CONFIANÇA PARA FUTURA ADOPÇÃO
FAMÍLIA BIOLÓGICA
SUPERIOR INTERESSE DO MENOR
LEGITIMIDADE PARA INTERPOR RECURSO
Sumário

I – Face à regra de legitimidade para interposição de recurso prevista no nº2 do art. 123º da LPCJP, não sendo os avós legais representantes da menor e tendo os mesmos deixado de ter a sua guarda de facto (nos termos em que esta é definida no art. 5º alínea b) daquela Lei) há mais de 4 meses por referência à data da decisão de aplicação de medida de promoção e protecção, não têm legitimidade para dela recorrer;
II – A medida de confiança com vista a futura adopção será de aplicar quando se encontram esgotadas as possibilidades de, no seio da família biológica, ou família alargada, proporcionar à criança as condições que ela necessita para o seu desenvolvimento, crescimento, saúde, bem-estar e educação, estando definitivamente comprometidos os vínculos afectivos com a família de origem, sendo que na ponderação de tal juízo valorativo sobre a situação da menor há que ter primacialmente em conta o interesse superior da criança (art. 3º nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 4º a) da LPCJP e nºs 2 e 4 do art. 1978º do C.Civil) entendido como interesse “superior a qualquer outro que com ele seja conflituante”;

Texto Integral

Processo nº452/18.2T8OBR-C.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro)


Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

O Ministério Público, a 13 de Janeiro de 2022, instaurou processo de promoção e protecção relativo à menor AA, nascida a .../.../2015, por considerar que a mesma se encontrava numa situação de perigo nos termos previstos no art. 3º da Lei 147/99 de 1/9.
Alegou para tal:
- que os avós maternos, a quem a menor foi entregue na sequência de sentença de regulação das responsabilidades parentais proferida a 3/9/2018 e com quem foi celebrado em 12/1/2021 acordo de promoção e protecção no âmbito de processo instaurado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Anadia, se comprometeram, por via deste acordo, a assegurar os cuidados básicos de alimentação, saúde, segurança e conforto da menor, bem como a evitar que esta fosse exposta a situações de conflito no seio familiar;
- que se veio a constatar que a casa onde a menor vive com aqueles avós, e ainda com um tio materno e a companheira deste, é de construção antiga, denotando falta de obras de manutenção e de conservação e permitindo a entrada de infiltrações de água das chuvas, com as paredes sujas e a revelarem a existência de humidades e mofo; a casa de banho é desprovida de porta; as divisões da casa são pequenas e escuras, por falta de luz natural; que tal habitação não apresenta por isso as condições necessárias para proporcionar à menor um desenvolvimento harmonioso, atendendo à sua idade e maturação;
- que nos dias 30/1/2021, 31/5/2021 e 13/11/2021 foram constatados distúrbios naquela residência, envolvendo os familiares da menor aí residentes, nomeadamente entre o avô da menor e aquele tio, tendo sido solicitada a presença da GNR; e que a menor constatou tais litígios;
- que, por isso, aqueles avós da menor não têm exercido de forma cabal as suas funções, pondo em perigo o desenvolvimento harmonioso e equilibrado da menor.
Em 22/2/2022, após terem sido ouvidos os progenitores, os avós maternos da criança e a Sra. Técnica da Segurança Social nos termos do disposto no art.º 107.º n.º 1 e 2 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99 de 01/09), adiante designada LPCJP, foi declarada encerrada a instrução e realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção nos termos do disposto no art.º 112.º do mesmo diploma legal.
Perante a impossibilidade de obtenção de acordo de promoção e protecção, por discordância com a medida proposta pelo Ministério Público – a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção – foi dado cumprimento ao disposto no art.º 114.º n.º 1 da LPCJP, sendo que o Digno Procurador da República, a progenitora e os avós maternos da criança apresentaram alegações e arrolaram testemunhas.
Logo de seguida àquela diligência, e naquela mesma data de 22/2/2022, o Digno Procurador da República promoveu a decretação de medida provisória de acolhimento residencial para a menor nos seguintes termos (transcreve-se):
Analisados os presentes autos, verifica-se de forma muito sucinta:
Que nos encontramos perante uma criança de tenra idade, ou seja, cuja vulnerabilidade é enorme.
Os progenitores apresentam uma enorme instabilidade habitacional e profissional.
A criança encontra-se desde 3/9/2018 ao aos cuidados dos avós maternos.
Porém estes e devido, nomeadamente, á sua idade e saúde, bem como a conflitos existentes na sua habitação, já não têm condições para acolher a menor.
Não foi possível obter um acordo de promoção e proteção.
Não há qualquer perspetiva de que, pelo menos a curto prazo, os pais se possam organizar no sentido de poder proporcionar à criança as condições de segurança que esta necessita.
A Segurança Social, entende ser de aplicar à menor, a medida de acolhimento residencial.

*
É assim evidente que a criança se encontra numa grave situação de perigo, para a sua saúde e desenvolvimento, e que se torna imperioso que, pelo menos, de imediato, seja devidamente protegida.
Por outro lado, desconhecendo-se, por ora, alternativa familiar viável.
Assim, impõe-se a aplicação de uma medida provisória, de acolhimento residencial.
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no art.º 37.º n.º 1 e 3 e 35.º n.º 1 al. f), promovo que seja decretada uma medida provisória de acolhimento residencial, para a criança.
Na sequência de tal promoção, foi proferido naquela mesma data de 22/2/2022 o seguinte despacho a aplicar a medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses:
O Digno Procurador da República requer a aplicação de uma medida provisória de acolhimento residencial à criança AA nos termos do disposto nos art.º 37.º n.º 1 e 35.º n.º 1 al. f) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) aprovada pela Lei n.º 147/99 de 01/09, alterada pelas Leis n.º 31/2003 de 22/08, 142/2015 de 08/09, 23/2017 de 23/05 e 26/2018 de 05/07.
Para tanto alega, em síntese, que a criança se encontra numa grave situação de perigo para a sua saúde e desenvolvimento aos cuidados dos avós maternos e inexiste, por ora, alternativa familiar viável.
Cumpre decidir.
Conforme resulta dos documentos, informações e relatórios juntos aos autos e, bem assim, das declarações prestadas pela Sra. Técnica da Segurança Social, pelos avós maternos e pelos progenitores no dia de hoje, a AA, nascida a .../.../2015, encontra-se aos cuidados dos avós maternos desde que tinha 1 ano de idade após lhes ter sido entregue pela CPCJ de Anadia.
Mais resulta que ambos os progenitores continuam sem reunir condições para acolher a filha e dela cuidar ou sequer a querer, verdadeiramente, fazê-lo, evidenciando não ter ligações afectivas próprias da filiação com a filha.
Por outro lado, a menina encontra-se, actualmente, numa grave situação de perigo para a sua saúde e desenvolvimento aos cuidados dos avós maternos, tendo em consideração o ambiente conflituoso a que se encontra exposta, às más condições habitacionais em que vive e à negligência a que tem sido sujeita, incluindo ao nível da higiene pessoal e de vestuário por parte dos avós maternos, tio paterno e companheira deste também residente no agregado.
Mais resulta que a situação é do conhecimento também das tias maternas BB e CC, sem que alguma delas tenha cuidado de proteger esta criança.
Resulta igualmente que apesar do que, por vezes, vão verbalizando, estas tias não demonstram, verdadeiramente, querer constituir-se como a alternativa para a AA, sendo a pressão sobre as mesmas muito grande para que o façam, o que também mal se compreende.
A Sra. Técnica da Segurança Social propôs a aplicação de uma medida de acolhimento residencial à criança e o Digno Procurador da República uma medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, medidas estas rejeitadas pelos pais e pelos avós maternos.
Urge pois retirar a criança da grave situação de perigo em que se encontra para a sua saúde e desenvolvimento enquanto se procede à definição do seu encaminhamento subsequente, pelo que, ao abrigo do disposto nos art.º 35.º n.º 1 al. f) e 37.º n.º 1 e 3 da LPJCP, decido aplicar à criança AA uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente.
Desde já autorizo os progenitores e os avós maternos da criança a visitá-la na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
Comunique, de imediato e pela forma mais expedita, incluindo telefonicamente, à Segurança Social para cumprir, de imediato, o despacho proferido supra e, no prazo de 5 dias, dar conhecimento ao processo da identificação da instituição onde os meninos foram acolhidos.
Desde já, autorizo que as Sras. Técnicas da Segurança Social sejam auxiliadas pelas autoridades policiais e, se necessário, a entrada, durante o dia, em qualquer casa e se estritamente necessário, o recurso ao arrombamento (art.º 92.º n.º 2 da LPCJP).
*
Logo que a Segurança Social comunicar a execução da medida provisória, notifique o despacho que antecede aos progenitores e aos avós maternos, ao Ilustre Patrono oficioso da criança e à instituição.

Na sequência do cumprimento de tal despacho, foram informados os autos pelo Instituto da Segurança Social que a menor deu entrada em 23/2/2022 no Centro Social ..., em Santa Maria da Feira.
Aquele despacho proferido a 22/2/2022 foi notificado aos avós maternos e aos pais da menor na sua própria pessoa e na pessoa dos patronos nomeados aos mesmos, ao patrono nomeado à menor e ainda à instituição em que a menor foi acolhida, por notificação elaborada nos autos em 25/2/2022.
Procedeu-se ao debate judicial a que alude o art. 114º da LPCJP, com sessões a 31/5/2022, 9/6/2022 e 14/6/2022, tendo-se nele procedido à audição dos progenitores, dos avós maternos, da Directora Técnica da instituição onde se encontra acolhida a menor, da técnica da Segurança Social DD, das testemunhas CC, BB (tias maternas da menor), EE (companheiro da tia materna CC) e FF (assistente social e membro da CPCJ de Anadia), da menor e ainda da psicóloga da instituição que acolheu a menor.
Procedeu-se à leitura da decisão em 30/6/2022, cujo dispositivo final é o seguinte:
Em face de tudo o que ficou exposto e após deliberação, decidimos por unanimidade:
a) aplicar à criança AA a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista nos art.º 35.º n.º 1 al. g) e 38.º-A da LPCJP e, em consequência, confiá-la à guarda do Centro de Acolhimento Temporário do “Centro Social ...” em Santa Maria da Feira e nomear, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 62.º-A n.º 3 da LPCJP, como curadora provisória da criança a Sra. Directora Técnica de tal instituição;
b) declarar cessadas as visitas à criança por parte da sua família biológica (art.º 62.º-A n.º 6 da LPCJP);
c) declarar GG e HH inibidos do exercício das responsabilidades parentais da criança (art.º 1978.º-A do Código Civil);
d) determinar que o presente processo tenha a partir de agora, natureza secreta, por forma a salvaguardar a identidade da pessoa a quem a criança venha a ser confiada.
*
A medida de promoção e protecção agora aplicada à criança dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão, ressalvada a situação prevista no n.º 2 do art.º 62.º-A da LPCJP (art.º 62.º-A n.º 1 da LPCJP).

De tal decisão vieram interpor recurso a mãe da menor, HH, e os avós maternos da menor, II e JJ.

A mãe da menor termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

“I. Da leitura atenta e conscienciosa dos factos provados, permite-nos concluir que não estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação da medida de acolhimento em instituição com vista à adopção.

II. Entendemos que para a decisão que foi tomada pelo Tribunal “a quo”, impunha-se que tivesse ficado demonstrado a “incapacidade” da tia materna CC em acolher, cuidar e proteger a menor AA, para que esta não lhe fosse entregue e optar pela medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

III. Acresce que este processo teve início devido a denúncia apresentada pela própria tia materna CC, a fim que a criança fosse retirada da situação de perigo na qual esta se encontrava em casa dos avós maternos, aos quais havia sido confiada.

IV. Dever-se-ia ter em consideração as vontades prestadas das testemunhas arroladas pela Recorrente, principalmente das testemunhas CC e o companheiro EE, em ver este casal acolher a menor AA junto de si.

V. A família natural, mau grado as suas carências – que poderão assim justificar o apoio da sociedade – constitui ainda o meio natural para o crescimento e o bem-estar de todos os membros e, em especial, as crianças. – cf. art. 36º nº 6 da CRP.

VI. Há, assim, que apoiar as famílias, com apoio de natureza psicopedagógica, social e/ou económico, para que encontrem o seu equilíbrio.

VII. Entendemos que nos presentes autos não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo, designadamente o do superior interesse da criança, segundo o art. 3º nº 1 da Convenção sobre os direitos da Criança e em nosso entender é do interesse desta criança que a sociedade use de todos os meios ao seu alcance na recuperação desta família, cujas falhas não são inultrapassáveis se houver coerência nos métodos de ajuda.

VIII. Com uma intervenção ajustada ao caso concreto poderão ser respeitados os princípios da prevalência da família, a bem da menor AA.

TERMOS EM QUE, e sem prescindir do Douto Suprimento de V. Ex.ªs nos termos do recurso apresentado, deve ser concedido provimento ao mesmo nos termos ora apresentados e em consequência, o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão proferida, substituindo-se a medida adoptada de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no artigo 35º alínea g) da LPCJP, pela medida de promoção e protecção de apoio junto da tia materna CC, prevista no mesmo artigo 35º alínea b) e melhor caracterizada no art. 40º, do mesmo diploma, devendo, como tal, a menor AA ser atribuída à guarda e responsabilidade da identificada tia materna, que exercerá as responsabilidades parentais.”

Os avós maternos da menor terminam as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1 – O recurso interposto pelos ora recorrentes, tem por objecto a sentença que foi proferida de fls. a fls. dos autos– designadamente também no que respeita à decisão sobre a matéria de facto –, na qual a Senhora Juiz a quo decidiu – erradamente, no entendimento dos recorrentes – aplicar à criança AA, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista nos artigos 35º, nº1, al.g) e 38º -A da LPCJP e, em consequência, confiá-la à guarda do Centro de Acolhimento Temporário do “Centro Social ...”.

2 – Na verdade, entendem os recorrentes que no respeito pelo caso concreto, pela Lei, pela Doutrina e pela Jurisprudência, o tribunal a quo, deveria ter decidido no sentido de aplicar medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, no caso concreto, junto da tia materna da AA CC.

3 – Mas, o tribunal a quo, violando os princípios da Lei e esquecendo que deve ser privilegiada a integração familiar perante a institucionalização e esquecendo a primazia que deve ser dada às relações biológicas, decidiu-se pela aplicação a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção.

4 – A sentença enferma de erro de julgamento com violação clara dos direitos da criança.

5 – A sentença considera como FACTO PROVADO Nº 143: No dia 22 de Fevereiro de 2022, o progenitor… e novamente questionado sobre o que entende ser melhor para a sua filha, respondeu “ir para a tia CC” e questionado sobre se falou com a mesma sobre isso, respondeu que falou no dia da reunião e que a CC lhe disse estar disposta a ficar com a sobrinha e quando confrontado com o factos de a Sra. CC, posteriormente, ter mudado de opinião, respondeu “ não estou a par.
Ora,
Aqui verificamos, desde logo que a sentença não indica a data da referida reunião e apenas dá como provado que a Sra CC, posteriormente, mudou de opinião quando, no facto que considerou provado no nº 122, não refere data, pelo que não se pode considerar como certo que a tia CC tenha “ mudado de opinião” posteriormente à conversa que tinha tido com o progenitor.

6- Na sentença proferida, o tribunal a quo faz a elencagem exaustiva dos factos que julgou provados sobre a forma como a criança se relaciona no centro de acolhimento, os comportamentos que tem, as conversas por forma a justificar que está muito bem entregue.

7- É de tal forma evidente a necessidade de justificar o bem-estar da criança na instituição que até acaba por considerar provado que a criança APENAS urinou duas noites na cama, desde Fevereiro até à data do debate dos presentes autos. Ou seja,
A AA nasceu em .../.../2015, pelo que tem quase 7 anos de idade e a sentença considera que ter urinado duas noites na cama merece um APENAS!

8 – A sentença não tece sequer qualquer juízo crítico pelo facto de uma criança com quase 7 anos de idade ter urinado, duas noites, na cama após ter sido acolhida na Instituição quando já há muito que não urinava na cama.

9 - E, a crer nas palavras da criança AA, o Tribunal considerou provado que: Quanto à tia CC e família nuclear desta, a AA partilha, na CAR, que foi a sua casa no fim-de-semana anterior ao acolhimento e que dormiu no quarto da prima bebé - FACTO PROVADO Nº 170.

10 - E considerou ainda provado que: No âmbito de tais actividades realizadas na CAR, foi possível aferir que a AA consegue identificar os nomes e graus de parentesco entre todos os familiares maternos mas tem dificuldade em apresentar vivências concretas que os envolva. FACTO PROVADO Nº 166

11 – A sentença proferida enuncia factos que considera reveladores do comportamento da AA na CAR e do seu dia-a-dia, actividades, forma como interage com os colegas, técnicos e auxiliares, como reage aos telefonemas e visitas dos avós e mãe, etc, fazendo a descrição pormenorizada do que foi relatado pela Técnica Inquirida e pelo relatório junto aos autos, sem qualquer juízo crítico já que, como adiante demonstraremos, o comportamento da AA e o que esta disse em tribunal, demonstra coisa diferente da trazida aos autos pelas técnicas.

12 – A sentença considerou provado que a tia CC e o companheiro disseram pretender acolher a AA – FACTO PROVADO Nº 230

13 – Mais refere que a CC referiu à Sra. Técnica da Segurança Social que esta quando a contactou em Fevereiro de 2022 para eventual alternativa à situação sociofamiliar, estava sob “muita pressão da família” e que “naquele telefonema estava a trabalhar, a fazer horas à parte e era o primeiro dia…não podia falar” e que “ a criança passou por muito…que eu passei também”.

14 – Desde o acolhimento de AA e até ao dia 21 de Abril de 2022, a tia materna CC efectuou os seguintes contactos para a Instituição, com as descrições indicadas nas alegações:
a) - 23/02/2022
b) - 24/02/2022
c) -25/02/22
d) -28/02/2022.
e) - 04/03/2022

15 – Questionada, no Debate, a Sra. Técnica da CAR sobre se informavam a AA que a Tia CC telefonava para saber dela e se diziam à criança que esta lhe mandava beijos, esta esclareceu que NÃO. Entendiam que como era para afastar a AA da família não se deviam prolongar os laços familiares, tanto mais que a tia CC tinha pedido autorização ao tribunal para visitar a sobrinha e essa autorização foi-lhe negada, com o mesmo fundamento.

E é também neste ponto o nosso desalento.

Como é possível que uma criança seja retirada da família para uma instituição e sem mais e antes de uma decisão definitiva e de se apurar se existe ou não a possibilidade de a criança ser acolhida por um familiar que reúna as condições necessárias, se impeça a criança de manter o contacto com este.

16 – E continua a douta sentença a considerar provado que a tia CC voltou a telefonar no dia 14/03/2022 a perguntar pela sua sobrinha AA, tendo até ao dia 30 de Abril, voltado a telefonar no dia 22 de Abril.

17 – E todos estes telefonemas sem que pudesse falar com a sobrinha, por não ter sido autorizada, pelo tribunal, a fazê-lo. Ou seja,

As crianças podem ser acolhidas em Instituições onde não têm quaisquer laços de afectividade, mas não lhes é permitido aprofundá-los com os elementos da família que pretendem cuidar delas.

Parece-nos uma decisão tendente a um fim já determinado e decidido sem que apurem todas as circunstâncias e se esgotem as hipóteses da criança crescer com uma família que é família.

18 – O tribunal autorizou que os avós pudessem visitar a AA, bem como os seus progenitores, esquecendo que foi em casa dos avós, ora recorrentes, que existiram as situações de perigo a que a menor foi sujeita e que o pai da criança nunca a quis e nem nunca a visitou ou estabeleceu com esta qualquer laço de afectividade.

