I - Só quando incide sobre o valor da causa o recurso é sempre admissível ao abrigo do disposto na al b), do nº 2, do art. 629º, do CPC.
II - Tal não acontece quando o recurso de apelação não foi admitido face ao montante da sucumbência e não porque se alterasse o valor da causa, que é de 30.000,01€.
III - Só é admissível recurso de revista, de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que se traduza numa decisão final, ou porque conhece do mérito da causa (nomeadamente por ter decretado a resolução material do litígio, no todo ou em parte, especialmente nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a improcedência ou improcedência de alguma exceção perentória).
Por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais relativas a AA, nascido a .../12/2008, filho de ambos, veio BB deduzir contra CC procedimento destinado a ver reconhecido o incumprimento deste quanto às quantias que lhe cabem a título de meação nas despesas médicas, medicamentosas, escolares e de natação, no valor de 993,34€, e bem assim quanto às prestações de alimentos respeitantes aos meses de Agosto a Novembro de 2019, no valor de 330,00€.
Entretanto pagas as prestações alimentares, foi a causa tramitada para averiguar tão só do incumprimento quanto à responsabilidade do requerido nas alegadas despesas, proferindo-se decisão que reconheceu o incumprimento – considerou-se não ter o requerido procedido ao pagamento de 933,54€ relativamente às referidas despesas.
Inconformado, apelou o requerido.
Contra-alegou a requerida em defesa da decisão recorrida e pela improcedência da apelação, sustentando ainda a inadmissibilidade do recurso, por o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, faltando, por isso, um dos requisitos de admissibilidade do recurso (art. 629º, nº 1 do CPC, ex vi art. 32º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Na primeira instância foi o recurso legalmente admitido, tendo-se fixado à causa (depois de para tal se ordenar a baixa do processo) o valor de 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo).
Ordenado o cumprimento do disposto no nº 2 do art. 655º do CPC, manifestou-se o apelante no sentido da admissibilidade do recurso, considerando o valor da causa e ponderando que o seu decaimento foi total.
Por decisão singular do relator foi decidido rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal (por o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada do tribunal recorrido).
Inconformado, reclamou para a conferência o apelante, pugnando pela admissibilidade do recurso, sendo deliberado pelo Tribunal da Relação do Porto: “Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta secção cível, mantendo a decisão singular do relator, em rejeitar o recurso, por legalmente inadmissível (em razão da sucumbência)”.
“1ª A causa foi iniciada como incumprimento de despesas e pensões para o menor, tendo sido atribuído o valor de 30.000,01 por estarem em causa valores imateriais. A Relação concordou com esse valor atribuído, mas já não concordou com o mesmo valor que o recorrente deu ao seu recurso, atribuindo-lhe um valor pela soma das despesas e assim rejeitando-lhe o recurso. Viola, ostensivamente, o princípio da proibição do arbítrio, dar à causa em que a recorrida pede a cobrança de determinadas quantias o valor imaterial de 30.000,01 e mudar esse valor, na fase de recurso, para a soma das quantias que o recorrente foi condenado a pagar.
2ª Ao contrário do que pretende o acórdão recorrido, a apelação apresentada, pelo que se lê nas suas conclusões, incide sobre a violação pelo Juiz " a quo " das competências legais do INFARMED e que põe em causa a saúde do menor, a violação pela sentença das cláusulas do regime de regulação das responsabilidades parentais e da regra que, no Incumprimento, só por acordo dos progenitores pode ser alterado o regime de regulação. Tudo matérias não pecuniárias que justificavam mais que o processo da 1ª Instância a atribuição do valor imaterial de 30.000,01.
3ª Lavra em erro de direito o acórdão quando refere não ser o processo de Incumprimento um processo tutelar cível e, deste modo, não lhe ser aplicável o nº1 do artº 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
4ª Não é questão estritamente patrimonial um processo de incumprimento das obrigações de alimentos devidas aos menores, tanto assim não é que o acórdão de que se recorre concordou com o valor de 30.000,01 atribuído, pela 1ª Instância, estando em causa pensões e despesas pedidas pela recorrida na ordem de 1.323,34 euros.
