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CONTRATO DE TRABALHO
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
COMPENSAÇÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
OBJETO NEGOCIAL
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Sumário
I - O pacto de não concorrência tem obrigatoriamente carácter oneroso e é sinalagmático (gera uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador), constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho (trata-se de uma cláusula acessória, conformadora de um efeito acessório da cessação do contrato). II - Os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade. III - O contrato de trabalho - como qualquer outro contrato - consubstancia um equilíbrio global, um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, o que não se compadece com uma análise compartimentada dos diferentes elementos que o integram, nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das relativas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência. IV - Apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da proteção que a lei estipula para a retribuição do trabalho, gerando a sua estipulação expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador. V - O objeto do negócio jurídico não tem de ser determinado, mas, tão somente, determinável, ou seja, concretizável no seu conteúdo. VI - O crédito por formação profissional não levada a cabo vence-se no final de cada ano. VII - Desconhecendo-se as razões pelas quais a formação não teve lugar, de forma alguma se pode considerar que a posição funcional detida pelo A., no topo da estrutura organizativa da empregadora, obsta só por si à aplicação do regime legal desta matéria.
Texto Integral
Revista n.º 2214/21.0T8LSB.L1.S1 MBM/JG/FM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I. 1. AA intentou ação emergente de contrato de trabalho contra NA Netjets Aviation Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe determinadas importâncias, nomeadamente, na parte que releva no âmbito do presente recurso:
a) O montante inscrito, em 10.11.2020, na sua conta individual do “plano de incentivo de longo prazo” (LTIP), no valor de 232 575 EUR, deduzidos os montantes pagos pela R.;
b) A quantia de 7 031,33 EUR, a título de formação não ministrada, tudo acrescido de juros de mora.
2. Para tanto, alega, em síntese:
- Foi contratado como presidente da R. e de todo o grupo da Netjets da Europa, tendo sido acordado, para além de um prémio anual de desempenho, uma participação no LTIP, com início em 2019.
- Contratualmente, estava adstrito a obrigações de não concorrência, tendo por isso sido acordado o pagamento de uma compensação correspondente à sua participação nos planos de incentivo de longo prazo.
- O contrato cessou em 21.11.2020, por meio de comunicação enviada ao A.
- O pacto de não concorrência não fixou uma concreta quantia compensatória da obrigação de não concorrência, prevendo que a compensação seria constituída pela própria participação nesse plano.
- O plano tinha um potencial de ganho até 150% do salário fixo anual do A., que no final do seu contrato teria direito a receber o respetivo valor.
- Pelos 5 meses de trabalho prestado em 2019, a R. atribuiu ao A., ao abrigo do LTIP, um total de 232 575 EUR, atribuição que a R. cancelou injustificadamente em 11.12.2020.
3. A R. contestou, sustentando, fundamentalmente:
- As condições do plano obrigavam a uma permanência de cinco anos, bem como a estar ao serviço da R. a 31 de dezembro de cada ano, para se ficar investido nos correspondentes direitos.
- Em cada ano civil vencem-se 20%, só após cinco anos se vencendo a totalidade.
- O A. não adquiriu o direito a receber esse montante, mas apenas a potencialidade de o receber, tendo declarado que a sua simples participação no plano era compensação suficiente do pacto de não concorrência.
- Para além de o valor ser excessivo e de o A. ter frequentado algumas ações de formação profissional, o reclamado pelo A. a este título só se venceria a 31 de dezembro.