19 – A tia materna CC voltou a telefonar para a Instituição para cuidar de saber da sobrinha no dia 15 de Maio de 2022. FACTO PROVADO Nº 271;
20 - ORA, É DA DECISÃO PROFERIDA DE CONFIAR A AA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO QUE DISCORDAM OS ORA RECORRENTES, a qual é de manifesta injustiça, porquanto ao aplicar a favor da criança a medida de promoção e protecção de confiança a uma instituição com vista a futura adopção não respeitou, entre outros, os princípios aplicáveis de proporcionalidade e necessidade e ainda de actualidade e de adequação, nem respeitou, como devia, os interesses da criança.

21 - ENTENDEMOS NÓS QUE A MEDIDA A APLICAR DEVERÁ SER A DE APOIO JUNTO DA TIA CC ACOMPANHADA DE APOIO DE NATUREZA PSICOPEDAGÓGICA E SOCIAL E, SE NECESSÁRIO, DE APOIO ECONÓMICO, nos termos do disposto no artº 40º da LPCJP.

22 – O Tribunal a quo valorizou os depoimentos das Técnicas Sociais e das da Instituição, acreditando nos mesmos, sem os questionar, quando havia factos e contradições evidentes nos mesmos em detrimento total dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, nomeadamente da CC e companheiro e até das declarações prestadas pela criança em sede de debate judicial.

23 – As técnicas que mereceram toda a credibilidade do tribunal referem coisa diferente da que se apurou em debate judicial. Na verdade, como é possível que a AA consiga identificar os graus de parentesco e os nomes, depois diga que as tias CC e BB não são da família desta e em debate judicial trate o primo KK por “mano LL”.

24 – É que são as técnicas a referir e o Tribunal a quo a considerar facto não provado a AA ter uma relação de grande afectividade e proximidade com este primo a quem, afinal, se refere como irmão.

25 -Os avós maternos e a mãe foram autorizados a visitar a criança na instituição e a estabelecer contactos telefónicos.

26 - A tia CC estabeleceu contacto no sentido de agendar uma visita à sobrinha e foi-lhe negada essa possibilidade por não se encontrar autorizada;

27 - A Tia CC requereu ao Tribunal autorização para visitar a sua sobrinha, tendo-lhe sido negada essa possibilidade pelo Tribunal a quo

28 - Fez várias chamadas telefónicas nunca tendo sido autorizada a falar com a sobrinha AA;

29 - Quer o tribunal, quer as técnicas da Instituição entenderam que a criança não devia estabelecer contactos com a Tia CC porquanto não era oportuno criar ou desenvolver laços por ser nefasto uma vez que iria ser afastada da família.

30- A tia da criança, CC, saiu de casa dos pais e afastou-se destes para fazer a sua vida, criar o seu lar, com outros valores, vivências e princípios.

31- É certo que assistiu e viveu os seus primeiros anos em ambiente que não é adequado a um saudável desenvolvimento, mas interiorizou tal, fez escolhas e saiu de casa,

32- Criou a sua própria família, o seu Lar e tem dois filhos.

33 -A Tia CC e o companheiro querem proporcionar à criança segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e, Amor que é que sentem pela sobrinha.

34 - E só há pouco tempo é que a tia CC reuniu condições para poder tomar conta da AA, com tudo o que isso implica. Ou seja, a CC habita agora numa casa em que a AA já tem um quarto só para esta.
Acresce que

35 -Também só agora tem estabilidade profissional e económica;

36- A CC tem uma família composta pelo companheiro com quem vive há quatro anos, e por dois filhos menores: O KK com 11 anos de idade e a MM com 14 meses de idade.

37 -Os filhos da CC, frequentam o Centro Social e Paroquial ... – a MM na Creche e o KK, no ATL.

38 - Neste Centro existe vaga para a AA o poder frequentar.

39- A CC e o seu companheiro pretendem educar a AA e proporcionar-lhe a satisfação de todas as necessidades para que cresça saudável e Feliz.

40- Acresce que se a tia da AA, CC, se não se apresentou, mais cedo, como uma possibilidade para a menor com esta residir, foi por não ter reunidas as condições necessárias para que a sua sobrinha pudesse ter um quarto para esta, frequentar estabelecimento de ensino adequado e poder proporcionar-lhe tudo aquilo a que uma criança tem direito para crescer saudável e feliz. Mas,

41 – A tia CC já reúne essas condições e ama a sua sobrinha. E,

42 - Como pessoa ponderada que é, foi situação que teve de ponderar e conversar com o seu companheiro, sem ceder a pressões familiares. Por tal, não assumiu, desde logo, esse compromisso e hesitou. Mas, salvo o devido respeito, que é muito, tal comportamento só prova que a CC ao pretender criar e educar a sua sobrinha e ao requerer que esta integre o seu agregado e seja colocada junto dela, o faz com a consciência de tudo o que tal acarreta e está pronta a fazer esse caminho com a sua sobrinha.

43 - MAS O TRIBUNAL A QUO ESTEVE MAL NA APRECIAÇÃO QUE FEZ DOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNAHS E DAS DECLARAÇÕES DAS PARTES INTERVENIENTES.

44 - Apesar da testemunha CC ter manifestado expressamente
- a sua vontade em cuidar e zelar pela sobrinha AA,
- de a amar
- cuidar dela como se filha dela se tratasse,
- em querer e dizer pretender lutar pela sobrinha e não querer que seja adoptada
- ter já as condições familiares, económicas e habitacionais adequadas a ficar com a AA e a proporcionar-lhe todas as condições para que cresça saudável, integrada e feliz;
- ter confessado ter denunciado, por duas vezes, à CPCJ de Anadia, situações que considerava não serem adequadas à sua sobrinha;
- ter vivido um péssimo ambiente em casa de seus pais, mas ter conseguido sair desse ambiente e criar a sua própria família;
- ter visitado, habitualmente a AA que levava a passar tempo com ela e com o seu agregado familiar;
- ter levado a AA para passar fins-de-semana em sua casa;
- ter justificado o facto de não ter podido atender a Técnica Social, à hora a que esta pretendia, por estar a trabalhar;
- ter justificado o facto de ter faltado a duas consultas do filho KK por ter mudado de residência e não ter indicado logo a nova morada nos Hospitais de Coimbra;
- estar a tirar a carta de condução;

45 - O TRIBUNAL A QUO, decidiu não acreditar no seu depoimento e no do seu companheiro que foi também consistente e, no essencial, corroborou o depoimento da CC, e até nos depoimentos da progenitora,
Para acreditar de forma “cega” no depoimento das Técnicas Sociais que permitiram que a criança AA estivesse tantos anos entregue aos avós que tinham já tido dois filhos entregues a instituições – uma delas, a mãe da AA.

46 – E o tribunal a quo, considerou credíveis o depoimento e relatório da técnica da instituição em que a AA está que, como já referimos, contradiz o que o próprio tribunal ouviu à criança sede de debate judicial.

47- O tribunal a quo decidiu, sem mais e no nosso modesto entendimento, mal, decidir pela aplicação desta medida tão gravosa, sem antes solicitar relatório aprofundado sobre as capacidades da tia CC e companheiro para serem alternativa na vida da AA.

48- Aliás, cumpre-nos mostrar o nosso desagrado por esta forma de decidir.
Na verdade,
se para acolher uma criança ou para adoptar os candidatos são sujeitos a tantos exames, entrevistas, reuniões, perícias,
- como é que quando alguém, como a tia CC – da família alargada da menor - , quer cuidar dela e se propõe acolhê-la, o Tribunal e as Instâncias se bastam para a exclusão, com um relatório superficial e com as declarações prestadas perante o tribunal quando são , como neste caso foi, sujeita a interrogatório quase que acusatório e sem qualquer tentativa de perceber a real intenção da tia, as suas capacidades, o trabalho que realiza com os seus filhos, as actividades, a preocupação com o desenvolvimento destes e
-sem aceitar as justificações que são dadas para uma eventual falha em duas consultas a que deixou de levar o seu filho, mantendo sempre uma posição acusatória que levou a própria CC a questionar se tinha de responder.

49 - O tribunal a quo não teve em consideração que a testemunha está a ser inquirida numa sala de audiências (em que nunca tinha entrado), perante um Magistrado Judicial, dois Juízes Sociais, um Procurador, quatro advogados e um funcionário judicial e que lhe estão a ser colocadas questões de foro particular e intimo, sem que fosse sequer acompanhada por mandatário ou lhe tivesse sido explicado que deveria responder a todas essas questões tão privadas com calma e em interrogatório pautado por interacções positivas e que descontraíssem a testemunha em vez de lhe criar uma situação de nervos que a levaram até a quase nada conseguir dizer ou transmitir.

50 - Na verdade, o que ouvimos no tribunal a quo, foi um interrogatório que parecia destinado a que a tia CC transmitisse que afinal não queria criar a sua sobrinha.

51 - E tudo isto tendo em consideração que nunca tinha prestado qualquer depoimento em Tribunal e que, pensamos nós, estas questões, de particular importância e sensibilidade, deverão ser tratadas e colocadas aos depoentes com calma, serenidade, explicando o porquê de perguntas, tantas vezes, tão intimas…

52 - Mas, mesmo assim, dúvidas não podem restar de que a Tia CC reúne todas as condições para que a AA possa crescer no seu agregado e ser uma menina feliz, responsável, educada e com projecto de vida que será por estes acompanhado.

53 - Tal resulta até do facto seguinte, a que o tribunal não deu a devida valoração:

A CC nunca foi institucionalizada e viveu no ambiente que os seus pais foram capazes de dar aos seus filhos. Esse ambiente levou a que dois deles fossem institucionalizados em face dos comportamentos que começaram a ter – o NN e a HH ( mãe da AA).

54 - A CC, teve a capacidade, coragem, vontade e determinação de deixar a casa dos pais e fundar o seu lar. É certo que a sua primeira relação amorosa, com o pai do seu filho KK, não foi bem sucedida e foi sujeita a violência – mas deixou essa relação e refez a sua vida sozinha e, posteriormente com o seu companheiro EE.

55 – Hoje, a CC, é uma mulher bem sucedida profissionalmente, com uma relação emocional estável, com dois filhos de quem cuida e ainda disponível para criar a sua sobrinha.
Ou seja,
Atento o percurso de vida da CC esta é, certamente, uma Grande Mulher que conseguiu ultrapassar os obstáculos da sua vida e fazer o seu caminho, em que é feliz.

56- MAS, o Tribunal a quo, preferiu utilizar a violência doméstica sofrida pela CC, quer em consequência de comportamentos adoptados pelos seus pais, quer pelo seu ex companheiro, para a considerar frágil e incapaz de responder adequadamente às necessidades da criança AA.

57 - Não podemos concordar com este entendimento do tribunal A QUO, tanto mais que os factos demonstram precisamente a capacidade da CC para alterar o seu rumo de vida e para ter hoje, um lar feliz.

58 - E nem se diga que, por faltar a duas consultas médicas – para as quais não recebeu a convocatória – deixa de ser, mesmo relativamente ao filho KK, a mãe que é, caracterizada no Ponto 317 dos factos provados - … uma mãe presente, atenta, esforçada, que atende sempre que a escola comunica com ela, mas que não tem transporte.

59 – Sendo que o KK faz-se acompanhar do material escolar e não tem faltas injustificadas. FACTO Nº 318 –

60 - FACTO Nº 323 – Relativamente à filha MM, a educadora da mesma reputa da mãe da bebé como supercuidadosa, que está sempre pronta a levar o que lhe é pedido e interessada no desenvolvimento da filha. E que a menina é assídua e apresenta-se na creche com a higiene assegurada.- FACTO Nº 324

61 - Por outro lado, o tribunal a quo sustenta também a sua decisão no facto de entender que não existe entre a criança AA e a sua tia CC e os seus filhos, KK – o “mano LL”, como a este se refere a AA – e a MM laços de afectividade. ORA,

62 - Apenas podemos vislumbrar esta conclusão pelo facto de as Sras. Técnicas da Instituição em que a AA foi acolhida dizerem que a criança não fala da tia ou dos primos. Mas,

63 - Como é que uma criança que foi afastada da sua família e a quem nunca é referido sequer que lhe telefonam ou querem saber dela, reagirá a essa ausência de interesse por parte da tia e dos primos?

64 - O tribunal vedou a possibilidade à CC de visitar a sobrinha;

65 - O Tribunal vedou a possibilidade à tia CC de sequer falar com a sobrinha pelo telefone;

66 - Mas, quando ouvida a criança em sede de debate judicial esta refere-se ao primo KK –( relativamente ao qual o tribunal considera que não existem laços de afectividade) como seu irmão.

67- Relativamente aos laços de afectividade, mesmo que não existissem – o que não aceitamos – teremos sempre que referir que a AA não os tinha com ninguém da instituição quando foi decidida a medida de acolhimento residencial e também não os terá com a família que a adoptar, se alguma vez for adoptada – o que não aceitamos.

68 - A afectividade constrói-se e à tia CC, nestes últimos meses, essa manutenção ou mesmo construção – no entendimento da sentença de que se recorre – foram-lhe vedadas.

69 - Pelo que, também o fundamento da sentença proferida pelo Tribunal a quo de: “ não existir ninguém, na família alargada que reúna condições para o fazer e proporcionar à AA tudo o que a mesma necessita para minimizar os danos que já apresenta ao nível do seu desenvolvimento salutar, mas também para lhe garantir o que for necessário para que daqui para a frente tal suceda”. não pode colher para ser aplicada uma medida de acolhimento residencial com vista à adopção .

70 - De facto, a Tia CC reúne as condições necessárias para o fazer com capacidade, amor, sensibilidade e respeito.

71 – Mas, se a Tia CC apresentar alguma dificuldade na assunção das responsabilidades relativamente à criança AA, há sempre a possibilidade de colmatar alguma deficiência com apoio com vista à assunção das competências necessárias.

72 - A tia CC quer ser a mãe que a AA não teve, trata-la como filha, priorizá-la, dar-lhe tudo a que a AA tem direito, uma vinculação segura, afectuosa, de segurança. E reúne as condições para tal.

73 - É sempre de preferir as medidas a executar no meio natural de vida - apoio junto de qualquer outro familiar que não os pais ( por não estarem disponíveis), sobre as medidas executadas em regime de colocação.

74 - Se se verificar necessário, numa primeira fase, uma medida de apoio junto da tia materna da AA, CC e do seu agregado familiar, proporcionar-se-á à criança apoio de natureza psicopedagógica e social.

75 - No caso dos autos, o Superior Interesse da criança, ligada afectivamente à sua tia CC e aos seus primos, será seriamente afetado se for privada também destas referências afetivas que tem. E,

76 - A aplicação, de qualquer medida de afastamento da criança da família e consequente institucionalização, com vista à adopção, é o último recurso, sendo que neste caso a criança tem possibilidade de viver e crescer de forma saudável com família que, agora, reúne condições para que com ela cresça saudável, feliz e por forma a serem satisfeitas as suas necessidades.

77 -O interesse da criança deve ser realizado, na medida do possível, no seio do seu grupo familiar, sendo um direito fundamental consagrado no artº 67º da Constituição da República Portuguesa e que não pode ser postergado.

78- Atendendo à concreta situação dos presentes autos e às finalidades das medidas de promoção e protecção das crianças e jovens, elencadas na lei e respectiva ordem de preferência e prevalência, teria a sentença que ter preferido medida a executar junto da família alargada da criança – junto da tia CC – sendo a intervenção a necessária e adequada à concreta situação a criança.

79 - Respeitando os princípios elencados no artigo 4º da LPCJP, a única medida que deveria ter sido determinada era a de apoio junto da familiar CC, com o empenho, dedicação, competências e agilização do trabalho dos Técnicos que ajudariam a que o Supremo Interesse da Criança AA fosse realizado.

80 - A sentença viola claramente o disposto nas alíneas a), d) e), g), h) e k) do artigo 4º da LPCJP.

81- O “INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA E DO JOVEM”, ligado afectivamente à família, nomeadamente à sua Tia CC e ao seu primo KK, a quem chama “ mano LL”, continuará seriamente privado se, privada da convivência com estes, continuar em acolhimento residencial, sem visitas e pior ainda por ter em vista a adopção.

82 -Viola assim a sentença recorrida o referido princípio – al. a) do artº 4º da LPCJP.

83-- VIOLA TAMBÉM O PRINCIPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA – al. d) do referido artigo.

84 - O PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE E ATUALIDADE – al. e) do referido artº 4º é também violado pela sentença recorrida.

85 - A decidida institucionalização da criança com vista à adopção é desproporcionada, inevitavelmente propiciadora de forte perturbação emocional da criança, sendo susceptível de graves consequências, tanto mais que tem junto da família materna alargada, a Tia CC que quer ficar com a AA e permite que lhe seja aplicada a medida de apoio junto desta.

86- Relativamente à alínea g) do referido artigo, sempre teremos de dizer que a sentença recorrida também desrespeita o PRINCÍPIO DO PRIMADO DA CONTINUIDADE DAS RELAÇÕES PSICOLÓGICAS PROFUNDAS – Na verdade, a medida decretada não respeita o direito da criança à preservação da relação afectiva que tem com a tia CC e com o “irmão LL” e que se mostra adequada ao seu saudável desenvolvimento.

87- E, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção não garante a sua continuidade. Muito pelo contrário, afasta a criança das relações afectivas que mantém e que são estruturantes, sendo certo que a média da taxa de adopção, em crianças da idade da AA é de 5%.

88 - O tribunal decidiu, sem mais, decretar a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção da criança AA sem afastar as outras possibilidades de medidas, estipuladas no artigo 35º da LPCJP.

89- O ARTIGO 35º DA LPCJP DEVE SER LIDO DE MODO INTEGRADO, ALTERNATIVO E NO SENTIDO CRESCENTE DE GRAVIDADE, NÃO SENDO POR MERO ACASO QUE O APOIO JUNTO DE OUTRO FAMILIAR ASSUME O SEGUNDO LUGAR ENTRE AS MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO É A ULTIMA RATIO DAS MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO E SÓ DEVE SER APLICADA EM CASOS EXTREMOS E QUANDO NENHUMA DAS OUTRAS É ADEQUADA À REMOÇÃO DO PERIGO E À SALVAGUARDA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E JOVENS.

90 – É este também o entendimento da nossa Jurisprudência no sentido de que existindo condições junto da família biológica, como é o caso dos presentes autos – deve promover-se a integração da criança nesta, decretando-se medida de apoio junto de familiar.

91 – Atendendo à concreta situação dos presentes autos e às finalidades das medidas de promoção e protecção das crianças e jovens, elencadas na lei pela respectiva ordem de preferência e prevalência, teria a sentença que ter preferido medida de apoio junto à tia materna da AA, a tia CC, sendo tal media acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, se necessário, com ajuda económica.