5ª O critério da sucumbência só se aplica, legalmente, quando estiverem em causa, estritamente, questões pecuniárias em processos de jurisdição contenciosa. Mesmo nessas questões pecuniárias, havendo dúvida, o valor da causa sobrepõe-se. Em processos de jurisdição voluntária e em processos tutelares cíveis, o critério da sucumbência não poderá ser aplicado por a causa ter um valor independente das quantias em jogo, podendo estas servir para fixar o valor tributário mas nunca para o valor da causa que já está fixado por lei, de antemão.
6ª Na maioria da jurisprudência, a sucumbência é uma não questão para filtrar os recursos em processos tutelares cíveis, já que o valor da causa é imposto por lei sem depender das quantias, eventualmente, em litígio.
7ª O Estado português assumiu obrigações internacionais relativamente à jurisdição de menores e seria muito grave que o direito ao recurso, em matéria de menores, fosse cerceado pelas quantias monetárias em jogo.
8ª Deverá ser confirmada a jurisprudência do Acórdão do STJ, de 09-03-2021, sob procº 5900/19.1T8CBR-B.C1.S1, em que foi atribuído o valor à revista de 30.000,01 euros, independentemente de estarem em litígio entre os progenitores umas despesas de várias centenas de euros, classificando-se, mesmo assim, o processo de incumprimento alimentar como um processo de jurisdição voluntária e como um processo tutelar cível.
9ª Fundamentando-se esta revista em o valor do recurso exceder a alçada do tribunal de que se recorre, deverá ser confirmado o valor do recurso dado pelo recorrente e não o dado pelo acórdão recorrido, com as legais consequências”.
Respondeu a requerente concluindo:
“1 – No caso dos autos, não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista elencados no artº 671º do CPC.
2 – O douto acórdão recorrido não versou sobre o valor da causa mas sim sobre a inadmissibilidade da apelação em razão da sucumbência do Apelante, do que resulta a irrelevância da invocação pelo Recorrente da al. b) do nº 2 do artº 629º do CPC para efeitos de admissibilidade da revista.
2 – Assim, não deve ser admitida a revista.
Termos em que, e nos do mui douto suprimento de Vªs Exªs, não deve ser admitida a revista, com as legais consequências”.
Cumpre apreciar e decidir.
São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso em análise questiona-se:
- O incumprimento pelo requerido/recorrente quanto às quantias que lhe cabem a título de meação nas despesas médicas, medicamentosas, escolares e de natação, no valor de 993,34€, em incidente deduzido por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.
- Saber se, no caso concreto é admissível recurso.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o Tribunal da Relação não alterou o valor da causa e, como fundamento da não admissão do recurso foi tido em conta o montante da sucumbência, sendo que do dispositivo do acórdão consta, “Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta secção cível, mantendo a decisão singular do relator, em rejeitar o recurso, por legalmente inadmissível (em razão da sucumbência)”, e o art. 629º, nº 1 do CPC cumula como requisitos da admissibilidade do recurso, o valor superior ao da alçada do tribunal de que se recorre e a desfavorabilidade, da decisão para o recorrente, em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
Sem o sustentar nas conclusões, o recorrente interpõe o recurso de revista ao “abrigo da alínea b) do nº 2 do artº 629.º do C.P.C., recorrer, para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento que o valor do recurso excede a alçada do tribunal de que se recorre, do acórdão que rejeitou a sua apelação”.
Em momento algum sustenta o seu entendimento de que o recurso é sempre admissível, nos termos da al. b), do nº 2, do art. 629º, do CPC.
Refere este preceito que, “2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;”.
O recurso não incide sobre o valor da causa e, como já se referiu, o recurso de apelação não foi admitido face ao montante da sucumbência e não porque se alterasse o valor da causa, que é de 30.000,01€.
Mas antes de analisar se o recurso de apelação deveria ter sido admitido, há que apurar se é admissível o recurso de revista. Pois só admitido o recurso de revista se pode analisar o objeto do recurso.
Nos termos do art. 671º, do CPC, “1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.
Não se enquadra nestes parâmetros o acórdão da Relação que não admite o recurso, seja qual for o motivo.
Esta norma contém requisito próprio e específico do recurso de revista que há de verificar-se.
Do preceito resulta que só é admissível recurso de revista, de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que se traduza numa decisão final, ou porque conhece do mérito da causa (nomeadamente por ter decretado a resolução material do litígio, no todo ou em parte, especialmente nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a improcedência ou improcedência de alguma exceção perentória).
