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OPOSIÇÃO À PENHORA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário
I - A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 784.º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução.
II - Tendo a Opoente invocado no Requerimento inicial de oposição à penhora, além do mais, fundamentos que só teriam cabimento no âmbito de oposição à execução mediante embargos, afirmando inclusivamente que dava por reproduzida a argumentação já expendida na sua petição de embargos, não é nulo, por excesso de pronúncia, o despacho de indeferimento liminar que lhes faz (singela) referência, tanto mais que para concluir precisamente que não constituíam fundamentos de oposição à penhora.
III - Ao proferir um despacho de indeferimento liminar de petição ou requerimento inicial, (sendo a decisão recorrida um despacho de indeferimento liminar do Requerimento pelo qual a 1.ª Executada veio dar início ao incidente de oposição à penhora), o tribunal julga verificadas exceções dilatórias insupríveis ou reputa a pretensão do autor/requerente manifestamente improcedente, ficando diferido, mormente para o recurso, o exercício do contraditório quanto a tais questões, pelo que, contanto a decisão assente em fundamentos dessa natureza, não faz sentido dela recorrer invocando a ofensa do princípio da proibição de decisões-surpresa (cf. artigos 551.º, 590.º, n.º 1, e 629.º, n.º 3, do CPC).
IV - É manifesto que não poderá ser atendida em sede de oposição à penhora a invocação pela Opoente de “factos” estritamente relacionados com a vida pessoal de outros Executados, muito menos para requerer o levantamento de penhoras que recaíram sobre bens que não lhe pertencem, sendo também inadmissível que repita fundamentos próprios da oposição à execução que deduziu.
V - A alegação feita no Requerimento inicial de oposição à penhora de que o montante dos bens penhorados extravasava a quantia exequenda em violação do princípio da proporcionalidade da penhora (cf. artigos 735.º, n.º 3, e 751.º do CPC), é, em abstrato, passível de conduzir ao deferimento, pelo menos parcial, da oposição à penhora – cf. alínea a) do n.º 1 do art. 784.º do CPC. Mas, no caso concreto, é manifesta a improcedência da pretensão da Opoente a esse respeito, porquanto, nos termos genéricos em que foi feita, sem uma efetiva divergência quanto aos valores dos bens indicados nos autos de penhora - que, somados, são inferiores ao montante da quantia exequenda -, se mostra conclusiva uma tal alegação, não sendo acompanhada de qualquer substrato fáctico substantivamente relevante.
VI - A circunstância de nos contratos de mútuo subjacentes à emissão da livrança dada à execução ter sido acordada, como garantia do pagamento, a constituição de hipotecas sobre imóveis situados em Moçambique e pertencentes a uma sociedade que não é demandada na ação executiva principal, não é passível de se reconduzir à previsão dos artigos 752.º, n.º 1, e 784.º, n.º 1, al. b) do CPC. Com efeito, a Exequente não pretendeu prevalecer-se de uma tal garantia real, o que se compreende, já que inexistem normas de direito internacional ou instrumentos de cooperação judiciária que habilitem a penhora de bens localizados no estrangeiro, e não demandou a sociedade proprietária daqueles imóveis, que não é devedora da quantia exequenda.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
PROMOVALOR II – BUSINESS ADVISERS, S.A. interpôs o presente recurso de apelação do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento de oposição à penhora apresentado por aquela, por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa que sob a forma de processo comum ordinário, lhe move o NOVO BANCO, S.A., bem como a outros Executados, a saber (2.º) LV, (3.ª) VV, (4.º) MD (e mulher CD).
Os autos principais tiveram início em 24-11-2021, com a apresentação de requerimento executivo, em que é peticionado o pagamento da quantia exequenda no valor total de 7.562.267,18€, dos quais 7.555.643,05€ titulados por livrança e os restantes 6.624,13€ relativos a juros de mora vencidos desde a data de vencimento da livrança, a qual foi subscrita pela referida 1.ª Executada e avalizada pelos demais Executados, como garantia do cumprimento de diversos contratos de mútuo celebrados entre a Exequente, na qualidade de mutuante, e a 1.ª Executada, na qualidade de mutuária.
Previamente à instauração da ação executiva, correram termos os autos de procedimento cautelar de arresto, entretanto apensados (apenso A), em que foi decretado o arresto de:
- 753.615 ações detidas pelos 2.º e 3.ª Executados representativas de 3,28% do capital social da “Sport Lisboa e Benfica – Futebol, S.A.D.”, que se encontram depositadas na conta (…) titulada pelos mesmos, à qual está associado o dossier de títulos (…), aberta junto do Exequente;
- prédio urbano situado em Marisol – Vale Boeiro – Vale de Milhaços – Lote …, na Rua …, n.º …, freguesia de Corroios, concelho do Seixal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o número … da freguesia de Corroios, com o valor patrimonial tributário de 194.930,75€.
Em 18-02-2022, o Agente de Execução decidiu converter em penhora o arresto das referidas 753.615 ações detidas pelos 2.º e 3.ª Executados (LV e VV) representativas de 3,28% do capital social da “Sport Lisboa e Benfica – Futebol, S.A.D.”.
Em 28-02-2022, o Agente de Execução procedeu à penhora, conforme consta do respetivo auto, das seguintes verbas:
1. Depósito Bancário (da 3.ª Executada)
Penhora de depósito à ordem no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…)
1.081,79€
2. Depósito Bancário (da 3.ª Executada)
Penhora de Depósito à Ordem no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…)
665,02€
3. Depósito Bancário (do 2.ª Executado)
Penhora de Depósito à Ordem no Banco Caixa Geral de Depósitos, SA, com número de Identificação: (…)
3.413,02€
4. Depósito Bancário (do 4.º Executado)
Penhora de depósito à ordem no Banco Millennium BCP, com número de Identificação: (…) Informação: Penhoras Sucessivas - Montante Onerado: 370.91 EUR. (…)
370,91€
5. Valor Mobiliário Depositado (do 4.º Executado)
Penhora de valor mobiliário no Banco Millennium BCP, com número de Identificação: (…) Descrição: ACCOES/ORDINARIAS/EDP-NOM Informação: Penhoras Sucessivas - Montante Onerado: 538.20 EUR. (…) Quantidade: 141 Cotação 3.82 (…)
538,20€
6. Valor Mobiliário Depositado (do 4.º Executado)
Penhora de valor Mobiliário no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…) Descrição: FUNDOS CAPITAL DE RISCO/FIAE PR.TUR-B Informação: Penhoras Sucessivas - Montante Onerado: 2507.00 EUR. (…) Quantidade: 497493 Cotação 1 (…)
500.000,00€ [[Note-se que este valor veio a ser retificado por decisão do Agente de Execução para 5.000€]
7. Valor Mobiliário Depositado (do 4.º Executado)
Penhora de Valor Mobiliário no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…) Descrição: CERTIFICADOS DE AFORRO/CERT AFORRO EMP Informação: Penhoras Sucessivas - Montante Onerado: 234.44 EUR. Penhora Sucessiva de 1 pedidos. (…) Quantidade: 94 Cotação 2.49 (…)
234,44€ 8. Depósito Bancário (da 1.ª Executada)
Penhora de Depósito à Ordem no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…)