Nestes Termos e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso, ora interposto, revogando-se a Sentença Proferida e de que se recorre, por forma a não ser aplicada medida de confiança a instituição com vista a futura adopção da criança AA, devendo ser aplicada medida de apoio junto da tia materna da criança, CC, tudo com as legais consequências,”

Pelo Ministério Público foi apresentada resposta a cada um dos recursos, defendendo que deve ser negado provimento aos mesmos e mantida a decisão recorrida, tendo referido em cada uma de tais respostas, em sede de conclusão:
- que a medida defendida pelos recorrentes, confiança à tia materna CC, sendo uma medida transitória, não salvaguarda o futuro da criança;
- que esta também não criou laços afectivos sólidos com a menor antes de esta ser institucionalizada;
- que não foi violada qualquer das normas legais invocadas pelos recorrentes;
- que o acórdão não padece de qualquer nulidade, não violou qualquer princípio jurídico, encontra-se devidamente fundamentado, fez uma correta aplicação da lei e dos princípios que a enformam;
- que a medida aplicada é a única que salvaguarda devidamente os superiores interesses da criança.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando o objecto de cada um dos recursos delimitado pelas suas conclusões (arts. 124º da LPCJP e 635º nº4 e 639º nº1 do CPC) e o conhecimento oficioso das situações que obstam ao conhecimento do recurso (art. 652º nº1 b) do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar da legitimidade para recorrer por parte dos avós maternos;
b) – apurar se a decisão recorrida deve ser revogada e aplicada à menor a medida de apoio junto da tia materna CC.
**
II – Fundamentação

Vamos à questão enunciada sob a alínea a).
Não obstante não se ter utilizado a previsão do art. 655º do CPC para se apurar e decidir de tal questão através de despacho [pois a previsão de tal preceito, relativa ao não conhecimento do objecto do recurso, decorre da competência atribuída ao relator no art. 652º nº1 b)], tal, naturalmente, não obsta ao conhecimento dessa mesma questão em sede de acórdão, pois o despacho de admissão do recurso proferido pela primeira instância não vincula este tribunal da Relação (art. 641º nº5 do CPC) e o despacho liminar do relator já proferido nos autos em 23/9/2022 (“Recurso próprio e no efeito devido, nada obstando ao conhecimento do seu mérito”) é meramente tabelar e não aborda a questão em causa.
Assim, nesta sede já de acórdão, passa-se a conhecer da mesma.
Prevê-se no nº2 do art. 123º da LPCJP que, relativamente às decisões de que cabe recurso referidas no seu nº1 (“decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas de promoção e protecção e sobre a decisão que haja autorizado contactos entre irmãos, nos casos previstos no nº7 do artigo 62º-A”), como é o caso da decisão proferida nos presentes autos, “Podem recorrer o Ministério Público, a criança ou o jovem, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança ou do jovem”.
No caso vertente, os avós maternos não são legais representantes da menor AA e desde 23/2/2022 que deixaram de ter a guarda de facto de tal criança, no sentido em que a própria LPCJP, no seu art. 5º alínea b), a define: “a relação que se estabelece entre a criança ou o jovem e a pessoa que com ela vem assumindo, continuadamente, as funções essenciais próprias de quem tem responsabilidades parentais”.
Efectivamente, através do despacho proferido nos autos a 22/2/2022, para a retirar daqueles avós maternos, foi aplicada à menor a medida provisória de acolhimento residencial por um período de 6 meses, tendo a mesma dado entrada na instituição de acolhimento em 23/2/2022 (tudo como referido supra, em sede de relatório desta peça).
Tal despacho, tendo sido notificado àqueles avós em 25/2/2022 e dele não tendo sido interposto recurso, transitou em julgado.
Assim, à data da decisão ora sob recurso, a menor, por via daquela decisão anterior proferida nos autos e transitada em julgado, já há mais de 4 meses que não se encontrava confiada àqueles avós em termos de estes desempenharem para com ela funções próprias de responsabilidade parentais. Aliás, foi exactamente para retirar os avós de tais funções – que até ali tinham a incumbência de desempenhar – que foi proferida aquela decisão a 22/2/2022.
Deste modo, face a tal situação, da qual decorre que aqueles avós não tinham a guarda de facto da menor já desde 23/2/2022, é de concluir que, face à previsão do nº2 daquele art. 123º, não têm legitimidade para recorrer.
Nesta decorrência, não se conhece do recurso por si interposto.
Haverá pois apenas que conhecer do recurso interposto pela mãe da menor, pois quanto a ela é inequívoca a sua legitimidade para recorrer.

Quanto a tal recurso, a questão a tratar é a enunciada supra sob a alínea b): apurar se a decisão recorrida deve ser revogada e, em substituição da aplicada, deve ser aplicada à menor a medida de apoio junto da tia materna CC.
É a seguinte a matéria de facto a ter em conta (toda a referida na decisão recorrida):

