Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
FALSAS DECLARAÇÕES
FALSO TESTEMUNHO
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
Sumário
Os crimes de falsidade de depoimento ou declarações do artigo 359 e de falsidade de testemunho do artigo 360, ambos do Código Penal de 1995, não admitem a constituição de assistente.
Texto Integral
Acordam em Conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO.
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Pouca de Aguiar, o denunciante B.........., inconformado com o despacho de 21OUT04 do Mmº Juiz “a quo”, que lhe indeferiu a sua constituição como assistente, e em consequência por falta de legitimidade o pedido de abertura de instrução, com o fundamento, em síntese, que os factos em causa seriam em abstracto, susceptíveis de integrar a prática de um crime de falsidade de depoimento ou de declarações, p. e p., pelas disposições conjugadas do art. 359º, do CP, por parte do denunciado D.........., e pelo crime de falso de testemunho, p. e p., pelo art. 360º, do CP, por parte dos denunciados C.........., D.......... e E.........., pelo que tratando-se de crimes contra a realização da justiça e tendo em conta o interesse tutelado pelo preceito em causa, não é admissível a constituição do requerente como assistente, veio o denunciante B.........., dele interpor recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
1º - Entende o recorrente, no seu modesto entendimento, que a lei, no caso sub judice, lhe reconhece-se legitimidade para se constituir assistente e requer e abertura da abertura da instrução.
2º - A Justiça tem o estatuto de primeiro garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, nela se alicerçando a crescente afirmação dos direitos do homem como princípio basilar das sociedades modernas.
3º - Nos crimes contra a realização da justiça, o bem jurídico não se dilui na própria noção de realização da Justiça, antes se concretiza no valor que esta, para a sua prossecução, visa salvaguardar, e o valor que esta visa salvaguardar é, no caso sub judice, o interesse particular, ou seja, o interesse do denunciante com o cometimento de tais crimes.
4º - O interesse directo e especialmente protegido nos crimes de falsidade de declarações e falsidade de testemunho - arts. 359º e 360º CP, respectivamente - é o interesse do Estado em garantir credibilidade e confiança que devem merecer tais declarações ou testemunhos, em prol da segurança do comércio jurídico e à realização da justiça. Porém, tal interesse não é exclusivo!
5º - Directamente ligado à prática dos crimes sub judice está a salvaguarda dos direitos e interesses do denunciante, que ficou ofendido e prejudicado na sua esfera patrimonial e não patrimonial com tais declarações e testemunhos.
6º - Tais declarações e testemunhos versaram, directamente, sobre matéria que pertence à esfera moral e patrimonial do denunciante, que, assim, se viu ofendido, lesado, prejudicado com tais declarações e testemunhos, totalmente contrários à realidade, realidade esta que o Tribunal a quo não quis confirmar, apesar de todos os meios de prova facultados pelo denunciante na fase de Inquérito e que não lograram ser atendidos, baseando o Tribunal a sua convicção, a sua "verdade dos factos", em tais declarações e testemunhos.
7º - Entende o denunciante, modestamente, que os denunciados não depuseram ou testemunharam, respectivamente, naquela audiência de julgamento, com verdade.
8º - E como a realidade dos factos é totalmente contrária à por eles afirmada em sede de julgamento, motivou o denunciante a deles participar, em prol da descoberta da verdade e da boa administração e realização da Justiça, uma vez que a Justiça não está ser realizada nem em prol do Estado, nem em prol do particular, ora recorrente, ofendido e lesado com tais declarações e testemunhos.
9º - As declarações e testemunhos feitos naquela audiência pelos denunciados, respectivamente, motivaram o Tribunal a tomar decisão e basear a sua convicção em factos contrários à verdade, desta forma impedindo a realização da Justiça pública (Estado) e impedindo a salvaguarda dos direitos e interesses do particular, directamente ofendido com tais declarações e testemunhos.
10º - Ficou o denunciante, com a prática de tais comportamentos ilícitos por parte dos denunciados, directamente e severamente prejudicado na sua esfera moral e patrimonial, ou seja, no seu direito ao bom nome, reputação, imagem, e propriedade e ficou directamente ofendido e lesado enquanto cidadão, titular de direitos e garantias constitucionalmente consagrados, pois foi condenado por um crime que não cometeu.