4. Na 1.ª Instância, a ação foi julgada totalmente improcedente. 5. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando-o parcialmente procedente, condenou a empregadora a pagar ao A. as quantias de:
a) 186 079,60 EUR, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde a data de citação e até integral pagamento [por conta do pedido mencionado em supra n.º 1, a)];
b) e de 1 952,70 EUR, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde a data de cessação do contrato de trabalho até integral pagamento [por conta do pedido mencionado em supra n.º 1, b)]. 6. Do assim decidido, a R. interpôs a presente revista, dizendo, essencialmente, nas conclusões da sua alegação:
- O acórdão recorrido enferma de nulidade por excesso de pronúncia: uma vez que o A. não o peticionou (apenas pediu a condenação da R. “a pagar ao A. o montante depositado na sua conta individual do LTIP”), não poderia o Tribunal a quo fixar uma compensação pelas obrigações decorrentes do pacto de não concorrência.
- Impendia sobre o A., nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do CC, o ónus de alegar e demonstrar a eventual insuficiência da compensação estabelecida pelas partes e de demonstrar qual o valor adequado, aduzindo e provando os factos correspondentes.
- A lei não estabelece uma forma de determinação do quantum mínimo de uma compensação pela obrigação de não concorrência, embora o art. 136.º, n.ºs 3 e 4, do CT, dê um valor “de referência”, ao prever o seu agravamento para o valor da retribuição base em caso de ilicitude do despedimento, prevendo-se ainda, a dedução dos valores auferidos noutras atividades.
- Retira-se daqui que numa situação de cessação não ilícita por iniciativa do empregador o montante da compensação pode ser inferior ao montante da retribuição base.
- Não resulta dos autos qualquer facto que permita considerar adequada a compensação correspondente ao valor total do LTIP atribuído no acórdão recorrido.
- A R. não teria aceitado um regime no âmbito do LTIP que levasse à aquisição do direito ao prémio, na sua totalidade, logo no primeiro ano, em vez de tal suceder faseadamente, como previsto, desde logo porque tal invalidaria a filosofia do Plano.
- A entender-se que o pacto de não concorrência seria inválido, por não ter sido convencionada a atribuição de uma compensação ao A., a consequência dessa invalidade nunca poderia resultar na condenação da R. no pagamento do valor total do incentivo potencial definido ao abrigo do LTIP, devendo antes resultar, nos termos dos arts. 136.º, n.º 2, al. c), do CT, e 289.º, n.º 1, do CC, na eliminação do pacto de não concorrência da ordem jurídica e a destruição dos seus efeitos futuros, tendo-se como validamente celebrado durante o período em que foi executado, nos termos do disposto no art. 122.º, n.ºs 1 e 2, do CT.
- A admitir-se a potencial invalidade da regra de vencimento postecipado aplicada no caso concreto, tal não poderia redundar na criação, pelo Tribunal, de uma regra de vencimento imediato da totalidade do montante, pois a atribuição do prémio ao abrigo do LTIP não era garantida e tinha natureza discricionária.
- A consequência da pretensa insuficiência da compensação acordada pela não concorrência seria a invalidação do pacto de não concorrência ou, em alternativa, a fixação judicial de uma compensação adequada e suficiente, para o que seria necessária a formulação de pedido que o A. não formulou.
- Mas nunca a condenação da R. no pagamento do valor de incentivo potencial definido ao abrigo do LTIP, com total desconsideração do convencionado entre as partes e manifesta violação do disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC.
- A entender-se que o estabelecimento de compensação insuficiente não inquina a validade do pacto de não concorrência, determinando antes a possibilidade de o Tribunal fixar um quantum adequado e proporcional, designadamente, ao abrigo do disposto no art. 272.º do CT, nunca tal fixação poderia ter lugar nos presentes autos, uma vez que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
- Tal eventual pedido deveria ter sido formulado de forma clara, com a invocação das normas legais aplicáveis e a reclamação expressa da fixação de um valor adequado para a compensação, por forma a permitir à R. pronunciar-se sobre tal pretensão e sobre os factos eventualmente invocados para sustentar tal pedido.
- Para que a redução do pacto de não concorrência pudesse ter lugar, nos termos do art. 292.º do CC, seria necessário, sob pena de violação dos princípios do pedido e do contraditório (arts. 3.º, n.os 1 e 3, e 609.º, n.º 1, do CPC), que o A. tivesse expressamente peticionado a invalidação do negócio e a sua redução subsequente, o que não fez.