1.548,40€ 9. Valor Mobiliário Depositado (da 1.ª Executada)
Penhora de Valor Mobiliário no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…) Descrição: FUNDOS CAPITAL DE RISCO/FIAE PR.TUR-D (…) Quantidade: 499998 Cotação 1 (…)
499.998,00 € [Note-se que este valor veio a ser retificado por decisão do Agente de Execução para 4.999,98€] 10. Valor Mobiliário Depositado (da 1.ª Executada)
Penhora de valor mobiliário no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…) Descrição: FUNDOS CAPITAL DE RISCO/FIAE PR.TUR-D (…) Quantidade: 1 Cotação 1 (…)
1,00€ 11. Depósito Bancário (da 1.ª Executada)
Penhora de Depósito à ordem no Banco Caixa Geral de Depósitos, SA, com número de Identificação: (…)
383,68€
12. Depósito Bancário (da 3.ª Executada)
Penhora de Depósito à ordem no Banco Caixa Geral de Depósitos, SA com número de Identificação: (…)
3.413,02€
13. Valor Mobiliário Depositado (do 4.º Executado)
Penhora de Valor Mobiliário no Banco Santander Totta, SA, com número de Identificação: (…) Descrição: AC.NOS, SGPS. Informação: Penhora criada pelo valor do bloqueio existente (…) Quantidade: 1 Cotação 3.29 (…)
3,29€
Valor total das verbas penhoradas 1.011.650,77€ [cálculo sujeito a retificação, face aos valores retificados das verbas 6 e 9]
Em 02-03-2022, o Agente de Execução procedeu à penhora, conforme consta do respetivo auto, das seguintes verbas:
1. Depósito Bancário (do 4.º Executado)
Penhora de Depósito à ordem no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…)
8.218,40 €
2. Valor Mobiliário Depositado (do 4.º Executado)
Penhora de valores mobiliários no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…) Descrição: DOSSIER DE TITULOS Informação: MARTIFER SGPS O resgate dos valores mobiliários é efetuado 3 dias úteis após a data do pedido (…) Quantidade: 190 Cotação 1.39 (…)
264,10€
3. Depósito Bancário (do 2.º Executado)
Penhora de depósito a prazo no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…)
34.500,00€
4. Valor Mobiliário Depositado (do 2.º Executado)
Penhora de valores mobiliários no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…) Descrição: DOSSIER DE TITULOS Informação: BES O resgate dos valores mobiliários é efetuado 3 dias úteis após a data do pedido (…) Quantidade: 521892 Cotação 0.01 (…)
521.892,00 € [Note-se que este valor veio a ser retificado por decisão do Agente de Execução para 5.218,92 € cada (521.892 x 0,01)] 5. Depósito Bancário (da 1.ª Executada)
Penhora de depósito à ordem no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…)
280,54€
6. Depósito Bancário (da 3.ª Executada)
Penhora de depósito a prazo no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…)
34.500,00€
7. Valor Mobiliário Depositado (da 3.ª Executada)
Penhora de valores mobiliários no Banco Espírito Santo/Novo Banco, SA, com número de Identificação: (…) Descrição: DOSSIER DE TITULOS Informação: BES O resgate dos valores mobiliários é efetuado 3 dias úteis após a data do pedido (…) Quantidade: 521892 Cotação 0.01 (…)
521.892,00€ [Note-se que este valor veio a ser retificado por decisão do Agente de Execução para 5.218,92€ cada (521.892 x 0,01)]
Total do valor das verbas penhoradas: 1.121.547,04€ [cálculo sujeito a retificação, face aos valores retificados das verbas 4 e 7]
Ainda em 02-03-2022, o Agente de Execução efetuou a penhora, conforme consta do respetivo auto, do Prédio urbano, sito em Marisol - Vale Boeiro - Vale de Milhaços, Lote …, Rua … n.º …, Corroios, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Corroios (pertencente aos 2.º e 3.ª Executados), no valor de 194.930,75€.
Em 07-03-2022, o Agente de Execução efetuou a penhora, conforme consta do respetivo auto, de:
1. Valor Mobiliário Depositado (do 2.º Executado)
Penhora de valores mobiliários no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…) Descrição: FUNDOS CAPITAL DE RISCO/FIAE PR.TUR-B (…) Quantidade: 1 Cotação 1 (…)
1,00 € [Note-se que este valor veio a ser retificado por decisão do Agente de Execução para 0,01€]
2. Valor Mobiliário Depositado (do 2.º Executado)
Penhora de valores mobiliários no Banco Millennium BCP com número de Identificação: (…) Descrição: FUNDOS CAPITAL DE RISCO/FIAE PR.TUR-B (…) Quantidade: 4499998 Cotação 1 (…)
4.499.998,00€ [Note-se que este valor veio a ser retificado por decisão do Agente de Execução para 44.999,98€]
Valor total das verbas penhoradas 4.499.999,00€ [cálculo sujeito a retificação, face aos valores retificados das verbas 1 e 2]
Em 04-03-2022, o Agente de Execução procedeu à penhora do Vencimento auferido pela 3.ª Executada, junto da entidade patronal WHITE WALLS PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA S.A., até perfazer a quantia exequenda, acrescida de juros, custas e despesas de execução, que se presumem no valor total de 7.941.711,63€, sem prejuízo de ulterior liquidação.
Em 14-03-2022, o Agente de Execução procedeu, conforme consta do respetivo auto, à penhora das seguintes verbas (ambas dos 2.º e 3.ª Executados):
1. Valor Mobiliário Depositado
Penhora de valores mobiliários no Banco Espírito Santo/Novo Banco SA, com número de Identificação: (…) Descrição: DOSSIER DE TITULOS Informação: Ações SLB SAD (…) Quantidade: 376.807 Cotação 1.00
376.807,00 €
2. Valor Mobiliário Depositado
Penhora de valores mobiliários no Banco Espírito Santo/Novo Banco SA, com número de Identificação: (…) Descrição: DOSSIER DE TITULOS Informação: Ações SLB SAD (…) Quantidade: 376.807 Cotação 1.00
376.808,00€
Perfazendo o valor total destas verbas de 753.615,00€.
Em 14-03-2022, a Exequente informou nos autos principais da redução da quantia exequenda em 10.545,54€, ante a compensação operada com o saldo da conta bancária à ordem dos 2.º e 3.ª Executados, tendo o Agente de Execução, em 15-03-2022, procedido à respetiva alteração, para o valor de 7.551.721,64€.
Em 24-03-2022, a Exequente apresentou requerimento nos autos principais, alegando que as ações do BES penhoradas a 02-03-2022 têm uma cotação de 0,01, pelo que o valor correto para efeitos de auto de penhora é 5.218,92€ cada verba (521.892 x 0,01), requerendo a respetiva retificação. Mais alegou que as verbas 6 e 9 do auto de penhora de 28-02-2022 e as verbas 1 e 2 do auto de penhora de 07-03-2022 dizem respeito às Unidades de Participação de que os Executados são titulares no Fundo de Investimento Alternativo Especializado Capital Criativo Promoção e Turismo (FIAE) cujo valor é igual a 0,00€, pelo que se deverá proceder igualmente à retificação desses autos de penhora. Requereu ainda, invocando a insuficiência dos bens penhorados para pagamento da quantia exequenda, que fosse efetuada a penhora de dois prédios rústicos, que identifica, pertencentes ao 4.º Executado.
Em 08-04-2022, o Agente de Execução decidiu: deferir, por existir manifesto lapso, a retificação das verbas n.ºs 4 e 7 do auto de penhora de 02-03-2022, nos termos requeridos, corrigindo-se o referido auto nessa conformidade; quanto à retificação das verbas n.ºs 6 e 9 do auto de penhora de 28-02-2022, bem como das verbas n.ºs 1 e 2 do auto de penhora de 07-03-2022, determinar a notificação dos Executados para, querendo, em 10 dias exercerem o contraditório; deferir a penhora dos indicados dois prédios rústicos.