11º - Tudo porque os denunciados prestaram declarações e testemunhos falsos sobre factos que versam directamente e particularmente sobre a esfera patrimonial e moral do denunciante, pelo que, estando em causa a tutela dos direitos fundamentais do mesmo, têm de ser considerados como também queridos especialmente e imediatamente protegidos com a incriminação daqueles artigos (359º e 360º CP). Neste sentido, mutatis mutandis, Ac. STJ, de 23/05/02 - Proc. nº 976/02-5 e Ac. STJ, de 16/01/2003, Proc. 02P609, in
12º - Considera o recorrente, no seu modesto entendimento, que o mesmo, no caso sub judice, é igualmente titular do interesse imediato protegido pela incriminação, e como tal ofendido particular a par do Estado.
13º - A este propósito refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2a ed. 1, 235 e ss., "ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime. O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública; o objecto imediato é que pode ter por titular um particular." E na mesma esteira, Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1984, 1, 505, considera que ofendido, em processo penal, "é unicamente a pessoa que, segundo o critério que se retira do tipo preenchido pela conduta criminosa, detém a titularidade do interesse jurídico penal por aquela violado ou posto em perigo".
14º - Entende o recorrente, modestamente, ser, a par do Estado, titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação prevista nos artigos 359º e 360º C. Penal, e, como tal, ofendido nos termos do artº 68º nº1 a) CPP.
15º - Quando a lei, neste preceito legal, refere "especialmente", não quer significar "exclusivamente", tendo tal palavra de ser entendida no sentido de "particular", pois o mesmo preceito legal pode proteger mais do que um bem jurídico.
16º - Entende o Recorrente, salvo devido respeito e melhor opinião, que tais normas (artºs 359º e 360º CP) protegem mais do que um bem jurídico, pois, apesar de tais crimes se integrarem num capítulo do Código Penal cujo interesse ali protegido é um interesse de ordem pública, tal interesse não é exclusivo, pois a protecção do interesse de ordem pública previsto nesses artigos, não afasta, nem pode afastar, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador.
17º - No mesmo sentido, também a mais meritória Jurisprudência decidiu que "«sendo o objecto mediato da tutela jurídico penal sempre de natureza pública (sem o que não se justificaria a incriminação), o imediato poderá também ter essa natureza ou significar, isolada ou simultaneamente com aquele, o fim de tutela de um interesse ou direito da titularidade de um particular.»", in Acórdão do STJ, de 29/03/2000, Acs. STJ, VIII, t.2, pág. 243 e Acórdão do STJ, de 16/1/2003, Proc. 02P609, referido supra.
18º - O denunciante foi atingido directamente e particularmente com a conduta ilícita dos denunciados, que os mesmos sabiam estar a praticar, e com isso prejudicar o denunciante, pois as respectivas declarações e testemunhos versaram directamente sobre a esfera particular do mesmo, nomeadamente no seu direito ao bom nome, reputação e imagem e no seu direito de propriedade.
19º - Com tais condutas, pretenderam os denunciados, e efectivamente conseguiram, prejudicar não só o Estado, impedindo-o de realizar a Justiça, como também o denunciante, prejudicando-o directamente na sua esfera moral e patrimonial e, impediram, ao mesmo tempo, que o Estado não salvaguardasse os direitos e interesses fundamentais do mesmo (denunciante), como efectivamente, com o devido respeito, não salvaguardou. No mesmo sentido, mutatis mutandis, o Ac. Relação do Porto, de 14/04/2004, Proc. 0316341, e Ac. STJ nº 1/2003, de 27/02/2003, in
20º - Salvo devido respeito e melhor opinião, não pode concluir-se pela inadmissibilidade da constituição de assistente somente a partir da natureza dos crimes, pois, apesar de os preceitos legais que os regulam tutelarem o interesse público, tutelam também, no caso sub judice, o interesse directo e particular do denunciante.
21º - O Tribunal a quo na sua decisão, fez errada interpretação e aplicação das normas plasmadas nos artigos 68º nº l a) e nº3, 69º, 286º, 287º, 401º nº1 d), entre outros, do CPP, desta forma contrariando o vertido nos artigos 12º, 20º, 26º e 62º, entre outros, da Constituição República Portuguesa e seus basilares princípios, desta forma os violando.