- A redução só poderia ser considerada pelo tribunal se se demonstrasse que o negócio jurídico teria sido concluído sem a parte viciada, inexistindo factualidade provada ou razões para concluir tal, ou seja, que as partes teriam celebrado o negócio sem a parte pretensamente viciada.
- Ao condenar a R. no pagamento de créditos de formação profissional, o acórdão recorrido desconsiderou que não se venceu qualquer crédito desta natureza e ignorou a posição ocupada pelo A. na estrutura da R., pois, enquanto mais alto responsável da NetJets na Europa, nunca promoveu qualquer ação no sentido de garantir a formação profissional que agora peticiona. 7. O A. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso. 8. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser parcialmente concedida a revista, em parecer a que apenas respondeu o A., em linha com o antes sustentado nos autos.
9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidirsão as seguintes: i) Se o acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia; ii) Se – prevendo o contrato de trabalho, como compensação da cláusula de não concorrência, a participação no Plano de Incentivo a Longo Prazo – o A. tem direito a receber a totalidade do valor registado na sua conta individual, apesar de o contrato de trabalho ter cessado antes de decorridos os cinco anos previstos para o efeito; iii) Se são devidos créditos de formação profissional. E decidindo. II. 10. Com relevância para a decisão do recurso de revista, a matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:
1. A “NetJets” é um grupo internacional de empresas norte-americano e líder mundial no setor da aviação privada, tendo como dono e beneficiário efetivo (“ultimate beneficial owner”) a (…) multinacional Berkshire Hathaway;
2. A R. é a filial Portuguesa da “NetJets”.
(…)
4. Em 5 de julho de 2019 o A. aceitou uma proposta de trabalho para ocupar o cargo de Presidente de “NetJets Europe” (…)
5. Nessa sequência, em 1 de agosto de 2019 o A. foi admitido ao serviço da R., mediante contrato de trabalho em regime de comissão de serviço;
6. O A. foi admitido para exercer e efetivamente exerceu as funções de Presidente da R. e de todas as restantes empresas da “NetJets” na Europa, tendo integrado a equipa de direção executiva da “NetJets Europa” (“NetJets Europe Executive Leadership Team”);
7. Foram acordadas, entre outras, as seguintes condições, nos termos exatos que constam do contrato (…):
a) Salário anual fixo de € 325.00,00, a pagar em 14 prestações anuais de € 23.214,29, o que inclui já os subsídios de férias e Natal;
b) Prémio anual de desempenho, habitualmente pago no primeiro trimestre do ano seguinte;
c) Participação no “NetJets Long Term Incentive Partnership” (LTIP), ou seja, Plano de Incentivo a Longo Prazo da NetJets, com início em 2019 (…);
d) Subsídio de alojamento (€ 4500 mensais);
e) Car Allowance;
f) Seguro de vida e saúde.
8. Relativamente ao ano de 2019 foi pago ao autor em fevereiro de 2020 um prémio de desempenho de € 250.000,00 (…) e atribuídos USD 277.200,00 ao abrigo do LTIP;
9. O contrato de trabalho do A. cessou em 21.11.2020, na sequência de comunicação escrita enviada pela R. em 21.08.2020, por email, (…)
10. Nessa comunicação a R. determinou que o A. ficaria imediatamente dispensado da prestação de trabalho (…) e que gozaria as férias a que tem direito no período imediatamente anterior à cessação.
11. Nessa comunicação a R. salientou que o A. estaria sujeito às obrigações de não concorrência previstas no seu contrato de trabalho, bem como à correspondente compensação, conforme previsto na cláusula 15 deste contrato (,,,).