A) Factos provados

1. AA nasceu a .../.../2015 e é filha de GG e de HH.
2. A criança foi sinalizada, telefonicamente, à CPCJ de Anadia no dia 24 de Novembro de 2020 por pessoa que solicitou a anonimato, porquanto a mesmo não estaria nada bem na companhia dos avós maternos e que já não estaria a ser acompanhada por tal entidade; que no agregado estariam também a viver um tio materno da criança e a companheira, ambos ex-presidiários e que esta contraíra sarna e a menina também tinha; que a criança deixara de frequentar a pré-escola devido à pandemia e falta de transporte; que o ambiente familiar é de constante gritaria e sem qualquer cuidado com a linguagem na presença da criança; temer que o futuro da criança esteja seriamente comprometido se continuar à guarda dos avós porque não serem capazes de assumir os melhores cuidados à neta.
3. Questionada pela CPCJ a pessoa que efectuou a sinalização, no contacto referido em 2. se conhecia familiares que pudessem acolher a criança e dela cuidar, referiu uma tia de nome BB que já não vive com os pais, mas que não sabe se esta não poderá ou quererá assumir os cuidados da sobrinha.
4. Na sequência da sinalização referida em 2., a CPCJ realizou visita domiciliária no dia 2 de Dezembro de 2020 e constatou razoáveis condições de higiene, embora a criança não tivesse um quarto próprio numa habitação unifamiliar própria dos avós maternos, composta por três quartos de reduzidas dimensões e uma casa de banho em mau estado de conservação, com sanita, lavatório e banheira, munida de gás, electricidade e água canalizada, com frigorífico, fogão, máquina de lavar roupa, microondas, televisão e telemóvel.
5. O avô materno da criança trabalhava ao dia; a avó materna auferia €400,00 de rendimento social de inserção; €49,00 de abono de família da neta e €75,00 de pensão de alimentos paga pelo pai da AA.
6. A progenitora da criança não pagava a pensão de alimentos e estivera a viver no agregado dos seus pais e da filha na semana anterior.
7. A AA não estava a frequentar o ensino pré-escolar.
8. Após ligeira conversa com a AA, a CPCJ considerou que a mesma era feliz e apresentava um desenvolvimento adequado à idade a nível físico, embora a nível intelectual fosse imprescindível frequentar o ensino pré-escolar.
9. No dia 23 de Dezembro de 2020, a CPCJ contactou a avó materna da criança a informá-la da existência de vaga no infantário ... e que teria de se dirigir à secretaria do Agrupamento de Escolas ... a fim de realizar a matrícula da AA e foi-lhe facultado o contacto telefónico da escola.
10. No dia 29 de Dezembro de 2020, a avó materna da criança já efectuara a inscrição da neta e informou a CPCJ que no dia seguinte iria aos serviços sociais da Câmara Municipal para tratar da acção escolar.
11. Por acordo de promoção e protecção celebrado a 12 de Janeiro de 2021, pela CPCJ de Anadia, foi aplicada à criança uma medida de apoio junto de outro familiar, isto é, junto dos avós maternos pelo período de doze meses.
12. No âmbito de tal acordo, os avós maternos da criança comprometeram-se a permitir o acompanhamento da CPCJ, colaborando no que fosse pedido, nomeadamente, comparecendo sempre que convocados e prestando todos os esclarecimentos que fossem solicitados e relevantes para o processo; assegurarem os cuidados básicos da AA, nomeadamente no que se refere às condições habitacionais, à alimentação, higiene e saúde essenciais ao bem-estar da mesma; a criar e organizar um quarto com todas as condições para o desenvolvimento saudável da criança; a proporcionar que a progenitora pudesse estar com a filha, respeitando os horários escolares, de descanso e de alimentação da mesma; estabelecer e fazer cumprir horários, nomeadamente, no que diz respeito à hora das refeições e de descanso da AA; garantir a frequência assídua e pontual da AA no Jardim de Infância ...; comparecerem com a criança nas consultas de saúde materno infantil, para as quais viesse a ser convocada; evitarem que a criança fosse exposta a situações de conflito no seio familiar que pusessem em risco o seu bem-estar com vista ao seu equilíbrio e desenvolvimento emocional e social; estabelecer com a criança uma relação de diálogo assente no respeito mútuo, promovendo no seio familiar, um ambiente assente nos valores e afectos entre os diferentes membros; comunicar à Comissão qualquer situação perturbante da dinâmica familiar na qual a criança estava inserida e/ou qualquer comportamento digno de avaliação por parte da CPCJ e aceitar o acompanhamento da CPCJ sempre que esta o entendesse como necessário, nomeadamente na realização de contacto com o estabelecimento de ensino frequentado pela criança e outras entidades que se encontrassem a acompanhar o agregado familiar, bem como na realização de visitas domiciliárias.
13. Do acordo de promoção e protecção referido em 11. e 12., consta ainda que “o não cumprimento reiterado do presente acordo por parte dos intervenientes levará à cessação da intervenção desta Comissão e à consequente intervenção judicial”.
14. A 15 de Março de 2021, a assistente social do Centro Social ... comunicou à CPCJ que a AA estava a ir para o estabelecimento de ensino com uma alergia na pele que tudo indicava ser escabiose, mas que poderia ter evoluído para algo mais grave, tendo em conta o aparecimento de pequenas ulcerações/ferida, devido à intensa comichão que apresentava.
15. Na sequência do referido em 14., a CPCJ contactou o Centro de Saúde ... para agendar uma consulta com urgência.
16. No dia 22 de Março de 2021, a criança, quando chegou à escola, apresentava muitos piolhos e contactada a avó a mesma disse que apanhara no estabelecimento de ensino.
17. A assistente social do Centro Social ... mostrou disponibilidade da instituição para realizar a higiene diária da menina, inclusive, apoio no tratamento do problema de pele.
18. No dia 24 de Março de 2021, a CPCJ realizou uma visita domiciliária e estavam presentes os avós maternos e a progenitora da criança.
19. Na ocasião, o agregado familiar da criança era composto pela criança, pelos avós maternos, pela mãe e pelo companheiro desta.
20. A progenitora, na ocasião, afirmou à CPCJ estar a residir temporariamente e casa dos seus pais com o namorado devido a desavenças com os pais deste.
21. A família afirmava não haver explicação para as lesões na pele da AA, alegando que a mesma tomava banho diariamente e não existiam animais que frequentassem a casa e que lhe aplicaram uma pomada já anteriormente receitada, alegando que a medicação receitada pela médica de família “não ter feito efeito” e a avó materna acrescentou que as lesões tinham períodos de melhoria.
22. Os avós maternos evidenciavam algumas dificuldades em entender a necessidade de cumprir com a prescrição médica e a CPCJ reforçou a necessidade de irem à consulta e realizarem o tratamento prescrito.
23. Na ocasião, a habitação apresentava razoável arrumação e higiene, embora continuasse a evidenciar necessidade de obras de recuperação e melhoramentos, já que se trata de uma casa com paredes e chão sem revestimento adequado em cimento ou com tijolo visível, só com uma janela.
24. A 24 de Março de 2021, ainda não haviam preparado um quarto independente para a AA, alegando que o avô se cortara num dedo, tendo sido colocada a possibilidade pela CPCJ de a menina dormir num dos quartos da zona da casa que não estava a ser utilizada e que tinha a janela.
25. A CPCJ realizou visita domiciliária no dia 30 de Abril de 2021 e foi recebida pelo avô materno, tio materno NN e a companheira deste, OO.
26. A criança já tinha um quarto próprio, com uma cama adequada e decorado com brinquedos e peluches e tinha uma televisão, apresentando o mínimo de conforto.
27. A avó materna e a companheira do tio materno dormiam, alternadamente, com a menina nos primeiros dias para que esta se habituasse a fazê-lo sozinha.
28. No dia 30 de Abril de 2021, o agregado familiar da criança era composto pela própria, pelos avós maternos, pelo tio materno NN e companheira deste, OO.
29. A menina realizava a sua higiene no Centro Social e o problema da pele tinha avanços e recuos.
30. A criança foi novamente sinalizada à CPCJ de Anadia, no dia 2 de Junho de 2021, pela GNR, porquanto, no dia 31 de Maio de 2021, a patrulha recebeu uma comunicação via rádio do Posto Territorial de Anadia para se deslocar junto à Rua ..., ..., ..., devido à existência de um desentendimento entre familiares.
31. Aí chegada, a patrulha foi abordada por NN, aí residente, que informou que os seus pais JJ e II o queriam expulsar de casa naquele mesmo dia, por estarem sempre em discussão e que se recusavam entregar-lhe os seus bens, o que motivou um conflito verbal entre os pais e a sua companheira OO e que o pai lhe terá dito “ele que me venha chatear que eu trato dele, fica logo ali estendido”.
32. Confrontados os avós maternos da criança, na ocasião, pela patrulha da GNR, os mesmos informaram que desde que o filho voltou para casa, há cerca de um mês, que começaram a existir bastantes conflitos entre ambos e que não estavam dispostos a acolher a sua companheira naquela casa, uma vez que era uma pessoa conflituosa e com práticas criminosas e que no dia em causa, houve troca de ameaças entre NN e os pais, dizendo-lhes que “não iam dormir descansados”, “que alguém se havia de encarregar de os castigar”, “que lhes partia os dentes todos”.
33. Mais informaram que o filho tinha estado preso durante 7 anos e estaria a cumprir um período de pensa suspensa e que o mesmo era conhecido pela prática de furtos e tráfico de estupefacientes.
34. Na presença da patrulha, NN retirou todos os seus pertences da habitação, declarando não ter mais nada do seu interesse para levar e que os pais podiam queimar ou dar a outra pessoa o resto dos seus bens.
35. A GNR informou a CPCJ que a AA assistiu a todas as ameaças e desentendimentos entre os intervenientes e que no dia 30 de Janeiro de 2021, existira uma situação idêntica, com ameaças e agressões envolvendo alguns dos intervenientes.
36. A 4 de Junho de 2021, a assistente social do Centro Social ... informou a CPCJ de Anadia que deixaram de fazer a higiene à menina porque a avó materna se estava a demitir de tal obrigação, questionando, diversas vezes, o motorista que efectuava o transporte sobre se a menina “já tem o banho tomado” e que o problema de pele continuava com avanços e recuos.
37. A 7 de Junho de 2021, a CPCJ realizou uma visita domiciliária em face da sinalização referida de 30. a 35., sendo que a avó materna da criança confirmou a situação e informou que o filho e companheira já não estavam a residir na habitação.
38. Na ocasião, a casa estava suja e a avó materna foi alertada pela CPCJ para a importância da limpeza.
39. A avó materna também apresentava uma irritação na pele e foi alertada para ir a uma consulta.
40. A 8 de Junho de 2021, a CPCJ de Anadia marcou uma consulta para a criança e para a avó materna no Centro de Saúde ... e ficou agendada para o dia 9 de Junho de 2021.
41. A 29 de Junho de 2021, contactado o progenitor da criança pela CPCJ, o mesmo referiu não manter contacto com a AA desde o início da pandemia em 2020 e que a visitava quando ia todos os meses pagar a pensão de alimentos à avó materna; ter uma filha de outro relacionamento e não ter disponibilidade económica para ficar com a AA e não manter qualquer contacto com a progenitora desta.
42. A 1 de Julho de 2021, questionada pela CPCJ a progenitora da criança sobre a sua percepção sobre a situação actual da vida da filha, a mesma referiu que tem apoiado a menina e os seus pais nos últimos tempos, cuidando da AA, dando-lhe banho e fazendo as refeições.
43. Vivia com o namorado num T0 na ... e trabalhava num café, sem horário certo, determinado dia a dia pelo patrão.
44. Questionados sobre os problemas referenciados pela GNR relativamente ao tio materno da criança e a todos os episódios de violência ocorridos, os avós maternos declararam que o filho e a companheira já não viviam lá em casa e não estarem disponíveis para os receber novamente.
45. A avó informou estar a efectuar os tratamentos prescritos pelo que, quer ela, quer a neta, já não apresentavam sinais de doença.
46. O avô paterno declarou que iria realizar as obras de melhoramento da habitação, embora não conseguisse adiantar uma data, por não ter disponibilidade financeira imediata.
47. Na ocasião, a progenitora disse pretender ficar com a filha no período de férias e quando questionada sobre como iria conciliar com o trabalho, disse que a levaria consigo para o café onde trabalhava, acabando por concordar que não seria o melhor ambiente para a criança quando advertida para o efeito.
48. Os avós opuseram-se à pretensão da filha e o avô adiantou a sua disponibilidade para ficar com a neta durante as férias escolares desta.
49. A CPCJ sugeriu a hipótese de integrar a AA no ATL, mas os avós referiram a falta de transporte para a levar.
50. A 7 de Julho de 2021, o progenitor da criança mantinha-se sem visitar a filha desde o início da pandemia e após ter passado a efectuar o pagamento da pensão de alimentos por transferência bancária e indisponível para acolher a AA.
51. Vivia com os seus pais em casa deles, sendo que o pai tivera um AVC e frequentava o Centro de Dia e a sua mãe era trabalhadora agrícola.
52. Tinha outra filha a seu cargo, de 4 anos.
53. Habitavam numa casa com três quartos, sendo que cada um dos seus progenitores ocupava um deles e o terceiro era ocupado pelo progenitor e pela filha a seu cargo.
54. Trabalhava na empresa do irmão e auferia €670,00 de vencimento, sendo tal irmão quem ia buscar a filha ao infantário quando o pai trabalhava até mais tarde.
55. A 20 de Julho de 2021, a CPCJ da Mealhada efectuou uma visita domiciliária, previamente agendada, à progenitora da criança.
56. A casa onde a mesma habitava com o namorado era um apartamento com uma única divisão, com uma casa de banho de reduzidas dimensões com poliban, sanita e lavatório e uma “cozinha” com um lava-loiça com armário e armário de parede.
57. A habitação tinha gás, água canalizada, electricidade e rede de esgotos, esquentador, frigorífico, fogão, máquina de lavar roupa, microondas, televisão e telemóvel.
58. A casa apresentava-se devidamente limpa e arrumada, com as roupas devidamente dobradas e colocadas em caixas de papelão devido à insuficiência de armários.
59. Aquando de tal visita domiciliária, a progenitora divagou um pouco na sua história pessoal e familiar, com um discurso qualificado pelos técnicos da CPCJ que a realizara como “algo incoerente e imaturo face à idade etária e vivências”, vivendo o dia-a-dia, aparentemente, “sem revolta” e sem planos, tendo afirmado, no entanto, que embora não pareça é muito forte.
60. Na perspectiva da progenitora, tal visita domiciliária, estaria relacionada com alguns problemas de conflituosidade existentes e comuns entre os seus pais e um irmão que coabitava no agregado e, na ocasião, esclareceu não ter efectuado qualquer procedimento formal para alterar a situação jurídica da filha porque segundo a própria, não reúne condições gerais para acolhê-la.
61. Na ocasião, a progenitora afirmou ainda visitar a filha sempre que pode e regularmente e chegar a levá-la para passar o dia consigo, mas que, no final do dia, levava-a de volta a casa dos avós maternos.
62. A 22 de Setembro de 2021, a criança continuava na pré-escola ....
63. A 11 de Agosto de 2021, a CPCJ de Anadia efectuou visita domiciliária a casa dos avós maternos da criança.
64. Na ocasião, a AA estava a brincar, no exterior da habitação, com o cão, com semblante tranquilo e referiu desfrutar do tempo de férias com brincadeiras no telemóvel que mostrou com a sua fotografia com a mãe.
65. A avó materna afirmou que a neta “a cansa” muito, evidenciando desgaste pois ela “é muito vivaça não há descanso”.
66. Na ocasião, a AA apresentava roupa e calçado adequado à idade e altura do ano.
67. Questionada sobre o problema de pele da criança, a avó declarou que demoraram a dar o diagnóstico e que, no final, lhe disseram ser “sarna” e que ela apanhou também, que aplicou a medicação e que o problema estava ultrapassado.
68. Na ocasião, a criança tinha algumas manchas nas mão e face compatíveis com eczema/pele atópica.
69. A entrada na habitação permanecia em terra batida, as divisões da casa eram pequenas e escuras por falta de luz natural e húmidas por falta de ventilação dos espaços e mantinham alcatifas e tapetes não obstante os avós maternos da criança terem sido avisados pela CPCJ anteriormente que podiam favorecer o aparecimento de problemas respiratórios ou dermatites na AA.
70. Eram visíveis algumas entradas de luz nas junções no tecto e cheiro a humidade e mofo.
71. Quando questionada a criança sobre o local onde dormia, a avó materna antecipou-se na resposta e afirmou dormir consigo no seu quarto.
72. O quarto apresentado como sendo da AA e sem sinais que a mesma ali dormisse, situava-se no primeiro andar a que se acedia por uma escada ingreme sem luz natural ou artificial e estava apetrechado com o necessário.
73. A casa de banho situada no rés-do-chão não tinha porta.
74. Na ocasião, a avó materna informou que a companheira do seu filho NN poderia ir viver com eles uma vez que ia trabalhar para um restaurante e mencionou que já tinha avisado os seus familiares que não queria conflitos por causa da AA.
75. Na ocasião, a avó materna recentrou o seu discurso nas dificuldades económicas e serem as mesmas a condicionar a priorização do melhoramento das condições habitacionais e a integração da AA em organização educativa de suporte familiar.
76. A 15 de Outubro de 2021, a CPCJ de Anadia realizou nova visita domiciliária a casa da criança e dos avós maternos.
77. Na ocasião, a entrada da habitação já se encontrava nivelada e cimentada e aguardavam a conclusão de um espaço ao lado da casa de banho, ainda em fase de pré-reboco, que estava a ser transformado para quarto da AA, não tendo as obras qualquer planeamento e estavam dependentes de verba económica e de materiais cedidos e da capacidade do avô materno as executar.
78. A avó materna afirmou que a menina dormia com os avós.
79. O tio materno NN e a sua companheira integravam o agregado.
80. O tio materno NN estava em liberdade condicional e estava a trabalhar durante a semana em ....
81. Na ocasião, a avó materna garantiu aos técnicos da CPCJ que o ambiente familiar era de estabilidade e que o seu filho NN se comprometera a não “arranjar problemas”, razão pela qual, assentiu em acolhê-lo.
82. Na ocasião, a AA estava bem disposta e sorridente e disponível para a interacção com os técnicos, referindo gostar da escola e dos seus colegas.
83. A criança beneficiava de transporte e refeições gratuitas.
84. Na ocasião, o discurso da avó materna da criança voltou a ser pautado pelas dificuldades económicas, que a mãe da AA não ajuda nas despesas e que apenas o pai o faz e disse necessitar de roupa e calçado para a neta adequados à época e que a CPCJ se comprometeu a providenciar.
85. A criança foi sinalizada novamente à CPCJ, pela GNR no dia 15 de Novembro de 2021, porquanto no dia 13 de Novembro de 2021, pelas 10 horas e 40 minutos, se deslocou a casa da mesma e dos avós maternos, por aí ter ocorrido uma situação de agressões entre familiares.
86. Aí chegados os militares da GNR, a avó materna da criança abordou-os afirmando ter assistido a um desentendimento entre o seu marido e o seu filho NN e que este atingira aquele na face com um soco e que atirara um conjunto de loiça ao chão.
87. Na ocasião, o avô materno da criança já aí não se encontrava porque tinha ido trabalhar e o tio materno NN confirmou a existência de uma discussão com o seu pai e a agressão e afirmou que o desentendimento se deveu ao facto de ter desaparecido uma nota de 20 euros da sua carteira e considerar ter sido o seu pai quem lha furtara.
88. A AA presenciou todo o sucedido entre o avô e o tio.
89. Durante todo o dia de 1 de Dezembro de 2021, a CPCJ tentou contactar telefonicamente a progenitora da criança, sem êxito porque o telemóvel esteve sempre desligado.
90. No dia 2 de Dezembro de 2021, o progenitor da criança declarou na CPCJ que “não tem estado com a AA porque não tem tido muito tempo, nem tem falado com ela, nem com a avó materna” e já não ver a filha desde o início da pandemia, mas ser cumpridor no pagamento da pensão de alimentos.
91. Na ocasião, a CPCJ informou-o do referido de 85. a 88. e o progenitor afirmou não ter tido conhecimento e quando questionado sobre se poderia assumir os cuidados da filha, manteve-se indisponível para o efeito e foi informado que provavelmente iria ser proposta a aplicação da medida de acolhimento residencial tendo referido que ia falar com a mãe da filha sobre esse assunto.
92. A 7 de Dezembro de 2021, a menina era assídua e pontual no jardim de infância, sendo o transporte realizado pelo Centro de Apoio Social de ....
93. Apresentava-se vestida de acordo com as condições climatéricas, mas sua limpeza corporal não era diária e as roupas também não eram devidamente higienizadas.
94. Apresentava pediculose e a avó materna dizia que efectuava a limpeza da cabeça mas que apanhava através de outras crianças e que não podia andar sempre a comprar produto para eliminar os pilhos por se muito caro.
95. Não obstante o referido em 94., o estabelecimento de ensino constatava que a limpeza da cabeça era notoriamente mal executada.
96. Pese embora tivesse efectuado enormes progressos relativamente ao ano lectivo anterior, ainda apresentava um desenvolvimento abaixo do esperado para a sua idade e era descrita como dócil e meiga com todos, bastante efusiva, extrovertida, sociável, bem-disposta e enérgica, embora desconcentrada e demasiado activa.
97. A avó materna correspondia minimamente ao que era solicitado por parte da escola.
98. Os progenitores nunca haviam contactado o estabelecimento de ensino.
99. A progenitora não contribuía para o sustento da filha e não equacionava alterar o seu modo de vida para a acolher, procurando, por exemplo, ter um trabalho fixo.
100. A 18 de Fevereiro de 2022, o agregado familiar da criança mantinha-se composto pela própria, pelos avós maternos, pelo tio materno NN e companheira deste OO, estando todos desempregados, sendo que apenas o avô materno realizava biscates.
101. A menina frequentava o jardim de infância em ... até às 15 horas e 30 minutos e depois a componente de apoio à família do Centro Social ... até às 17 horas, onde almoçava e lanchava diariamente e passava as férias escolares.
102. No dia 28 de Janeiro de 2022, a avó materna da criança assinou uma autorização para que a neta fosse entregue pelo estabelecimento de ensino ao tio NN.
103. Uma vez que na comunidade é sabido que o mesmo já cumpriu uma pena de prisão efectiva e está conotado com a prática de furtos e de ofensa à integridade física, a educadora da AA ficou muito preocupada com tal autorização e o Centro Social ... tentou dissuadir a avó, mas esta respondeu “ele é tio. Podem entregar a menina!”.
104. A AA apresentava piolhos constantemente e inúmeras lêndeas.
105. A menina não recebeu nenhum presente dos avós no Natal de 2021 e no dia do seu aniversário, ao contrário dos outros meninos, não levou para a escola os ingredientes para aí fazerem um pequeno bolo.
106. Quando questionada no estabelecimento de ensino com alguma insistência sobre aspectos da vida da família, a AA deixava de responder.
107. A menina fantasiava a mãe no estabelecimento de ensino e falava dela como ouvia os outros meninos falar das suas.
108. A criança cumpria as consultas de vigilância infantil na companhia da avó e tinha o plano de vacinação actualizado.
109. Nas consultas foram detectadas algumas lacunas em termos de hábitos de higiene, sobretudo oral e foram reforçados os ensinos.
110. Na consulta dos 5 anos realizada a 25 de Novembro de 2021, foram detectadas lesões cutâneas dispersas compatíveis com dermatofitose, que foram medicadas e resolvidas.
111. Na consulta dos 6 anos realizada a 18 de Janeiro de 2022, apresentava novamente uma lesão de dermatofitose que também foi medicada e foram reforçados os ensinos relativos a higiene corporal e de vestuário.
112. Em Junho de 2021, a criança padeceu de escabiose (sarna).
113. A 2 de Fevereiro de 2022, a Sra. Técnica da Segurança Social realizou visita domiciliária e constatou que a habitação apresentava os mesmos problemas constatados pela CPCJ e estava bastante desconfortável e pouco iluminada ao ponto de aquela ter tido necessidade de ser aproximar da porta da rua para conseguir efectuar os registos.
114. Nesse mesmo dia, quando confrontada com a situação de perigo da neta, a avó materna desvalorizou.
115. No dia 4 de Fevereiro de 2022, novamente confrontados os avós maternos com a persistência dos perigos na vida da AA, o avô materno disse que tinham decidido que a partir da próxima segunda feira, dia 7 de Fevereiro de 2022, a menina ia passar a viver com as tias maternas CC e BB e quando questionados porquê, responderam “é para o bem dela. Às vezes há aqui problemas (…). Com o NN há piores ambientes. (…) Falei com a CC e ela disse: “Pai você não fica sem ela!” (…) Ela vai vir sempre para ao pé da gente. Lá fica melhor em tudo: é mais perto da escola, tem transporte, é melhor ambiente, não há guerras, a casa é melhor.” e, paralelamente, mostraram desagrado por haver assistentes sociais a visitá-los recorrentemente e assim esse aspecto ficava sanado.
116. No dia 8 de Fevereiro de 2022, a criança disse à Sra. Técnica da Segurança Social a propósito da família “há guerras lá, muitas vezes, por causa do dinheiro”.
117. No dia 8 de Fevereiro de 2022, a Sra. Técnica da Segurança Social efectuou uma visita domiciliária às tias maternas da criança, CC e BB, sendo que esteve também presente o companheiro desta.
118. Na entrevista, referiram “crescemos num ambiente complicado. Os nossos pais são problemáticos. O pai batia na mãe…”.
119. Ambas assumiram que caso fosse aplicada à AA uma medida de apoio junto de outro familiar, seria na pessoa de CC, sendo que tal também foi sugerido pelos progenitores da menina, justificando sempre com a sua maior idade, maturidade e responsabilidade comparativamente com BB.
120. Atendendo ao adiantado da hora, a Sra. Técnica da Segurança Social combinou uma segunda entrevista com a tia CC, sendo que, para o efeito, aquela telefonar-lhe-ia e, caso não conseguisse, devido a um problema no seu telemóvel, esta tomaria a iniciativa.
121. A Sra. Técnica da Segurança Social tentou contactar a tia materna CC e não conseguiu e passado uma semana esta não contactara aquela.
122. Após várias insistências por parte da Sra. Técnica da Segurança Social e com a ajuda de interpostas pessoas, a tia CC contactou-a e a Sra. Técnica tentou logo agendar reunião para esse ou outro dia, tendo aquela começado por dizer que falasse com a BB porque “falar comigo ou com a minha irmã é a mesma coisa” e após lhe ter sido explicado que teria de reunir com a própria para avaliar a possibilidade de propor a medida de apoio junto de outro familiar na sua pessoa, CC colocou dificuldades no facto de não ter transporte para se deslocar e depois alegou hora incerta para terminar o seu trabalho e quando lhe foi proposto fazer a entrevista em sua casa, na hora e dia que propusesse, respondeu “eu e a minha irmã tivemos uma conversa… eu tenho dois filhos, a BB não tem nenhum (…). Precipitei-me muito quando estivemos a falar. Desculpe, mas realmente tenho dois filhos… mais um encargo em cima de mim… e visto que a minha irmã não tem filhos… estamos ali todos… dou-lhe uma mãozinha, seria uma boa possibilidade. (…) eu sei perfeitamente que todos apontam para mim. Eles têm de perceber que foi sempre assim toda a minha vida. Tudo para cima da CC. Peço desculpa, fiquei com medo, avancei logo de cabeça quente. Tenho que zelar pelo bem dos meus filhos. Tenho duas responsabilidades muito grandes: são os meus dois filhos. Trabalho muito, muitas horas…”
123. No dia 15 de Fevereiro de 2022, a Sra. Técnica da Segurança Social contactou a tia materna da criança, BB e solicitou-lhe que fosse ter consigo à Segurança Social em Aveiro para uma entrevista, o que a mesma recusou dizendo “é muito longe. Não consigo ir a Aveiro, não conheço lá nada. (…) Tenho contas para pagar. O meu namorado não está a trabalhar. Estou muito apertada. Há contas para pagar: água, comida… não faço milagres”, pelo que a Sra. Técnica da Segurança Social, procurando viabilizar a entrevista, combinou a sua realização para o dia da folga de BB, em Anadia.
124. Quando a AA integrou o agregado familiar dos avós, a tia materna BB também estava inserida no mesmo.
125. BB, à Sra. Técnica da Segurança Social, afirmou, em Fevereiro de 2022, que, quando a menina integrou o agregado, era ela quem cuidava da criança “dava banho, biberão, acordava à noite… era AA, AA, AA…”.
126. BB tem 24 anos, vive em união de facto com um companheiro há cerca de 3 ou 4 anos e tem o 9.º ano de escolaridade, sendo que deixou de estudar quando completou 18 anos.
127. E auxiliar na estrutura residencial para idosos do Centro Social e Paroquial ..., Anadia e trabalha das 8 às 16 horas ou das 15 às 21 horas, sendo que as férias são variáveis, podendo ou não ocorrer ao fim-de-semana.
128. Aufere um vencimento mensal líquido no montante de €600,00 e é uma funcionária cumpridora.
129. O seu companheiro está desempregado desde Janeiro de 2022, devido a denúncia por iniciativa do trabalhador.
130. BB saiu de casa dos seus pais quando tinha 20 anos e esteve algum tempo na ilha da Madeira para onde foi à procura de trabalho e regressou com o actual companheiro que é madeirense para casa dos seus pais em Dezembro de 2019 e aí permaneceu até cerca de Maio de 2020.
131. À Sra. Técnica da Segurança Social, BB disse, em Fevereiro de 2022, que saiu de casa dos seus pais por volta de Maio de 2020 devido ao “ambiente de guerra” provocado pelo seu irmão NN e pela companheira deste OO, “saí, pedi ajuda à CC e fui para casa da CC”.
132. Mais afirmou que durante um ano não falou com os pais nem com a AA e foi crítica relativamente ao modo como vivem os seus pais, bem como em relação ao ambiente familiar e referiu que “agora quase não falo com os meus pais”, visitando-os pontualmente, sendo que a última vez que o fizera, em Fevereiro de 2022, fora por altura do Natal.
133. Em Fevereiro de 2022, BB disse à Sra. Técnica da Segurança Social que “a minha mãe só está com a AA por dinheiro”, remetendo para o facto de, estando com a neta, a avó materna desta recebe por conta da AA abono de família, fundo de garantia de alimentos devidos a menores, pensão de alimentos do pai da criança e um valor de Rendimento Social de Inserção pela criança.
134. Quando questionada pela Sra. Técnica da Segurança Social sobre se pretende ter filhos com o companheiro, afirmou “só mais tarde, quando tivermos a vida organizada” e afirmou desejar continuar a viver sempre com a irmã CC e que as duas pretendem adquirir a casa onde habitam sita na Rua ..., ..., Anadia.
135. A casa é arrendada, sendo que a renda mensal importa na quantia de €450,00, e é uma habitação unifamiliar composta por cinco quartos (um de BB e do companheiro, outro de CC, companheiro e filha MM e outro do filho KK), uma casa de banho, cozinha, marquise e quintal no exterior, sendo que a casa dispõe de outra cozinha e sala que não estão a ser utilizados.
136. A casa precisa de obras de beneficiação, mas reúne condições de habitabilidade.
137. Antes de residirem nesta casa, o que sucede há cerca de sete meses, as tias BB e CC, respectivos companheiros e filhos da última viviam juntas num apartamento sito em Anadia.
138. Já no final da entrevista com a Sra. Técnica da Segurança Social, em Fevereiro de 2022, a mesma questionou a tia materna da criança BB sobre o seu pouco empenho em se deslocar ao Centro Distrital de Aveiro da Segurança Social para realização da entrevista necessária para avaliação e eventual resolução da situação da sua sobrinha AA, bem como quanto à sua pretensão para que a mesma lhe fosse confiada, se não dispunha de dinheiro sequer para adquirir o bilhete para Aveiro, tendo a mesma respondido que depois iriam ser três ordenados, o seu, o da CC e o do PP e questionada então porque não pedira agora para adquirir o bilhete, não respondeu.
139. Ao longo da entrevista, BB foi dizendo “eu posso ficar com a AA. Eu e a CC vamos estar as duas”.
140. A 15 de Fevereiro de 2022, à Sra. Técnica da Segurança Social, a progenitora, sem hesitação, disse-lhe querer que a filha fique com a tia materna CC, “ela tem melhores condições de vida. (…) A CC sempre gostou da menina… tem maturidade. É melhor na tia porque nos avós não há higiene”.
141. E, sobre os contactos que mantinha com a filha, disse “neste momento, a minha mãe proibiu de falar com ela, porque eu não dou nada e ela diz que eu tenho dinheiro para pintar o cabelo, que só penso em vaidade, em cabelo e unhas… eu sou mulher. Eu gosto de me arranjar (…). A minha mãe é complicada só pensa em dinheiro… para que é que eu dou dinheiro se ela gasta mal gasto? Eu estou desempregada… “.
