, o que não correspondia à verdade, apenas para os fazer crer que os negócios que lhes propunha existiam. 6. As pessoas a quem o arguido se dirigiu, perante a aparência que o arguido lhes criou e a confiança que este lhes incutiu, confiaram que o arguido lhes venderia os eletrodomésticos, peças e automóveis que o arguido lhes mencionou que conseguiria arranjar, tendo para o efeito e para não perderem a oportunidade do vantajoso negócio, entregue ao arguido as quantias monetárias que este lhes solicitou em troca dessas vendas que, por não existirem aqueles bens, nem aquelas pessoas a que o arguido aludia, nunca se chegaram a realizar, tendo o arguido se apropriado dos vários montantes que lhe foram entregues, fazendo-os seus, usando-o em seu proveito, nomeadamente gastando-o em jogo no Casino ....
I
7. No ano de 2017, o ofendido HH deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma reparação de um automóvel. 8. Fruto dessa relação, em setembro de 2017, o arguido, em jeito de confidência, para incutir ao ofendido a sensação de especial confiança e oportunidade de negócio, disse a HH que tinha um cunhado que trabalhava na empresa C..., Lda, situada na Rua ..., no Porto, e que, através deste, conseguia arranjar eletrodomésticos a preços muito baixos. 9. O arguido disse a HH que quando os eletrodomésticos se encontravam em transporte, se a embalagem fosse de algum modo danificada, eram rejeitados pelas grandes superfícies comerciais a que se destinavam e encaminhados pelas seguradoras para aquela empresa C..., que posteriormente os vendia a preços muito mais baixos do que os seus preços normais de mercado. 10. Para conferir credibilidade a esta revelação, o arguido disse ainda a HH que este processo era legal e que os aparelhos eram vendidos com fatura e garantia prestada pela C.... 11. Porém, tal não correspondia à verdade, dado que a C... à data não vendia eletrodomésticos, nem procedia ao seu transporte, apenas procedia a serviços de reparação de eletrodomésticos, o que HH desconhecia. 12. Perante a oportunidade de negócio e crendo que aquilo que o arguido lhe dizia correspondia à verdade, HH mostrou interesse em adquirir vários eletrodomésticos no valor global de €2.520,00 (dois mil quinhentos e vinte euros), quantia que entregou ao arguido, nos seguintes moldes:
- para aquisição de uma máquina de secar roupa, uma smart tv de 50’’, um sistema de som e uma câmara Canon 7D Mark II, o valor de €820,00, dinheiro entregue no dia 18 de setembro de 2017 por transferência bancária para a conta do arguido com o IBAN ..., correspondendo à conta n.º ... do Banco 1..., titulada pelo arguido;
- para aquisição de uma smart tv de 50’’, uma PS4, um sistema de som e uma câmara Canon 7D Mark II o valor de €500,00, dinheiro entregue no dia 21 de setembro de 2017;
- para aquisição de uma smart tv de 50’’, uma PS4, um sistema de som e uma câmara Canon 7D Mark II e uma máquina de lavar roupa o valor de €500,00, dinheiro entregue no dia 23 de setembro de 2017;
- para aquisição de uma arca vertical, um frigorífico americano, uma smart tv de 27’’ e uma câmara Canon 5D Mark IV o valor de €700,00, dinheiro entregue no dia 29 de setembro de 2017. 13. Apesar disso, o arguido nunca entregou a HH qualquer eletrodoméstico, nem nunca foi sua intenção fazê-lo porque não tinha qualquer possibilidade de proceder à sua venda através daquela empresa pelos valores indicados, tendo apenas dito ao ofendido que o faria, para o levar a entregar-lhe as quantias acima referidas, de modo a poder apropriar-se indevidamente das mesmas, como era sua intenção e veio a suceder. 14. Na mesma altura, isto é, em setembro de 2017, o arguido propôs também ao ofendido HH a aquisição de viaturas automóveis por preços muito inferiores aos seus valores de mercado. 15. Para explicar esse valor reduzido, o arguido disse-lhe que conhecia um indivíduo de nome QQ, gerente da empresa denominada L..., que se dedicava à venda de automóveis em leilões na sequência de penhoras judiciais e que, por ser seu amigo, lhe permitia adquirir as viaturas que lhe eram entregues para venda pelo preço da dívida antes mesmo de serem vendidas em hasta pública, desde que o valor lhe fosse entregue num curto período de tempo. 16. Para conferir credibilidade a esta história, no dia 10 de outubro de 2017, o arguido levou HH até às instalações daquela empresa situadas na Estrada Nacional n.º ..., km 6, ..., em RR, Azambuja, para que o ofendido visse as viaturas que ali estavam em exposição e propôs-lhe que fizessem um investimento em conjunto e que consistia na aquisição de diversas viaturas a preço reduzido com intenção de, posteriormente, as revenderem por um preço mais elevado correspondente ao de mercado e, assim, obterem lucro. 17. O ofendido HH, acreditando que o que lhe foi dito correspondia à verdade, solicitou ao arguido que, junto do seu amigo na L..., tratasse da aquisição de várias viaturas automóveis tendo para pagamento das mesmas entregue ao arguido, entre setembro e novembro de 2017, a quantia global de €72.572,00 (setenta e dois mil euros e quinhentos e setenta e dois euros), que lhe foi entregando do modo a seguir descrito. 18. No dia 02 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Peugeot, modelo ..., de cor branca, entregou ao arguido em dinheiro o montante de €5.951,00, valor pelo qual o arguido lhe disse que aquela viatura seria vendida. 19. No dia 03 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Volkswagen, modelo ... (que, segundo o arguido, integrava-se num lote, com a viatura referida no ponto 20º), entregou ao arguido em dinheiro o montante de €8.830,00, valor pelo qual o arguido lhe disse que aquela viatura seria vendida. Como tal viatura seria destinada ao ofendido PP, HH procedeu ao pagamento daquele valor ao arguido contra o compromisso de PP lhe devolver essa quantia, o que viria a suceder quando este conseguiu vender a viatura que na altura dispunha. 20. No dia 04 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma segunda viatura de marca Volkswagen, modelo ... (que, segundo o arguido, integrava-se num lote, com a viatura referida no ponto 19º), entregou ao arguido o montante de €6.021,00, em dinheiro, quantia pela qual o arguido lhe disse que aquela viatura seria vendida. 21. No dia 11 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de um lote composto por uma viatura de marca BMW, modelo ..., de uma viatura de marca Volkswagen, modelo ..., de uma viatura de marca Audi, modelo ..., de uma viatura de marca Renault, modelo ..., de uma viatura de marca Volvo, modelo ... e de uma viatura de marca Peugeot, modelo ... preto, entregou ao arguido em dinheiro o montante de €11.750,00, para pagamento de metade do valor pelo qual o arguido lhe disse que aquele lote de viaturas seria vendido, ou seja, €23.500, tendo a 16 de outubro entregue mais €4.000,00 em dinheiro por conta desse negócio. 22. No dia 13 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Nissan, modelo ..., pelo valor de €3.000,00, entregou ao arguido a quantia de €1.500,00 por transferência bancária efetuada para a conta do arguido com o IBAN ..., acima identificada. 23. No dia 12 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo ... pelo valor de €16.700,00, entregou ao arguido o montante de €8.350, por transferência bancária para a conta do arguido. 24. No dia 16 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Audi, modelo ..., pelo valor de €14.000, entregou ao arguido o montante de €7.000.00 em dinheiro. 25. No dia 19 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Ferrari, modelo ..., pelo valor de €32.000, entregou ao arguido o montante de €16.000 00 em dinheiro. 26. No dia 26 de outubro de 2017, o ofendido para a aquisição de duas viaturas de marca Maserati pelo valor de €22.000, entregou ao arguido o montante de €10.000,00 em dinheiro. 27. No dia 10 de novembro de 2017, o ofendido para a aquisição de uma viatura de marca Mercedes pelo valor de €16.000, entregou ao arguido o valor de €2.000 00 por transferência bancária efetuada para a conta do arguido com o IBAN ..., acima identificada. 28. Para conferir credibilidade aos negócios, o arguido solicitou mesmo a HH uma cópia do cartão de cidadão da esposa deste, em nome de quem seria registada uma das viaturas, bem como do cartão de cidadão do ofendido, ambos os documentos para realizar o registo de propriedade dos automóveis em favor dos mesmos. 29. Para além disso, após o pagamento, o arguido enviou ao ofendido mensagens de telemóvel provenientes do n.º ... informando-o de que o valor oferecido para compra das viaturas tinha sido aceite e agendando data para ser efetuada vistoria à viatura e seu levantamento. 30. Apesar disso, o ofendido nunca recebeu nenhuma das viaturas, por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela sua venda, nem nunca o arguido lhe devolveu o dinheiro que lhe foi entregue, apesar de isso lhe ter sido solicitado por diversas vezes pelo ofendido, apropriando-se daquele dinheiro que fez seu usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 31. De facto, a L... não efetua vendas antecipadas pelo valor da dívida, o arguido não tinha qualquer conhecimento especial naquela empresa e a pessoa que identificou como QQ, não existe. 32. Do mesmo modo, o arguido nunca teve intenção de, através de qualquer especial ligação na empresa C..., diligenciar pela compra por parte do ofendido a essa empresa dos eletrodomésticos cuja aquisição lhe propôs, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, indicando nomes de empresas que efetivamente existiam, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhes propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu.
II
33. Fruto da proposta vantajosa que lhe foi apresentada, o ofendido HH, sabendo que o seu amigo PP queria comprar uma carinha monovolume, deu-lhe a conhecer o arguido. 34. Assim, em setembro de 2017, os ofendidos HH e PP reuniram-se com o arguido na sua oficina, tendo PP manifestado interesse na aquisição de uma viatura de marca Volkswagen, modelo ..., pelo valor de €8.830,00 (mencionada no ponto 19º e que, segundo o arguido, viria integrada num lote com a viatura mencionada no ponto 20º), quantia que o arguido lhe disse que a viatura custaria e que teria de ser entregue no prazo máximo de alguns dias. 35. Como o ofendido PP para pagar essa quantia teria de vender o seu automóvel, o que não conseguiu fazer naquele período de tempo, o ofendido HH emprestou-lhe a quantia de €8.830,00, que foi entregue ao arguido em dinheiro nesse mês de setembro de 2017. 36. Entretanto, o arguido continuou a protelar a entrega da viatura, informando o ofendido da existência de vários entraves e, em dezembro de 2017, o arguido pediu ao ofendido PP para entregar a quantia adicional de €825, dizendo que seria para entregar ao solicitador de execução e, assim, acelerar o processo de entrega da viatura, tendo PP, por acreditar que o que lhe era dito era verdade, entregue aquela quantia em dinheiro ao arguido em duas tranches, uma de €550,00 e outra de €275. 37. Apesar disso, o ofendido PP nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde Fevereiro de 2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
III
38. No ano de 2018, o ofendido SS deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma reparação de um automóvel. 39. Fruto dessa relação, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse ao ofendido que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de uma leiloeira e exibiu ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e, no dia 03 de agosto de 2018, propôs ao ofendido a aquisição de uma viatura de marca Nissan, modelo ..., do ano de 2015, pelo valor de €5.100,00, o que o ofendido, por lhe parecer um bom negócio, aceitou. 40. Para tanto, o arguido disse-lhe que tinha de lhe entregar essa quantia no próprio dia, garantindo que a viatura lhe seria entregue no dia 27.09.2018. 41. MM, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, nesse mesmo dia, efetuou três transferências bancárias para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ... nos valores de €2.500,00, €2.500,00 e de €100, no montante global de €5.100,00. 42. Esta conta é titulada por TT - dono do café “...”, sito ao lado do estabelecimento do arguido -, a quem este, nessa ocasião, pediu para usar a sua conta para receber transferências bancárias, no que este assentiu, tendo logo que as mesmas foram recebidas procedido ao seu levantamento e entrega ao arguido do seu valor, descontando do mesmo a quantia de €3.100,00 que o arguido lhe devia. 43. No dia previsto para a entrega a viatura não foi entregue e, como o ofendido exigia a sua entrega, o arguido, em 30 de outubro de 2018, disse ao ofendido que lhe se entregasse mais €700,00, o automóvel ser-lhe-ia entregue no dia 29.11.2018, quantia que o ofendido lhe entregou em dinheiro para que o negócio se concretizasse. 44. Apesar disso, o ofendido MM nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde 29.11.2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
IV
45. No ano de 2015, o ofendido UU conheceu o arguido, tendo o mesmo, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, lhe proposto em novembro de 2015 a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., pelo valor de €4.100,00, acrescida do montante de €224,00 para despesas de averbamento, o que o ofendido, por lhe parecer um bom negócio, aceitou. 46. UU, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, no dia 09 de novembro de 2015, entregou-lhe a quantia de €4.324,00 em dinheiro, tendo acompanhado o arguido à Banco 2... de ..., local onde o arguido procedeu ao depósito do valor de €4.100 na conta com o NIB ... titulada pelo arguido naquela instituição bancária, guardando o arguido o remanescente em dinheiro consigo. 47. Após, o arguido entregou ao ofendido o comprovativo desse depósito e uma declaração através da qual se comprometia a entregar a viatura aludida a 09.01.2016. 48. Alguns dias depois, no dia 11 de novembro de 2015, o arguido entrou em contacto com o ofendido UU dizendo-lhe que tinha um lote composto por quatro veículos (um mercedes ..., um BMW ..., um Seat ... e uma moto-quatro ...) para venda pelo valor de €7.261, acrescido de €369 por despesas dos respetivos averbamentos, viaturas a ser entregues no dia 09.01.2016. 49. Novamente, UU, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, efetuou quatro depósitos em dinheiro na conta bancária do arguido acima identificada nos seguintes moldes:
- no dia 11.11.2015 no valor de €1.300;
- no dia 12.11.2015 no valor de €2.380;
- no dia 18.11.2015 no valor de €500;
- no dia 04.12.2015 no valor de €1.300. 50. Finalmente, no dia 09.12.2015, pelas 16h30m, no Casino ..., o ofendido UU entregou ao arguido em dinheiro a quantia de €2.150,00 que ainda estava em falta. 51. Apesar disso, o ofendido UU nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde fevereiro de 2016, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 52. Entretanto, o arguido, em datas não apuradas, procedeu à devolução de €6.000,00, em duas tranches de €3.000,00.