Em 08-04-2022, veio o Agente de Execução juntar comunicação efetuada pela entidade patronal da 3.ª Executada informando ter efetuado a entrega da quantia de 1.569,67€ e que, por ter sido acordada a caducidade do contrato de trabalho, a referida Executada, tinha deixado de ser funcionária da sociedade (WHITE WALLS) a 31-03-2022.
Em 10-05-2002, o Agente de Execução decidiu que, em face do teor das comunicações do Exequente de 24-03-2022 e dos 2.º, 3.ª e 4.º Executados de 02-05-2022, e também dos documentos juntos pela Exequente, e dado que os Executados nada juntaram em defesa dos seus argumentos, retificar os valores da verba n.º 6 do auto de penhora de 28-02-2022 para 5.000,00€, da verba n.º 9 do auto de penhora de 28-02-022 para 4.999,98€, da verba n.º 1 do auto de penhora de 07-03-2022 para 0,01€, e da verba n.º 2 do auto de penhora de 07-03-2022 para 44.999,98€.
Deduziram oposição mediante embargos os 2.º e 3.ª Executados (apenso B), a 1.ª Executada (apenso C) e o 4.º Executado (apenso D), tendo aí sido proferidos despachos de indeferimento da requerida suspensão da instância executiva, dos quais foram interpostos recursos de apelação em separado e com efeito devolutivo (apensos H, I e J, respetivamente), tendo já sido proferidos acórdãos que os julgaram improcedentes (o proferido no apenso I está disponível em www.dgsi.pt; os outros dois foram consultados no Citius).
O apenso C teve início em 07-02-2022, com a apresentação de Requerimento inicial, em que aí a Embargante juntou, além do mais, um acordo de reconhecimento de dívida celebrado entre esta e o Banco Exequente, o qual veio apresentar a sua Contestação.
O incidente de Oposição à penhora em que foi proferida a decisão recorrida teve início em 17-03-2022, com a apresentação de Requerimento em que a Executada-Opoente alegou, como questão prévia: terem sido penhorados diversos depósitos bancários, que bloquearam poupanças e verbas essenciais ao cumprimento das despesas correntes mensais assumidas pelos Executados, designadamente, no caso da Executada avalista, VV, foi penhorado o seu vencimento, única fonte de rendimento que dispõe; a penhora de produtos financeiros associados a outros Bancos, que não o Exequente, expõem o bom nome e imagem dos Executados junto dessas entidades, que são necessariamente confrontadas com a existência destes autos, com o montante da quantia exequenda aqui em causa e que, consequentemente, se podem repercutir sobre um degradar da confiança daquelas entidades nestes Executados; a penhora desses produtos financeiros, sem considerar os ónus que sobre os mesmos podem recair e a compropriedade em que alguns se encontram, denota que há uma evidente intenção de afetação da perceção social e económica dos Executados, porquanto bem se sabe que os credores pignoratícios serão obrigados a intervir e a incorrer em despesas para acompanhar as consequências processuais da penhora registada; a conversão do arresto em penhora sobre parte dos bens, propriedade dos Executados avalistas LV e VV, tendo o arresto sido atempada e oportunamente impugnado, e a penhora das ações da SAD do Sport Lisboa Benfica, clube que foi presidido, durante largos anos, pelo Executado LV, tem uma dimensão mediática que extravasa o âmbito deste processo e denigre a imagem pública dos Executados, que vêm o seu nome arrastado pelos meios de comunicação; ao impacto económico da penhora desses bens, acresce o peso emocional de ver ruir um património e um nome que levou décadas a edificar; todas estas penhoras estão a ser concretizadas à revelia do que foi exposto nos embargos de oposição à execução deduzidos, no âmbito dos quais foi impugnada a exigibilidade e liquidação da obrigação exequenda, tendo sido requerida a concessão de efeito suspensivo ao recebimento dos mencionados embargos.
Alegou ainda, em síntese, que:
- Foi notificada das penhoras acima referidas: 1) Depósito bancário existente em conta no Banco Comercial Português, S.A., no valor de 1.548,40€; 2) Valores Mobiliários, correspondentes a 499.998 unidades de participação do FIAE, tipo D, identificados no Banco Comercial Português, S.A. sob o n.º (…), representando um valor penhorado de 499.998,00€; 3) Valores Mobiliários, correspondentes a 1 unidade de participação do FIAE, tipo D, identificados no Banco Comercial Português, S.A. sob o n.º (…), representando um valor penhorado de 1,00€; 4) Depósito Bancário à ordem existente na conta bancária n.º (…), sedeada na Caixa Geral de Depósitos, tendo sido penhorado 383,68€; 5) Depósito Bancário à ordem existente na conta bancária n.º (…), sedeada no Novo Banco, tendo sido penhorado 280,54€;
- Conforme a Executada alegou nos seus embargos de oposição à execução (que dá por reproduzidos), a obrigação exequenda encontra-se garantida, por via de hipotecas, registadas a favor do Exequente, sobre património imobiliário de terceiros (a Promovalor Moçambique - Promoção Imobiliária, SA), tendo, no contrato de cessão de créditos celebrado entre a Exequente e o FIAE a 15-12-2017 (Cf. documento n.º 7 junto com os referidos embargos de oposição à execução), sido estipulado que a cessão de créditos não abrangia as garantias acessórias aos mesmos; o referido contrato de cessão de créditos foi celebrado à luz das negociações, que integram o acordo sobre o montante dos juros vencidos associado ao contrato de financiamento de onde emana a livrança que veio a ser executada no âmbito deste processo (Cf. Documento n.º 6 junto com os embargos de oposição à execução acima referidos); essas garantias reais correspondem a hipotecas constituídas e que permanecem a favor da Exequente, sobre dezassete frações, designadas pelas letras “CA” a “CQ, integradas no “Edifício …”, sito no gaveto da Avenida … com a Rua …, em Maputo, Moçambique, descrito na respetiva Conservatória do registo Predial sob o n.º … (Cf. Documentos n.º 19 e seguintes juntos com os embargos de oposição à execução que constituem o apenso C destes autos); a Exequente estava obrigada a iniciar a sua demanda com a penhora de tais frações hipotecadas (cf. art.º 752.º, n.º 1, do CPC); ao não ter agido dessa forma, a Exequente deu azo à penhora de bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda, tornando as penhoras acima elencadas inadmissíveis por inobservância e preterição da garantia real existente, o que se subsume ao disposto nas alíneas a) e b) do art.º 784.º do CPC;
- Por outro lado, o crédito exequendo totalizará a quantia de 7.551.721,64€, mas, pelos autos de penhora de que foi notificada, a Executada opoente constata que, aos valores dos seus bens penhorados ali indicados, acrescem bens penhorados dos Executados avalistas, cujo valor atual se pode computar em 8.948.893,30€; a Executada não ignora que os autos de execução ainda não alcançaram a fase de fixação do valor base aos bens penhorados, nem que os bens penhorados integram valores mobiliários, cuja natureza é volátil e o seu efetivo valor não é estanque no tempo, desconhecendo o critério utilizado pelo Sr. Agente de Execução para alcançar os valores estimativos, que veio a atribuir a esses valores mobiliários, mas tem de se apelar ao recurso a mecanismos e plataformas fidedignas e realistas; neste caso, apenas o Euronext poderá indicar a cotação a considerar para cada um dos valores mobiliários em causa, chamando-se, contudo, à colação o particular impacto que a atual situação de guerra provocou na queda dos mercados; às cotações atualizadas acima elencadas, acresce que esses valores mobiliários incidem, entre outros, sobre um fundo de investimento, o FIAE, que incorpora valiosos patrimónios e projetos imobiliários, em parceria com um dos principais Bancos nacionais, a aqui Exequente , cujo valor a atribuir às respetivas unidades de participação tem de ser avaliado à luz do plano de negócios respetivo, porque é através dele que se irá otimizar a obtenção de rendimentos e inerente liquidez; nesses valores mobiliários consta uma participação muito relevante sobre um dos principais clubes de futebol português, com uma massa associativa de relevo internacional, que confere à participação em causa, na realidade, um valor difícil de mensurar; portanto, o valor dos bens até esta data penhorados alcança e extravasa o montante do crédito exequendo, importando levantar a penhora sobre os bens em que esse limite se encontra ultrapassado, dando primazia aos depósitos bancários afetos à presente execução, ordenando-se a imediata cessação de todas e quaisquer diligências de penhora adicionais, sob pena de violação do disposto no art.º 784.º, n.º 1, al. a) do CPC.