142. Em Fevereiro de 2022, à Sra. Técnica da Segurança Social, o progenitor da criança disse “penso que o melhor para a AA era que saísse lá de casa dos avós. Eu sempre disse isso” e sobre a sua relação com a filha que “não sou e nunca fui um pai presente na vida da AA. Ia todos os meses pagar a pensão de alimentos e estava 10 ou 20 minutos, no máximo e vinha embora. Quando veio a pandemia passei a pagar por transferência e nunca mais lá voltei. Não gostava muito de lá ir. (…) Nunca ninguém em proibiu, mas não me sinto confortável. Não me sinto bem. Criou-se uma distância… eu criei a distância entre mim e a AA”, “não tenho condições para ter a AA como sempre expliquei”, esclarecendo querer dizer com isso não ter casa, não ter dinheiro suficiente, não ter condições/disponibilidade para ser pai de mais uma criança e não ter proximidade relacional com a AA e entender que a filha ficará bem com a tia CC “é muito responsável. Não a conheço pessoalmente, mas foi sempre responsável e adora a criança. Antes, quando conversávamos, parecia uma pessoa responsável e séria” e questionado sobre a tia BB respondeu “não oiço muito dela. Sei que ela adora a AA. A BB brincava com a AA… não a conheço. Não sei se é boa resposta ou má resposta. Não a conheço. Os avós, as condições que vi é que não!... más condições de habitação, são pessoas falsas, só querem dinheiro, mas a CC diz e a HH também, que o dinheiro é mal gasto”.
143. No dia 22 de Fevereiro de 2022, o progenitor declarou, além do mais, neste tribunal não ter grande ligação com a filha e que não a ver desde que começou a pandemia; que não tem condições para a ter consigo e questionado sobre o que entende ser melhor para a filha, respondeu que a Dra. DD lhe disse que havia a possibilidade de ir para a tia CC ou para a tia BB ou para uma instituição e novamente questionado sobre o que endente ser melhor para a filha, respondeu “ir para a tia CC” e questionado sobre se falou com a mesma sobre isso, respondeu que falou no dia da reunião e que a CC lhe disse estar disposta a ficar com a sobrinha e quando confrontado com o facto de a Sra. CC, posteriormente, ter mudado de opinião, respondeu “não estou a par”.
144. Nesse mesmo dia, a progenitora declarou, além do mais, quando questionada sobre se entende que a filha está numa situação de perigo, respondeu “houve lá confusão entre os meus pais e o meu irmão, mas entre ir para um colégio ou ir para as minhas irmãs, eu prefiro que vá para as minhas irmãs” e questionada sobre porque não fica então com a filha, respondeu “comigo, neste momento, não dá porque estou num T0 e faço biscates, tem de ser uma coisa de cada vez”; questionada sobre se costuma estar com a filha, respondeu que esteve com ela no fim-de-semana anterior em que esteve em casa das suas irmãs CC e BB e questionada sobre a última vez, antes disso, em que esteve com a filha, respondeu que não se lembrava, mas depois disse desde o Natal/Passagem de ano e questionada sobre se já falara com as irmãs para ficarem com a filha, respondeu que fala com elas todos os dias e novamente questionada sobre o tema da conversa e a necessidade de ser algo bem ponderado e confrontada com a circunstância de a sua irmã CC depois de ter dito à Sra. Técnica da Segurança Social que ficava com a sobrinha, depois lhe disse que afinal era melhor ficar com a sua irmã BB e que esta voltou a devolver a responsabilidade à irmã CC, aliás como todos, voltou a não responder dizendo que a BB e a CC vivem juntas.
145. No mesmo dia, a avó materna da criança declarou, além do mais, que a neta lhe foi entregue quando tinha um ano pela CPCJ de Anadia “porque a mãe andava desnorteada com uns e com outros” e questionada sobre se a mãe costuma ir visitar a filha, respondeu que “há muito tempo que cá não vinha, mas veio cá este fim-de-semana vê-la, no domingo à tarde depois de ter vindo de casa das tias”; que a neta já passou uns três fins-de-semana em casa das tias, sendo que tal teve início após a Sra. Técnica a ter contactado; que as filhas CC e BB costumam ir a sua casa nos fins-de-semana; que o filho NN e a companheira que está grávida “querem sair daqui” (referindo-se à casa da declarante); confrontada com a falta de higiene da AA respondeu “foi a sarna que ela apanhou, é natural, eu também já tive 2 ou 3 vezes”; questionada sobre o que entende ser melhor para a neta, respondeu “eu gostava de ficar com a minha menina” e confrontada com as declarações das filhas segundo as quais apenas quer a AA por causa do dinheiro, respondeu ser mentira “eu trato-a bem”.
146. No mesmo dia, o avô materno da criança declarou, além do mais e quando questionado sobre se a neta estava a viver com as tias CC e BB desde o dia 7 de Fevereiro de 2022 conforme consta do relatório terem decidido, após insistência, respondeu que está a passar os fins-de-semana e novamente questionado porque motivo não concretizaram o que alegadamente decidiram, respondeu “porque agora é que falou com a CC e que a CC e a BB lhe disseram no dia de ontem que ficavam com a menina porque têm a escola mais perto e a casa é mais confortável”.
147. Por despacho proferido a 22 de Fevereiro de 2022, foi aplicada à criança uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses e os avós maternos e os progenitores autorizados a visitar a menina na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
148. Tal medida foi executada no dia 23 de Fevereiro de 2022 e a criança foi acolhida no Centro de Acolhimento Temporário do “Centro Social ...” em Santa Maria da Feira.
149. Aquando do acolhimento e no transporte para a instituição, a menina foi colaborante com as Sras. Técnicas da Segurança Social e interagiu com as mesmas com à vontade.
150. No momento em que chegou à Casa de Acolhimento Residencial (CAR) a AA parecia estar expectante e ao abrir o portão, sorriu e, por incentivo de uma das técnicas, deu um abraço à técnica da CAR sem sinais de estranheza.
151. Ao longo da apresentação dos diversos espaços da CAR, demonstrou uma grande desinibição, querendo percorrer todos os cantos da casa, sem se preocupar se a estavam a acompanhar, mexeu em tudo e não parou em nenhum dos locais para ver algo mais pormenorizadamente.
152. Ficou bastante entusiasmada com a quantidade de brinquedos disponível, com o facto de ter vários elementos cor-de-rosa no que passou a ser o seu quarto e com o espaço exterior e quando lhe foi explicada que iria, a partir daquele dia, dormir naquele quarto, apenas referiu o facto de não ter trazido o seu pijama.
153. Falou sobre os amigos que tinha na escola, destacando duas meninas como as suas melhores amigas e falou também das suas professoras e referiu que iria sentir saudades de todos e mostrou, com orgulho, os seus desenhos que tinha na capa que levara do jardim de infância, colocando as técnicas da CAR, a quem os estava a mostrar, como figuras representadas nesses mesmos desenhos ao seu lado.
154. No primeiro dia, ao experimentar andar de patins, aceitou muito bem a ajuda e o toque físico para a suportar e ao terminar tal brincadeira, sentou-se no chão para se descalçar e acabou por se deitar, sendo que ao sentir o capacete a tocar no chão, queixou-se e começou a choramingar, dizendo ter-se magoado, indicando a zona de trás da cabeça e afirmando em seguida “sabes não te conheço” já sem chorar.
155. Aceitou o colo e o abraço da técnica, ouvindo atentamente e sorrindo, ao ver validado o receio que sentia por estar numa instituição desconhecida com estranhos.
156. No primeiro dia de acolhimento, foi o único momento em que a AA exibiu maior desconforto, aceitando bem o afecto e apoio da técnica, tranquilizando-se.
157. Na primeira noite teve facilidade em adormecer e um sono tranquilo durante toda a noite, comportamento que manteve ao longo de todo o acolhimento, sendo que na primeira noite aceitou a sugestão de ser acordada a meio da noite para ir à casa de banho e desde o acolhimento apenas urinou na cama duas noites.
158. A AA adaptou-se bem ao contexto, à dinâmica intergrupal, apropriando-se rapidamente das regras e rotinas da CAR.
159. Demonstrou ser bastante observadora e com capacidade de se ajustar e adaptar o comportamento à circunstância.
160. Ao nível da autonomia, a AA apresenta as competências adequadas à sua faixa etária, sendo capaz de comer tudo sozinha, com uso correcto dos talheres e sem mostrar resistência a nenhum alimento; conseguir colocar a mesa correctamente e arrumar os espaços como esperado; ser capaz de se despir e vestir sozinha, de realizar a sua higiene pessoal, apenas requerendo alguma supervisão e apoio na lavagem correcta do cabelo.
161. Manifesta vontade em desempenhar todas as tarefas sozinha e procura mostrar-se capaz de fazer tudo de forma autónoma, pelo que tende a negar apoio ou uma demonstração inicial, aparentando pretender com isso a valorização da adulta.
162. A AA tem mantido o padrão de comportamento exibido desde o primeiro dia de acolhimento, não demonstrando comportamentos de protesto de separação (por exemplo, nunca chorou ou manifestou saudades de alguém da sua família nem nunca pediu para ir embora), apropriando-se com bastante facilidade do contexto como seu e criando relações de proximidade com alguma facilidade.
163. No que diz respeito aos motivos do acolhimento, a AA sempre pareceu estar esclarecida, fazendo parte da sua narrativa, desde o primeiro dia, que o que levou à sua saída de casa dos avós foi a convivência regular com momentos a que ela chamou de “guerras” ou “brigas”, tendo explicado, mesmo antes de ser potenciado pelas actividades realizadas, que o seu tio, o avô e a avó se desentendiam e envolviam-se em agressões físicas e verbais.
164. Expressou a primeira vez, a 10 de Março, “o meu tio desceu da escada lá de cima e disse coisas à minha avó. E começaram a conversar e chamaram a polícia e as guerras não eram boas. E eles bateram um no outro e as guerras não eram boas. Eu sempre chorava e eles não queriam saber. E eu ia sempre lá para fora esconder-me. Porque eu não queria ouvir nada. A minha avó e avô chamaram a polícia. E depois a polícia explicou que não era para fazer mais guerras, isso porque senão eu vinha para uma casa do Coração”. Foi um momento emotivo em que a AA abraçou e chorou no colo da técnica por algum tempo, em silêncio ou a ouvir com atenção enquanto a técnica a apoiava nessa expressão emocional e explorava a reflexão sobre o tema. A AA ainda afirmou “eu lá fora chorava muito”.
165. No âmbito das actividades individuais efectuadas com a AA na CAR, a mesma expressou grande satisfação por estar na CAR, não distinguindo de forma espontânea, nenhum momento, elemento ou rotina familiar do qual sinta saudades, só fazendo essa menção quando fala no jardim-de-infância que frequentava, referindo ter saudades dos amigos e da professora, demonstrando vontade em regressar a esse contexto, o que não acontece relativamente à casa da sua família.
166. No âmbito de tais actividades realizadas na CAR, foi possível aferir que a AA consegue identificar os nomes e os graus de parentesco entre todos os familiares maternos mas tem dificuldade em apresentar vivências concretas que os envolva.
167. Não conhece os seus familiares paternos e, inclusivamente, teve dificuldade em relembrar o nome do pai correctamente, não recordando nenhum momento concreto de contacto com este.
168. Conta que mais recentemente, consigo e com os seus avós viviam o tio NN e a namorada deste, que estava grávida e que, através dos avós, sabe que já nasceu um menino e que já não vivem juntamente com os avós.
169. No que diz respeito à tia BB, conta que esta viveu consigo, quando era mais pequena e que teve um grande contributo nas aprendizagens que foi fazendo, como por exemplo, andar.
170. Quanto à tia CC e família nuclear desta, a AA partilha, na CAR, que foi a sua casa no fim-de-semana anterior ao acolhimento e que dormiu no quarto da prima bebé.
171. Em tais actividades, a AA afirma gostar de todos os elementos da família, mas distingue-os entre si, preferindo a mãe e os avós e relativamente a tal circulo mais restrito, apontou como algo que “menos gosta” na mãe, o facto de a visitar poucas vezes (referindo-se ao período anterior ao acolhimento), no avô as discussões com o tio NN e na avó não dar mimos comparativamente com o avô e ralhar muito afirmando que “dava palmadas no rabo com muita força e com a vassoura” e questionada sobre os motivos de tais comportamentos da avó, sem conseguir concretizar, disse “eu estava sempre a chateá-la”.
172. A AA adopta a fuga e o evitamento como estratégias mais automatizadas em momentos de confronto ou perante alguma tarefa ou temática de que não gosta ou considera difícil como por exemplo actividades prolongadas no tempo, de maior exigência ao nível verbal, que impliquem raciocínio lógico-matemático, tentando falar de outra temática, apresentando alguma necessidade que requeira a paragem da tarefa ou que implique a saída do local, dá uma resposta mesmo que o pedido seja incompreendido, etc, sendo todos exemplos dos comportamentos que adopta para evitar não só a exposição das suas dificuldades, mas também uma recusa declarada que possa interferir na relação/reacção da adulta com quem está, sendo que tais estratégias reflectem a sua reduzida auto-estima, a par da sua necessidade de agradar às figuras de autoridade.
173. A AA adopta também as estratégias de fuga e evitamento quando reconhece no contexto elementos que considera ameaçadores e que sente com medo, isto é, nos primeiros dias os sons das ambulâncias, superado rapidamente, e os comportamentos que espelham grande desregulação emocional de um dos jovens acolhidos.
174. Desde o primeiro dia que a AA, perante um dos jovens acolhidos na CAR, com 16 anos, com perturbação do espectro de autismo, de baixo funcionamento, associada a perturbação do desenvolvimento intelectual e que se encontrava numa fase de maior desregulação aquando do acolhimento da AA, fica hipervigilante, demonstrando sentir algum receio, saindo do espaço em que este se encontra sem que as adultas se apercebam, faz pedidos específicos que impliquem a saída desse espaço e, por vezes, a companhia das adultas mais distanciadas do jovem.
175. A AA, ao assistir a um episódio de maior agressividade por parte de tal jovem dirigido às adultas da CAR, fez uma associação imediata às memórias das vivências que teve no seu contexto familiar.
176. As restantes crianças da CAR que convivem com o jovem não apresentam os mesmos comportamentos da AA o que pode ser justificado por dois factores: pelo reduzido tempo de permanência na CAR e por ter vivido num contexto de elevada imprevisibilidade e agressividade.
177. Desde o primeiro momento que a AA se sentiu com relativo à-vontade com todos os que foi conhecendo, tendo sido notória a sua capacidade de observação e rápida adaptação às dinâmicas preexistentes.
178. Numa fase inicial, foi procurando de forma bastante regular as adultas da CAR para se orientar ou esclarecer perante alguma novidade.
179. Criou rapidamente uma relação de proximidade com a técnica que a recebeu no primeiro dia, procurando-a, preferencialmente, para ter atenção individualizada, grande parte das vezes sem um pedido específico e mesmo na presença de outra adulta presente.
180. No segundo dia de acolhimento, perguntou por várias vezes pela chegada da técnica e apesar de lhe ter sido explicada a rotina da casa e mesmo não sabendo o nome da técnica, identificando-a através de uma fotografia presente na CAR, chorou pela demora da sua chegada e verbalizou receio de que não aparecesse.
181. Nos dias seguintes não chorou mas foi igualmente questionando pelo regresso da técnica, reagindo efusivamente, no momento da sua chegada.
182. Com a progressiva integração das rotinas e início da actividade escolar, tal reacção desvaneceu-se.
183. Desde o início que afirma que as adultas da CAR são todas boas e amigas, mas, ainda assim, definiu logo as suas preferências.
184. A AA procura de forma recorrente ir ao encontro do que é expectável, com a pretensão de agradar e evidenciar-se pela positiva aos olhos das adultas, mesmo que para tal tenha de reforçar um comportamento errado de uma outra criança.
185. Com o grupo de pares, demonstrou bastante entusiasmo em conhecê-las desde o primeiro momento e rapidamente conseguiu integrar-se nas suas brincadeiras e dinâmicas de grupo.
186. Assume já ter definidas preferências claras entre as crianças que vivem na CAR, identificando as que mais gosta e de quais não gosta.
187. Apesar da sua boa integração nas brincadeiras e de ser procurada para tal, por vezes, como forma de resolução do conflito, agride fisicamente os outros, atendendo a quem está presente, para que tal acção passe despercebida aos adultos presentes, tendendo a vitimizar-se quando é questionada quanto ao seu envolvimento em algum conflito, recorrendo à mentira de forma convicta, em alguns dos casos.
188. Tem tendência para se posicionar no papel de figura de autoridade, nos momentos intergrupais, imitando algumas posturas adoptadas pelas adultas da CAR, na relação com as outras crianças, mas também na relação com as adultas.
189. Iniciou a pré-escola no dia 4 de Março de 2022 e a sua integração decorreu de forma normativa, ficando sem chorar ao despedir-se da cuidadora, permanecendo serena e tranquila ao longo desse dia e dos dias seguintes.
190. Revelou independência e autonomia no uso dos espaços e realização das tarefas, adaptando-se bem aos adultos, às rotinas e às regras da sala, tentando, por vezes, ultrapassá-las e, quando chamada à atenção, reage bem e acata a ordem dada.
191. Interage com todo o grupo e demonstra disponibilidade para auxiliar os mais novos quando solicitada ou por iniciativa própria, adoptando uma postura de cuidadora para com estas.
192. A nível de competências para a entrada no 1.º ciclo, necessita ainda de trabalhar os desenhos com mais pormenores, treinar a sua capacidade gráfica, desenvolver a consciência fonológica e aumentar o seu vocabulário e a construção frásica.
193. Aquando do acolhimento, a menina tinha a vacinação actualizada mas o cartão de cidadão estava caducado.
194. A 12 e 19 de Março de 2022, a AA apresentava uma idade desenvolvimental de 66 meses, abaixo do que seria expectável para a sua idade cronológica (76 meses) não representando um atraso desenvolvimental significativo.
195. Apresentava competências superiores e iguais à média nas subescalas de realização e pessoal-social, com idade desenvolvimental de 96 e 77 meses respectivamente.
196. Apresentava valores abaixo da sua idade cronológica, nas subescalas de raciocínio prático, locomoção, coordenação olho-mão e linguagem, correspondendo a uma idade desenvolvimental respectivamente de 62,5 meses, 62, 62 e 54,5 meses, sendo que tais resultados decorrerão de alguma desmotivação no momento da aplicação, na sequência da dificuldade sentida em algumas das tarefas propostas e de reduzida estimulação ao longo do seu desenvolvimento.
197. A AA apresenta um padrão de vinculação inseguro, sendo que o instrumento formal de avaliação “Disturbance Attachmente Interview (DAI) indiciou como resultado “comportamento indiscriminado/desinibido”, sendo que a AA se enquadra mais no indiscriminado.
198. No primeiro dia de acolhimento da AA, foi permitido que a mãe e os avós maternos falassem telefonicamente com a menina, no final do dia, sendo que falaram em simultâneo e a menina reagiu com tranquilidade e foi reagindo ao que lhe iam dizendo – disse à mãe que também a amava e ao avô que não podia ir para junto dela “porque é só para crianças” quando este lhe perguntou “Amor, isso é que são umas férias! E não levaste o avô porquê? (…) Não querias o avô aí?”, sendo que a esta última respondeu “Sim, mas não pode”, procurando o olhar da técnica que acompanhava o telefonema, rindo-se. De seguida, contou um pouco do que conheceu durante o dia (que já tinha 3 amigas, uma menina com um nome igual ao seu, que a Casa é muito longe e muito grande), com bastante naturalidade e descontracção, no decurso e após o telefonema.
199. Não houve momento de choro ou que demonstrasse aos familiares ou elementos da CAR alguma reacção pelo afastamento destes.
200. Anteriormente a tal primeiro telefonema, a técnica que a acompanhou na integração do primeiro dia contou-lhe que a mãe e os avós já tinham telefonado para saber como é que ela estava e explicou-lhe que tinha dito que a AA estava bem e questionou se tinha dito bem, ao que a menina respondeu “Não disseste bem! Podias dizer que eu estou mesmo boa e que gosto da mãe. Posso falar com elas?”, tendo-lhe sido explicado que mais tarde poderiam conversar por telefone e depois visitá-la, tendo ficado contente por saber que sabiam onde estava e não fez mais perguntas sobre o assunto.
201. Desde então e até 18 de Março de 2022, a mãe e os avós telefonavam diariamente para falar com a AA, questionando como estava, o que estava a fazer e o que fizeram, o que comera naquele dia, adoptando, por vezes, uma postura passiva, esperando que a menina tomasse a iniciativa de questionar ou iniciar algum tema, o que, na maioria das vezes, não sucedia, quer pela sua idade, quer pela reduzida motivação que apresentava em tais momentos.
202. A AA foi progressivamente ficando mais calada, respondendo na maioria das vezes com monossílabos ou respostas muito curtas, chegando a exibir desagrado e resistência em atender os telefonemas, que interrompem a brincadeira, conversa ou actividade que estava a desenvolver.
203. No dia 16 de Março de 2022, a avó materna telefonou para falar com a neta e a AA quando foi chamada, escondeu-se debaixo da mesa e dizia que não queria ir, sendo que o fez por imposição da Sra. técnica, mas não falou, não disse nada à avó, mesmo quando questionada por esta e a avó ficou chateada e desligou a chamada.
204. Mais tarde, a técnica devolveu a chamada para esclarecer a situação e os avós ficaram incomodados.
205. Na visita de 18 de Março de 2022, à qual o avô materno não compareceu, a avó materna disse à Sra. Técnica que o marido tinha ficado mesmo triste com a AA e que foi por isso que não falou no telefonema do dia seguinte.
206. No dia 18 de Março de 2022, ficou acordado com a mãe e com a avó que deveriam telefonar apenas uma vez por dia, de forma alternada, para evitar a insatisfação apresentada pela AA, o que passou a ser cumprido.
207. A AA demonstrou preferir tal modalidade, dirigindo-se para o telefonema com menor resistência e dizendo claramente aos familiares, quando pretende despedir-se para dar continuidade ao que estava a fazer anteriormente.
208. O avô materno recusou participar numa entrevista individual na CAR destinada à caracterização da criança pelos seus familiares, mesmo quando lhe foi sugerido que ouvisse as questões e que poderia responder apenas às que quisesse e demonstrou o seu desagrado quanto a avó materna e a mãe aceitaram fazê-lo.
209. O avô materno apresenta uma maior resistência em ouvir e partilhar informações e adoptou, por diversos motivos, atitudes pouco colaborantes com a CAR, mostrando uma resistência inicial em entregar os documentos da neta referindo que seria o seu advogado a levá-los e não compreendendo a necessidade da instituição os ter na sua posse, desconfiando da intervenção da CAR com a AA e questionado o papel de decisão nos cuidados que lhe são prestados: quando cortaram o cabelo à AA o avô afirmou que lhe devia ter sido pedida autorização; afirmou que as técnicas não podiam ter autorizado a alteração da visita da mãe; questionando a neta, nos telefonemas, o que quer que lhe leve na próxima visita apesar de saber da impossibilidade de lhe levar brinquedos e doces nas visitas fora de datas festivas.
210. Na instituição, os avós e a progenitora apresentaram como alternativa ao acolhimento, a integração da AA no agregado familiar da tia CC, mas de forma temporária e até reunirem as condições para assumir os cuidados da menina, sendo que o avô considera que para que tal suceda, é necessário melhorar as condições habitacionais e, a mãe, melhorar a sua situação financeira.
211. A 2 de Março de 2022, os avós maternos e a mãe decidiram, com a concordância da CAR, agendar visitas semanais conjuntas, às sextas-feiras, entre as 18 e as 19 horas, para que o avô conseguisse conjugar com o seu horário de trabalho.
212. Até ao dia 30 de Abril de 2022, a mãe e a avó realizaram todas as visitas agendadas, com excepção do dia 15 de Abril em que informaram que a mãe e o avô estavam doentes.
213. O avô esteve presente em três das seis visitas possíveis, justificando a sua ausência com situações laborais ou por estar doente.
214. No dia 19 de Abril de 2022, a mãe da AA contactou a instituição manifestando a intenção de realizar visitas separadas dos seus pais, justificando a sua pretensão com o facto de a pessoa que lhe dará boleia ter maior facilidade nas quintas-feiras e não querer cruzar-se com os seus pais, referindo que não iria correr bem.
215. Assumiu terem-se desentendido pelo facto de não compreender o que os levou a não realizarem a visita do dia 15 de Abril por ela estar doente, fazendo associações aos custos implicados na deslocação.
216. Apesar de lhe ter sido pedido que avisasse os seus pais, a progenitora da criança recusou fazê-lo.
217. No dia 21 de Abril de 2022, data da primeira visita individual da mãe à filha, os avós maternos telefonaram para a CAR, para demonstrar a sua indignação por esta ter sido autorizada e acusaram a filha de agir de forma mal-intencionada para os prejudicar, referindo que esta sabia da impossibilidade que têm em assegurar de forma autónoma a deslocação, dizendo que eram €100,00 por visita de viagem de táxi.
218. Foi-lhes sugerida a realização de videochamada quando não pudessem efectuar a deslocação, com a qual concordaram, antecipando, que assim talvez conseguissem realizar uma visita por mês.
219. Após tal conflito, as mágoas e as acusações mútuas passaram a ser evidentes e a ser expressas de forma mais espontânea: que a mãe da criança tem uma dívida monetária para com os pais pelos gastos que tiveram com a AA; que os avós não permitiam qualquer contacto da AA com a mãe, etc.
220. Nas visitas presenciais a mãe apresenta-se sempre bastante agitada e com alguma dificuldade em focar-se, dispersando a sua atenção entre a actividade que está a desenvolver, isto é, um jogo ou um desenho e entre perguntas e comentários com a filha ou com os familiares ou com a técnica que acompanha a visita, sendo que alguns são desapropriados e de temas não relacionados com a filha.
221. Com tal comportamento, a mãe chega a interromper, muitas vezes, a própria filha, enquanto esta conta alguma coisa ou está a responder a uma pergunta anteriormente colocada ou até mesmo a própria actividade, trocando-a por outra sem a terminar.
222. Mãe e filha cumprimentam-se e despedem-se com abraços e beijinhos e no decurso da visita quando era efectuada em conjunto com a mãe e os avós a AA elegia a mãe como elemento com quem mantinha maior proximidade física, isto é, com quem passava mais tempo ao colo.
223. Nas visitas presenciais, a avó materna também dispersava um pouco a sua atenção entre e AA e as técnicas, fazia perguntas e comentários, algumas das vezes sobre assuntos que não estavam directamente relacionados com a neta, por exemplo, sobre uma notícia que vira, o facto de algumas colaboradoras da CAR serem freiras, etc.
224. A avó materna mantinha uma postura mais passiva, ficando sobretudo a observar, acabando por participar nas sugestões que a AA ia fazendo e quando esta insistia.
225. O avô mantinha-se mais calado, falando apenas para os elementos da família e com as técnicas apenas quando estritamente necessário.
226. Apresentou-se, na maioria das vezes, desanimado, dizendo à AA que sentia muito a sua falta e chamando-a para abraços prolongados.
227. A AA mostrava-se aberta e respondia a tais abraços, mas também redireccionava a interacção para a actividade ou jogo que estavam a desenvolver e pedia a participação do avô, a que este correspondia.
228. As conversas eram muito em resposta à conversa que já se estava a desenrolar ou perguntas semelhantes às que fizera nos telefonemas.
229. A 14 de Abril de 2022, a tia materna da criança CC e o companheiro, não obstante o referido em 135., disseram à Sra. Técnica da Segurança Social que “a BB não vai lá ficar para sempre” na casa e mencionaram que pretendiam comprar a casa onde vivem, mas não conjuntamente com BB.
230. Mais disseram pretender acolher a AA.
231. Nessa mesma data, CC referiu à Sra. Técnica da Segurança Social que esta quando a contactou em Fevereiro de 2022 para eventual alternativa à situação sociofamiliar, estava sob “muita pressão da família” e que “naquele telefonema estava a trabalhar, a fazer horas à parte e era o primeiro dia… não podia falar” e que “a criança passou por muito… que eu passei também”.
232. Desde o acolhimento de AA e até ao dia 21 de Abril de 2022, a tia materna CC efectuou os seguintes contactos para a instituição:
- 23/02/2022 – apresentando-se e pedindo informações sobre o estado de AA e foi-lhe dito que estava bem, tranquila, a integrar-se bem com as restantes crianças e no decorrer da tarde não tinha chorado.
- 24/02/2022 – questionou sobre como estava a AA e foi informada que estava bem, a integrar-se bem com as outras crianças ao que respondeu que sempre se adaptou bem a qualquer ambiente. Mostrou-se muito indignada com a situação, referindo que a técnica disse que não ficava com a sobrinha, mas tal não era verdade. Conta ter estado sempre disponível para as técnicas e manter essa disponibilidade. Considerar ter as condições habitacionais necessárias, um emprego estável e um ambiente familiar estável para integrar a AA. “A minha vontade é querê-la ao pé de mim”, referindo ter uma boa ligação com a sobrinha, que ia regulamente a casa dos pais e a AA ia passar fins-de-semana a casa dela. Referiu já estar a tomar medidas para “lutar pela sobrinha”.
- 25/02/2022 – questionou sobre a AA, se estava bem, se comeu bem e se dormiu bem tendo-lhe sido respondido que sim. Perguntou sobre o desenvolvimento da AA uma vez que no relatório do infantário dizia que a AA tem um atraso de desenvolvimento. Foi-lhe dito que ainda estava acolhida há pouco tempo para avaliar a situação, mas que se notava algumas lacunas ao nível da linguagem e que ao nível da autonomia estava aparentemente bem.
- 28/02/2022 – questionou sobre a AA e sobre como a mesma tem ficado depois dos telefonemas dos avós e foi-lhe explicado que não poderiam entrar em pormenores e que a menina estava bem. Mostrou-se um pouco indignada por ter sido dada autorização ao pai da menina e não a si, considerando ter uma boa relação com a sobrinha, que ia a casa dos pais e estava com ela. Ainda que pelo Covid-19 tivesse reduzido a frequência. Referiu não ter ficado surpreendida com o acolhimento, por assumir que a decisão seria passar a ser ela a ter as responsabilidades da sobrinha. Que esteve sempre atenta e disponível para as técnicas e que desde há 6 meses que já se encontra numa casa com as condições habitacionais necessárias, porque antes não tinha quartos suficientes (não ia por a AA a dormir com o filho) e que, inicialmente, com toda a pressão que estava a sofrer, hesitou, porque também tem os seus filhos e questionou se considerava que isso poderia prejudicar a decisão do tribunal, ao que lhe foi respondido, não saber. Foi referindo vários momentos que disse ter vivenciado com a AA e, novamente, se aperceberam do agravamento da situação. Perante isso foi questionada porque nunca tinha tentado antes ficar com a sobrinha a seu cargo ao que respondeu “já tínhamos posto a hipótese!”, mas justificou com o facto de antes não ter mesmo condições e que, mais recentemente, já tinha a intenção de falar com os seus pais sobre isso, mas que não era uma situação fácil. Contou que ela própria fez uma denúncia anónima por preocupação, por se estar a criar o mesmo ambiente em que viveu e disse que consegue perceber que saindo daquele ambiente se possa sentir logo melhor, percebendo que a AA esteja bem porque ela própria disse ter assistido a muita coisa enquanto criança.
Contou que a AA passou um fim-de-semana em sua casa, o anterior ao acolhimento, e no final chorou por não querer regressar aos avós e que ela própria ficou triste por ter de a levar. A AA ficou muito contente, que esteve muito bem, acordou cedo, brincou com o primo, com quem, por vezes, também se desentendia “o que é natural entre as crianças”. Disse ter sentido que a AA estava muito feliz e a apropriar-se de tudo “isto é meu. Este é o meu quarto” e com tais exemplos que referiu, comentou considerar que a AA tem muita facilidade em se adaptar a ambientes novos. Contou que ao dar-lhe banho esta parecia um pouco espantada e assumiu desconhecer os hábitos/práticas dos seus pais. E que tentou fazer-lhe tratamento aos piolhos, mas como foi apenas um fim-de-semana não conseguiu dar continuidade.
Questionada sobre a regularidade dos contactos com a AA antes do fim-de-semana de 20 e 21 de Fevereiro de 2022, CC fez referência a alguns momentos, dizendo que ia buscá-la para ir ao McDonald’s, ao parque, andar de bicicleta, tentava incluí-la nesses momentos da sua família, mais ao fim-de-semana devido ao trabalho, assumindo que, ultimamente, também se tinha afastado pelo facto do ambiente ter começado a ficar mais difícil, reconhecendo que também não era bom para os seus filhos. Questionada mais especificamente quanto a fins-de-semana com pernoita, disse que o fazia muito antes e instada a concretizar acabou por dizer que era mais habitual quando vivia em casa da sua sogra, quando a AA tinha mais ou menos 4 anos.