V
53. Nos anos de 2015 e 2016, o arguido era cliente habitual da padaria ... situada em Santa Maria da Feira, local onde trabalhava o ofendido VV. 54. Como o arguido ali se deslocava diariamente, altura em que o arguido e VV costumavam conversar, gerou-se uma relação de confiança, tendo o arguido dito àquele, a dada altura, que vendia veículos automóveis que estavam penhorados e iriam ser vendidos em hasta pública, conseguindo preços muito inferiores aos de mercado, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento. 55. Em março de 2016, quando VV se encontrava naquela padaria e ali surgiu o arguido, a dada altura aquele disse-lhe que tinha adquirido uma viatura Volkswagen, mas a viatura que gostaria de adquirir era uma de modelo ..., tendo o arguido lhe respondido que tinha uma viatura dessa marca e modelo para venda. 56. Dias mais tarde, no dia 20 de março de 2016, o arguido surgiu naquela padaria e exibiu ao ofendido fotografias de uma viatura de marca Volkswagen, modelo ..., dizendo-lhe que estava para venda pelo valor de €9.800, o que o ofendido, por lhe parecer um bom negócio aceitou. 57. VV, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, no dia 21 de março de 2016 entregou cheque titulando o valor de €1.100,00 e que o arguido depositou na sua conta, tendo o arguido lhe dito que poderia fazer o pagamento em várias tranches nos valores que lhe iria solicitando e que no dia da entrega da viatura – 23.05.2016 – teria de fazer o pagamento do remanescente em falta. 58. Assim, o ofendido entregou ao arguido, para além dos referidos €1.100, a quantia de €326,00 em cheque no dia 24.03.2016, de €918,00, em cheque entregue no dia 05.04.2016 e um cheque no valor de €700,00 no dia 06.04.2016, cheques estes que o arguido depositou em conta por si titulada, tendo ainda o ofendido transferido em 05.04.2016 a quantia de €918 para a conta do arguido com o n.º .... 59. Apesar disso, o ofendido VV nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 05 de maio de 2016, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
VI
60. No ano de 2015, o ofendido KK deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma revisão de um automóvel. 61. Fruto dessa relação, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, no dia 15 de maio de 2015 propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas de marcas como BMW e Mercedes, com entre 2 a 4 anos e a preços entre os 5 e 6 mil euros, dizendo que tinha contactos com a referida empresa L..., nomeadamente através de pessoa que identificou por QQ e por Dr.ª WW. 62. Para tanto, o arguido exibiu ao ofendido fotos das viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição, teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 63. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. Essa declaração de dívida, todavia, nunca viria a ser assinada pelo arguido. 64. Garantiu-lhe o arguido que todo o processo era legal, que seria emitida fatura e determinada a entrega da viatura por decisão de um juiz. 65. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir dois automóveis, o ofendido KK no dia 02 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou, com o NIB ..., do montante global de €3.600,00 para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo ..., do ano de 2014. 66. No dia 08 de julho de 2015, o ofendido KK efetuou outra transferência bancária para aquela conta no montante global de €6.000,00, para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo .... 67. Apesar disso, o ofendido KK nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
VII
68. Da mesma forma, o ofendido MM teve conhecimento do arguido através de KK que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L..., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura. 69. Para tanto, teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 70. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. 71. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido MM no dia 08 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ... do montante global de €3.600,00 para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo ..., do ano de 2013; tendo em 15.06.2015 efetuado nova transferência do valor de €419,00 e que, de acordo com o arguido, se destinava ao averbamento do registo da viatura. 72. Apesar disso, o ofendido MM nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015 – por intermédio do ofendido KK -, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
VIII
73. Da mesma forma, o ofendido LL teve conhecimento do arguido através de KK, que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L..., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura. 74. Para tanto, o arguido – através do ofendido KK - exibiu ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 75. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, este chegou a equacionar a emissão pelo arguido de uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. Todavia, tal nunca foi transmitido ao arguido. 76. Através do ofendido KK, garantiu o arguido que todo o processo era legal, que seria emitida fatura e determinada a entrega da viatura por decisão de um juiz. 77. Perante estas garantias que lhe foram dadas, com a confiança que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido LL no dia 29 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ... do montante global de €5.000,00 para compra de uma viatura de marca Mercedes-Benz, de modelo ..., do ano de 2010; tendo em 30.09.2015 efetuado nova transferência do valor de €807,00 e que, de acordo com o arguido, se destinava ao averbamento do registo da viatura. 78. Apesar disso, o ofendido LL nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015 através do ofendido KK, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
IX
79. Da mesma forma, o ofendido XX teve conhecimento do arguido através de KK, seu cunhado, que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos provindos de massas insolventes a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L..., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura, o que posteriormente foi confirmado pelo arguido. 80. Para tanto, o arguido exibiu ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 81. Garantiu-lhe o arguido que todo o processo era legal, que seria emitida fatura e determinada a entrega da viatura por decisão de administrador de insolvência. 82. Foi garantido ao ofendido que caso se arrependesse o dinheiro ser-lhe-ia devolvido. 83. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiança que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir automóveis, o ofendido XX efetuou várias transferências para o arguido para aquisição de viaturas nos seguintes moldes:
- no dia 20 de maio de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ... do montante de €3.000,00 para compra de uma viatura de marca BMW, modelo ...;
- no dia 22 de maio de 2015 efetuou transferência bancária para aquela conta do montante de €7.400,00 para compra de uma viatura de marca BMW, modelo ... e de uma viatura de marca Audi, modelo ...;
- no dia 12 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou do montante de €1.300,00 destinados, de acordo com o que lhe disse o arguido, ao averbamento do registo dos automóveis;
- no dia 17 de junho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou do montante de €1.100,00 destinados, de acordo com o que lhe disse o arguido, ao averbamento do registo dos automóveis de modelo ... e ...;
- no dia 05 de agosto de 2015 efetuou transferência bancária para aquela conta do montante de €1.500,00 como entrada para compra de uma viatura de marca BMW, modelo ...;
- no dia 21 de agosto de 2015 efetuou transferência bancária para aquela conta do montante de €3.900,00, valor que o arguido AA lhe disse que seria necessária para a libertação definitiva do BMW .... 84. Apesar disso, o ofendido XX nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
X
85. O ofendido YY teve conhecimento de AA através de XX, que lhe transmitiu que o arguido adquiria veículos a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L..., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura, o que posteriormente foi confirmado pelo arguido. 86. Para tanto, o arguido indicou-lhe várias viaturas disponíveis e, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 87. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar - o que fez - uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. 88. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiança que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir automóveis, no dia 20 de maio de 2015, o ofendido YY efetuou uma transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ... do montante de €3.200,00 para compra de uma viatura de marca Volkswagen, modelo .... 89. Apesar disso, o ofendido YY nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XI
90. No mês de setembro de 2015, o ofendido KK deu conhecimento ao ofendido BB, seu colega de trabalho, que o arguido adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L..., dizendo-lhe que também já tinha celebrado negócio com aquele e que apenas aguardava a receção da sua viatura. 91. Assim, o ofendido, por estar interessado em adquirir uma viatura automóvel, no dia 04 de setembro de 2015, o ofendido solicitou ao seu amigo KK, ponto de contacto com o arguido, que averiguasse se tinha uma viatura com as características que lhe interessassem tendo aquele contactado o arguido que, por sua vez, informou o ofendido por email que tinha para venda uma carrinha de marca Mercedes, modelo ..., de maio de 2014, com 7.300km, pelo valor de €14.600, com entrega de €4.500 de entrada a efetuar no próprio dia, juntando fotografia da dita carrinha. 92. BB, acreditando que o que o arguido lhe tinha dito correspondia à verdade, para concretizar o negócio, nesse mesmo dia efetuou uma transferência bancária no valor de €1.000,00 para a conta titulada pelo arguido com o NIB ..., tendo-se comprometido a, no início da semana seguinte, pagar o remanescente do sinal. 93. No dia 08 de setembro de 2015, o arguido deslocou-se ao local de trabalho do ofendido BB e pediu-lhe para efetuar o pagamento do remanescente do sinal para outra conta, desta feita no ... com o NIB .... 94. Para concretizar o negócio, nessa tarde, o ofendido efetuou transferência bancária no valor de €3.931,00 para aquela conta que lhe tinha sido indicada pelo arguido e que era titulada por OO, companheira do arguido. 95. Logo após a transferência, o arguido solicitou a OO que procedesse ao levantamento daquele dinheiro daquela conta, o que esta fez, entregando-o ao arguido. 96. Apesar disso, o ofendido BB nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos outubro de 2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 97. BB, por força dos factos descritos experienciou momentos de hostilidade e desconfiança nas suas relações laborais e com vergonha perante familiares e pessoas mais chegadas. 98. Experienciou momentos de insatisfação pessoal por não conseguir concretizar a expectativa de adquirir a viatura automóvel acima referenciada. 99. Vive desde pelo menos outubro de 2015 até à presente data com momentos de ansiedade pela falta de resposta do arguido.