12. Posteriormente, em 07.09.2020, os Mandatários da R. enviaram missiva ao A., salientando que este está obrigado a cumprir as obrigações contratuais estabelecidas no contrato de trabalho, incluindo a obrigação de confidencialidade (mas sem prejuízo de todas as outras obrigações assumidas contratualmente);
13. Do contrato de trabalho do autor consta declarado nomeadamente entre outros o seguinte: (a) Concorrência leal.
(a) O trabalhador acorda que, durante a vigência do seu contrato de trabalho com a NetJets e por um período de 12 meses a contar da data da sua cessação ("Período Restringido"), seja por que motivo for, não participará ou ponderará participar, direta ou indiretamente, em qualquer negócio ou atividade que esteja em concorrência com as empresas do grupo NetJets. Durante a vigência do contrato de trabalho e nos 12 meses seguintes à sua cessação o trabalhador não irá, direta ou indiretamente, adquirir participação, gerir, controlar, participar, prestar consultoria, assistir na criação, estabelecer relação de trabalho ou prestar serviços em quaisquer concorrente das Empresas do grupo NetJets, tal como abaixo definido, ou em qualquer entidade que esteja a criar um negócio destinado a concorrer com as Empresas do grupo NetJets, seja em que parte do mundo for. Esta disposição não proibirá o trabalhador de deter não mais de 5% das ações em circulação de uma sociedade com o capital aberto ao investimento do público, desde que o trabalhador não tenha qualquer participação ativa nos negócios dessa empresa.
(…) (b) Pacto de não solicitação.
(a) Clientes. O trabalhador acorda que, durante a vigência do seu contrato de trabalho com a NetJets e por um período de 12 meses a contar da data da sua cessação, seja por que motivo for, não irá, em nome próprio ou de terceiros, seja de que forma ou em que qualidade for (incluindo, mas sem limitar, como conselheiro, consultor, comitente, agente, sócio, funcionário, diretor, acionista, financiador, trabalhador, membro de alguma associação, ou de qualquer outra forma), direta ou indiretamente:
(i) Interferir ou prejudicar, ou tentar interferir ou prejudicar, a relação das Empresas do grupo NetJets com qualquer pessoa que seja cliente ou fornecedor destas;
(ii) Comunicar com qualquer Cliente (tal como definido abaixo) das Empresas NetJets, com o objetivo de fazer negócios com qualquer negócio ou empresa concorrentes, ou de se envolver em qualquer atividade ou trabalho que concorra com as Empresas NetJets ou com qualquer programa das mesmas; ou
(iii) Incentivar, atrair ou induzir qualquer Cliente das Empresas do grupo NetJets a transferir o seu negócio ou patrocínio para fora das Empresas NetJets.
(iv) Prestar serviços a qualquer Cliente das Empresas do grupo NetJets em representação de qualquer negócio, empresa, atividade ou trabalho que concorra com as Empresas NetJets ou com qualquer programa destas;
(v) Para efeitos desta cláusula, o termo "Cliente" é definido como qualquer pessoa, empresa ou outra entidade que tenha pago às Empresas do grupo NetJets em contrapartida de serviços prestados nos últimos três (3) anos de vigência da relação laboral do Trabalhador com qualquer Empresa do grupo NetJets, ou qualquer pessoa, empresa ou outra entidade que a NetJets esteja a angariar ou a planear ativamente angariar, à data da cessação da relação laboral do Trabalhador.
(b) Trabalhadores. O trabalhador acorda que, durante a vigência do seu contrato de trabalho com a NetJets e por um período de 12 meses a contar da data da sua cessação, seja por que motivo for, não irá, em nome próprio ou de terceiros, seja de que forma ou em que qualidade for (incluindo, mas sem limitar, como conselheiro, consultor, comitente, agente, sócio, funcionário, diretor, acionista, financiador, trabalhador, membro de alguma associação, ou de qualquer outra forma), direta ou indiretamente, solicitar ou tentar solicitar, contratar ou tentar contratar, qualquer atual ou anterior trabalhador das empresas do grupo NetJets, ou incentivar algum desses trabalhadores a terminar a sua relação com alguma das empresas do grupo NetJets ou a modificar negativamente os respetivos termos; desde que, no entanto, nenhuma das anteriores restrições se aplique a algum trabalhador de uma empresa do grupo NetJets que (1) responda a qualquer solicitação de tipo de “ajuda geral”, ou que (2) tenha cessado o respetivo vínculo laboral por iniciativa de alguma empresa do grupo NetJets.