22º - Muito embora seja o interesse público que esteja a ser violado com a prática de tais crimes, o certo é que, também o denunciante tem o seu interesse - o seu direito ao bom nome, reputação e imagem, o seu direito de propriedade, e o seu direito à realização da Justiça no âmbito dos direitos fundamentais de que o mesmo é titular - atacado directamente e particularmente pelo cometimento dos crimes, prejudicando, ofendendo, lesando, a tutela dos direitos fundamentais do mesmo.
23º - Desta forma, e como os interesses imediatamente tutelados pela incriminação de tais condutas levadas a efeito pelos denunciados são, simultaneamente de natureza pública e privada, sendo o denunciante directamente ofendido por tais condutas, entendemos, com devido respeito, ter o mesmo legitimidade para figurar como assistente no âmbito do presente processo e, consequentemente, legitimidade para requer a Abertura da Instrução.
24º - Violou, assim, o Tribunal a quo os preceitos constantes nos artigos 68º nº1 a) e nº3, 69º, 286º, 287º, 401º nº1 d), 407º nº1 g) e hg) do CPP e seus basilares princípios, os artigos 359º e 360º do CP e seus basilares princípios, e os artigos 12º, 20º, 26º e 62º da CRP e seus basilares princípios.
Termina pelo provimento do recurso.
1.2. Na 1ª Instância não houve resposta.
1.3. Nesta Relação o Exmº PGA emitiu douto Parecer, no sentido de que o recurso não merece provimento, com o fundamento em síntese, no seguinte:.«As incriminações previstas nos arts. 359º e 360º, do Código Penal, visam proteger o interesse público do Estado na boa realização da justiça, ficando assim arredada a constituição como assistente do indivíduo processualmente lesado com a falsa declaração e/ou os falsos testemunhos. Neste sentido, para além da doutrina e da jurisprudência citadas naquele despacho, pode ver-se também o ponto IV do sumário do Acórdão de 14/11/02, do STJ, publicado na CJ - ASTJ, Ano X, Tomo III, página 227.
Ora, faltando-lhe a qualidade de assistente, é bom de ver que o denunciante carece de legitimidade para requerer a abertura da instrução, consoante decorre do preceituado no art. 287º, nº 1 -b), do CPP, a contrario.»
1.4. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
1.5. Na resposta o recorrente manteve a posição assumida na motivação de recurso.
1.6. Foram colhidos os vistos legais.
***
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Resultam dos autos as seguintes ocorrências processuais relevantes para a decisão do presente recurso.
2.1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Pouca de Aguiar, junto dos Serviços do Ministério Público, corre termos o processo de inquérito nº .../04.0TAVPA, e findo o mesmo, foi determinado o arquivamento dos autos.
2.1.2. O denunciante B.........., devidamente identificado nos autos, veio requerer a abertura de instrução e a sua constituição como assistente.
2.1.2. Por o despacho de 21OUT04 do Mmº Juiz “a quo” indeferiu a sua constituição como assistente, e em consequência por falta de legitimidade o pedido de abertura de instrução, com o fundamento de que os factos em causa seriam em abstracto, susceptíveis de integrar a prática de um crime de falsidade de depoimento ou de declarações, p. e p., pelas disposições conjugadas do art. 359º, do CP, por parte do denunciado D.........., e pelo crime de falso de testemunho, p. e p., pelo art. 360º, do CP, por parte dos denunciados C.........., D.......... e E.........., pelo que tratando-se de crimes contra a realização da justiça e tendo em conta o interesse tutelado pelo preceito em causa, não é admissível a constituição do requerente como assistente.
***
3. O DIREITO
3.1. O objecto do presente recurso, tendo em atenção as conclusões da motivação do recurso, que delimitam o seu objecto, prende-se com a seguinte questão:
- se o requerente tem ou não legitimidade para se constituir como assistente e como tal se deve ou não ser declarada aberta a instrução
3.1.1. De harmonia com o disposto no art. 68º, nº1, al. a), do CPP, «Podem constituir-se como assistentes em processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos”.(art. 68º, nº1, do CPP)
“O texto legal é idêntico ao que era usado pelo art. 4º, do DL. nº 35 0007, vigente à data da entrada em vigor do Código, pelo que o sentido e o âmbito da lei também são idênticos. Não é ofendido, para este efeito, qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime: O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública; o imediato, (…) pode ter por titular um particular. Nem todos os crimes têm ofendido particular; só o têm aqueles cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou um direito de que é titular um particular.