XII
100. No ano de 2015, o ofendido JJ teve conhecimento, através de KK, seu cunhado, que o arguido dizia conseguir adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L.... 101. Como o ofendido JJ estava interessado em adquirir automóvel dirigiu-se até ao arguido, tendo este confirmado aqueles factos e, exibido ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira, pagando um sinal e o custo do averbamento da viatura. 102. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido comprometeu-se a assinar uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. 103. Perante estas garantias que lhe foram dadas, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido JJ, no dia 19 de junho de 2015, efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ... do montante global de €4.000,00 para compra de uma viatura de marca BMW, de modelo ... M e uma moto 4, veículos a entregar no dia 16.09.2015. 104. No dia 25 de junho de 2015, o ofendido, a pedido do arguido, efetuou nova transferência no valor de €419,00, para alegadamente pagar o averbamento da viatura. 105. Todavia, na data prevista, as viaturas não foram entregues, tendo o arguido no dia 29 de setembro de 2015 assegurado ao ofendido que as mesmas seriam entregues no dia 29.10.2015, desde que ele efetuasse um pagamento adicional de €3.100 para resolução de um problema administrativo. 106. Como o ofendido continuava interessado naquela aquisição e crendo ser verdade o que o arguido lhe dizia, no dia 05 de outubro de 2015, JJ efetuou nova transferência bancária no valor pedido para a conta de AA. 107. Apesar disso, o ofendido JJ nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 17.12.2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XIII
108. No ano de 2015, o ofendido GG deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, tendo este procedido a uma reparação de automóvel. 109. Fruto dessa relação, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L.... 110. Como o ofendido GG estava interessado em adquirir automóvel dirigiu-se até ao arguido, tendo este confirmado aqueles factos, esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 111. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, no dia 04 de julho de 2015 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o n.º ... da Banco 2... do montante global de €3.583,00 para compra de uma viatura de marca ..., modelo ..., veículo a entregar no prazo de um a dois meses. 112. Todavia, três dias depois, o arguido contactou o ofendido e disse-lhe que havia outra pessoa interessada naquele veículo por isso, se o queria adquirir teria de cobrir a oferta apresentada no valor de €1.400,00, o que o ofendido, por crer ser verdade o que lhe foi dito e ter interesse na viatura, fez por transferência bancária no dia 08 de julho de 2015. 113. Apesar disso, o ofendido GG nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 10.10.2015, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XIV
114. No ano de 2016, o ofendido ZZ teve conhecimento que o arguido explorava o estabelecimento acima identificado, ao qual se dirigiu, tendo o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, proposto ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L.... 115. Como o ofendido ZZ estava interessado em adquirir automóvel Audi ..., o arguido enviou-lhe várias fotos desse tipo de viaturas e que estariam disponíveis, esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 116. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, no dia 17 de fevereiro de 2016 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o IBAN ..., correspondendo à conta n.º ... do Banco 1... titulada pelo arguido, dos montantes de €1.100,00 e de €150,19 para compra de uma viatura de marca Audi, modelo ..., do ano de 2014, veículo a entregar a 06.04.2016. 117. Em troca e para dar maior segurança ao ofendido, o arguido entregou-lhe uma declaração de dívida com a identificação dos intervenientes, do valor, da viatura e da data previsível para a sua entrega, acrescentando que depois indicaria o dia em que podiam ir ver a viatura e o ofendido decidir se queria ficar com ela ou não, momento em que lhe seria devolvido o dinheiro entregue. 118. Apesar disso, o ofendido ZZ nunca recebeu a viatura, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 06.04.2016, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 119. Entretanto, já depois de ter efetuado a respetiva queixa, o arguido devolveu ao ofendido a quantia que este lhe entregara.
XV
120. No ano de 2017, o ofendido AAA trabalhava como inspetor técnico de veículos no Centro de Inspeções situado na Estrada Nacional ..., em ..., Santa Maria da Feira, quando tomou conhecimento do estabelecimento do arguido, ao qual ali se dirigiu como cliente. 121. No decurso da conversa, o arguido disse-lhe que explorava o estabelecimento acima identificado e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse ainda ao ofendido que se dedicava também à aquisição de viaturas usadas, mais lhe dizendo que conseguia adquirir para terceiros veículos a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através da leiloeira L.... 122. Como o ofendido AAA estava interessado em adquirir automóvel perguntou ao arguido se este não teria para venda um Peugeot, ..., tendo o arguido respondido afirmativamente e trocaram contactos tendo em vista eventual negócio. 123. Nesse mesmo dia, o arguido enviou um email para o ofendido propondo a aquisição de uma viatura daquela marca e modelo mediante o pagamento do valor de €4.100,00 pela abertura do processo, custando a mesma, já com averbamento e valor final o montante de €6.100,00, viatura a ser entregue em 11 semanas, indicando-lhe também o NIB para onde devia efetuar a transferência do montante de abertura do processo, caso estivesse interessado. 124. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, no dia 21 de abril de 2017 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou com o NIB ..., titulada por BBB, do montante de €4.100,00. 125. Na verdade, o arguido tinha pedido a BBB, que na altura o ajudava na sua oficina, dizendo que não podia usar a sua conta bancária por ter sido congelada e pedindo-lhe para usar a sua para ali ser efetuado um depósito, no que BBB consentiu. 126. Após receber o dinheiro na conta, BBB procedeu ao levantamento dos €4.100 e entregou-os em dinheiro ao arguido. 127. Quando o prazo de 11 semanas chegou, o ofendido começou a insistir junto do arguido sobre o estado da compra, momento em que o arguido disse que a viatura apenas seria entregue no dia 18.07.2017, caso o ofendido fizesse o pagamento do valor para fecho de compra no montante de €1.420,00, o que o ofendido, por estar interessado, fez naquele dia para a conta indicada pelo arguido, desta feita com o NIB ..., que corresponde à conta ... de CCC. 128. Também nessa ocasião, o arguido, que conhecia CCC, pediu a esta se podia usar a sua conta para receber dinheiro para pagamento de um automóvel, com o que CCC concordou consentindo que o arguido indicasse a sua conta para recebimento do dinheiro, tendo, no mesmo dia, procedido ao seu levantamento e entrega do dinheiro respetivo ao arguido. 129. Apesar disso, o ofendido AAA nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos julho de 2017, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XVI – XVII - XVIII 130. Em agosto de 2018, o arguido esteve internado no Hospital ..., em Santa Maria da Feira, na sequência de acidente que sofreu. 131. Enquanto ali esteve internado, o arguido conheceu o ofendido DDD, enfermeiro que trabalhava naquele hospital. 132. No decurso das conversas que mantiveram, o arguido deu conhecimento ao ofendido que explorava o estabelecimento acima identificado e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira denominada X..., Lda. 133. Como o ofendido DDD e a sua esposa EEE estavam interessados em adquirir automóvel em setembro de 2018 dirigiram-se até ao arguido que lhes exibiu uma lista das viaturas disponíveis dizendo que, para que conseguisse a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 134. Assim, o arguido propôs aos ofendidos a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., pelo valor de €6.430,00, dos quais €6.200,00 seriam para pagar a viatura e €230,00 para pagar os custos. 135. Os ofendidos, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, no dia seguinte entregaram ao arguido, em dinheiro, tal como solicitado pelo arguido, da quantia de €6.430,00. 136. Para efetuar a entrega deste dinheiro ao arguido, os ofendidos tiveram de contrair um crédito pessoal no valor de €6.000. 137. Perante a oportunidade de negócio, a ofendida EEE deu conhecimento da mesma à sua irmã FFF que, por também estar interessada em adquirir automóvel, em setembro de 2018, dirigiu-se, juntamente com o seu marido GGG ao estabelecimento do arguido. 138. Também a estes o arguido propôs a aquisição de viaturas usadas, nos mesmos termos acima referidos propondo-lhes a venda de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., pelo valor de €9.800, dizendo que após o pagamento daquela quantia poderiam ver a viatura e o seu estado e, se não tivessem interesse nela poderiam escolher outra ou reaver o dinheiro. 139. Os ofendidos, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, entregaram ao arguido aquela quantia em dinheiro. 140. Cerca de um mês mais tarde, o arguido disse-lhes que tinha existido uma proposta por um valor superior para aquela viatura e, por isso, se a queriam teriam de cobrir essa proposta entregando do valor adicional de €850, o que os ofendidos por manterem interesse no negócio entregaram ao arguido em dinheiro. 141. Também o ofendido NN, colega de trabalho de DDD no Hospital ..., tomou conhecimento da atividade do arguido e, crendo ser verdadeira, em outubro de 2018, dirigiu-se até ao seu estabelecimento para adquirir várias viaturas automóveis. 142. Nessa ocasião, o arguido propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, nos mesmos termos acima referidos, propondo-lhe a venda de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., do ano de 2017, pelo valor de €6.900,00. 143. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, no dia seguinte entregou ao arguido aquela quantia de dinheiro em mão. 144. Cerca de uma semana e meia mais tarde, o arguido pediu ao ofendido para ir à sua oficina local onde lhe deu conhecimento que tinha existido uma proposta mais alta sobre a viatura e que para manter o negócio teria de pagar a quantia adicional de €1.100, o que o ofendido, por acreditar ser verdade fez, tendo levantado aquela quantia e entregue em dinheiro ao arguido. 145. No início do mês de novembro, o arguido pediu novamente ao ofendido NN para ir ao seu estabelecimento levar-lhe uma cópia do seu cartão de cidadão, o que este fez. 146. Nessa ocasião, o arguido disse-lhe que tinha um automóvel de marca Tesla e outro de marca Maserati para serem vendidos por um preço muito baixo, viaturas que depois poderiam ser vendidas a preço elevado, gerando grande margem de lucro. 147. Porém, o arguido disse que não tinha dinheiro suficiente para concluir esse negócio sozinho e, por isso, convenceu o ofendido a entrar nesse negócio consigo suportando este parte do valor de aquisição e depois dividindo entre eles o lucro obtido. 148. O ofendido NN, acreditando que aquele negócio era verdadeiro, entregou ao arguido naquela data a quantia de €5.000, tendo o arguido lhe dito que o negócio seria concluído em 24.01.2019, altura em que o ofendido teria de lhe entregar mais €4.500. 149. Porém, em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre 1 e 14 de novembro de 2018, o arguido chamou novamente o ofendido NN ao seu estabelecimento e disse-lhe que se entregasse naquela altura a quantia de €4.500,00 o negócio ficaria concluído até ao final de dezembro de 2018, pelo que o ofendido, para que isso sucedesse e conforme lhe foi dito pelo arguido, entregou-lhe naquela data a referida quantia. 150. No dia 15 de novembro de 2018, o arguido enviou ao ofendido uma SMS dizendo-lhe que, para aquele negócio se concluir, teria de ser paga a quantia de €4.000, pelo que, uma vez que alegadamente estavam a pagar os gastos a meias, o ofendido teria de lhe entregar a quantia de €2.000, o que o ofendido fez por transferência bancária para conta com o NIB ..., que o arguido lhe indicou, pertencente à sua então companheira OO. 151. Apesar disso, os ofendidos EEE, DDD, GGG, FFF e NN nunca receberam as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos janeiro de 2019, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar os ofendidos a crer serem verdadeiros os negócios que lhe propôs como forma de os convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XIX
152. No ano de 2017, o ofendido EE deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, por ter chegado ao seu conhecimento que o arguido se dedicava à venda de viaturas usadas a preços muito baixos. 153. Aí chegado, o arguido disse-lhe que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira.
154. Para tanto, o arguido disse ao ofendido que tinha uma lista das viaturas disponíveis, exibindo-lhe fotografias de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., do ano de 2010 e, para que conseguisse a sua aquisição, teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 155. Confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, o ofendido EE no dia 23 de maio de 2017 efetuou transferência bancária para a conta que o arguido lhe indicou, com o n.º ..., do montante global de €4.230,00, pertencente a CCC, e, em 01.06.2017, nova transferência, desta feita para conta com o n.º ... do valor de €1.420 para compra da viatura acima aludida e que seria entregue dentro de três meses. 156. De facto, no dia 23 de maio de 2017 o arguido, que conhecia CCC pediu a esta se podia usar a sua conta para receber dinheiro para pagamento de um automóvel, dizendo-lhe que, para tanto, precisava de ter uma conta na Banco 2... e não tinha. 157. Perante a explicação que lhe foi dada, CCC consentiu que o arguido indicasse a sua conta para recebimento do dinheiro, tendo, no mesmo dia, procedido ao seu levantamento e entrega do dinheiro respetivo ao arguido. 158. Como a viatura não foi entregue na data indicada, o ofendido contactou várias vezes o arguido pedindo a sua entrega, o que o arguido foi adiando apresentando várias desculpas, até que deixou de atender o telefone durante vários dias. 159. Porém, perante a insistência do ofendido o arguido propôs-lhe a aquisição de outro automóvel mediante o pagamento adicional da quantia de €800,00 dizendo que tinha outra viatura a muito bom preço. 160. Por o ofendido estar interessado naquela viatura para a sua filha, entregou ao arguido em dinheiro a quantia adicional de €400,00, tendo em vista a compra daquele segundo veículo. 161. Apesar disso, o ofendido EE nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos julho de 2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 162. Em face dos factos supra descritos, o ofendido sentiu-se enganado, humilhado e angustiado.