No decurso da conversa, CC disse que sempre teve essa vontade “quero um dia dar conforto e paz à minha sobrinha. A calma é muito importante”, “também fui mãe cedo e amo muito os meus filhos e a minha sobrinha. E é melhor ela estar com a família, não somos estranhos e ela gosta de nós” e questionada sobre qual a relação que mantém com a mãe da CC, respondeu “sou um bocado distante. Gosto de viver a minha vida. Não concordo com muitas coisas que ela faz. Já a critiquei muitas vezes. Agora, tento dar-me minimamente.”
- 04/03/2022 – questionou sobre a AA e foi-lhe dito que estava bem e que já iniciara a escola e perguntou como é que ela tinha ficado depois da visita de outros familiares e foi-lhe respondido não poderem dar tais pormenores e que estava bem e pediu para mandar um beijo à AA, dela, da tia BB e do LL.
- 14/03/2022 – questionou sobre a AA e foi-lhe dito que estava bem, embora, por vezes, ficasse aborrecida por ter de parar o que estava a fazer para atender telefonemas.
233. Até ao dia 30 de Abril de 2022, a tia CC realizou novo telefonema a 22 de Abril questionando como estava a AA.
234. O progenitor nunca visitou a filha na instituição nem contactou telefonicamente para dela cuidar de saber.
235. Em sede de debate judicial, o progenitor declarou nunca ter visitado a filha na instituição “para não baralhar a cabeça da AA. Nunca fui presente na vida dela por opção minha. Conheço-a porque a Sra. HH às vezes mandava-me fotografias dela. (…) só a via quando ia levar a pensão de alimentos uma vez por mês e deixei de o fazer com a pandemia porque comecei a fazer transferência bancária. (…) acho que ia lá mais durante a semana. Era pressionado pela avó materna para lá ir levar a pensão. São pessoas que só pensam em dinheiro”.
236. Mais declarou que a tia materna da filha, CC o contactou quando foram notificados para a conferência, a dizer-lhe que era presente na vida da filha, que queria ficar com ela e que tinha condições. “Não sei se é verdade o que ela me disse (…) a CC é a minha primeira opção. Não sei nada da vida dela. Só sei o que ela me disse. A CC nem sequer fala com os pais, foi o que ela me disse. (…) a segunda opção é ir para adopção. Eu não tenho outra opção, não sou a melhor opção e a mãe também não porque abandonou a menina e os avós eu sempre achei que não eram uma boa opção”.
237. Quando questionado sobre se CC não tem já dois filhos respondeu “acho que sim, não tenho a certeza”.
238. Mais declarou estar de relações cortadas com a mãe da filha AA e com os avós maternos desta fala “o básico”.
239. Em sede de debate judicial, a progenitora declarou estar de relações cortadas com os seus pais e não falar com os mesmos há cerca de um mês porque “uma vez não foram ver a AA, não podiam ir, eu fiquei chateada” e esclareceu que antes disso, voltara a falar com os seus pais em Fevereiro de 2022 e que antes não o fazia “porque eles proibiram-me de estar com a AA”.
240. Mais declarou que a AA estava com os avós desde o ano de idade e que “eu ia lá vê-la quando ela (referindo-se à sua mãe) me deixava. Era raro eu dar dinheiro e ela proibia-me de ver a AA porque não lhe dava dinheiro ou dava pouco”.
241. Questionada sobre o que entende ser melhor para a filha, a progenitora declarou, em sede de debate judicial que “o melhor é ficar com tia CC, para já e depois comigo lá mais para a frente”, “os avós não têm condições”, “a CC tem mais cabeça”, “a CC passava os fins-de-semana em casa dos pais, eu não, era raro”, “A BB ia lá vê-la a casa dos meus pais quando tinha folga porque ela trabalha num lar”, “não sei porque é que a CC se afastou dos pais”.
242. Questionada sobre porque acordou que a filha ficasse a viver com os avós no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, respondeu “eu dei aos avós porque o pai queria, eram 3 contra 1. Eu concordei porque na altura não tinha casa, nem dinheiro, porque estava lá a minha irmã BB que tomava conta da minha filha. (…) A BB arranjou um rapaz e foi-se embora dos meus pais e foi à vida dela. (…) Não sei quanto tempo a BB esteve em casa dos pais. (…) A BB vive na mesma casa da CC e tem companheiro” e questionada sobre o que é que ele faz, respondeu “não me pergunte”.
243. Pese embora tenha declarado “sempre convivi com a CC”, a progenitora, em sede de debate judicial, não conseguiu descrever o percurso de vida da mesma.
244. Mais declarou entender que reunirá condições para acolher a AA quando tiver uma casa e trabalho fixo e que “no final do ano vou mudar de casa para um T3 que está em obras e eu vou começar a trabalhar em Junho numa fábrica”, “se não ficar com a CC não quero pensar nisso, como mãe queria que ficasse com ela, não gostava que ela fosse para adopção, eu gosto muito da minha filha” e ter dado à AA, numa visita na instituição, uma fotografia da CC, do LL e da QQ.
245. Em sede de debate judicial, a avó materna justificou o corte de relações da sua filha HH consigo porque “ela queria que fôssemos ver a menina todos os fins-de-semana. Porque é €100,00 de táxi. De carro é mais directo, de comboio temos de estar a mudar e tudo”, “este mês eu estava com covid e o meu marido coluna e apanha-lhe as pernas quando lhe dá não consegue… eu fui operada há coluna há dez anos, não posso baixar-me, nem pegar pesos”.
246. Mais declarou auferir pensão de invalidez no montante de €322,00 e o marido “anda aos dias, vai cortar erva, fazer jardim” e quando questionada sobre quanto aufere com essa actividade respondeu “sei lá! Talvez €100,00 por semana”, “em ... dão o cabaz alimentar. A casa é minha, própria, nós comprámos às minhas irmãs há 3 ou 4 anos, foram €600,00 para cada uma, já pagámos”.
247. Questionada sobre o que entende ser melhor para a neta declarou “eu queria que ela fosse para casa da minha filha CC, levou para lá a menina muitos fins-de-semana. Se não deixassem, ir para nossa casa, senão, para casa da CC”, “a CC zangou-se por eu não ir lá (visitar a neta na instituição)”, “nunca me ofereceram dinheiro para eu ir lá” e quando questionada sobre se sabe alguma coisa da vida da filha CC, respondeu “eu acho que elas estão bem”.
248. Mais declarou ter cinco filhos: um que morreu com 16 anos; a RR, a mais velha, que está em França “desde os 15 anos, eu assinei os papéis para ir para o pé da tia. Depois casou-se” e questionada sobre se mantém relação com essa filha respondeu “falo quase sempre com ela”; a HH, que foi para uma instituição quando “tinha 14 anos. Diziam que ela se portava mal mas é mentira. Diziam que ia para o pé dos homens”; o NN, que foi para uma instituição com “12/13 anos. Não queria ir à escola e era agressivo”; a CC “tinha 17 anos foi para casa da “sogra”. Estava grávida. Porque a casa era mais confortável. Tem o 9.º ano de escolaridade” e a BB “saiu de casa tinha 20 ou 21 anos. Tem o 9.º ano de escolaridade”.
249. Mais declarou “ela (a mãe da AA) não pagava (a pensão de alimentos),” “a CC nunca deu dinheiro para sustentar a menina”, recebia “€37,00 de abono de família da AA e €160,00 de pensões”, “é mentira que eu a proibisse (a mãe da AA) de ver a filha, eu telefonava-lhe e ela dizia “agora não posso””, “fui com ela ao médico umas poucas de vezes, eu dava-lhe banho todos os dias”, “O KK é filho da CC e de outro rapaz, não é deste” e questionada como se chama o pai do KK afirmou “SS”, “não sei se o SS tem visto o filho”, “a HH não tem condições de estar com a filha, nunca teve. A CPCJ deu-me a AA”, “a CC diz que quer ficar com a menina, se é boa mãe para os filhos, também será para a AA”, desconhecer a existência de um processo de promoção e protecção relativamente ao seu neto KK, “antes da instituição (a AA) esteve lá no fim-de-semana em casa dela (da CC)”, “CC teve um tempo que deixou de falar para nós e de ir lá a casa e não falava com a AA, não sei quando”, “quando a menina foi para a instituição já falávamos, não sei quando”, “fomos passar o Natal de 2021 a casa da CC”, “passou muitos fins-de-semana e dias com a CC em casa dela”, “o LL e a MM iam passar fins-de-semana a minha casa. Gostavam muito um do outro”, “fez um ano em minha casa a menina. Vivia lá também a BB, ela é que dormia com ela e dava-lhe banho e tomava conta dela”.
250. Em sede de debate judicial, o avô materno da criança declarou estar de relações cortadas com os pais da AA, “não falamos”, “há poucos meses que não falo com a HH”, com “a CC foi um mês e pouco que não falou comigo”, “a gente não vive juntos, a gente não fala”, “também convivo com o LL e com a MM, quando eles podem levam lá a casa”, “não frequento a casa da CC, passámos lá o Natal”, “conheço mal o pai da MM, só o vi no tribunal de Oliveira do Bairro e agora aqui”, “O KK é filho do TT e está com ele sempre aos fins-de-semana”, que o pai da MM tem outra menina em ... e depois “a minha neta não é MM. O pai da MM não tem mais filhos e disse-me que não quer mais filhos”, “a CC, a BB e o companheiro daquela são impecáveis, não tenho nada a dizer deles”, “ele, a minha CC e a minha BB são os três que querem a menina”, “a mãe deixou a menina connosco e a BB ajudou a criar”, “ao fim-de-semana, (a AA) ia lá para casa delas, ia na sexta-feira à noite e vinha no Domingo à noite, na casa nova e na casa velha também” e questionada sobre há quanto tempo as filhas CC e BB vivem juntas respondeu “não sei”, “nunca houve problema nenhum com a neta”, “a minha neta gosta mais da avó do que da mãe” e desconhecer o processo de promoção e protecção do neto KK “há umas semanitas que não falo com ela, não posso andar sempre em casa dela” e que o filho NN saiu da sua casa há um mês.
251. Em sede de debate judicial, a tia materna da criança, CC declarou não estar de relações cortadas nem com os progenitores da AA, nem com os seus pais e questionada sobre qual a sua posição quanto à sua sobrinha respondeu “é lutar pela minha sobrinha, como sempre foi, como é obvio, querê-la para o pé de mim, porque eu sou tia dela e ela é minha sobrinha, porque é do meu sangue e tendo possibilidades para ficar com ela não é grande opção ela ir para adopção”; negou ter tido várias posições sobre o assunto ao longo do processo; desconhecer quando a sua irmã BB saiu de casa dos pais e desconhecer porque não levou a AA consigo e a BB viver consigo há 7 meses, sendo que antes disso viviam na mesma terra; “guerra, porrada, polícia, eu passei e ela (AA) também”, questionada referiu “fiquei preocupada com a saída da BB mas não fiz nada porque não tinha condições, morava num T2 com um filho”; fiz duas queixas à CPCJ de Anadia sobre o que se estava a passar, guerra, higiene, mau ambiente”, “eu gosto da minha sobrinha, tenho muito amor para lhe dar, quero vê-la bem”; confirmou que o seu filho KK tem consultas de neurodesenvolvimento e de psicologia e quando questionada porque tem faltado respondeu “quem é que lhe disse isso? Só faltei a duas. O meu filho é hiperactivo controlado”, justificando as faltas com o facto de as convocatórias terem sido enviadas para a morada errada; ter conhecimento do processo de promoção e protecção na CPCJ do seu filho pela professora deste, negando ter recebido convocatória, mas que já falou no dia de hoje com a CPCJ e a instâncias da Sra. Advogada respondeu que no tribunal, com o membro aí presente enquanto aguardava a sua audição.
252. Mais declarou que o filho KK é uma criança agressiva porque assistiu a violência doméstica entre o pai e a declarante; negou faltar a consultas e que o filho está bem e está medicado e só a instâncias é que disse que faltou por falta de transporte; negou que o filho tenha faltado a consultas de psicologia e “eu peço desculpa, mas eu sou obrigada a responder a perguntas sobre o meu filho?”, mesmo após lhe ter sido explicado que sim e que tal é importante para a decisão a proferir sobre a AA; a instâncias disse “não se recordar de falta a consulta em Dezembro”.
253. Mais declarou “cortei relações com os meus pais a determinada altura” e quando questionada sobre quando esteve de relações cortadas com os seus pais respondeu “foram tantas vezes” e questionada sobre a mais longa “de há um mês para cá não temos contacto por n situações pessoais. Os meus pais são um bocado complicados e conflituosos”.
254. E “eu engravidei com 17 anos, os meus pais não tinham condições habitacionais e fui para casa da ex-sogra. Estive dois anos com o meu ex-companheiro e separámo-nos e cada um seguiu a sua vida”; o seu actual companheiro não tem mais filhos além da MM e “não queremos mais filhos em comum. Está fora de questão” e questionada porquê respondeu “porque não quero. Porque acho que não tenho vida para ter um batalhão de filhos” e questionada sobre se a AA não lhe for entregue põe a hipótese de ter mais filhos respondeu “Não! Não!”.
255. Negou ter havido mudança de ideias em relação à aquisição da casa onde habitam, “eu sempre disse que era eu e o meu companheiro que íamos comprar a casa”.
256. Mais declarou “eu ia visitar a AA não com muita frequência e fins-de-semana levava-a para minha casa, de quinze em quinze dias, desde os 3 ou 4 anos”, “temos muito amor para lhe dar, a gente gosta mesmo muito dela”, “amor de um filho é amor de um filho”, “tudo o que fizer aos meus filhos faço à AA, o que comprar para um, amor, atenção”.
257. Mais declarou não saber a data de nascimento da AA, não saber em que ano nasceu e “penso que ela tem uma alergia na pele” e confrontada com o atraso na linguagem afirmou “fala um bocadinho à bebé” e saber que a sobrinha pode precisar de consultas de neurodesenvolvimento.
258. Mais declarou estar a tirar a carta de condução.
259. Em sede de debate judicial, a tia materna da criança, BB declarou estar de relações cortadas com os seus pais “afastei-me para não haver mais guerras” e que quando saiu de casa dos seus pais pela segunda vez, por volta de Maio de 2020, “quando saí cortei relações com os meus pais e não ia visitar a menina” e questionada sobre quem ia lá saber da menina respondeu “a HH ligava muitas vezes para saber da filha e depois dizia-me”, “não sei como é que estava a AA”, “a minha mãe proibia a HH de estar com a filha porque não lhe dava o dinheiro” e, a instâncias que “a CC foi lá mais vezes quando havia porrada para tentar proteger a menina”, “nós ligámos olhem a menina começámos a levar a menina aos fins-de-semana e ela sentia-se protegida” e instada a concretizar “acho que foi dois fins-de-semana antes do acolhimento… só me lembro de um antes do acolhimento”.
260. Que “antes do Natal de 2021 tentei fazer as pazes com os meus pais porque eu pensei que eles podiam mudar a maneira de pensar”, “não sei se o NN ainda está em casa dos meus pais”
261. Mais declarou que quando a sobrinha AA foi para casa onde vivia com os seus pais “a AA dormia no meu quarto, era só eu que tomava conta dela, a minha mãe descartava-se”; “o ambiente lá em casa era difícil, a minha mãe tem de ser como ela quer”.
262. Mais declarou pretender continuar a viver com a irmã CC “até arranjar uma casa para mim” e negou ter dito à Sra. Técnica da Segurança Social que iam comprar a casa juntas.
263. Mais declarou “não tenho, nem tive condições para ter a menina”, “a CC tem condições porque ela é muito boa mãe e faz tudo pelos filhos. Ela gosta muito da AA” e quando questionada sobre a relação da CC com a menina respondeu “eu acho que a menina gosta da CC” e que o “LL ia lá para casa quando eu estava lá em casa dos meus pais”, “o LL passa fins-de-semana quinzenais com o pai”, “o LL não é violento, é irrequieto, está sempre a correr de um lado par o outro, não consegue estar sentado”.
264. A propósito da alegada intenção da sua irmã CC pretender acolher a AA afirmou “eu acho que a intenção dela é genuína. como ela já sofreu tanto, não é?” e que “eu estou lá para ajudar se for preciso” e questionada sobre se a CC quer ter mais filhos respondeu “filhos, filhos, já chega”.
265. Questionada, respondeu “acho que a HH não tem intenções de ficar com a menina”, “não tive nenhuma conversa com a HH sobre se ela pretende ficar com a filha”, “já cortei relações com a HH uma vez há quatro anos quando ela foi tomar café e ficou uma semana longe da filha. Voltámos há 1 ano” e questionada como é a sua irmã HH respondeu “nem sei por onde começar”, “é instável emocionalmente. Ora está bem, ora está mal. Não cria guerras nem confusões”.
266. Afirmou desconhecer o motivo pelo qual os seus irmãos estiveram acolhidos, que “antes havia guerras e confusões entre a família da minha mãe”, “quando a CC saiu de casa o meu pai bebia muito e batia na minha mãe”, “ele agora não bebe, não sei quando deixou”.
267. Mais declarou que quando saiu de casa dos seus pais “fui viver para casa da sua irmã CC durante cerca de dois meses e depois para uma casa perto da casa daquela no ...”, “depois houve umas confusões da CC com a sogra” e instada a concretizar “não se davam bem. A sogra era muito controladora” e “ela quis sair de lá e fomos para Anadia, para o apartamento” e depois “viemos para esta casa”.
268. Mais declarou que “a CC foi para o hospital com um esgotamento em Maio de 2021 quando trabalhava no café”, “acordou, não conseguia andar, a tremer e foi para o hospital. Ela contou-me que lhe disseram que era um esgotamento. Só tinha uma folga e tinha pausas durante os dias de trabalho”.
269. O companheiro de CC, solteiro, operador cerâmico, de 23 anos, em sede de debate judicial, declarou, além do mais, que “estive com a AA sempre que ia a casa dos meus sogros praticamente todos os fins-de-semana. Ela esteve várias vezes em minha casa fins-de-semana, o último antes de ir para a instituição esteve lá” e em “almoços de família também ia com os avós”; ter conhecimento do processo de promoção e protecção do KK “só do que a CC me disse. Não fui à CPCJ”, “o KK é hiperactivo, tem consultas de pedopsiquiatria, psicologia, terapia da fala, vamos lá os dois acompanhá-lo”, “faltámos ás consultas porque iam para a morada anterior” e a propósito da intenção de acolherem a AA, “decidimos em conjunto. A partir do momento em que temos essa possibilidade. Mas não está nas nossas mãos!”, “não está nos meus planos ter mais filhos, se acontecer é bem vindo”, “se a AA vier para o pé de nós é como se fosse nossa filha”, “cheguei a ver a situação com o NN” e questionado porque é que não fizeram nada respondeu “nós não tínhamos possibilidades de a ter ao pé de nós. Não tínhamos espaço, um quarto para ela”, “AA sempre a brincar, a rir-se. Eu nunca notei. Mas acho que é muito inteligente e consegue esconder. Passou o que passou e começou a ganhar resistência às coisas”, que a companheira teve um esgotamento, “sentiu-se mal e disseram que era esgotamento de cansaço” sendo que trabalhava num café “das 10 horas, às vezes até às 3 horas da manhã” e “saiu do café e foi trabalhar, por turnos, na S...” e questionado disse que “eu nem trabalhava nessa altura. Ajudava-a”.
270. Desde 30 de Abril de 2021, até à realização do debate judicial, a mãe e os avós maternos telefonam diária e alternadamente à AA e a mãe esteve presente nas visitas e os avós maternos não voltaram a visitar a neta presencialmente na instituição desde o desentendimento com a filha HH a 15 de Abril de 2022, passando apenas a realizar videochamada.
271. A tia materna CC voltou a telefonar para a instituição para cuidar de saber da sobrinha no dia 15 de Maio de 2022.
272. A AA tem estado mais vezes com a mãe desde que está na instituição do que antes do acolhimento.
273. A AA necessita de terapia da fala.
274. É uma criança que provoca para ver se o adulto está atento.
275. A AA, na instituição, não pede para telefonar às tias, nem nunca questionou na instituição para onde vai, nem pede para ir para casa da mãe, dos avós ou das tias e o que diz, de forma consistente, é que que não quer voltar à casa dos avós e, mais recentemente, disse que queria ir para casa da mãe que, no entanto, diz não conhecer e muito no inicio do acolhimento, quando questionada, disse que foi passar o fim-de-semana anterior em casa da tia CC.
276. Na instituição, sobre a tia CC, a AA não faz grandes comentários, disse que a MM é bebé e que dormiu no quarto dela no fim-de-semana que passou em casa daquela antes do acolhimento e, espontaneamente, nunca falou no primo KK e só quando explorado é que disse que gostava de brincar com ele às escondidas, mas reportando-se ao fim-de-semana anterior ao acolhimento e no segundo dia de acolhimento, quando explorado, chegou a dizer que as tias BB e CC “não são da minha família”.
277. A 16 de Março de 2022, quando, na instituição, foi realizado com a AA o genograma da família, mostrou claramente conhecer as relações familiares e disse que a BB não tem filhos e que foi ela quem lhe ensinou tudo, a andar e a comer, sendo que é o que ouve a mãe e os avós maternos dizerem nas visitas.
278. No dia 21 de Março de 2022, quando, na instituição, foi realizado com a AA, o “mapa das relações” em que é a Sra. Psicóloga quem elege as pessoas, sobre a tia BB disse não gostar muito “porque não faz nada” e sobre a tia CC “gosto mais ou menos porque peço alguma coisa e ela não faz e porque está ocupada”, reportando-se sempre ao fim-de-semana anterior ao acolhimento.
279. A criança consegue identificar os tios, primos, avós maternos e progenitores pelo nome e grau de parentesco, mas aquando da sua audição em sede de debate judicial, quando questionada para dizer pessoas da sua família de que se lembrasse começou por afirmar “não sei” e questionada directamente sobre o nome da mãe, da avó e do avô, fê-lo e novamente afirmou não se lembrar de mais ninguém, e questionada sobre se tem tios, identificou apenas o NN e a CC, que o tio NN tem um filho mas não saber o seu nome porque é muito bebé e questionada, disse que a tia CC não tem filhos e que não brinca com eles, sendo que posteriormente quando questionada directamente disse que o KK é o filho da CC e que nunca brincou com ele e nunca foi a casa da tia CC e quando, com recurso a bonecos, lhe foi pedido para os identificar como a sua família, fê-lo segundo a seguinte ordem: avó e avô, “mano LL”, mãe, pai, “manita (OO)” e tio NN, identificou como os mais importantes entre eles o tio NN e a OO e referiu serem os avós quem dão mais abraços e beijinhos e questionada sobre quem escolheria para ir consigo à praia respondeu a mãe, tendo dado idêntica resposta sobre quem escolheria para ir consigo de carro e sobre quem gostaria que lhe contasse histórias, a mãe e a avó.
280. A AA tem uma grande carência afectiva e procura afecto em qualquer pessoa, sendo que, no dia do debate judicial, conheceu a Sra. Psicóloga que a acompanhou na sua audição e pese embora estivesse consigo a Sra. Psicóloga da instituição, pediu que fosse a primeira a levá-la à casa de banho e foi logo para o seu colo.
281. Nas visitas, a mãe e os avós fazem questão de dizer à AA que a tia e os primos mandam beijinhos.
282. Depois de ter sido ouvida no debate judicial, a progenitora telefonou para a instituição e disse à Sra. Psicóloga que não tem capacidades e não conseguiria ficar com a filha e o que mais lhe custa se for para adopção “é deixar de a ver”.
283. A progenitora foi acolhida numa instituição na sua adolescência, tal como o seu irmão NN, sendo que este, aos 18 anos, voltou para casa dos pais.
284. A progenitora esteve acolhida entre os 14/15 e os 18 anos e depois conheceu um rapaz e foi viver com ele, sendo que desse relacionamento, nasceu a sua filha QQ, actualmente, com 16 anos, que vive com o pai e com quem não mantém contactos regulares, sobretudo, presenciais.
285. A AA é fruto de uma relação ocasional entre os progenitores que se conheceram na internet e foi a mãe quem quis levar a gravidez até ao fim.
286. Aquando do nascimento da AA e estando ainda na maternidade, a progenitora ponderou entregá-la para adopção.
287. Esteve acolhida com a filha AA, aquando do nascimento desta e após ter saído com a filha da instituição, onde esteve durante quase um ano, a menina foi entregue pela CPCJ de Anadia à avó materna, formalmente, por acordo de promoção e protecção a 28 de Julho de 2017, na sequência de uma sinalização efectuada pela avó materna alegando que a mãe andava com a filha de um lado para o outro, “numa vida louca”.
288. Por acordo havido entre os progenitores e os avós maternos a 3 de Setembro de 2018 e homologado por sentença, ficou estabelecido, além do mais, que a criança ficaria a residir habitualmente com os avós maternos, competindo o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância da vida da criança, em conjunto, aos avós maternos e aos progenitores e, quanto aos actos da vida corrente, tal exercício competiria àquele que, em cada momento, tivesse consigo a criança e que os pais estariam com a filha e tê-la-iam consigo, sempre que desejassem, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso da mesma e mediante um aviso prévio aos avós maternos com a antecedência mínima de 24 horas e fixada uma pensão de alimentos no montante mensal de €50,00, actualizada, anual e automaticamente, no montante de €1,50, relativamente à mãe e, no montante de €75,00, actualizada, anual e automaticamente, no montante de €2,00 relativamente ao pai.
289. Por sentença proferida a 7 de Maio de 2021, foi julgado verificado o incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais por parte da progenitora no que concerne ao pagamento da quantia de €780,00 a título de pensões de alimentos vencidas até Janeiro de 2021 inclusive e determinada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em substituição da mãe, pagando uma prestação mensal no montante de €53,00, actualizada, anual e automaticamente, no montante de €1,50 em Setembro.
290. A progenitora tem uma vida marcada pela instabilidade relacional, habitacional e laboral e quando inicia um novo relacionamento amoroso, transfere a sua residência e vida para junto destes, tendo, inclusivamente, levado a AA consigo enquanto não foi entregue aos avós maternos.
291. Actualmente vive com um companheiro SS, de 24 anos, há cerca de um ano e meio que trabalha na construção civil e aufere cerca de €650,00 líquidos mensalmente.
292. A progenitora, tem 34 anos, a 22 de Fevereiro de 2022 estava desempregada, mas realizava umas horas nas limpezas, sendo que, em sede de debate judicial declarou trabalhar num café em part-time, há um ano e tal e questionada sobre os rendimentos que aufere com tal trabalho, afirmou, “depende, vou quando me chamam. 20, 40 não faço ideia” e não ter mais rendimentos além dos que aufere no café.
293. Continua a habitar com o companheiro no T0 sito na ... e afirmou, em sede de debate judicial, pagar uma renda mensal no montante de €400,00.
294. Antes do seu actual relacionamento, a progenitora esteve em casa da mãe do seu ex-companheiro com quem viveu em união de facto durante dois meses, em Coimbra, “por não ter para onde ir e depois conheci este rapaz” e questionada ainda em sede de debate judicial sobre o relacionamento anterior ao do rapaz com quem esteve durante dois meses respondeu “agora não me lembro”.
295. Além da QQ e da AA, a progenitora tem uma outra filha, UU, de 11 anos, fruto de outro relacionamento e que vive com a avó paterna.
296. Relativamente ao relacionamento que mantém com a filha UU, a progenitora declarou em sede de debate judicial que “eu ligo-lhe de vez em quando e o pai vem mostrar-ma quando pode. A última vez foi a 9 de Janeiro de 2021”.
297. A progenitora nunca foi à escola da filha AA nem a nenhuma consulta médica da mesma.
298. O progenitor da criança perfilhou-a cerca de um ano após o seu nascimento, a 29 de Outubro de 2016, na sequência de um processo de averiguação da paternidade.
299. Tem 32 anos, é solteiro e vive em casa da sua mãe sita em ..., com uma outra filha de 5 anos.
300. É pintor da construção civil e trabalha na empresa “M...” e aufere um vencimento mensal no montante de cerca de €750,00 líquidos.
301. Nada consta dos certificados de registo criminal dos progenitores da criança.
302. Correm termos no DIAP de Anadia os seguintes processos: 366/20.6GBAND em que é denunciado NN por ameaça; 32/21.5GBAND de ofensa à integridade física em que é denunciado NN e denunciantes JJ e II e o 153/21.4GBAND de ofensa à integridade física em que são denunciados JJ e II.
303. O agregado familiar das tias CC, de 28 anos, e BB, de 25 anos é composto pelas próprias, pelos respectivos companheiros, EE, de 23 anos e PP, de 23 anos, pelo filho de CC, KK, de 11 anos e pela filha de CC e EE, MM, de 14 meses.
304. CC trabalha na empresa “S...” como operária fabril, com um contrato de trabalho a termo.
305. Trabalha das 8 às 16 horas e 30 minutos, de Segunda a Sexta-feira e, por vezes, também ao Sábado, sendo que aufere mensalmente, em média, € 950,00 líquidos.
306. O companheiro de CC trabalha na empresa “P...” como operário cerâmico, através de uma empresa de trabalho temporário, mas tem expectativa de fazer contrato com a “P...” e ficar efectivo.
307. Trabalha por turnos rotativos: das 8 às 16 horas, das 16 às 00 horas e das 0 às 8 horas e aufere cerca de € 800,00 líquidos.
308. CC e EE vivem em união de facto um com o outro há cerca de quatro anos.
309. O KK frequenta o 4.º ano de escolaridade na Escola Básica ... e o centro de actividades de tempos livres do Centro Social e Paroquial ... e a MM está integrada na creche da mesma instituição.
310. O companheiro de CC tem veículo automóvel.
311. A renda da casa importa na quantia mensal de € 450,00.
312. O casal CC e EE já tentou aceder ao crédito para compra da habitação onde vivem mas não conseguiram por ambos se encontrarem em trabalho temporário e não terem capital próprio suficiente mas pretendem voltar a tentar.
313. A criança KK tem processo de promoção e protecção na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de Anadia, na sequência de uma sinalização efectuada pelo estabelecimento de ensino que frequenta, por bullying praticado pelo próprio.
314. A progenitora, aquando do debate judicial, faltara a três convocatórias da CPCJ de Anadia para dar o consentimento para a intervenção, sendo que apenas uma delas foi dirigida à morada errada.
315. O KK é uma criança com necessidades educativas especiais e é acompanhada em várias especialidades apesar de cumprir irregularmente as consultas que lhe vão sendo marcadas.
316. A coordenadora da escola e a professora do KK afirmam que “o menino não é uma criança fácil”.
317. E a propósito da mãe do mesmo, referem ser uma mãe presente, atenta, esforçada, que atende sempre que a escola comunica com ela, mas que não tem transporte.
318. O KK faz-se acompanhar do material escolar e não tem faltas injustificadas.
319. O KK tem problemas de desenvolvimento, como dificuldades no controlo da impulsividade e de comportamento (por exemplo, pratica bullying na escola) que advêm daqueles e precisa de acompanhamento psicológico e de consultas de neurodesenvolvimento.
320. O menino foi acompanhado em consultas de neurodesenvolvimento em Coimbra e teve alta em 2016 e reiniciou em Janeiro de 2021 e “tem mais faltas do que presenças”.
321. Foi encaminhado para consultas de psicologia e desde o início do presente ano lectivo, foi tentado fazer um acompanhamento semanal e depois quinzenal, mas falta e depois as remarcações não são efectuadas com celeridade: faltou a 23 de Setembro de 2021, não remarcou logo, esteve presente nas sessões de 15 e 22 de Novembro de 2021, faltou a 6 de Dezembro de 2021 apesar de ter sido agendada com o companheiro da progenitora da criança e de acordo com a disponibilidade deste por ser ele quem o iria levar e só voltou a estar presente a 23 de Março de 2022.
322. A mãe era alertada pela professora do KK e pela psicóloga para a necessidade do filho comparecer às consultas de neurodesenvolvimento e de psicologia.
323. Relativamente à filha MM, a educadora da mesma reputa da mãe da bebé como supercuidadosa, que está sempre pronta a levar o que lhe é pedido e interessada no desenvolvimento da filha.
324. A menina é assídua e apresenta-se na creche com a higiene assegurada.
325. A tia materna da criança, BB, nunca contactou a instituição para cuidar de saber da sobrinha.
326. BB é solteira, tem 25 anos e é auxiliar num lar.
327. BB saiu de casa dos seus pais quando tinha 18 ou 19 anos, em 2018, “porque a minha mãe era muito controladora” e foi para a Madeira e regressou em Dezembro de 2019 “porque não me adaptei” e voltou para casa dos seus pais onde permaneceu até Maio de 2020.
328. A avó paterna da criança é o único elemento da família paterna que a conhece e porque o pai a levou a passar o Natal e a Passagem de ano quando tinha 3 ou 4 anos, tendo sido esse o único contacto que mantiveram uma com
a outra.
329. Inexiste alguém na família alargada paterna que queira/reúna condições para acolher a criança.
330. Os avós maternos da criança são acompanhados pela Segurança Social desde 2015 no âmbito do Rendimento Social de Inserção e não são permeáveis à intervenção, nem pessoas disponíveis para colaborar, sendo que foram sempre sensibilizados para a necessidade de realização de obras na habitação e foram sempre adiando, ora porque queria comprar a casa do lado, ora porque estavam em partilhas e nunca recorreram ao apoio da Câmara Municipal para o efeito conforme indicação que lhe foi dada pela Sra. Técnica do RSI.
331. Desde Março de 2020 até pelo menos um mês antes da data do debate judicial, o tio materno da criança NN, foi integrando, por várias vezes, o agregado familiar dos seus pais e dele saindo, na sequência de desentendimentos com os mesmos que, ainda assim, o voltaram sempre a acolher.
332. A progenitora nunca instaurou uma acção de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais para conseguir o cumprimento do regime de convívios com a filha.
*
Factos não provados