De acordo com a exposição do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1, 512-513, plenamente válida perante o Código actual, a nossa lei parte do conceito estrito de ofendido na determinação do círculo de pessoas legitimadas para intervir como assistentes em processo penal.
Assim ninguém pode constituir-se como assistente relativamente a crimes públicos, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é, a qualquer luz, exclusivamente público, como sucede com os crimes contra o Estado” [Maia Gonçalves, in Código do Processo Penal Anotado 1999, 10ª Ed., pág. 207.].
Conforme se afirma no Ac. do STJ de 20JAN98, [CJ, Acs. do STJ, Tomo I, pág. 163] a propósito do art. 68º, nº 1, al. a), do CPP, «impõe-se afirmar que o assistente, do ponto de vista processual, se distingue do ofendido e do lesado». E, citando o Ac. do STJ de 10MAI95, [CJ, Acs. do STJ de 1995, Tomo II, pág. 195] o mencionado aresto refere que “o ofendido não é sujeito processual enquanto se não constitui assistente; o lesado, que também sofre prejuízos do facto criminoso, nunca pode constituir-se assistente, mas apenas parte civil”.
«Deste modo, só podem constituir-se assistentes os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (art. 68º, nº 1, al. a), do CPP). Sendo a qualidade de ofendido a condição necessária para a constituição de assistente, todavia é insuficiente por a lei unicamente considerar como ofendido, para tal intento ou propósito, aquele que é o titular dos interesses protegidos pela incriminação, estando arredados todos os outros que apenas sofrem danos com o crime».
No mesmo sentido, o Prof. Cavaleiro Ferreira, [Curso de Processo Penal, 1995, Vol. I, págs. 194 e segs.] sublinha que «para ser considerado ofendido para efeitos de admissão e constituição como assistente, não bastava ter sofrido um prejuízo com o crime, sendo ainda necessário que esse crime atingisse directamente, especialmente, particularmente, aquele que pretendia constituir-se assistente. Assim, não era ofendido para o referido efeito de intervenção como assistente no processo qualquer pessoa que tivesse sido prejudicada com a prática do crime, mas apenas o titular do interesse que constitui o objecto imediato da infracção.
Nem todos os crimes têm, por isso, «ofendido» particular. Só o têm aquele cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular, pelo que se torna necessário auscultar o interesse que a lei quis proteger com a incriminação».
3.1.2. No crime de falsas declarações, p. e p., pelas disposições conjugadas do art. 359º, do CP, assim como no crime de falso testemunho, p. e p., pelo art. 360º, do mesmo diploma legal, o interesse directa e imediatamente protegido é um interesse público, o interesse do Estado, na realização ou administração da justiça.
«O bem jurídico protegido pelo crime de falso testemunho, falsa perícia, falsas declarações, etc., é essencialmente a realização ou administração da justiça como função do Estado. Quer dizer: o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais ou análogos, na medida em que constituem suporte para a decisão» [A Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Coimbra Editora, 2001, Tomo III, pág. 453 e 460.]
3.1.3. Aplicando os princípios e conceitos supra enunciados, ao caso subjudice, verifica-se que o recorrente carece de legitimidade para se constituir como assistente, relativamente aos factos constantes do seu requerimento de abertura de instrução.
Com efeito, in casu, estando em causa, um crime de falsas declarações, o recorrente pode ser lesado; por eventualmente ter sofrido prejuízos com os factos denunciados, e que no seu entender constituem crime. Contudo, não tem a qualidade de «ofendido», para efeitos de admissão e constituição como assistente, nos termos do art. 68º, nº 1, al. a), do CPP, já que não é o titular do interesse que constitui o objecto imediato da infracção, o qual, como vimos é o Estado, na realização ou administração da justiça.
Contudo, no caso subjudice, o recorrente pretende a sua constituição como assistente, precisamente a factos que no seu entender integram a prática de um crime de falsidade de depoimento ou de declarações, p. e p., pelas disposições conjugadas do art. 359º, do CP, por parte do denunciado D.........., e pelo crime de falso de testemunho, p. e p., pelo art. 360º, do CP, por parte dos denunciados C.........., D.......... e E..........
Como acima se disse, o bem jurídico tutelado pelo crime de falsas declarações, bem como no crime de falso testemunho, como acima se referiu, é o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais ou análogos, na medida em que constituem suporte para a decisão, ou seja, a realização ou administração da justiça.