XX
163. No ano de 2018, o ofendido HHH deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, no âmbito da sua atividade como comercial da empresa N.... 164. No decorrer desse contacto, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira. 165. Como o ofendido HHH estava interessado em adquirir automóvel o arguido exibiu-lhe uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 166. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, nesse mesmo dia, entregou ao arguido a quantia de €6.200 em dinheiro para compra de uma viatura de marca Mercedes, de modelo ..., do ano de 2015, veículo que lhe seria entregue no prazo de dois meses. 167. Apesar disso, o ofendido HHH nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 22.01.2019, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XXI
168. A ofendida III conhecia o arguido por o mesmo frequentar o Casino ..., conhecendo-o por o mesmo costumar jogar nas máquinas do casino e por efetuar apostas altas. 169. Em março de 2019, a ofendida ganhou dois jackpots no Casino ... recebendo a quantia de €20.000, facto de que o arguido se apercebeu. 170. Dias depois, no dia 13 de março de 2019, cerca das 22h00, quando estavam naquele casino, o arguido abordou a ofendida e, no decorrer da conversa, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse-lhe que adquiria viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de solicitadores de execução em Lisboa. 171. Como a ofendida III estava interessada em adquirir um automóvel de marca Porsche, o arguido disse-lhe que conseguia vender-lhe um Porsche ... por aproximadamente €40.000 ou um Porsche ... por €11.800, tendo a ofendida demonstrado interesse em adquirir esta última viatura. 172. No dia seguinte, o arguido ligou à ofendida e exibiu-lhe uma lista, carimbada com selo branco e que continha a descrição das viaturas disponíveis e seus valores, esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido, nesse mesmo dia, até às 17h00, para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 173. A ofendida, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir aquele automóvel, nesse mesmo dia, entregou ao arguido a quantia de €11.800 em dinheiro, tendo em vista a entrega da viatura. 174. Apesar disso, a ofendida III nunca recebeu a viatura, , apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos março de 2019, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantia em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 175. Entretanto, em junho de 2020, agosto de 2020 e novembro de 2021, o arguido devolveu à ofendida as quantias de €3.000,00 em cada uma dessas ocasiões, num total de €9.000,00.
XXII
176. No ano de 2018, o ofendido CC deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado. 177. No decorrer desse contacto, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira. 178. Como o ofendido CC estava interessado em adquirir automóvel o arguido exibiu-lhe uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 179. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir dois automóveis, no dia 02 de julho de 2018, entregou ao arguido a quantia de €7.400,00 em dinheiro para compra de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., e de outro da mesma marca, modelo ..., veículos que lhe seriam entregues no dia 27.07.2018. 180. Porém, na data não foi recebida a viatura, tendo o ofendido contactado o arguido que, em 02.08.2018, lhe solicitou a entrega de mais €3.250,00 de forma a não perder o negócio, o que o ofendido fez, por continuar interessado na compra, entregando aquela quantia em dinheiro ao arguido. 181. Nessa ocasião, o arguido propôs-lhe ainda a aquisição em parceria de uma terceira viatura (Tesla), cabendo ao ofendido o pagamento de €5.000,00, destinada à revenda, dividindo depois entre si os lucros, quantia que o ofendido, por acreditar ser verdadeiro o negócio, entregou em dinheiro ao arguido. 182. Apesar disso, o ofendido CC nunca recebeu as viaturas, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos março de 2019 o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XXIII
183. No ano de 2018, o ofendido JJJ deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado, para realização de trabalhos de reparação de automóveis. 184. No decorrer desse contacto, em março de 2018, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira denominada L.... 185. Como o ofendido JJJ tinha aberto um stand de automóveis e estava interessado em adquirir automóveis o arguido exibiu-lhe uma lista das viaturas disponíveis esclarecendo-lhe que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 186. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir automóveis, nesse mesmo dia, entregou ao arguido a quantia de €8.100 em dinheiro para compra de uma viatura de marca BMW, modelo ... e de outra de marca BMW, modelo ..., veículos que lhe seriam entregues no prazo de oito semanas. 187. Uma semana depois, o arguido ligou a JJJ e disse-lhe que tinha uma série de viaturas a bom preço, propondo-lhe a aquisição a meias, depois dividindo entre eles o lucro, no que JJJ acedeu por se tratar de um bom negócio. 188. De facto, no decurso de oito semanas até à entrega das viaturas BMW ... e BMW ..., o ofendido foi sucessivamente encomendando mais viaturas e entregando ao arguido, por diversas vezes, as seguintes quantias: €5.000, €8.000, €9.000, €1.000, €6.000, €7.675, €5.000, €7.500, €14.000, €6.000 e €11.000, em dinheiro. 189. Finalmente, na última vez o arguido pediu-lhe a entrega imediata da quantia de €10.000 ao arguido para finalizar os negócios, pelo que JJJ, na presença do arguido, deslocou-se ao seu banco onde fez um crédito pessoal nesse valor por dois meses, para entregar aquele dinheiro ao arguido, como veio a suceder. 190. Para conferir credibilidade ao negócio, o arguido levou o ofendido por três vezes às instalações da L... onde estiveram a ver carros aparcados, dizendo o arguido que seria para o ofendido os escolher. 191. Ao entregar aquelas quantias ao arguido, o ofendido ficou sem as poupanças que tinha feito durante o período em que esteve emigrado na Suíça, teve de vender um apartamento e contrair empréstimo bancário, ficando em situação económica difícil por força da atuação do arguido. 192. Apesar disso, o ofendido JJJ nunca recebeu as viaturas, nem a devolução total do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos desde o final do ano de 2018, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquelas viaturas, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 193. Entretanto, o arguido devolveu ao ofendido várias quantias em dinheiro que totalizaram €8.100,00.
XXIV
194. No ano de 2018, o ofendido KKK deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado em ..., para adquirir um autorrádio e duas câmaras de estacionamento, equipamentos a instalar na viatura de sua propriedade. 195. No decorrer desse contacto, o arguido disse-lhe que conseguia arranjar o equipamento que pretendia e proceder à sua instalação, dizendo-lhe que custaria €700,00, mas que, para assegurar o negócio, teria de lhe entregar de imediato e em dinheiro, a quantia de €350,00 como sinal. 196. O ofendido, como seria uma boa proposta, procedeu ao levantamento da quantia solicitada que entregou em mãos ao arguido, tendo este lhe dito que a entrega e instalação dos equipamentos seria feita até ao dia 10.11.2018. 197. Apesar disso, o ofendido KKK nunca recebeu os equipamentos, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos 11.12.2018 o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daqueles bens, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantia em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 198. Em 2019, o arguido devolveu ao ofendido a quantia de €350,00.
XXV
199. No ano de 2017, o ofendido FF deslocou-se ao estabelecimento do arguido acima identificado. 200. No decorrer desse contacto, o arguido, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viaturas usadas a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira. 201. Como o ofendido FF estava interessado em adquirir automóvel o arguido esclareceu-o que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar uma transferência para a conta bancária do arguido para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 202. O ofendido, confiando que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir um automóvel, no dia 24 de junho de 2017 efetuou transferência bancária para a conta com o n.º PT ..., indicada pelo arguido, da quantia de €3.320,00, para compra de uma viatura de marca Nissan, modelo ..., veículo que lhe seria entregue quinze dias depois. 203. Porém, no mesmo dia, o arguido enviou ao ofendido uma mensagem pedindo que efetuasse nova transferência de dinheiro, pelo que FF, para não perder a oportunidade de negócio, no mesmo dia fez nova transferência para aquela conta no valor de €3.000. 204. Logo após, o arguido disse ao ofendido que havia outros interessados naquele veículo e que estavam a oferecer montantes mais elevados pela mesma, pelo que, se ele continuasse interessado, teria de cobrir a proposta e efetuar nova transferência bancária no valor de €4.818,00, o que o ofendido fez por continuar interessado e crer ser verdadeiro o negócio, efetuando no dia 27.06.2017 uma transferência para a conta acima identificada no valor de €1.618 e outras duas transferências no dia 10.07.2017, uma no valor de €1.200 e outra de €2.000. 205. Apesar disso, o ofendido FF nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos agosto de 2017 o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 206. Em face dos factos descritos, o ofendido sentiu-se profundamente humilhado, vexado, preocupado, nervoso, angustiado, inquieto e aflito.
XXVI
207. Em agosto de 2019, LLL e MMM, legais representantes da sociedade “O..., Ldª”, dirigiram-se ao stand “A...”, situado em ..., tendo entregue ao arguido a viatura de matrícula ..-..-UU a fim de o mesmo conseguir comprador. 208. O arguido acordou com as legais representantes da sociedade proprietária da viatura que o seu lucro corresponderia a tudo o que conseguisse acima dos €2.500,00, valor que elas pretendiam receber pela venda do veículo. 209. Entretanto, em data não apurada, o arguido disse-lhes que a viatura em causa se destinava a ser entregue a uma coletividade, para transporte de uma equipa feminina de andebol, que estava interessada na sua compra. 210. Nessa altura, para que o arguido diligenciasse pela venda acordada, foi-lhe entregue o respetivo documento único automóvel e declaração de venda assinada pela gerente daquela sociedade, tendo o arguido lhes dito que, posteriormente, entraria em contacto com as mesmas para lhes entregar a respetiva documentação e os €2.500 acordados. 211. Porém, decorrido o tempo fixado o arguido nada disse, tendo deixado de receber as chamadas das mesmas e retirando o automóvel que lhe foi entregue para venda para parte incerta, usando-o do modo que quis, tanto que a ofendida recebeu notificações para pagamento de portagens e apropriando-se do mesmo. 212. Entretanto, em 22.07.2020, o arguido, usando os documentos que lhe foram entregues pela ofendida, nomeadamente a declaração de venda devidamente assinada, formalizou a vendeu daquela viatura a NNN, que procedeu ao registo do veículo em nome da sua companheira OOO, recebendo o arguido das mãos de NNN o preço de €2.000, mas sem que o tenha entregue às ofendidas legais representantes, da sociedade proprietária daquele automóvel. 213. Ou seja, a ofendida não recebeu o dinheiro que lhe foi prometido pelo arguido, nem devolveu a viatura que lhe foi entregue, apesar de isso lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde pelo menos junho de 2020, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar a ofendida a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de a convencer a entregar-lhe aquela viatura sem receber qualquer contrapartida em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se da mesma, usando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que a mesma não lhe pertencia. 214. A 27.01.2021, o arguido entregou a LLL e a MMM, representantes legais da sociedade “O..., Ldª”, a quantia de €2.500,00.
XXVII
215. Em janeiro de 2020, o arguido dirigiu-se à oficina N... em Santa Maria da Feira, local de trabalho do ofendido DD, tendo-lhe dito que é proprietário de uma oficina automóvel situada na Avenida ..., em ..., Espinho e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viatura usada, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira. 216. Como o ofendido DD estava interessado em adquirir automóvel da marca Mercedes o arguido esclareceu-o que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar o pagamento em dinheiro para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 217. Confiando DD que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir tal automóvel, o arguido conseguiu convencê-lo a que o pagamento fosse efetuado por transferência bancária e, assim, no dia 06 de fevereiro de 2020, efetuou transferência bancária para a conta com o n.º PT ..., indicada pelo arguido, da quantia de €3.600, para compra de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., do ano de 2018, veículo que lhe seria entregue semanas depois. 218. Apesar disso, o ofendido DD nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquela quantia em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido. 219. Com efeito, o ofendido tentou por diversas vezes falar e contactar telefonicamente o arguido, para o número de contacto móvel que este lhe tinha indicado (...), a fim de saber sobre os desenvolvimentos do negócio de aquisição da viatura, mas este deixou de atender as suas chamadas telefónicas. 220. Sem notícias do arguido, a 04 de maio de 2020 enviou-lhe um um e-mail para o endereço de e-mail que aquele lhe havia indicado (AA1...gmail.com) questionando-o, mais uma vez, sobre o ponto da situação, ao qual não obteve qualquer resposta.