Terminou requerendo que a oposição à penhora fosse julgada procedente por provada, com o consequente levantamento das penhoras e cancelamento dos respetivos registos.
Em 06-04-2022, foi proferido despacho de indeferimento liminar (recorrido) com o seguinte teor: “Os fundamentos da oposição à penhora encontram-se previstos no art.º 784, nº 1, do Cód. Proc. Civil. Na al. a) do preceito acima referido, estão contemplados os casos de impenhorabilidade processual, quer absoluta (art.º 736º) quer relativa, esta apenas fora das hipóteses autorizadas (art.º 737º), bem como os casos de impenhorabilidade parcial (art.º 738º). Ainda esta alínea contempla a penhora de uma parte especificada de bens indivisos ou de bens compreendidos num património comum ou duma fracção de qualquer deles, em execução apenas movida contra algum ou alguns dos contitulares (art.º 743º), bem como, em caso de penhora de imóveis, a sua extensão a frutos expressamente excluídos ou sobre os quais exista algum privilégio (art.º 758º, nº 1). A al. b), do preceito em análise contempla as situações de penhorabilidade subsidiária, tanto na vertente pessoal como na vertente real, tal como se encontram caracterizados no art.º 745º. Finalmente, a al. c) alude a casos de impenhorabilidade, nos termos do direito substantivo, de determinados bens, por não responderem pela dívida exequenda. São exemplos a penhora de bens próprios de herdeiro que tenha sido habilitado ou demandado por dívida respeitante ao de cujus; penhora de bens que o mandatário tenha adquirido em execução do mandato e que devam ser entregues ao mandante (art.º 1184º do Cód. Civil); Penhora de bens sujeitos a fideicomisso, quando o fiduciário seja o executado (art.º 2292º do Cód. Civil). Posto isto, verifica-se que a sociedade executada no requerimento de oposição não alega nenhum dos fundamentos que justificam a oposição à penhora, e que acima foram referidos. Diz a executada que as penhoras efectuadas são excessivas tendo em conta que o valor da execução foi recentemente fixado em €7.551.721,64. Ora, pelas nossa contas, os bens penhorados até ao momento não ultrapassam significativamente tal montante. Por outro lado, há que ter em conta o tempo que pode durar esta execução, tendo em conta a dedução dos embargos de executado e a sua complexidade, sendo certo que os valores penhorados devem não só garantir a quantia exequenda, juros de mora e legais acréscimos, designadamente os honorários e despesas do agente de execução. Diz a opoente que os executados pessoas singulares são devedores subsidiários, devendo em primeiro lugar serem penhorados os bens da sociedade executada, que é a devedora principal, e que garantiu a dívida exequenda com hipoteca sobre os seus bens. Para tanto chama à colação o art.º 752º do Cód. Proc. Civil. Importa aqui analisar qual é a posição jurídica do avalista. Como estatui o art.º 32º I da LULL «O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada». O que significa dizer-se que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada? Como ensina Ferrer Correia, «Significa, antes de tudo, que o avalista fica na situação de devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável, e na mesma medida em que ele o seja. Por outro lado, já que o avalista responde da mesma maneira que o avalizado, qualquer limitação de responsabilidade expressa por este no título aproveita àquele: a obrigação do avalista mede-se pela do avalizado. Assim, a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado. Trata-se de uma responsabilidade solidária. O avalista não goza do benefício da excussão prévia, mas responde pelo pagamento da letra solidariamente com os demais subscritores (art.º 47º, I). Além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é, senão imperfeitamente, uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao aspecto formal» (Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, pág. 214 e ss). Enquanto que ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito, como estabelece o art.º 638º, n.º 1 do CC, o avalista não goza do benefício de excussão referida neste artigo. Ora, este preceito consagra o princípio da subsidiariedade da fiança, ou seja, o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para a solver. No que toca à responsabilidade do avalista, estabelece o art.º 47º, I e II, da LULL: «Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador. O portador tem o direito de accionar todas essas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram». É por isso que a situação do avalista não se enquadra assim na previsão do nº 3 do art.º 745º do C.P.C.. Deste modo, tendo em conta o referido, poderia o exequente ter intentado esta execução apenas contra o avalista, ou apenas contra a sociedade, ou contra ambos, como fez. Sendo solidária a responsabilidade do avalista, significa isto que o exequente credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação (vid. art.º 519º, nº 1, do Cód. Civil. Como se diz no Ac. da RP de 17/12/2014, cujo relator foi o Dr. Caimoto Jâcome: I - De acordo com o estatuído na alínea b), do nº 1, do art.º 784º, do CPC, o executado pode opor-se contra a imediata penhora de bens seus que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda. Trata-se, pois, de uma situação de impenhorabilidade subsidiária objectiva. II - A responsabilidade (cambiária) do avalista não é subsidiária da do avalizado. III - Não tem cabimento, na execução cambiária, a invocação pelo executado avalista do fundamento de oposição à penhora previsto na referida al. b), do art.º 784º, do CPC, com referência ao estatuído no art.º 752º, do mesmo diploma. IV - Nada impede, pois, a imediata penhora do imóvel pertencente ao executado apelante, enquanto obrigado cambiário (ver art.ºs 32º, 43º e 47º, da LULL, aplicável ex vi do art.º 77º, do mesmo diploma). Porque lhe deu causa, deverá a opoente suportar as custas da presente oposição à penhora – art.º 527, do Cód. Proc. Civil. Assim sendo, por falta de qualquer dos fundamentos a que aludem as diversas alíneas do nº 1 do art.º 784º, do Cód. Proc. Civil, indefere-se liminarmente o incidente de oposição à penhora deduzido pela executada sociedade comercial. Custas pela executada/opoente – art.ºs. 527º e 539º, nº 1, do CPC. Registe e notifique.”