(c) Assistência a Outros. O trabalhador não ajudará ou incentivará qualquer outra pessoa a desenvolver, direta ou indiretamente, qualquer atividade que seria proibida pelas disposições do presente Acordo caso fosse desenvolvida
pelo trabalhador, direta ou indiretamente. O trabalhador também não induzirá qualquer trabalhador de alguma das Empresas do grupo NetJets a desenvolver, direta ou indiretamente, quaisquer dessas atividades.”
(…)
Foi acordado o seguinte a título de compensação pelas referidas obrigações assumidas pelo A.: (a) “Compensação. O trabalhador acorda que a sua participação no Plano de Incentivo a Longo Prazo da NetJets (LTIP) constitui compensação suficiente pela assunção dos pactos de Concorrência Leal e Não Solicitação, durante o período de 12 meses após a data da cessação da sua relação laboral com a NetJets, e como tal reconhece que tais pactos são juridicamente válidos e vinculativos e que não terá direito a qualquer compensação adicional.”
14. Como previsto na cláusula 6.3. do contrato de trabalho celebrado entre as partes (…), esse Plano tem um potencial de ganho de até 150% do salário fixo anual do A., sendo a sua atribuição discricionária;
15. Relativamente a 2019, a ré atribuiu ao autor USD 277.200 ao abrigo do LTIP, os quais foram registados na respetiva conta individual do autor junto da " Charles Schwab " e que em 10.12.2020 tinham já ganhos acumulados de USD 4,335.44, perfazendo assim um total de USD 282.535,44 (EUR 232.575);
16. No dia 11-12-2020 a ré cancelou a conta incentivo individual em nome do autor;
17. No dia 23.12.2020 o A. recebeu na sua conta bancária do Santander uma transferência no valor de €39.289,40 ordenada pela R. (…);
18. O LTIP é um plano que visa essencialmente reconhecer o mérito de trabalhadores com posições de destaque na gestão da NetJets e que contribuíram particularmente para os resultados desta, visando promover a retenção desses profissionais e o seu alinhamento com os interesses da empresa;
19. Consta do Plano (...) o seguinte:
- “Conta(s) Incentivo. A Empresa deve manter uma conta contabilística separada em nome de cada Participante no Plano para cada Atribuição de Incentivo. O valor da Atribuição de Incentivo alocado a cada Participante será registado na Conta Incentivo de tal Participante para o Ano de Atribuição aplicável. Estas Contas Incentivo serão usadas exclusivamente para calcular o valor pagável a cada Participante nos termos do Plano e não constituirão um fundo de ativos separado” (ponto 5.1).
- “Vencimento da(s) Conta(s) Incentivo. Cada Participante ficará investido em vinte por cento (20%) na sua Conta Incentivo em 31 de dezembro do Ano de Atribuição e um adicional de vinte por cento (20%) em 31 de dezembro de cada ano subsequente. Os Participantes devem estar ao serviço em 31 de dezembro para ficarem investidos nesse ano. O Presidente pode acelerar o vencimento (mas não acelerar o pagamento), ou pode estabelecer critérios em relação a um Participante (além da passagem do tempo) antes do vencimento em relação a qualquer Atribuição de Incentivo; desde que, no entanto, qualquer parte de uma Atribuição de Incentivo que já foi adquirida com o passar do tempo não esteja sujeita a quaisquer critérios de aquisição adicionais, e desde que nenhum critério de aquisição adicional adie a data de pagamento da Atribuição de Incentivo conforme previsto na Secção 6.1. O Participante ficará investido em cem por cento (100%) em caso de cessação da atividade em resultado de Invalidez ou morte” (ponto 5.3).