XXVIII
221. Na mesma ocasião e lugar, o arguido dirigiu-se ao ofendido PPP, também funcionário da N..., tendo-lhe dito que é proprietário de uma oficina automóvel situada na Avenida ..., em ..., Espinho e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, propôs ao ofendido a aquisição de viatura usada, dizendo-lhe que conseguia adquirir para terceiros veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de leiloeira. 222. Como o ofendido PPP estava interessado em adquirir automóvel da marca Mercedes o arguido esclareceu-o que para conseguir a sua aquisição teria de efetuar o pagamento em dinheiro para que este desse início ao processo junto da leiloeira. 223. Confiando PPP que se tratava de negócio real e por ter interesse em adquirir o dito automóvel, o arguido logrou convencê-lo a que o pagamento fosse efetuado por transferência bancária e, assim, no dia 05 de fevereiro de 2020, efetuou transferência bancária para a conta com o n.º PT ..., indicada pelo arguido, da quantia de €2500, e no dia seguinte uma segunda transferência de €2.500 para a mesma conta, para compra de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., do ano de 2018, veículo que lhe seria entregue semanas depois. 224. Apesar disso, o ofendido PPP nunca recebeu a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo AA apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XXIX
225. No ano de 2020, o ofendido QQQ entrou em contacto com o arguido tendo este, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse-lhe que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de uma leiloeira, sendo que mais tarde, conforme infra referido, enviou ao ofendido uma lista das viaturas disponíveis e seus valores. 226. Como não tinha liquidez para sozinho adquirir qualquer viatura, que perspetivava revender, o ofendido RRR mostrou-se interessado em entrar no negócio, financiando-o, perspetivando ambos repartir entre si os respetivos lucros aquando da revenda da viatura que iriam adquirir ao arguido; 227. No dia 05 de maio de 2020, o arguido enviou ao ofendido BBB uma mensagem com uma listagem de viaturas que tinha para venda, tendo os ofendidos ficado interessados na aquisição de uma viatura de marca Mercedes ... de 2019. 228. Para tanto, o arguido disse a BBB que tinham de lhe entregar a quantia de €5.480,00 para início do processo de compra, o que este transmitiu a SSS. 229. Acreditando que o que o arguido lhes tinha transmitido correspondia à verdade, para concretizar o negócio, nesse mesmo dia, SSS efetuou a entrega daquele montante. 230. Porém, após receber o dinheiro, o arguido nunca entregou a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde maio de 2020, tendo deixado de atender os seus telefonemas, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
XXX
231. Em setembro ou outubro de 2020, o AA dirigiu-se ao ofendido TTT, dono de uma barbearia utilizada pelo arguido e, tal como já acima descrito e usando o mesmo procedimento, disse-lhe que adquiria veículos penhorados no âmbito de processos judiciais a um preço mais reduzido do que o valor de mercado, o que fazia através de uma leiloeira. 232. Nessa altura, o arguido propôs-lhe a aquisição de uma viatura de marca Mercedes, modelo ..., pelo valor de €6.280, tendo o ofendido ficado interessado na aquisição dessa viatura e, em consequência, por estar convencido que seria verdade, entregou esse valor em dinheiro ao arguido nessa data em duas tranches, sendo a primeira de €3.000,00 e a segunda de €3.280,00. 233. Porém, após receber o dinheiro, o arguido nunca entregou a viatura, nem a devolução do dinheiro entregue, apesar de o mesmo lhe ter sido solicitado por diversas vezes desde outubro de 2020, tendo deixado de atender os seus telefonemas, o que sucedeu por o arguido nunca ter tido intenção de diligenciar pela venda daquela viatura, tendo o arguido apenas agido daquele modo de forma a criar uma aparência de veracidade, para levar o ofendido a crer ser verdadeiro o negócio que lhe propôs como forma de o convencer a entregar-lhe aquelas quantias em dinheiro, como conseguiu, apropriando-se do mesmo, usando-o e gastando-o em seu proveito do modo que quis, apesar de saber que o mesmo não lhe era devido.
*
234. O arguido usou as quantias acima referidas para os seus gastos diários, bem como para suportar gastos com jogo, dedicando-se o arguido com regularidade e de forma reiterada à prática de factos como os acima descritos para desse modo obter um rendimento regular com o qual provia à sua subsistência e de forma a obter o dinheiro que necessitava para as suas despesas, fazendo da prática deste crime modo de vida. 235. Com esta conduta o arguido apropriou-se do montante global de €365.615,19 que fez seu, gastando-o em seu proveito. 236. O arguido atuou, em cada uma das situações descritas, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de enganar os ofendidos convencendo-os de que iria entregar-lhes os automóveis, eletrodomésticos, equipamentos e, o dinheiro, tal como com eles acordado, o que nunca teve intenção de fazer, tendo apenas agido daquele modo para levar os ofendidos a entregar-lhe dinheiro e a viatura acima identificada, como foi feito, valores e bem que o arguido fez seu, retirando-os do património dos ofendidos e integrando-o no seu património pessoal, bem sabendo que os mesmos não lhes eram devidos e que, nessa conformidade, causava, como causou, um prejuízo no património dos ofendidos no mesmo valor. 237. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Do percurso de vida do arguido AA, sua condição socioeconómica e antecedentes criminais: 238. À data dos factos constantes da acusação AA residia com a companheira (relacionamento que mantinha há cerca de 2 anos), profissionalmente ativa, sendo o núcleo familiar constituído pelo próprio, pela companheira e o filho do arguido de 16 anos, a frequentar o sistema de ensino. Residiam numa habitação com razoáveis condições de habitabilidade cedida, a título gratuito, pelos pais do arguido, contigua à residência destes, em ... - Santa Maria da Feira. Trata-se de uma zona residencial onde as relações de rede vacinal são caraterizadas pela proximidade. 239. A dinâmica familiar era normativa, pese embora a relação com a companheira tenha findado em novembro de 2021. O arguido manteve sempre proximidade afectiva e relacional com os pais, residentes em habitação contígua. 240. A sua subsistência era assegurada pelos rendimentos que auferia, em média, no valor correspondente ao salário mínimo nacional. A companheira trabalhava no Casino W..., onde auferia um salário de €800 por mês. Como encargos mensais suporta os decorrentes da manutenção da habitação, nomeadamente o fornecimento de energia eléctrica, água e telecomunicações no valor cerca de €180 mensais. 241. Ao nível laboral encontrava-se inserido no sector da mecânica-auto, por conta própria, como eletricista de automóveis, numa oficina em Espinho, desde finais de 2018. Na sequência da escassez de trabalho decorrente da pandemia de Covid19, esta atividade deixou de ser rentável, vindo a encerrar em outubro de 2020, contudo, o arguido criou na garagem da habitação onde reside uma oficina improvisada, onde efetuava trabalhos em regime de biscates no mesmo sector. Atualmente a “oficina/garagem” está a ser explorada por um amigo, auferindo o arguido um rendimento mensal variável, mas situado em torno de €400 po mês, rendimento que, a par do apoio prestado pelos pais, lhe permite assegurar as despesas mensais e garantir a subsistência. 242. AA nasceu na Venezuela, onde os pais se encontravam emigrados e onde permaneceu até aos 19 anos, quando regressaram a Portugal e fixaram residência na morada atual. O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado familiar de origem constituído pelos pais e 3 irmãos. A dinâmica familiar era estruturada e afetivamente investida, beneficiando a família de situação económica humilde, decorrente da atividade do pai, operário da construção civil, sendo a mãe costureira. Os pais encontram-se reformados, com idade de 89 e 88 anos e com algumas limitações ao nível da saúde inerentes à idade. 243. AA iniciou o seu percurso escolar em idade normal, na Venezuela, frequentando o sistema de ensino até à conclusão do 9º ano de escolaridade, aos 14 anos, altura em que iniciou atividade laboral no setor da mecânico-auto, atividade que exerceu ao longo dos anos, numa fase inicial por conta de outrem e, mais tarde, por conta própria. Em 2015 criou o seu próprio negócio, no mesmo sector em ..., Santa Maria da Feira, que manteve até 2018. Nesta altura abriu nova oficina em Espinho, atividade que manteve até outubro de 2020. 244. Constituiu agregado familiar próprio aos 32 anos, relação que perdurou cerca de 6/7 anos e que findou na sequência de problemas de saúde (doente bipolar) da ex-companheira. Desta relação existe um filho de 16 anos, tendo-lhe sido entregue a guarda do mesmo, que mantém. O arguido vivencia com significativo sofrimento os problemas de saúde de que o filho padece (do foro cardíaco e de ansiedade) e no âmbito dos quais é clinicamente acompanhado no Hospital ... (Porto). 245. Na sequência desta relação, o arguido contraiu doença infetocontagiosa (HIV), sendo acompanhado em consultas periódicas, no Hospital 1... (Porto). 246. Entre 2014 e 2017 estabeleceu novo relacionamento, existindo uma filha desta união, atualmente com 5 anos, a residir com a mãe, com quem o arguido mantém uma relação de proximidade. A filha quinzenalmente passa o fim-de-semana com o pai. 247. Em finais de 2018 estabeleceu novo relacionamento afetivo, com uma senhora de nacionalidade ucraniana e com a qual coabitou até novembro de 2021, altura em que ocorreu a separação. 248. Encontra-se desde 24 de dezembro de 2021 sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância eletrónica à ordem dos presentes autos. 249. AA apresenta-se apreensivo e ansioso, tendo consciência das consequências que poderão resultar do presente processo, sendo capaz de, perante os factos pelos quais está acusado, formular, em abstrato, juízo de censura, com capacidade para se posicionar criticamente quanto aos valores jurídicos violados. 250. Beneficia a nível familiar do apoio dos pais e irmãos, os quais se mostram solidários e disponíveis para colaborar no seu processo de ressocialização, perspetivando que este tempo se constitua como uma oportunidade de mudança do se percurso de vida. O apoio familiar de que beneficia e o projeto de se manter ativo laboralmente na área da mecânica automóvel são âncoras estruturantes do seu projeto de vida. 251. Tem os seguintes antecedentes criminais:
- No âmbito do PCS nº 649/02.7GDVFR, do extinto 1º Jz Criminal do T.J. da Comarca de Santa Maria da Feira, por sentença datada de 19.04.2016, transitada em julgado a 04.05.2006, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €3,5, o que perfaz o total de €420, pela prática a 25.06.2002 de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205º, nº 1, do Código Penal. Pelo seu pagamento, tal pena foi declarada extinta;
- No âmbito do PCS nº 255/12.8GBVLG, do extinto 3º Jz do T.J. da Comarca de Valongo, por sentença de 19.12.2013, transitada em julgado a 31.01.2014, foi o arguido condenado na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de €6, o que perfaz um total de €1.500,00, pela prática a 11.05.2012 de um crime de burla simples, p. e p. pelo artº 217º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artgs 217º, nº 1, e 218º do Código Penal. Pelo seu pagamento, tal pena foi declarada extinta;
- No âmbito do proc. sumaríssimo nº 455/16.1PAESP, do Juízo Local de Competência Genérica de Espinho – Juiz 2, por decisão de 11.05.2017, transitada em julgado a 11.09.2017, foi o arguido condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €6, o que perfaz um total de €6, o que perfaz um total de €1.800,00, pela prática a 21.12.2015 de um crime de burla simples, p. e p. pelo artº 217º, nº 1, do Código Penal. Pelo seu pagamento, tal pena foi declarada extinta;
- No âmbito do PCS nº 144/18.2PGVNG, do Juízo Local Criminal de V.N. de Gaia, do T.J. da Comarca do Porto, por sentença de 19.04.2021, transitada em julgado a 14.12.2021, foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,5, o que perfaz um total de €440, pela prática a 06.12.2018 de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artgs 153º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), do Código Penal.
*
*
(…) Registo de fichas no Casino
Nesta parcela do recurso, invoca o recorrente, em síntese, que «a transmissão de dados privados inerentes à vida lúdica do Arguido praticada em locais públicos, comprime e limita o seu direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar, sendo que a partilha desses mesmíssimos dados, mediante uma ordem emanada por um simples órgão de polícia criminal, sem que para o efeito se tivesse verificado uma qualquer diretriz proferida pela Autoridade Judiciária competente naquele exato sentido ou qualquer controlo prévio posterior inerente à sua admissibilidade – rectius, legalidade –, exercido também por aquela mesmíssima Autoridade, não pode deixar de consubstanciar um meio de prova ou de obtenção proibido à luz do número 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal e número 1 do artigo 26.º da Constituição da República.»
Mais invoca que o «dever de colaboração, previsto no artigo 53.º, 56.º e 61.º Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto, visa apenas, até por conta do número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, impor às autoridades obrigadas através do mencionado normativo aquela colaboração, quando esteja em causa a estrita investigação de crimes de branqueamento ou de financiamento ao terrorismo.