Inconformada com esta decisão, veio a 1.ª Executada interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: I - A Recorrente alegou, em sede de embargos de oposição à penhora, a aplicação do disposto no Art.º 752.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e a violação da extensão das penhoras concretizadas, invocando os factos constitutivos do direito a que se arroga, nomeadamente, a existência de hipotecas sobre bens de terceiro de montante suficiente à satisfação integral da quantia exequenda e a existência de penhoras sobre bens cujo valor ultrapassa o montante dessa quantia. II - Estes factos e as normas trazidas à colação recaem nos fundamentos de oposição à penhora constantes, respetivamente, das alíneas b) e a) do Art.º 784.º do Código de Processo Civil. III - As referidas alíneas não remetem, nem esgotam o seu âmbito de aplicação no previsto pelos Art.ºs. 736.º a 738.º, 743.º, 745.º e 758.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. IV - Nem tão pouco a Recorrente pretendeu alicerçar a sua defesa com fundamento na natureza da responsabilidade assumida pelos Executados pessoas singulares, enquanto avalistas de uma livrança em branco, salientando-se que nunca se alegou a existência de uma situação de subsidiariedade da responsabilidade, contrariamente ao que vem vertido na decisão recorrida. V - O critério de penhorabilidade vertido no Art.º 752.º, n.º 1 do Código de Processo Civil consubstancia uma regra de subsidiariedade dos bens a penhorar, o que foi alegado. VI - Essa subsidiariedade existe independentemente da natureza da responsabilidade assumida, enquanto corolário do princípio da suficiência, como derivativa da tutela do direito de propriedade privada constitucionalmente consagrado (Art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa). VII - O referido preceito consubstancia, por isso, um fundamento de oposição à penhora constante da alínea b) do Art.º 784.º do Código de Processo Civil. VIII - Por sua vez, a penhora de bens em montante que extravasa a quantia exequenda é em si a verificação da inadmissibilidade da penhora por violação da extensão em que esta pode ser ordenada, face aos limites impostos pelo Art.º 735.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. IX - Pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, impunha-se e impõe-se o deferimento liminar dos embargos de oposição à penhora deduzidos. X - O objeto do despacho liminar, que recai sobre o incidente apresentado, está delimitado pelo disposto no Art.º 732.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável, com as devidas adaptações, por força do Art.º 785.º, n.º 2 desse diploma legal. XI - Tendo o despacho de indeferimento liminar dos embargos de penhora, que aqui se recorre, tido como única sustentação a alegada inexistência de fundamento de oposição à penhora, não poderia o Tribunal a quo ter-se pronunciado e tecido considerações acerca do efetivo mérito ou desmérito dos factos e direito aí alegados, sobretudo quando obstou ao exercício do contraditório, à produção de prova e à discussão do Direito. XII - Tal decisão consubstancia, dessa forma, uma nulidade por excesso de pronúncia (Art.º 615.º, n.º 1, alínea d), in fine do Código de Processo Civil e uma verdadeira decisão-surpresa, proibida pelo disposto no Art.º 3.º, n.º 3 desse diploma legal. XIII - O despacho liminar, que recai sobre a oposição à penhora, visa conformar a adequação processual do pleito e jamais coartar o exercício do direito de defesa, que a Lei confere às partes, sob pena de violação do disposto no Art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa. XIV - Ao ter indeferido liminarmente os embargos deduzidos, por fazer uma interpretação restritiva do Art.º 784.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e por antecipar uma pronúncia que só poderá ter lugar a jusante, o Tribunal a quo violou não apenas o disposto no Art.º 11.º do Código Civil, como as demais normas acima elencadas. XV - Pelo que, a decisão proferida terá de ser revogada e substituída por outra que determine o deferimento liminar dos embargos de oposição à penhora, com o subsequente cumprimento da demais tramitação processual.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Exequente-Apelada defende que se negue provimento ao recurso, concluindo nos seguintes termos: A. A Recorrente veio interpor recurso do despacho que indeferiu liminarmente o incidente de oposição à penhora, não tendo, porém, qualquer razão, tendo apenas como propósito protelar o recebimento da quantia exequenda de que o Recorrido é credor. B. Os fundamentos apresentados de oposição à penhora não se integram no artigo 784.º do Código de Processo Civil, tal como decidido pelo Tribunal a quo, o que a Recorrente não nega. C. Alega a Recorrente que a oposição à penhora que deduziu teria fundamento no disposto no artigo 752.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, já que, tanto quanto sustenta, as diligências de penhora apenas poderão incidir sobre os respectivos bens depois de executadas alegadas hipotecas constituídas a favor do Recorrido sobre imóveis localizados no estrangeiro, concretamente em Moçambique, pela sociedade “Promovalor Moçambique – Promoção Imobiliária, S.A.”, que não é executada, alegação que é totalmente desprovida de fundamento legal. D. Em primeiro lugar, porque ao abrigo do princípio da soberania territorial dos Estados, os Tribunais Portugueses não são competentes para penhorar bens imóveis localizados no estrangeiro, estando assim proibidos de o fazer, incluindo bens imóveis situados em Moçambique. E. Isto significa que a penhora, nesta execução que corre termos num Tribunal português, nunca poderia incidir sobre bens localizados no estrangeiro, o que deverá determinar, desde logo e por si só, a confirmação do despacho de indeferimento liminar que foi proferido. F. Em segundo lugar, e à cautela, o disposto no artigo 752.º, n.º 1 do Código de Processo Civil não é pura e simplesmente aplicável ao caso concreto, dado que a sua aplicação depende necessariamente que exista uma garantia real em Portugal – o que não é o caso, dado que os alegados bens imóveis estão sitos em Moçambique – e que onere bens pertencentes ao devedor – o que também não é o caso, dado que os referidos bens imóveis pertencem à sociedade “Promovalor Moçambique – Promoção Imobiliária, S.A.” que não é executada, nem sequer sujeito da obrigação cambiária que resulta da livrança que serve de título à presente execução. G. Com efeito, o título executivo que o Recorrido dispõe é uma livrança subscrita pela Recorrente e avalizada pelos demais executados, pelo que, através da mesma, o Recorrido nem sequer poderia ter accionado a “Promovalor Moçambique – Promoção Imobiliária, S.A”, que não é obrigada cambiária quanto à livrança. H. Além do mais, o artigo 752.º, n.º 1 do Código de Processo Civil é uma norma processual, que não pode colidir com o previsto na lei substantiva, o que significa que, ao abrigo do disposto no artigo 47.º da Lei Uniforme relativa às Letras e às Livranças, a escolha de quem accionar – o subscritor, o avalista ou todos conjuntamente – pertence apenas ao Recorrido, na qualidade de portador da livrança. I. Ao abrigo do referido artigo 47.º da Lei Uniforme, o subscrito, como é o caso da Recorrente, não tem o direito de exigir que só quando determinado património estiver esgotado, nomeadamente de um garante, é que o portador da livrança possa tentar ser ressarcido através do património de tal subscritor ou mesmo de outros garantes, como o caso dos avalistas executados. J. De resto, o Recorrido nunca estaria obrigado, pela mera existência de um terceiro que alegadamente garante a dívida exequenda, a propor a acção executiva contra este. K. Sendo certo que a existência de uma hipoteca de direito estrangeiro a garantir a dívida exequenda é um facto que não está provado e que o Recorrido não aceita. L. Mais ainda, a garantia invocada pela Recorrente não foi constituída ao abrigo do direito português, pelo que não está abrangida pelas garantias – de direito substantivo português – a que se refere o artigo 752.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. M. Alega ainda a Recorrente que a alegação de excesso de penhora merecia o deferimento liminar da oposição que apresentou, o que igualmente carece de fundamento. N. Sendo a dívida exequenda no valor de €7.562.267,18 (cf. requerimento executivo e despacho do Agente de Execução de 15.03.2022, com as referências Citius dos autos principais 30967630 e 31979950), à qual acrescem ainda as despesas com a execução, incluindo honorários do Agente de Execução (cf. artigos 735.º, n.º 3 e 847.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e artigos 43.º e 45.º, n.º 1 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto), e tendo sido até à data apenas penhorados bens no valor total indicativo de €1.104.969,04 (cf. autos de penhora de 18.02.2022, 28.02.2022, 02.03.2022, 04.03.2022, 07.03.2022 e 14.03.2022 e respectivas rectificações de 10.05.2022 e 08.04.2022), é evidente que não há excesso de penhora. O. Além do mais, a Recorrente não alegou ou demonstrou na sua oposição à penhora que o valor de mercado dos bens penhorados excede o valor do crédito exequendo e viola o princípio da proporcionalidade da penhora, pelo que carece, também neste aspecto, de fundamento o presente recurso, devendo, assim, ser confirmado o despacho de indeferimento liminar. P. O despacho recorrido também não constituiu uma decisão-surpresa, nem violou o direito ao contraditório, correspondendo, na verdade, a uma obrigação do Tribunal quanto à tramitação do processo, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 785.º, n.º 2 do mesmo diploma). Q. Em qualquer caso, é errado afirmar que a Recorrente não se pronunciou sobre a questão factual e jurídica, dado que foi a própria que deu o impulso processual com a oposição à penhora que apresentou, na qual teve oportunidade de expor a sua posição, objecto de apreciação liminar pelo Tribunal a quo. R. Não procede também a nulidade de excesso de pronúncia reclamada pela Recorrente, na medida em que, por um lado, o despacho de indeferimento liminar tem cabimento legal e é obrigatório nos termos do artigo 732.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 785.º, n.º 2 do mesmo diploma) e que, por outro lado, a pronúncia do Tribunal a quo – que não extravasou o objecto da oposição à penhora – correspondeu à obrigação de fundamentação dos despachos, nos termos do artigo 154.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a decisão recorrida é nula, por excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório;
2.ª) Se não devia ter sido indeferido liminarmente o Requerimento de oposição à penhora.