a) A tia materna da criança CC sempre manifestou vontade e intenção de ficar com a guarda da sobrinha, de dela cuidar e de a proteger.
b) Existe um forte vínculo afectivo entre a criança e as tias CC e BB.
c) Era frequente, CC ir com os seus dois filhos visitar a AA a casa dos avós maternos ou ir buscá-la para passar fins-de-semana ou uma tarde em sua casa.
d) A criança AA tem uma relação de grande afectividade e proximidade com os primos KK e MM, por ser frequente brincarem juntos.
*
Vamos então ao tratamento da questão supra referida.
Foi aplicada à menor AA a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no art. 35º, nº1 g) e no art. 38º-A da LPCJP.
A aplicação de tal medida, como previsto neste último preceito, pressupõe que se verifique alguma das situações previstas no art. 1978º do C. Civil, onde se dispõe:
1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela”.
Como se dá conta no Acórdão da Relação de Lisboa de 10/9/2020[1], “a jurisprudência tem vindo a concretizar os termos em que é legítima, admissível e proporcionada a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção em razão do perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança e em razão da revelação de manifesto desinteresse dos progenitores pelo filho”, indicando-se ali, de forma minuciosa e bastante cuidada, variados arestos (também disponíveis em www.dgsi.pt) concretizadores de situações que se consideram ser legitimadoras da aplicação de tal medida, referindo-se, entre outras considerações:
- “Uma prolongada situação de incumprimento das responsabilidades parentais por parte de cada um dos progenitores, praticamente desde que os menores nasceram, sem perspetivas de melhoria, apesar da intervenção de entidades assistenciais, quer na fase em que interveio a CPCJ, quer depois da entrada em tribunal do processo judicial de promoção e proteção de menores;
- A ausência de qualquer familiar em condições de assumir as responsabilidades parentais;
- A verificação de que aquela medida é a única suscetível de proteger os menores e tutelar os seus superiores interesses
(Acórdão do STJ de 18/10/2028, proc. nº533/14.1TBPFR.P2.S1, relator Abrantes Geraldes)
- “Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança (…)
(Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-04-2017, proc. nº 39/14.9T8CBR.C1, relator António Domingos Pires Robalo)
- “O critério para decidir se se deve ordenar a confiança de um menor com vista a futura adoção consiste em apurar se ocorre uma situação em que se verifica a inexistência de vínculos afetivos próprios da filiação entre pais e filhos ou uma situação em que tais vínculos estejam «seriamente comprometidos»
(Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-12-2019, proc. nº 1722/19.8T8PBL.C1, relator Alberto Ruço)
- “São pressupostos da medida de confiança da criança a instituição com vista a futura adopção no caso da verificação objectiva de uma das situações elencadas nas als a) a e) do nº1, designadamente a circunstância de os pais colocarem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor – al. d)- ou tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação
(Acórdão da Relação de Guimarães de 21-09-2017, proc. nº 1549/15.6T8GMR.G1, relator Heitor Gonçalves)
- “A incapacidade da função parental e a necessidade de definição da medida que, em termos estáveis, melhor viabilize a protecção do menor e a realização plena dos seus interesses a fim de evitar os manifestos prejuízos para a formação e desenvolvimento da menor, ou seja, de um projecto de vida, deve ser o mais célere possível, já que o bom desenvolvimento da menor não pode esperar eternamente pela mudança de atitude dos pais. A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art.º 4.º, alínea g) da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas
(Acórdão da Relação de Guimarães de 30-03-2017, proc. nº 530/16.2T8BRG.G1, relatora Elisabete Valente)
- “I – O Princípio do Superior Interesse da Criança, funciona como critério basilar de interpretação e aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, constituindo mesmo o elemento principal de orientação do juiz na ponderação e decisão do caso concreto.
II - Esse Princípio permite aferir se em determinada situação concreta o corte definitivo das relações afectivas entre pais e crianças estará a violar o direito da criança à manutenção das relações afectivas com os progenitores, ou a proteger-lhe o direito a um são e equilibrado desenvolvimento a nível da saúde, formação e educação.
III - A parentalidade biológica, desprovida dos seus factores típicos e inerentes, como o amor, o carinho, os cuidados, a atenção, a disponibilidade, o empenho, a preocupação, o acompanhamento dos filhos, não pode ser considerada relação familiar sã e equilibrada, mas antes lesiva dos interesses da criança.
IV - A preocupação do juiz terá de centrar-se na busca de uma solução e de um projecto de vida para criança que lhe proporcione um desenvolvimento o mais harmonioso possível e que corresponda ao seu Superior Interesse. Isto mesmo que o juiz tenha de decidir que essa solução passa por um projecto de vida fora da relação biológica, se e quando a relação parental se mostrar inexistente, seriamente prejudicial ou violadora do frágil desenvolvimento harmonioso da Criança.
V - Se a quebra de vínculos se verificar pelo lado dos pais, mesmo que as crianças manifestem afectividade por aqueles, a solução não poderá de deixar de considerar que os pais, que não tenham vínculos afectivos pelos filhos, nunca poderão assumir correctamente as suas responsabilidades parentais, sob pena de se colocar a criança em perigo.
VI - O desinteresse nos filhos traduz o comportamento contrário estar interessado nos filhos. É a atitude de falta de cuidado e atenção para com tudo o que lhes diga respeito.
VII - A criança encontra-se em perigo se se verifica uma situação de incerteza sobre o seu bem-estar físico ou psicológico, a sua capacidade de resistência, o seu equilíbrio mental e social ou vê diminuída na sua auto-estima. Está em perigo, quando não recebe os cuidados ou afeição adequados à sua idade e situação pessoal, quando é sujeita a comportamentos que afectam o seu equilíbrio emocional, como sucede quando é exposta a violência interparental”.
(Acórdão da Relação de Lisboa de 28-03-2019, proc. nº 8113/13.2TCLRS.L1, relator Adeodato Brotas)