Deste modo, e não sendo legitimo ao órgão de polícia criminal, ao abrigo da Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto, solicitar informações relativas ao registo de entradas e transações/trocas de fichas efetuadas pelo Arguido, para a investigação da alegada prática de crimes de burla por banda do Arguido, resta analisar se a dita solicitação, traduzida num meio de obtenção de prova atípico, é legítima à luz do artigo 125.º do Código de Processo Penal e, salvo o devido e muito respeito por melhor opinião, avançamos desde já no sentido negativo.»
Peticiona que seja declarada a inconstitucionalidade dos arts. 1.º e 53.º, n.º 1, da Lei 83/2017, de 18-08, quando interpretado no sentido de que a entidades obrigadas prestam a colaboração que lhes for requerida pelas autoridades policias, para efeitos da investigação criminal de um qualquer crime, por violação do número 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
Termina invocando que o acórdão recorrido é nulo, devendo determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento, à luz do art. 426.º, n.º 1, do CPPenal, ou, assim não se entendendo, deve o Tribunal a quo proferir novo acórdão em que não valore aquela prova.
No acórdão recorrido, o Tribunal a quo aprecia esta questão nos seguintes termos:
«Por articulado que deu entrada sob a refª 12394985, além do mais, o arguido pugnou, por violação da reserva da sua vida íntima, que os elementos constantes de fls 295 e ss. constituem prova proibida.
A este respeito já a decisão instrutória se tinha pronunciado nos seguintes termos:
«O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar “analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Cód. Civil, artº80º)”, incumbindo a Constituição “a lei de garantir efectiva protecção a esse direito (nº2), compreendendo-se essa preocupação suplementar face aos sofisticados meios que a técnica hodierna põe à disposição da devassa da vida privada e da colheita de dados sobre ela.” -cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª edição, pág.181.
Urge, pois, verificar se os registos de entradas e transições/troca de fichas do arguido no Casino ..., foram obtidos ou não de forma ilícita, isto é, através de abusiva intromissão na sua vida privada.
Manifestamente que não.
Constam efectivamente dos autos informações solicitadas pelo órgão de polícia criminal que procedeu à investigação, no caso, a Polícia Judiciária, ao Casino ... – cfr. fls. 295 e sgs..
Trata-se de informação relativa ao arguido enquanto cliente daquele Casino, que consta da sua ficha pessoal de cliente na base de dados ..., com o registo de entradas e de transacções/trocas de fichas efectuadas pelo mesmos desde 01/01/2015 até á data da solicitação da informação, em Junho de 2019.
Tal solicitação mostrou-se justificada pela necessidade de percepcionar os gastos do arguido no confronto com os rendimentos que lhe eram conhecidos, e assim demonstrar o recurso às burlas denunciadas como modo de vida, qualificativa prevista na alínea b), do nº 2 do art. 218º do Código Penal – cfr. Anexo 1.
Para além disso, conteve-se no período temporal correspondente ao dos factos investigados, de 2015 a 2019, observando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade – art. 18º/2 da Constituição.
Acresce que estamos diante informação relativa a lugar público, sendo a identificação prestada pelo próprio jogador, que legalmente fica registada, sabendo-se, ademais, que é a lei que prevê a obrigatoriedade de adopção de sistemas de videovigilância nas salas de jogos de estabelecimentos legalmente autorizados – art. 52º/1 e 2, da Lei do Jogo, aprovada pelo D.L. 422/98 de 02/12.
Na verdade, o registo da identificação das interacções dos jogadores com o Casino, nomeadamente na troca de dinheiro por fichas de jogo e vice-versa, materializa a monitorização/controlo de uma actividade propícia à prática de crimes como o de branqueamento de capitais, prevenindo tais crimes, a montante, e facilitando a sua investigação a jusante.
Constitui, de resto, uma obrigação legal dos Casinos proceder ao registo da identificação dos jogadores, à comunicação de operações suspeitas às autoridades, nomeadamente ao DCIAP, mas também à disponibilização de todas as informações e documentos tidos por necessários por essas autoridades, ainda que sujeitos ao dever de segredo – cfr. arts. 4º/1, a), 11º/1, a), b) e c), 20º, 23º, 43º, 56º e 61º, da L. 83/2017, de 18/08, que aprova as Medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo.
Em suma: não está, pois, em causa informação alusiva ao contexto da vida privada do arguido, com tutela constitucional, mas antes relativa a uma actividade praticada em espaço público, que o arguido, como qualquer frequentador do Casino, sabe de antemão estar vídeovigiada e sujeita a controlo, mediante registo de identidade nas suas interacções com o Casino.»
Fazendo nossas estas considerações, que acompanhamos na íntegra, entendemos que o arguido, salvo melhor opinião, não tem razão.
Termos em que se considera que os elementos documentais em causa são prova permitida.»
Concordamos inteiramente com esta análise.
Acrescentaríamos que as «Autoridades policiais» para efeitos da Lei 83/2017, de 18-08, são «os órgãos de polícia criminal competentes para a investigação dos crimes de branqueamento e de financiamento do terrorismo, nos termos da lei, bem como para a investigação dos respetivos crimes subjacentes» (art. 2.º, n.º 1, al. e)).
Os crimes de burla podem desencadear a prática dos crimes de branqueamento e de financiamento do terrorismo para efeitos da mencionada lei.
Por outro lado, nos termos do art. 7.º da Lei 49/2008, de 27-08, compete à Polícia Judiciária a investigação, designadamente, dos crimes de branqueamento e financiamento do terrorismo, mas também de crimes de burla puníveis com pena superior a 5 anos.
Foi esta entidade quem solicitou os elementos aqui questionados pelo recorrente.
No âmbito da Lei 83/2017, de 18-08, as autoridades policiais têm atribuições muito relevantes, conforme resulta do disposto, entre outros, dos arts. 16.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º 56.º, n.º 7, 61.º e 81.º, entre outros.
Por seu turno, as entidades obrigadas, como os casinos, conforme decorre do art. 4.º da referida lei, estão sujeitas a uma panóplia de deveres, como o dever de identificação e diligência (art. 23.º), o dever de comunicação de operações suspeitas (art. 43.º), o dever de colaboração (art. 53.º).
Salienta-se que no âmbito do art. 56.º, n.ºs 1 e 7, da mesma lei, «[a]s entidades obrigadas disponibilizam todas as informações, todos os documentos e os demais elementos necessários ao integral cumprimento dos deveres enumerados nos artigos 43.º, 45.º, 47.º e 53.º, ainda que sujeitos a qualquer dever de segredo, imposto por via legislativa, regulamentar ou contratual», sendo certo que «[o]s elementos disponibilizados pelas entidades sujeitas ao abrigo do n.º 1 podem ser utilizados em processo penal, nos inquéritos que tiveram origem em comunicações de operações suspeitas, bem como em quaisquer outros inquéritos, averiguações ou procedimentos legais conduzidos pelas autoridades judiciárias, policiais ou setoriais, no âmbito das respetivas atribuições legais e na medida em que os elementos disponibilizados se mostrem relevantes para efeitos probatórios.»
Está, pois, perfeitamente justificada a actividade processual levada a cabo no âmbito destes autos e a validade das indicadas provas, justificando-se a utilização dos referidos elementos atentos os relevantes interesses em jogo, que, efectivamente, se apresentam como crimes potencialmente subjacentes, desde logo, ao crime de branqueamento de capitais.
Diga-se, aliás, que o próprio recorrente, atenta a actividade que se demonstrou ter praticado, e tendo em conta a sua perspectiva sobre os factos, deverá ele próprio ser considerado entidade obrigada nos termos daquela lei, de acordo com o art. 4.º, n.º 1, als. m) e n).
A aplicação da referida lei não se resume ao art. 53.º, n.º 1, cuja inconstitucionalidade foi invocada, antes a um conjunto alargado de normas desse mesmo diploma, sendo certo que não foi qualquer crime que se investigou nos presentes autos, mas antes um conjunto de crimes potencialmente subjacentes aos directamente visados pelo diploma.
Assim, para além de não competir a este Tribunal de recurso declarar a inconstitucionalidade de normas, antes e apenas não as aplicar caso as considere desconformes à Constituição da República Portuguesa, a situação dos autos, ao contrário do alegado, convoca crimes relevantes para efeitos de investigação de, pelo menos, branqueamento de capitais, mostrando-se a recolha dos elementos probatórios em questão totalmente a coberto da autorização legal concedida pelo diploma indicado.
Improcede, nestes termos, o presente segmento do recurso.
Perícias
Neste ponto do recurso, alega o recorrente que a circunstância de terem sido utilizados documentos processuais, como termos de identidade e residência, autos de interrogatório e até procurações forenses para realizar exames periciais à letra viola o seu direito a um julgamento justo e o princípio nemo tenetur se ipsum accusare.
Nessa medida, a valoração de tais exames periciais, onde se concluiu que é muito provável que a assinatura aposta nas declarações que se encontravam na posse dos ofendidos, não é possível, constituindo aqueles num meio de prova proibido, nos termos do art. 126.º, n.º 2, al. d), do CPPenal, por consubstanciarem uma forma de denegação de justiça e por violarem o princípio da lealdade processual e o da proibição de auto-incriminação.
Por isso, entende o recorrente que deve ser declarado nulo o acórdão proferido e determinado o reenvio do processo para novo julgamento, à luz do art. 426.º, n.º 1, do CPPenal, ou, caso assim não se entenda, deve o Tribunal a quo proferir novo acórdão sem a ponderação daquela prova proibida.
Questão idêntica, mas analisada num grau de intromissão na esfera pessoal do arguido muito mais vincado, foi já exaustivamente apreciada pelo muitíssimo bem fundamentado acórdão n.º 14/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-05-2014[4], que fixou jurisprudência uniformizadora com o seguinte teor:
«Os arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.»
Pela riqueza da exposição, cuja reprodução por diferentes palavras desvalorizaria o respectivo conteúdo, deixamos transcritas algumas parcelas de tal aresto com ideias relevantes no âmbito da problemática suscitada:
«O art.º 61.º n.º 3 d), do CPP[5], contém um enunciado geral, não se refere a diligências de prova “especificamente” previstas na lei para o arguido, mas, como noutros preceitos, a diligências “especificadas “, comportando esta palavra um alcance mais amplo, de cláusula geral, abrangente de todas as provas que não são proibidas por lei, ao arrimo do princípio da legalidade da prova (art.º 125.º, do CPP) e 126.º, do CPP.
Uma interpretação com esta dimensão extensiva, não proibida, com apoio no texto gramatical, corrige uma interpretação estreita de mais; uma interpretação demasiado restritiva teria como consequência contradizer princípios fundamentais, como o do direito do Estado à punição, o seu monopólio da punibilidade e de assegurar a tranquilidade dos cidadãos, a sua expectativa contrafáctica, que, como o direito à liberdade do arguido merece, no seu confronto, ser sopesado e não menorizado -cfr. Interpretação e Aplicação das Leis, 33 e 34, de Francisco Ferrara.
A orientação seguida pelo Prof. Germano Marques da Silva é a de que, no que tange às diligências de prova, o arguido “tem de sujeitar-se a todas as que não forem proibidas por lei (art.º 125.º, do CPP ) (…)”, in Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, 444 e Curso de Direito Processual, I, Verbo, 2000, 300, sejam perícias ou exames.
(…) Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, acima citados, criticam uma concepção demasiado restritiva do princípio da não auto-incriminação explicam o modo como, em seu entender, se deve definir o conteúdo e alcance do princípio “nemo tenetur”, ao mesmo tempo que fazem o enfoque desta matéria com a jurisprudência do Tribunal Constitucional. (…) O Acórdão n.º 340/2013, do TC,de 17/6, P.º n.º 817/12, reportando-se em concreto ao direito à “não auto-incriminação”, repete que «tem sido reconhecido que o direito à não auto-incriminação não tem um carácter absoluto, podendo ser legalmente restringido em determinadas circunstâncias (v.g. a obrigatoriedade de realização de determinados exames ou diligências que exijam a colaboração do arguido, mesmo contra a sua vontade)».