Da nulidade da decisão recorrida
A Apelante sustenta que a decisão recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por se ter pronunciado e tecido considerações acerca do “efetivo mérito ou desmérito dos factos e direito aí alegados”.
A Apelada defende que a decisão recorrida não é nula.
Vejamos.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, que se aplica igualmente aos despachos por força do disposto no art.º 613.º, n.º 3, do mesmo Código, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Sendo absolutamente pacífico que o conceito de “questões” a que alude este normativo legal se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do STJ de 10-01-2012, no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Transpondo esta jurisprudência para o caso, é evidente que as considerações tecidas na decisão recorrida não tornam a decisão nula, já que integram a fundamentação que foi desenvolvida no sentido da manifesta improcedência dos argumentos expostos no Requerimento inicial. Aliás, tendo a Opoente invocado aí, além do mais, fundamentos que só teriam cabimento no âmbito de oposição à execução mediante embargos, afirmando inclusivamente que dava por reproduzida a argumentação já expendida na sua petição de embargos, não deixa de ser estranho que se venha insurgir contra a circunstância de o Tribunal a quo lhes ter feito (singela) referência, tanto mais que para concluir precisamente que não constituíam fundamentos de oposição à penhora.
Portanto, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre tais fundamentos tão só para concluir que não podiam conduzir ao requerido levantamento das penhoras, sendo certo que o juiz não estava sujeito ao alegado pela Opoente no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. (cf. art.º 5.º, n.º 3, do CPC).
Se os fundamentos desenvolvidos no despacho recorrido estão certos ou errados é questão de direito a apreciar adiante, face às conclusões da alegação de recurso, não se descortinando sequer, ante esta, qual a suposta questão concreta de que o Tribunal recorrido teria conhecido sem que o pudesse fazer.
A Apelante vem ainda invocar a violação do princípio do contraditório, qualificando o despacho de indeferimento liminar como uma decisão surpresa, o que a Apelada rejeita.
Vejamos.
É inquestionável que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cf. art.º 3.º, n.º 3, do CPC. Este comando é, aliás, uma decorrência do princípio mais abrangente da tutela jurisdicional efetiva contido no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Sendo sabido que a inobservância desse princípio pode gerar nulidade processual, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC (“quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”), a qual, quando coberta por decisão judicial, poderá implicar a própria nulidade dessa decisão, a arguir no respetivo recurso.
No entanto, não se pode olvidar que uma decisão surpresa não é obviamente aquela que surpreende a parte quanto à concreta solução dada pelo tribunal à questão ou questões com cuja apreciação a parte não podia deixar de contar, muito menos quanto à fundamentação desenvolvida a esse propósito, limitada que esteja à análise das questões sobre as quais as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar ou relativamente às quais é desnecessário que o façam ante o estado dos autos.
Sendo a decisão recorrida um despacho de indeferimento liminar, no caso do Requerimento pelo qual a 1.ª Executada veio dar início a incidente de oposição à penhora, importa ainda ter presente que, nos despachos de indeferimento liminar de petição ou requerimento inicial, incluindo no âmbito de procedimentos cautelares e do processo executivo, o tribunal julga verificadas exceções dilatórias insupríveis ou reputa a pretensão do autor/requerente manifestamente improcedente (ainda que se provassem os factos alegados), ficando diferido, mormente para o recurso, o exercício do contraditório quanto a tais questões, pelo que, contanto a decisão se estribe (bem ou mal, ora não importa) em fundamentos dessa natureza (e assim nos parece ter sucedido no presente processo), não faz sentido dela recorrer invocando a ofensa do princípio da proibição de decisões-surpresa (cf. artigos 551.º, 590.º, n.º 1, e 629.º, n.º 3, do CPC).
Tal vem sendo, desde há muito (incluindo na vigência do anterior CPC), a posição largamente maioritária da jurisprudência, destacando-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos, que podem ser consultados em www.dgsi.pt, conforme se alcança de algumas passagens dos respetivos sumários:
- ac. da Relação do Porto de 04-11-2008, no proc. n.º 0826336: “Havendo fundamento (substantivo e processual) para indeferimento liminar, o respectivo despacho liminar negativo deve ser proferido (sem necessidade de prévia audição da parte destinatária dessa decisão negativa), tendo a parte a faculdade de apresentar nova petição, nas condições e com as vantagens previstas no art.º 476º do CPC — e sem prejuízo da possibilidade de recurso (art.º 234º-A, nº 2).”
- ac. da Relação de Coimbra 09-10-2018, no proc. n.º 1809/17.1T8ACB.C1: “Tendo em consideração a conjugação que deve existir entre os princípios processuais, quando operam dinamicamente nos processos concretos, designadamente entre o princípio do contraditório, por um lado, e os da celeridade e da economia processual, por outro, o tribunal pode indeferir liminarmente a petição executiva com fundamento em incompetência em razão da matéria, sem ouvir antes a Exequente, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo.”
- ac. da Relação de Évora de 11-04-2019, no proc. n.º 1501/17.7T8SLV.E1: “Não tem cabimento a prolação de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar, nomeadamente com vista a conceder, ao autor ou ao exequente, a possibilidade de se pronunciar acerca de uma questão, a indicar nesse despacho prévio, como podendo vir a constituir fundamento de um “projectado” indeferimento liminar.”
- Ac. da Relação de Lisboa de 04-02-2020, no proc. n.º 959/13.8TBALQ-A.L17: “1. A prolação de despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial no âmbito de um incidente de habilitação do cessionário não representa violação dos art.ºs 3.º, n.º 3 e 356.º do C.P.C., pois da al. a) do n.º 1 deste artigo não pode inferir-se que o juiz tem necessariamente de ordenar a notificação dos requeridos, antes tendo plena aplicação a regra geral do art.º 590.º, n.º 1, o que significa que havendo motivo para indeferimento in limine, o juiz, em vez de mandar notificar os outros interessados, deve proferir despacho em conformidade com este dispositivo legal. 2. O n.º 3 do art.º 3.º do C.P.C., consagra o chamado contraditório dinâmico, garantindo a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, facultando-lhes a possibilidade de influírem em todos os elementos processuais (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, pois o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito à incidência ativa no desenvolvimento e no êxito do processo. 3. A decisão-surpresa de que trata aquele dispositivo, é uma decisão que transporta consigo uma solução jurídica que a parte interessada não podia prever, que não tinha obrigação de prever, ocorrendo uma decisão dessa natureza quando lhe é inexigível que a tivesse perspetivado como possível no processo. 4. Não assume tal natureza um despacho de indeferimento liminar da petição ou requerimento inicial, subespécie no contexto da rejeição liminar da lide, nas situações taxativamente previstas no art.º 590.º, n.º 1, entre elas, a manifesta improcedência do pedido, não sendo, portanto, exigível ao juiz ouça previamente o autor ou o requerente. 5. Até porque uma situação de indeferimento liminar da petição ou requerimento inicial por manifesta improcedência do pedido acarreta a imediata inutilidade da prática de qualquer posterior ato de instrução ou de discussão, pelo que a audição prévia do autor ou requerente constituiria a prática de um ato inútil, logo proibido por lei, além de que, em tal situação, a lei permite ao autor ou requerente a apresentação novo articulado no prazo de 10 dias.”