Como se extrai das variadas considerações que se acabaram de referir, e como decorre dos nºs 1 e 4 do acima referido art. 1978º do C. Civil, a medida de confiança com vista a futura adopção será de aplicar “quando se encontram esgotadas as possibilidades de, no seio da família biológica, ou família alargada, proporcionar à criança as condições que ela necessita para o seu desenvolvimento, crescimento, saúde, bem-estar e educação, estando definitivamente comprometidos os vínculos afectivos com a família de origem”[2], sendo que, na ponderação de tal juízo valorativo sobre a situação da menor, há que ter primacialmente em conta o interesse superior da criança (art. 3º nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 4º a) da LPCJP e nºs 2 e 4 do art. 1978º do C.Civil) entendido como interesse “superior a qualquer outro que com ele seja conflituante”[3] e que se pode definir como constituindo o “direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[4].
No plano constitucional, cumpre referir que, como se prevê-se no art. 36º nºs 5 e 6 da CRP, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, não podendo estes ser separados daqueles, salvo quando os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e, neste caso, sempre mediante decisão judicial.
Por outro lado, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 69º da CRP, “As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” e “O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.”
Isto é, “A Constituição não exclui, naturalmente, que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, impondo ao Estado, no artigo 69.º, um dever de protecção das crianças e admitindo inclusivamente, no artigo 36.º, n.º 6, como ultima ratio, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais”[5]
No caso concreto dos autos, decorre da factualidade provada que a menor AA não é querida por nenhum dos seus progenitores para dela tratarem e cuidarem como filha (vejam-se, nomeadamente, os factos provados sob os nºs 41, 50, 60, 61, 90, 91, 98, 99, 140, 142, 143, 144, 234, 235, 236, 241, 244, 282 e 297), não pode voltar para os seus avós maternos (onde esteve até que pela decisão de 22/2/2022 lhes foi retirada e foi aplicada a medida provisória de acolhimento residencial, porque, como ali se considerou, encontrava-se “numa grave situação de perigo para a sua saúde e desenvolvimento aos cuidados dos avós maternos, tendo em consideração o ambiente conflituoso a que se encontra exposta, às más condições habitacionais em que vive e à negligência a que tem sido sujeita, incluindo ao nível da higiene pessoal e de vestuário por parte dos avós maternos, tio paterno e companheira deste também residente no agregado”) pois estes, manifestamente, não cuidavam dela em termos minimamente aceitáveis e próprios da responsabilidade parental, quer porque o agregado familiar em que estão inseridos é palco frequente de distúrbios que a menor presenciava e em que é parte o próprio avô e um tio da menor aí residente, quer porque não lhe possibilitaram assistência adequada em termos de saúde e higiene, quer porque vivem numa casa bastante degradada e com paredes sujas e húmidas, com divisões pequenas e escuras por falta de luz natural, com a consequente falta de conforto minimamente adequado a que a menor ali possa viver com permanência (vejam-se, nomeadamente, os factos provados sob os nºs 12, 14, 16, 22, 28, 29, 30, 31, 32, 35, 36, 38, 39, 40, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 77, 81, 85, 86, 87, 88, 93, 94, 95, 100, 102, 103, 104, 105, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 133, 145, 164, 210, 330 e 331), e, quanto à tia CC, erigida no recurso como pessoa a quem deverá ser confiada, é clara a indefinição que perpassa pelos comportamentos e atitudes desta em relação a ter uma efectiva intenção de a menor ser a si confiada para consigo passar a viver (vejam-se, nomeadamente, os factos provados sob os nºs 119, 120, 121, 122, 229, 230, 231, 232, 233, 251, 269 e 271) – a qual levou inclusivamente o tribunal recorrido ao ponto de, na ponderação da globalidade dos elementos probatórios produzidos nos autos, explicitamente considerar como factos não provados que tal tia sempre manifestou a vontade e intenção de ficar com a guarda da sobrinha, de dela cuidar e de a proteger e que exista um forte vínculo afectivo entre ela e a menor [factos não provados referidos sob as alíneas a) e b)] –, além de, como se dá conta na sentença recorrida, e se subscreve, ela própria ter também “uma história de vida complicada, com exposição a violência doméstica entre os pais durante a sua menoridade e no relacionamento com o pai do seu primeiro filho (tendo inclusivamente permitido a exposição deste a tal ambiente) e que, naturalmente, terá deixado também as suas marcas, evidencia estar ainda a organizar a sua vida, em termos laborais e habitacionais e necessita de conseguir compatibilizar as suas funções parentais com as restantes vertentes da sua vida, o que revela não estar a conseguir relativamente ao seu filho e pese embora as necessidades especiais que este apresenta e do que é revelador também o esgotamento que sofreu em Maio de 2021” (vide, nomeadamente, os factos provados sob os nºs 252, 253, 254, 268, 304, 305, 313 e 315 a 322).
Por outro lado, ainda que se possa aceitar que aquela tia CC é uma pessoa que, não obstante ter um filho a exigir especiais cuidados educacionais e ter tido um passado de vida familiar conturbado, tem hoje um agregado familiar em que se nota organização de vida e condições mínimas de satisfação das suas necessidades e até com algum conforto, daí não resulta necessariamente que seja pessoa a quem, como que “naturalmente”, a menor tenha que ser confiada.
Como se refere na sentença recorrida, “É evidente que CC tem lutado para se afastar da disfuncionalidade da família onde cresceu e criar a sua própria família. Lamentável é que, muitas vezes, familiares de crianças, apenas por dever social, moral ou pressão familiar, se apresentem como alternativa, sem que o queiram verdadeiramente ser ou sem que tenham sequer consciência do que isso acarreta para as suas vidas (…)”.
Note-se, designadamente, que não se apurou que tal tia, sabedora das circunstâncias em que a menor vivia com os avós maternos, das condições da casa e dos distúrbios que ali presenciava – ao ponto de ter sido ela quem inicialmente, de forma anónima, ter contactado a CPCJ (como consta referenciado no nº 251 dos factos provados) – tenha tido alguma concreta actuação efectiva no sentido de, por exemplo, retirar a menor daquele meio e providenciar pela confiança da mesma a si própria.
Não o fazendo, e apenas verbalizando, de forma algo vaga, a sua disponibilidade para ficar com a menor, não demonstra de forma substanciada e credível que tenha pela menor o apego afectivo – base natural de todos os deveres de cuidado, de assistência, de auxílio e de educação que são de ter para com uma criança de tenra idade – necessário a que se possa optar, de forma segura, pela confiança da menor a si.
Efectivamente, com o devido respeito o dizemos, não é com comportamentos que podemos considerar como “de última hora” – em que se integra a verbalização da sua intenção de ficar com a menor apenas a 14 de Abril de 2022, já bem depois de à menor ter sido aplicada a medida de acolhimento residencial, e no debate judicial que teve lugar nos autos e ainda os contactos telefónicos que manteve com a instituição de acolhimento (nºs 229, 230, 232, 233 e 251 dos factos provados) – que se tapa todo um lastro de tempo em que nada de concreto fez no sentido de mostrar que queria que a menor viesse viver consigo.
Como se diz naquele acórdão da Relação de Lisboa de 10/09/2020 que se referiu antes, não basta ter vontade de cuidar da criança se tal vontade nunca foi traduzida em acções concretas que pudessem evidenciar uma alteração de comportamento tendente a criar laços e condições de vida que lhe permitisse acolher a criança.
Dispõe-se no art. 4º, alínea h), da LPCJP, que “na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável” (sublinhado e negrito nossos).
De tal preceito decorre, como bem se evidencia no acórdão da Relação de Évora de 11/5/2017[6], que “O princípio do primado da família biológica não é absoluto, já que a lei se refere expressamente à prevalência da integração em família, e esta pode ser obtida também pela promoção da sua adopção, se a família biológica não puder garantir devidamente a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento são e harmonioso dos filhos. E isto nem sempre significa que não possam existir, e amiúde até existem, laços afectivos entre a família biológica e a criança. Significa tão-somente que os mesmos apenas se sobrepõem quando existam relações afectivas estruturantes, de grande significado e de referência para o seu saudável e harmonioso desenvolvimento”.
Perante o que se analisou, não sendo a menor AA querida por nenhum dos seus progenitores para dela tratarem e cuidarem como filha [alíneas d) e e) do nº1 do art. 1978º do C. Civil], não podendo a mesma voltar para os seus avós maternos pelas razões que supra se referiram e não sendo a sua tia CC, pelos motivos que atrás se aduziram, uma efectiva alternativa dentro da família biológica para a menor, de forma segura, lhe poder ser confiada, e considerando ainda, como nota o Digno Magistrado do Mº Pº nas suas alegações de resposta, que a confiança à tia CC seria sempre uma medida transitória, pois não pode durar até à maioridade da criança (art. 60º nº2 da LPCJP), há que, na procura de um projecto de vida com carácter definitivo para a menor, que integra um seu interesse “superior a qualquer outro que com ele seja conflituante”, reconhecer que a medida aplicada de confiança a instituição com vista a futura adopção é, como se refere na sentença recorrida e se subscreve, “a única que se revela suficiente, adequada e proporcional e zela pelo superior interesse desta criança”.

Como tal, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Não há lugar a custas (art. 4º, nº2, f) do Regulamento das Custas Processuais).
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
……………………………………………………
……………………………………………………
……………………………………………………
**

III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em não tomar conhecimento do recurso interposto pelos avós maternos da menor, II e JJ, e, relativamente ao recurso interposto pela mãe, HH, acorda-se em julgar improcedente o mesmo, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas.

Porto 24/10/2022
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
_________________
[1] Proferido no proc. nº562/07.1TMFUN-E.L1-2; relator Carlos Castelo Brando; disponível em www.dgsi.pt.
[2] Acórdão da Relação de Lisboa já referido na nota 1.
[3] Teresa Cadavez, “O Processo de promoção e protecção. O perigo, a criança e a família: como ultrapassar reparar e unir”, in II Jornadas de Direito da Família e da Criança, CEJ, pág. 109.
[4] Almiro Rodrigues, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, in Revista Infância e Juventude, nº1, 1985, págs. 18 e 19).
[5] Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2.ª ed., 2010, p. 833).
[6] Proferido no proc. nº 4626/10.6TBPTH-H.E1, relatora Albertina Pedroso, disponível em www.dgsi.pt.