E, nessa medida, é pertinente confrontar-se o preceituado no art.º 172.º, do CPP, subordinado à epígrafe “Sujeição a exames”, preceituando que:
“1. Se alguém pretender a eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente;
2. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do art.º 154.º e nos n.ºs 6 e 7 do art.º 156.º;
3. Os exames susceptíveis de ofender o pudor das pessoas devem respeitar a dignidade e, na medida do possível, o pudor de quem a eles se submeter (…);
(…)
A esse propósito e ,por maioria de razão , quanto à recolha de autógrafos , escrevem Jorge Miranda e Rui Medeiros , in Constituição Portuguesa Anotada , tomo I , 2.ª Ed., Coimbra ed. , pág. 553 , não obstante a integridade física e moral ser inviolável “não significa qualquer prevalência absoluta deste direito em relação a outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, mas apenas uma “interdição absoluta das formas mais intensas da sua violação”
A criação dos tipos legais incriminatórios não pode deixar de ser acompanhada de meios legais que permitam tornar exequível e operante a produção de prova sobre os factos respectivos e o seu consequente sancionamento, sob pena de ficar prejudicada a necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados e as restantes finalidades de prevenção das penas, são considerações , ainda daqueles autores , in op cit., pág. 557, citados no AC. do TC n.º 418/2013, P.º n.º 120/11, de 15.7.2013, na abordagem da conformidade constitucional dos art.ºs 4.º n.ºs 1 e 2 , do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17/5 e do art.º 156 .º n.º 2 , do CE
A intervenção no corpo das pessoas não é impedida pelo direito à integridade, “desde que a obrigação não comporte a sua execução forçada, sem prejuízo da punição em caso de recusa”, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição, Anotada, 4.ª Ed., Coimbra Editora, pág. 456.
O exame à escrita, no aspecto da recolha de autógrafos, não envolve qualquer lesão à integridade física, corpórea ou psíquica, ofensa à honra, dignidade, bom nome, reputação, tanto mais que essa recolha, por regra, ocorre em regime fechado, com o recato devido, apenas uma limitação da sua vontade, um agir num determinado sentido que não o por si desejado, de não se prestar a escrever, mas quando em confronto com o valor da administração da justiça, por estar em causa a indagação da prática de crime de falsificação, cede, por se situar, na justa ponderação de interesses, na colisão de interesses desiguais, num plano inferior, – art.ºs 36.º n.º 1, do CP e 335.º n.º 2, do CC.
O valor da liberdade individual não pode considerar-se auto-limitado em grau tão elevado que anule o direito do Estado e a defesa dos cidadãos ao direito à perseguibilidade penal, conservando a ordem de fazer o escrito sob cominação de desobediência na hipótese de resposta negativa, ainda, intocado o núcleo duro daquele direito, que suporta, apenas, uma mínima restrição. Em todos os dias essa compressão é visível em variados sentidos da vida humana e nem por isso se diz ter sido abalado em grau insuportável esse direito fundamental.
O âmbito do exame e posterior perícia estão pré-definidos, porque não proibidos, estando tutelados a coberto do princípio da legalidade da prova e a densidade normativa em jogo evidencia que se trata de restrição acidental, quase bagatelar, não permanente ao direito fundamental, não grave, pacificamente aceite, proporcionada e adequada à prossecução do interesse penal envolvendo ponderação do direito minimamente atingido (cfr. Ac. do TC n.º 340/2013, P.º n.º 817/2012, de 17.6.2013).
(…)
De certo que o arguido tem o direito à não auto-incriminação, mas como se escreveu no Ac. deste STJ, de 2.4.2008, Rec.º n.º 08P578, em nada colide com o dever de procura da verdade material, e levado às ultimas consequências aquele direito não mais seria possível a prova da sua responsabilidade criminal porque tudo, salvo o que já excepcionalmente adquiriu por disposição expressa da lei, afrontaria o seu estatuto endo-processual.
A recolha, já o dissemos, não envolve qualquer ofensa, qualquer atentado aos direitos de personalidade relacionados com a honra, seu bom nome e reputação, à sua integridade física e moral, com tutela nos art.º s 25.º e 26.º n.º 1, da CRP e é bem menos gravosa àqueles direitos do que, em alguns casos, a tolerância passiva, nunca consentida na sua pureza, por envolver, também, manifestação de actividade, sendo inteiramente proporcionada e adequada, considerando o seu fim de descoberta da verdade material, sendo necessária, a importância e a gravidade do ilícito, além de incluída na formulação genérica contida no art.º 61.º n.º 3 d), do CPP.
Isto mesmo que, apontando a hipótese de simulação da escrita manual, se possa hipotizar o insucesso, desconhecido à partida, da diligência para indagação da verdade, insucesso que pode, por outras razões, macular outras diligências, sem que a desnecessidade seja factor logo dissuasor
Um Estado de direito não pode demitir-se do dever de assegurar o valor-pilar da descoberta da verdade material, salvaguardando, é certo, os direitos do arguido, que não deixa de ser pessoa por sobre ele impender um processo crime, impondo-lhe também deveres, inconcebível quando consagrado um estatuto de distanciamento demasiadamente alongado, tornado chocante e escandaloso, quanto ao ofendido.
Os exames grafológicos, envolvendo uma participação activa do arguido, sem a qual não é possível a sua efectivação, constituem um dever especial para aquele que emerge, com outros, da conjugação dos art.ºs 60.º e 61.º n.º 3 d), do CPP, anota o Exm.º Cons.º Henriques Gaspar, no Código de Processo Penal, ed. de 2014, Ed. Almedina, pág. 217.
Com total pertinência, ainda a referência a um novo rumo por que a doutrina e a jurisprudência parecem querer enveredar, apelando para um clima de “moral panic” (Cohen) ou de estado de necessidade de investigação de que fala Hassemer, assistindo-se a uma dramatização da violência, que “encosta a sociedade à parede”, levando a politica criminal a abandonar a rigidez de princípios clássicos e a aceitar a sua relativização e funcionalização, nomeadamente no âmbito das proibições de prova que, em caso de criminalidade grave, postulam a consulta e exame dos diários privados e o encurtamento drástico do efeito à distância das proibições de valoração “-cfr. Prof. Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 68.
Os art.ºs 8.º, da CEUD, 12.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 17.º, do PIDCP, que, e citando-se o AC.da Rel. Lisboa, de 24.8.2007, P.º n.º 6553/2007-05 , apenas previnem as intromissões “arbitrárias e ilegais” contra a vida privada, família, domicílio, honra, consideração, etc, desvalor que se não pode assinar à dita recolha, não constituinte de meio de prova proibido, enquanto barreira oposta à descoberta da verdade material, limitando o poder estadual de perseguir criminalmente os prevaricadores , por razões de ordem ética e moral a que se deve sujeitar e dar exemplo.
Por isso que os recorrentes se não podiam eximir ao dever de sujeitar-se à recolha de autógrafos por força do preceituado no art.º 172.º n.º 1, do CPP, atribuindo à autoridade judiciária o poder de compelir – excluindo-se, evidentemente, o uso da força –, as pessoas a sujeição ao exame devido e sendo, nessa linha, advertidos pela autoridade judiciária, de que a recusa os faria incorrer em crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, do CP, importa concluir pela legitimidade da ordem.»
E até a declaração de voto, com concordância sem reservas com o decidido, do Senhor Conselheiro Pires da Graça traz uma achega à posição que fez jurisprudência, aí se esclarecendo a dado passo:
«5. O princípio nemo tenetur se ipsum accusare na dogmática legal portuguesa está contemplado a nível das declarações em audiência, de harmonia com o art. 343.º do CPP
Não é transportável para perícias e exames o direito ao silêncio, que é como quem diz, não há um direito á recusa de colaboração com as autoridades, nomeadamente, as judiciárias., como se depreende, literal e teleologicamente dos art.s. 154.º nº 1 (Despacho que ordena a perícia) e 172.º (Sujeição a exame), do CPP, artº 6º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, sobre o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, bem como do artº 417.º do Código de Processo Civil, que impõe o Dever de cooperação para a descoberta da verdade.
Refere-se no Parecer nº 62/2006, de 16-4-2007, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a propósito de recolha de impressões digitais,
“3. Nas relações consigo próprio e com os outros, cada homem é um ser em si e só igual a si mesmo. Na verdade, «apesar de todas as modificações do seu ciclo vital e da autonomia na assunção das suas finalidades, ele é portador de uma unidade diferenciada, original e irrepetível, oponível externamente, na qual se aglutinam, se complementam e se projectam, identificando-se, todos os seus múltiplos elementos e expressões».
Essa unidade, constituída pelo conjunto dos elementos que permitem diferenciar uma pessoa dos seus semelhantes, constitui a respectiva identidade.
A multiplicidade e a diversidade das pessoas impõem a necessidade da individualização e da identificação de cada uma delas. Pela individualização, selecciona-se e fixa-se, de forma estável e acessível, um determinado número de caracteres da pessoa que permitem distingui-la das demais, a fim de possibilitar, a cada momento, o apuramento da sua identidade. Através da identificação, apura-se qual o indivíduo que, em concreto, corresponde aos caracteres determinados pela individualização.»
E, como esclarece Artur Pereira, As Perícias na Polícia Judiciária, Polícia Judiciária, ..., [PDF] publicação – Departamento de Biologia www3.bio.ua.pt/.../As%20Pericias%20na%20Polícia%20Judiciaria%20ArturPereira.p...ý que, pontualmente, vale a pena transcrever:
“As perícias de escrita manual assentam na análise comparativa de diversas características, quer gerais, quer específicas da escrita, procurando determinar a sua autoria, autenticidade e escrita a partir de vincos.
[…]
O autor de qualquer escrita pode ser identificado, desde que estejam providenciados “os hábitos de escrita, as individualidades, as características do seu autor, em quantidade e em qualidade…” (Conway, 1978, p. 31). A escrita em questão será analisada e posteriormente comparada com exemplares adequados de escrita do seu autor, também denominados de autógrafos. Nenhuma escrita é susceptível de ser identificada se não for verdadeiramente representativa da sua origem. De igual modo, não poderá ser determinado o seu autor, se as suas individualidades permanecerem desconhecidas.
[…]
No contexto das perícias de escrita, para que seja identificado o autor de uma escrita, inicialmente anónima ou com autoria desconhecida, tem de se efectuar a sua comparação com escritas conhecidas e cujo autor esteja já identificado. Deste modo, para analisar uma escrita é indispensável que esta seja submetida a um processo de confronto, para que sejam observadas todas as características gerais e individuais, presentes na escrita questionada e nos autógrafos.
[…]
A comparação forense de escrita insere-se no âmbito das ciências empíricas. Parte do pressuposto, que a caligrafia, no seu todo, tal como a impressão digital, é uma representação individual do ser humano. Com base na singularidade da escrita é possível identificar o seu autor.
Na prática este tipo de perícias serve um interesse, maioritariamente, de ordem criminal, ou seja, se determinada escrita, por exemplo uma assinatura, é autêntica ou falsa; ou então, de que indivíduo provém determinada escrita ou carta de ameaça, ou ainda uma falsificação de uma assinatura num cheque ou num testamento. Em resumo, ao submeter-se uma escrita a um exame pericial de escrita pretende-se averiguar a sua autenticidade ou por outro lado, determinar a sua autoria. Tal é conseguido através de uma análise comparativa, suportada pelas metodologias laboratoriais apropriadas, na qual se confronta a escrita questionada com os autógrafos.
[…]
A assinatura manuscrita ainda é dos métodos de identificação mais seguros. No futuro espera-se que a assinatura obtida e verificada a quatro dimensões (extensão, altura, pressão e velocidade) seja reconhecida enquanto característica biométrica como o são, por exemplo a íris ou a impressão digital. Não é possível imitar a dinâmica da pressão, as variações das formas e dos movimentos da escrita de outra pessoa e em simultâneo utilizar a mesma velocidade. Mais significativo ainda, é o facto de a assinatura ser algo a que estamos habituados, temos sempre connosco, não a damos involuntariamente, e ninguém a pode falsificar nas suas quatro dimensões.
O elevado valor identificativo da assinatura continua incontestável» 6. Da mesma forma que não pode efectuar-se uma análise ao sangue, sem previamente haver lugar à sua recolha, para essa análise, não pode efectuar-se perícia sobre escrita ou assinatura, manuais, sem recolha prévia de autógrafos da pessoa investigada.
A recolha de autógrafos para efeitos de investigação criminal, é um acto preparatório sine qua non da realização de perícia e não importa violação do direito à identidade, ou de qualquer outro direito fundamental, antes é manifestação deste direito à identidade pessoal, e também não integra violação da dignidade da pessoa, antes manifesta modo de expressão social, através da escrita, do seu Ser e por isso o seu conhecimento não é proibido, porque não viola qualquer direito ao segredo de ser, ou violação de direito ao sigilo.