- ac. da Relação de Lisboa de 11-05-2021, no proc. n.º 82020/19.9YIPRT.L1-7: “1 - O princípio do contraditório consagrado no artigo 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil confere à parte o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e um direito à audição prévia antes de ser tomada qualquer decisão ou providência, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a poder tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta. 2 – Apenas em caso de manifesta desnecessidade poderá ser dispensada a audição prévia. 3 – Será esse o caso do despacho de indeferimento liminar, pois que este apenas pode ter lugar em face de razões evidentes e indiscutíveis, em termos de razoabilidade, que determinem a manifesta improcedência do pedido ou a verificação evidente de excepções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso, que tornam inútil qualquer instrução e discussão posterior.”
Assim, sem necessidade de mais considerações, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes à nulidade da decisão recorrida.
Do indeferimento liminar
Defende a Apelante que os fundamentos que invocou se reconduzem à previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 784.º do CPC. A Apelada discorda, pugnando pelo acerto da decisão recorrida.
É o que cumpre agora apreciar.
Como ensina Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição, Almedina, pág. 376, a oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 784.º do CPC, sendo mesmo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução.
O n.º 1 do art.º 784.º elenca os seguintes fundamentos de oposição à penhora:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Não há dúvida que a Oposição à penhora que foi deduzida pela 1.ª Executada, ora Apelante, não se reconduz à previsão da alínea c), como, além do mais, se concluiu na decisão recorrida. Nem ela diz o contrário.
Discorda a Apelante da seguinte afirmação ali feita: “a sociedade executada no requerimento de oposição não alega nenhum dos fundamentos que justificam a oposição à penhora, e que acima foram referidos”. Ora, esta afirmação inicial, embora porventura menos feliz, não significa que a decisão recorrida esteja errada na concreta análise que foi feita a respeito das questões suscitadas no requerimento de oposição à penhora.
Verifica-se desde logo que, com a mesma, o Tribunal de 1.ª instância desconsiderou - e bem - os fundamentos que foram expostos no Requerimento inicial de oposição à penhora que, obviamente, não se reconduzem a nenhum dos fundamentos de oposição à penhora previstos na lei. Assim sucede quanto aos “factos” invocados, ainda que à laia de questão prévia, estritamente relacionados com a vida pessoal de outros Executados, tanto mais que nem assistiria à Opoente interesse em agir ou legitimidade processual para, com base nos mesmos, requerer o levantamento de penhoras que recaíram sobre bens que não lhe pertencem, sendo também inadmissível que venha invocar/repetir no âmbito da oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução que deduziu. Portanto, nessa parte, a decisão recorrida está correta.
Foram ainda tecidas pelo Tribunal de 1.ª instância outras considerações em ordem a justificar por que motivo os fundamentos previstos no citado art.º 784.º, n.º 1, não se podiam considerar verificados, ou seja, considerou-se na decisão recorrida que os factos alegados pela Opoente jamais poderiam ser reconduzidos à previsão dos citados normativos, mormente das alíneas a) e b).
Portanto, o Tribunal recorrido apreciou o que havia sido alegado no Requerimento inicial, tendo concluído, isso sim, que não se podia considerar efetivamente preenchida nenhuma daquelas previsões normativas, o que nos remete para o conceito de manifesta improcedência, usado, à semelhança do que sucede no processo declarativo comum (cf. art.º 590.º, n.º 1, do CPC), para designar as petições iniciais/requerimentos iniciais em relação aos quais se verifica, ab initio e de forma ostensiva ou evidente, em face dos factos alegados, que a tese/pretensão do autor/requerente não pode vir a ser acolhida nos tribunais, por carecer de fundamento, face ao direito aplicável à luz da jurisprudência e da doutrina conhecidas.
Importa, pois, apreciar, se foi acertado o entendimento do Tribunal recorrido, recusando liminarmente dar seguimento ao incidente de oposição à penhora, por ter considerado que eram admissíveis as penhoras (imediatas) dos bens em apreço, com a extensão que tiveram, não equacionando que previamente tivesse que ser efetuada a penhora das frações hipotecadas sitas em Moçambique e pertencentes a uma sociedade que não é demandada na ação executiva principal.
A Apelante sustenta ter alegado que o montante dos bens das penhoras extravasava a quantia exequenda, o que é legalmente inadmissível, face ao disposto no art.º 735.º, n.º 3, do CPC.
Trata-se de situação que, em abstrato, é passível de conduzir ao deferimento, pelo menos parcial, da oposição à penhora, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art.º 784.º do CPC. A respeito deste preceito, lembramos mais uma vez as palavras de Marco Carvalho Gonçalves (obra citada, pág. 376), explicando que este fundamento “compreende as situações de impenhorabilidade enunciadas na lei processual civil, ou seja, os casos em que tenham sido penhorados bens absoluta ou totalmente impenhoráveis ou em que a penhora tenha recaído sobre bens relativamente impenhoráveis ou parcialmente penhoráveis em violação dos limites estabelecidos pelo legislador (art.ºs 736.º a 739.º), bem como os casos em que, tendo a execução sido movida contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, tenham sido penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, ou uma parte especificada do bem indiviso (art.º 743º, nº 1). Enquadram-se igualmente neste fundamentoos casos em que tenham sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e demais custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade, previstos nos art.ºs 735º, nº 3, e 751º.” (omitimos na citação as notas de rodapé; sublinhado nosso).
Preceitua o art.º 735.º do CPC que: “1 - Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda. 2 - Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele. 3 - A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.”
Por sua vez, o art.º 751.º do CPC, sob a epígrafe “Ordem de realização da penhora”, contém várias regras tendentes a salvaguardar o princípio da proporcionalidade aí consagrado, dispondo designadamente, nos seus n.ºs 1 a 3, que: “1 - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente. 2 - O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior. 3 - Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.”
No presente processo, a Executada Opoente insurge-se quanto à extensão das penhoras efetuadas, mas conclui, estranhamente, que todas devem ser levantadas, numa lógica argumentativa que não tem cabimento no âmbito de incidente de oposição à penhora, mas apenas em sede de oposição à execução mediante embargos.
Porém, é de assinalar o valor considerável da quantia exequenda, que, no confronto com os valores de todos os bens penhorados (alguns dos quais, lembramos, objeto de penhoras efetuadas em outros processos), conforme resulta dos respetivos autos de penhora, devidamente retificados e que a Opoente verdadeiramente não questionou no seu Requerimento inicial, está ainda muito longe de ser atingido. Com efeito, a Apelante, em parte alguma do seu Requerimento de oposição à penhora, veio atribuir a qualquer um dos bens penhorados um valor diferente daquele que consta do respetivo auto de penhora, limitando-se a fazer algumas conjeturas e considerações genéricas.
Na alegação que desenvolveu a este propósito, não se descortinam quaisquer factos concretos, substantivamente relevantes, que, a serem provados, pudessem levar a concluir que os bens (mormente dos outros Executados) penhorados antes de ter sido efetuada a penhora dos bens da Executada ora Opoente - e muito menos (como melhor se verá adiante) os bens de terceiro não penhorados -, sejam suficientes para pagamento da quantia exequenda e custas prováveis da execução.