E conforme refere o Acórdão desta Secção, de 29-09-20, no Processo nº 17289/18.1T8PRT.P1.S1, “I- Na delimitação da revista é de considerar o efeito processual que emana do acórdão recorrido, independentemente daquele que tenderia a produzir a decisão de 1 .ª instância”.
E o Ac. deste STJ de 28-01-2016, no Proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1, que refere: “1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.
2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva”.
Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 193, socorrendo-se, além do mais, de elementos de natureza histórica e racional, conclui que não admite recurso de revista o acórdão da Relação que confirme a decisão da 1ª instância de rejeição do recurso de apelação, a não ser quando se verifique alguma das previsões excecionais do art. 629°, n.º 2, do CPC, “Já o acórdão da Relação proferido em conferência que confirme o despacho de não admissão do recurso de apelação não admite, em regra, recurso de revista, a não ser na situação prevista no art. 629º, nº 2 al. b)”.
Mas não basta ao recorrente alegar que interpõe o recurso de revista ao “abrigo da alínea b) do nº 2 do artº 629.º do C.P.C”, é necessário que o recurso respeite ao valor da causa ou dos incidentes.
Como diz Abrantes Geraldes in ob. cit., pág. 52, “de acordo com o que for decidido relativamente à questão do valor, o processo pode ter uma evolução variável”, ou seja, toda a causa tem de ter um valor e o juiz tem obrigatoriamente de se pronunciar, nem que seja somente para confirmar o valor indicado na petição, conforme art. 306º, do CPC.
A expressão “decisões respeitantes ao valor da causa”, al. b), do nº 2, do art. 629º, do CPC, abrange o despacho a que se refere o nº 1 do art. 306º, do CPC, quer a discussão do valor da causa, seja ou não proferido esse despacho.
No caso concreto, no despacho do Sr. Desembargador relator se diz: “O processo subiu em recurso sem que fosse fixado o valor causa (art. 306º do CPC).
Assim, antes do mais, os autos voltarão à 1ª instância para que seja fixado o valor da causa”.
E baixando os autos, o Sr. Juiz despachou fixando o valor do processo: “Complementarmente ao despacho de 20/12/2021, independentemente da sucumbência, fixo à causa o valor de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) – disposições conjugadas dos artºs 303º, nº 1, 306º, nº 1, ambos do C. P. Civil e 44º, nº 1 da LOSJ, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2020 (Relatora: Fernanda Almeida), in www.dgsi.pt”.
Este foi o valor fixado à causa, sendo que o motivo de rejeição do recurso de apelação não foi a falta de alçada, mas sim o valor da sucumbência e, como referimos estes requisitos são cumulativos.
E fixado o valor da causa, com transito em julgado, não podia agora vir alegar-se que o recurso era interposto ao abrigo da al. b), do nº 2, do art. 629º, do CPC.
Não se verificava este fundamento de recurso sempre admissível.
Assim, e face à não verificação do requisito específico supra referido e enunciado no nº 1, do art. 671º, do CPC, não é admissível o recurso de revista, ficando prejudicado o conhecimento do objeto do recurso.
Assim, não se toma conhecimento do objeto do recurso, por não se verificar o pressuposto da sua admissibilidade.
Conforme o Ac. deste STJ, de 17-11-2015, no Proc. 34/12.2TBLMG.C1.S1, “Impossibilitada a admissão do recurso (…) nada mais poderá ser conhecido nesta sede”.
I - Só quando incide sobre o valor da causa o recurso é sempre admissível ao abrigo do disposto na al b), do nº 2, do art. 629º, do CPC.
II - Tal não acontece quando o recurso de apelação não foi admitido face ao montante da sucumbência e não porque se alterasse o valor da causa, que é de 30.000,01€.
III - Só é admissível recurso de revista, de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que se traduza numa decisão final, ou porque conhece do mérito da causa (nomeadamente por ter decretado a resolução material do litígio, no todo ou em parte, especialmente nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a improcedência ou improcedência de alguma exceção perentória).
Em face do exposto acordam, no Supremo Tribunal de Justiça e 1ª Secção, julgar o recurso de revista inadmissível e, consequentemente, não tomar conhecimento do objeto do recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 14-07-2022
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator
Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto
Isaías Pádua – Juiz Conselheiro 2º adjunto