A recolha de autógrafos, assenta no princípio da necessidade, com tutela legal, para a descoberta da verdade material, não se apresenta como meio desproporcional, nem viola o princípio da proibição de excesso; outrossim, é meio de obtenção de prova legalmente válido, porque não proibido, nem ofende a dignidade, nem a integridade, de quem é obrigado a colaborar, que pode ter sempre a assistência de defensor no acto da diligência.
A presença do arguido na produção de prova ou em meio de obtenção de prova, não significa de per se qualquer auto incriminação, mas colaboração para a descoberta da verdade material, pois que somente após produção e valoração conjugada de todas as provas é possível formular um juízo indiciário sobre o feito,
Entendimento contrário, salvo o devido respeito, poderá desvirtuar o processo penal, frustrar a sua finalidade, desprezar a verdade material, e violar o direito á segurança institucional na condução de um processo justo, quando a recolha de prova dependesse da necessária intervenção do arguido, e este, por sua vontade a negasse, contribuindo ditatorialmente por tal forma para a obstrução da justiça.»
Acolhemos na íntegra as posições ali expressas que afastam inequivocamente a pretensão do recorrente.
Mais, no caso dos autos, como facilmente se percebe, o carácter da alegada intromissão não tem paralelo com a situação do acórdão citado, pois o arguido não foi obrigado à prestação de autógrafos, fazendo-o voluntariamente, apenas tendo sido, para além disso, aproveitados autógrafos que constavam de documentos processuais como autos de interrogatório, termos de identidade e residência, termos de notificação, termos de constituição de arguido e procuração forense.
Deve salientar-se que estão em causa apenas os autógrafos apostos nesses documentos, que foram comparados com as assinaturas suspeitas apostas em três declarações, e não o teor desses documentos processuais ou qualquer outro escrito deles constante (cf. relatório pericial de fls. 360 a 362).
Os autógrafos usados para comparação não foram obtidos mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. Só a utilização destes métodos que permitia a classificação da perícia como prova proibida, ao abrigo do art. 126.º, n.º 1, do CPPenal, sendo certo que a perícia em si é uma prova prevista na lei (arts. 151.º e ss. do CPPenal).
Em face do exposto, porque não foi afrontada qualquer norma constitucional ou legal que inviabilize a validade do exame pericial, improcede a pretensão do recorrente.
Reconhecimentos
Pretende também o recorrente que seja declarado nulo o acórdão recorrido, e determinado o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do CPPenal, ou, assim não se entendendo, proferido novo acórdão pelo Tribunal a quo sem a ponderação da prova por reconhecimento, posto que foi realizada à margem das regras do art. 147.º do CPPenal e em violação do disposto no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Ora, compulsada a fundamentação do acórdão recorrido não detectamos aí que o Tribunal a quo tenha em algum momento fundamentado a sua convicção em algum reconhecimento.
Os procedimentos realizados em inquérito que o recorrente descreve não se destinaram à concretização de qualquer reconhecimento, mas apenas e tão-somente à identificação do arguido, perfeitamente individualizável pelos dois ofendidos que indica. Dificilmente se poderia configurar a necessidade de realizar um reconhecimento nos presentes autos quando é certo que o arguido até tinha um estabelecimento comercial.
Aliás, o excerto da transcrição das declarações do ofendido HH que o recorrente inseriu nesta parcela do recurso mostra bem que o mesmo não tinha a menor dúvida sobre a pessoa com quem transacionou.
E quanto à identificação dos arguidos realizada no decurso de audiências de julgamento, realçam-se as palavras firmadas no acórdão da Relação de Coimbra de 06-02-2019[6], que acolhemos, onde se perfilhou o entendimento de que:
«Quando, em audiência de julgamento, uma testemunha relata os actos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao reconhecimento deste, mas unicamente a prestar depoimento, a valorar, apenas, no âmbito da prova testemunhal, não fazendo sentido, neste contexto, invocar a inobservância das regras impostas no artigo 147.º, do CPP, como forma de invalidar a prova testemunhal produzida».
Também o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 425/2005[7], de 25-08, já havia decidido «não julgar inconstitucional o 147º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito».
Reflectindo sobre esta questão, afirma-se nesse aresto que «[s]e a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua frente certa pessoa na posição de arguido, lhe assaca a prática de certos factos, contextualizados espácio-temporalmente, a questão posta ao tribunal não é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da pronúncia podem ser atribuídos, que corresponde à representação recognitiva e mnemónica retida pela testemunha, mas a de saber se a imputação feita nesse depoimento a essa concreta pessoa é ou não credível, segundo o princípio da livre apreciação da prova testemunhal.
Em causa não está, pois, saber qual é a identidade da pessoa que corresponde à imagem que a testemunha sensorizou como sendo o autor dos factos que relata, mas sim a de saber se a subjectivação que faz relativamente ao arguido se revela capaz, dentro da apreciação crítica de todas as provas produzidas em julgamento, de fundar a convicção do tribunal.
Assim sendo, nada impede o Tribunal de “confrontar” uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido.»
Pelo exposto, por não estar em causa qualquer reconhecimento e não ter sido violado qualquer disposição legal ou constitucional, improcede, igualmente, a apontada pretensão.
(…) A falta de observação dos deveres de autoprotecção por banda dos ofendidos
Da leitura da fundamentação que antecede resulta que o Tribunal a quo não abordou especificamente esta questão.
Mas, na verdade, a questão adquire maior acuidade perante a impugnação ampla da matéria de facto apresentada pelo arguido, que improcedeu, pelas razões já enunciadas, posto que, entendeu o recorrente que os ofendidos foram imprudentes, agindo com negligência.
Perante o naufrágio daquele segmento do recurso, importa apenas perceber se da matéria de facto provada, tal qual foi fixado pelo Tribunal a quo, está evidenciada alguma incúria por parte dos ofendidos e se a mesma é relevante.
É sempre possível exigir a um interveniente num negócio maiores cautelas e maior resguardo nas disposições patrimoniais que realiza. Mas será essa circunstância relevante?
No caso dos autos não é seguramente, pois verificamos existir um conjunto de circunstâncias que permitem afastar a pretendida responsabilização dos ofendidos.
Resulta provado nos pontos 1 a 6 que o arguido explorava um estabelecimento comercial o que só por si confere um grau de credibilidade e segurança acima da média. De acordo com as regras da experiência, a maioria das pessoas acredita na boa fé de quem tem um estabelecimento aberto ao público, e que ali se realizam os negócios publicitados, o que é perfeitamente razoável e isso, por se mostrar em conformidade com o princípio da confiança, não pode ser assacado aos ofendidos como co-responsabilização no resultado verificado.
Aliado a este dado objectivo surge toda a uma panóplia de afirmações falsas e comportamentos, descritos naqueles pontos 1 a 6, mas também em cada uma das situações concretamente descritas (geradores de erro ou engano), que permitiu reforçar a confiança dos ofendidos na validade dos negócios em causa.
O recorrente pretende, no fundo imputar aos ofendidos toda a falta de cautelas que teria permitido, eventualmente, evitar o logro e a disposição patrimonial. Mas perante este enquadramento dificilmente nos depararíamos com burlas consumadas, mas apenas tentadas.
É também a contar com a credulidade dos visados, com o grau de confiança existente e até, porventura, alguma imprudência ou ganância, que o burlão vai moldando a sua retórica, aí residindo a perícia e malícia do agente (astúcia).
Tal análise vale para as várias situações enunciadas na matéria de facto provada, incluindo as especificamente invocadas pelo recorrente, pois nem todos os trabalham no ramo automóvel são desonestos e bons negócios também existem nesta área, sendo do conhecimento comum que é necessária rapidez para os concretizar, sob pena de se perder a oportunidade.
Não releva, pois, perante as circunstâncias do caso concreto, esta ideia de co-responsabilização das vítimas na disposição do seu património. Prejudicada fica, deste modo, a questão da constitucionalidade do art. 217.º do CPenal suscitada.
Nem se compreenderia, pelas regras da normalidade da vida, que num conjunto de 30 situações se reunissem 30 ofendidos totalmente incautos e irresponsáveis, a ponto de, por razões incompreensíveis, desbaratassem o seu património, em alguns casos com custos patrimoniais relevantes.
De todo o modo, e apesar do desenvolvimento de interpretações vitimológicas, como indica e defende o recorrente, ainda que sem sucesso quando aplicadas ao caso dos autos, estamos com Almeida Costa[8] quando delas se afasta e defende que «não se compreende, desde logo, por que razão o descuido ou a leviandade do sujeito passivo deva excluir a relevância jurídico-penal de uma conduta que, em todo o caso, consubstancia uma efectiva lesão do património: além de não estar necessariamente implicada no significado do termo “astúcia” a solução traduziria uma incongruência em face do regime estabelecido para a hipótese análoga do furto, onde a falta de diligência ela vítima não afecta a punibilidade do agente. Acresce que, a ser exacta, aquela interpretação constituiria a expressão de um alheamento do legislador em relação à própria fenomenologia do delito de burla.
Com efeito, no plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista. Por outro lado, a experiência de todos os dias revela que, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de “economia de esforço” limitando-se burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto óptimo” no menos sofisticado dos procedimentos – radica, em suma, a inteligência ou astúcia que preside ao estereotipo social da burla e, sob pena de um divorcio perante as realidades da vida, tem de subjazer à fattispecie do nº 1 do art. 217º.
(…)
A posição adoptada ganha, contudo, em clareza, quando perspectivada do ângulo da aludida qualificação da burla como um “crime com participação da vítima” (supra § 4). Na verdade, uma vez que é o próprio sujeito passivo que pratica os actos de diminuição patrimonial, a burla integra, em último termo, uma hipótese de “autolesão”, estruturalmente análoga às situações de autoria “mediata em que o domínio-do-facto do “homem-de-trás” deriva do estado ele erro do executor (= autor imediato) acerca do circunstancialismo em que actua (…). À luz de uma ponderação material, o paralelismo dos dois casos aponta para que, também no âmbito em apreço, se exija a verificação de um genuíno domínio-do-erro (…) como pressuposto da responsabilização do agente pelo crime consumado. Melhor dizendo, no quadro da compreensão da burla como um delito contra o património, num tal “domínio-do-erro” terá de ancorar o fundamento da imputação do resultado à conduta. De harmonia com a exposição anterior, na medida em que exprime a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto, aquele domínio-do-erro esgota o conteúdo útil da inclusão do advérbio “astuciosamente” no nº 1 do art. 217º (…)».
De acordo com esta perspectiva, que trilhamos, mais longe estamos ainda de exonerar o recorrente de alguma responsabilidade na ocorrência das disposições patrimoniais realizadas pelos ofendidos e correlativo prejuízo que sofreram.
(…)
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar totalmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique e comunique de imediato à 1.ª Instância, designadamente, para efeitos do disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPPenal.
Porto, 09 de Novembro de 2022
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
____________ [1] A nota-de-rodapé tem no segmento transcrito numeração diversa, tendo a mesma sido alterada com a sua inserção no presente documento, e é do seguinte teor: «Teve-se em consideração o facto dos presentes autos terem alguma complexidade.» [2] A nota-de-rodapé tem no segmento transcrito numeração diversa, tendo a mesma sido alterada com a sua inserção no presente documento, e é do seguinte teor: «Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.» [3] A nota-de-rodapé tem no segmento transcrito numeração diversa, tendo a mesma sido alterada com a sua inserção no presente documento, e é do seguinte teor: «Para melhor compreensão iremos segmentar a matéria com referência à numeração romana.» [4] Relatado por Armindo Monteiro e publicado no DR n.º 203, Série I, de 21-10-2014. [5] Nota da relatora: este preceito corresponde actualmente ao art. 61.º, n.º 6, al. d), do CPPenal e de acordo com o mesmo recaem em especial sobre o arguido os deveres de (…) sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente. [6] Relatado por José Eduardo Martins, no âmbito do Proc. n.º 433/16.0PBVIS.C1, acessível inwww.dgsi.pt. [7] Relatado por Benjamim Rodrigues, acessível inwww.tribunalconstitucional.pt. [8] In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, anotação ao art. 217.º, págs.