Assim, abstraindo agora do mais alegado (que adiante se irá analisar), seria inútil que os autos prosseguissem nos termos pretendidos pela Opoente quando, face ao que (não) alegou a respeito da extensão das penhoras, inexistiam factos jurídicos relevantes carecidos de prova, mostrando-se puramente conclusiva a alegação de que o valor dos bens penhorados extravasa o montante do crédito exequendo, já que desacompanhada de substrato fáctico relevante.
A Apelante defende ainda ter alegado que as penhoras foram efetuadas sem observância da regra da subsidiariedade consagrada no art.º 752.º, n.º 1, do CPC, dos bens a penhorar, o que consubstancia o fundamento de oposição à penhora previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 784.º do CPC. Afirma que não pretendeu “alicerçar a sua defesa com fundamento na natureza da responsabilidade assumida pelos Executados pessoas singulares, enquanto avalistas de uma livrança em branco, salientando-se que nunca se alegou a existência de uma situação de subsidiariedade da responsabilidade, contrariamente ao que vem vertido na decisão recorrida.”
A propósito da referida alínea b), lembramos os ensinamentos de Marco Carvalho Gonçalves, na obra citada, pág. 377: “O executado pode deduzir oposição à penhora se forem penhorados bens que só subsidiariamente respondam, a título pessoal ou real, pela dívida exequenda. É o que sucede, designadamente se, estando em causa uma dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, quando ele ainda disponha de bens próprios no seu património (art.ºs 1969º do CC e 740º, nº 1), se, estando em causa uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, forem penhorados bens próprios de algum dos cônjuges, existindo ainda bens livres no património comum do casal (art.º 1695.º do CC), se forem penhorados bens do devedor subsidiário, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, desde que o devedor subsidiário invoque, de forma fundamentada, o benefício da excussão prévia (art.º 745º, nº 1, do CC), bem como se, executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora tiver começado por outros bens, que não aqueles sobre os quais incidia a garantia (Art.º 752º, nº 1).” (sublinhado nosso).
A terminar as observações sobre a alínea b) do n.º 1 do art.º 784.º, salienta este autor que “a oposição fundada na penhora imediata de bens que só subsidiariamente responderiam pela dívida exequenda apenas será procedente se o executado indicar nesse articulado quais os concretos bens que deviam ter sido penhorados em primeiro lugar e não o foram. É que, se inexistirem outros bens que devam responder em primeiro lugar, nenhuma ilegalidade existirá no ato de penhora de bens que, teoricamente, só poderiam ser penhorados em segundo lugar. Por outro lado, a oposição à penhora será julgada improcedente se o exequente lograr demonstrar a insuficiência manifesta dos bens que deviam responder prioritariamente pela dívida exequenda, atento o disposto no art.º 745º, nº 5.”
Nos presentes autos, a circunstância de o Tribunal de 1.ª instância ter afastado a aplicação do disposto no art.º 745.º do CPC não inquina de nulidade a decisão recorrida, conforme já acima referimos, tendo em atenção a liberdade conferida ao julgador no enquadramento jurídico dos casos em apreço (cf. art.º 5.º, n.º 3, do CPC), tanto mais quando importava fazer uma análise da situação invocada à luz das diferentes soluções jurídicas plausíveis. Compreende-se, pois, que tenha sido lembrado na decisão recorrida o art.º 745.º do CPC, o qual, sob a epígrafe, “Penhorabilidade subsidiária”, tem o seguinte teor: “1 - Na execução movida contra devedor subsidiário, não podem penhorar-se os bens deste, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, desde que o devedor subsidiário fundadamente invoque o benefício da excussão, no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 728.º. 2 - Instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário e invocando este o benefício da excussão prévia, pode o exequente requerer, no próprio processo, execução contra o devedor principal, que será citado para integral pagamento. 3 - Se a execução tiver sido movida apenas contra o devedor principal e os bens deste se revelarem insuficientes, pode o exequente requerer, no mesmo processo, execução contra o devedor subsidiário, que será citado para pagamento do remanescente. 4 - Tendo os bens do devedor principal sido excutidos em primeiro lugar, pode o devedor subsidiário fazer sustar a execução nos seus próprios bens, indicando bens do devedor principal que hajam sido posteriormente adquiridos ou que não fossem conhecidos. 5 - Quando a responsabilidade de certos bens pela dívida exequenda depender da verificação da falta ou insuficiência de outros, pode o exequente promover logo a penhora dos bens que respondem subsidiariamente pela dívida, desde que demonstre a insuficiência manifesta dos que por ela deviam responder prioritariamente.”
Não se descortina a este respeito nenhum erro de julgamento do despacho recorrido, não se podendo entender que, na ação executiva de que os presentes autos constituem apenso, os bens que foram penhorados só subsidiariamente respondiam pela dívida exequenda. Aliás, nem se saberia quais os bens que deveriam responder prioritariamente pela dívida exequenda já que a Executada-Opoente, como vimos, defende o levantamento de todas as penhoras e até afirma agora que não quis alicerçar a sua defesa com fundamento na natureza da responsabilidade assumida pelos Executados pessoas singulares, enquanto avalistas de uma livrança em branco.
Mas vejamos se a situação invocada no Requerimento inicial era passível de se reconduzir à previsão do n.º 1 do art.º 752.º do CPC, nos termos do qual: “1 - Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.”
Esta disposição legal deve ser conjugada com a que consta do art.º 54.º, n.º 2, do CPC, que, sob a epígrafe “Desvios à regra geral da determinação da legitimidade”, dispõe o seguinte: “2 - A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.”
Atentando nestes normativos, é fácil concluir que não se prestam a dúvidas interpretativas que possam abalar a decisão recorrida de indeferimento liminar, antes se impondo concluir que nada obstava a que a penhora tivesse começado pelos bens da sociedade Executada, subscritora da livrança dada à execução. A posição que a Apelante defende não tem cabimento legal, não sendo, pois, errado que a 1.ª instância não a tenha perspetivado como passível de se reconduzir à previsão de qualquer uma das alíneas do n.º 1 do art.º 784.º do CPC. Aliás, assenta numa interpretação de tal forma enviesada do disposto no art.º 752.º, n.º 1, do CPC que mais parece configurar uma aplicação analógica desta norma, o que não tem razão alguma de ser por inexistir aqui uma lacuna carecida de integração.
Com efeito, na execução intentada a Exequente não pretendeu fazer valer nenhuma garantia real, concretamente as hipotecas das frações situadas em Moçambique, o que bem se compreende, já que inexistem normas de direito internacional ou instrumentos de cooperação judiciária que habilitem a penhora de bens localizados no estrangeiro; na ação executiva, não foi demandada a “Promovalor Moçambique – Promoção Imobiliária, S.A.”, não sendo esta sociedade devedora da quantia exequenda. É, pois, manifesto que não está a ser executada nenhuma dívida com garantia real que onere bens pertencentes aos devedores-Executados, sendo inaplicável o art.º 752.º, n.º 1 do CPC.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual não pode deixar de ser negado provimento.
Vencida a Executada-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
Face ao valor do recurso indicado (igual ao da ação), e considerando que o recurso vem interposto de decisão de indeferimento liminar de requerimento de oposição à penhora, tendo as partes exposto de forma clara as suas posições em peças de dimensão equilibrada e conclusões concisas, sem suscitarem questões de complexidade assinalável, parece-nos adequado determinar, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça.
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso, com dispensa do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça
D.N.
Lisboa, 27-10-2022
Laurinda Gemas
António Moreira
Carlos Castelo Branco