Com efeito, o recorrente pode ser lesado; por eventualmente ter sofrido prejuízos com os factos denunciados, e que no seu entender constituem crime. No entanto, não tem a qualidade de «ofendido», para efeitos de admissão e constituição como assistente, nos termos do art. 68º, nº 1, al. a), do CPP, já que não é o titular do interesse que constitui o objecto imediato da infracção, o qual, como vimos é o Estado.
3.1.4. O Mmº Juiz “a quo” indeferiu a constituição como assistente por parte do recorrente, e consequentemente, por falta de legitimidade, nos termos do art. 287º, nº1, al. b), do CPP, indeferiu liminarmente o pedido de abertura de instrução formulado pelo denunciado, ora recorrente.
Com efeito, tendo o processo penal estrutura acusatória, não pode existir processo penal sem autor. Como corolário do princípio acusatório do processo penal, a acção penal deve ser exercida pela entidade para tal legitimada e na forma prescrita na lei; de outro modo faltará um pressuposto processual [Cavaleiro de Ferreira, in Curso, III, pág. 20].
Aliás, nesta linha, o CPP29, regulava expressamente a questão da ilegitimidade do assistente nos crimes públicos e quase públicos, determinando no seu art. 102º, que, quando a acção não dependesse de acusação particular, se fosse admitido como parte acusadora quem o não devesse ser, seria julgado parte ilegítima, apenas sendo anulados os actos do processo que exclusivamente lhe dissessem respeito ou os que tendo por ele sido requeridos, não fossem ratificados pelo Mº Pº ou julgados necessários pelo juiz para o apuramento da verdade.
Ora, se o requerimento do assistente tem de conformar uma verdadeira acusação (art. 287º, nº 2, do CPP), se a acção penal deve ser exercida pela entidade para tal legitimada e na forma prescrita na lei, sendo a legitimidade um pressuposto processual do conhecimento oficioso, não pode deixar de ser conhecida pelo Juiz de Instrução, no despacho a que alude o art. 287º, nº 3, do CPP.
Isto é, perante um requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, não pode o juiz deixar de apreciar a sua legitimidade para a requerer.
Com efeito, se é certo que a instrução pode ser requerida pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (art. 287º, nº 1, do CPP), no entanto, o juiz não pode deixar de apreciar se, relativamente aos factos imputados ao arguido no requerimento de abertura de instrução, o particular tem ou não legitimidade para requerer a abertura de instrução.
Enquanto nos crimes semi-públicos o procedimento criminal depende de queixa, nos crimes públicos a legitimidade para promover a acção penal é da exclusiva competência do Ministério Público, e se há crimes de natureza pública em que é possível a constituição de assistente, v.g. no crime de homicídio, existem outros em que não é admissível a constituição de assistente, como, por exemplo, no crime de falso testemunho, no crime de desobediência à autoridade.
3.1.5. Ora, no caso subjudice, o despacho recorrido ao apreciar o requerimento de abertura de instrução, conheceu como questão prévia da ilegitimidade do denunciado, para se constituir como assistente relativamente aos crimes de falsas declarações e de falso testemunho, e consequentemente pela inadmissibilidade legal da instrução relativamente a estes crimes, ou seja, da falta de uma condição de procedibilidade por carência de um pressuposto processual rejeitando o requerimento de abertura de instrução.
Neste sentido, se no requerimento de abertura de instrução são imputados aos denunciados crimes relativamente aos quais não é admissível a constituição de assistente,- crime de falsas declarações e de falso testemunho - carecendo o particular de legitimidade para se constituir como assistente relativamente aos crimes imputados no requerimento de abertura de instrução, também não pode requerer a abertura de instrução quanto as estes crimes, quando o Ministério Público não exerceu a acção penal, devendo, por isso, ser rejeitado o requerimento de abertura de instrução, porquanto os crimes em causa têm natureza exclusivamente pública, por falta de uma condição de procedibilidade por carência de um pressuposto processual, ou seja, de legitimidade.
Assim sendo, o despacho recorrido, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, não a violando em qualquer ponto, não merece qualquer censura ou reparo, improcedendo na totalidade o recurso.
4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pela recorrente fixando a taxa de justiça em 6 UC.
***
Porto, 15 de Junho de 2005
Maria da Conceição Simão Gomes
Francisco José Brízida Martins
António Gama Ferreira Gomes