20. O Presidente do Plano é o Presidente da NetJets Inc. (…) ou o Presidente da NetJets Europe (…);
21. Da cláusula 15.2 do contrato de trabalho do autor (…) consta que que “a sua participação Constitui compensação suficiente pela assunção dos pactos de Concorrência Leal [“Fair Competition”] e Não Solicitação [“Non-solicitation”], durante o período de 12 meses após a data da cessação da sua relação laboral com a NetJets”;
22. Da cláusula 6.3 do contrato de trabalho do autor (…) consta que "LTIP: o Trabalhador será elegível para participar no Plano de Incentivo a Longo Prazo da NetJets começando em 2019, de acordo com as regras do Plano. O potencial de ganho é de até 150% da remuneração fixa anual do Trabalhador. Esta é uma Atribuição discricionária";
23. Quando o autor celebrou o contrato de trabalho com a ré, encontrava-se já em vigor o plano LTIP com a redação já mencionada;
(…)
53. Consta desse Plano [LTPI] o seguinte:
54. “Pretende-se que o Plano, ao fornecer esta atribuição e diferida oportunidade, ajudará a Empresa a reter e atrair indivíduos com capacidade excecional e funcionará como um incentivo para alinhar os seus interesses com os da Empresa”.
55. Assim, o LTIP constituía um plano de benefícios implementado pela R., que visava atrair e reter talento na empresa.
56. A forma de reter esse talento materializa-se, essencialmente, no diferimento, por vários anos, da possibilidade de aquisição do direito ao montante potencial definido.
57. Sendo elegível para participar no Plano, como sucedia com o A., a participação relativamente a cada ano, ou seja, o ano a que respeita o incentivo (“Award year”) torna-se efetiva com a notificação do facto ao trabalhador pelo Chairman (...).
58. A participação no Plano com referência a um determinado ano (“Award year”) distingue-se de outros dois conceitos, a atribuição do incentivo potencial (“Annual Award”) e o direito ao recebimento do incentivo e em que medida.
59. Em cada ano, se um trabalhador tiver sido designado para participar no Plano, será definido se lhe é atribuído ou não algum incentivo (“Incentive Award”).
60. Para esse efeito, “incentivo” significa o incentivo determinado e alocado nos termos do Plano (…).
61. A atribuição de um incentivo com referência a um ano (“Award Year”) não significa que o trabalhador receba ou adquira o direito a receber o valor que for determinado.
62. O valor determinado é o montante que o trabalhador poderá vir a adquirir, diferidamente, verificadas determinadas condições. Ou seja, é o montante potencial máximo a que o trabalhador pode vir a ter direito a receber.
63. Consta do Plano (…) o seguinte:
- “Conta(s) Incentivo. A Empresa deve manter uma conta contabilística separada em nome de cada Participante no Plano para cada Atribuição de Incentivo. O valor da Atribuição de Incentivo alocado a cada Participante será registado na Conta Incentivo de tal Participante para o Ano de Atribuição aplicável. Estas Contas Incentivo serão usadas exclusivamente para calcular o valor pagável a cada Participante nos termos do Plano e não constituirão um fundo de ativos separado”) (ponto 5.1).
- “Vencimento da(s) Conta(s) Incentivo. Cada Participante ficará investido em vinte por cento (20%) na sua Conta Incentivo em 31 de dezembro do Ano de Atribuição e um adicional de vinte por cento (20%) em 31 de dezembro de cada ano subsequente. Os Participantes devem estar ao serviço em 31 de dezembro para ficarem investidos nesse ano. O Presidente pode acelerar o vencimento (mas não acelerar o pagamento), ou pode estabelecer critérios em relação a um Participante (além da passagem do tempo) antes do vencimento em relação a qualquer Atribuição de Incentivo; desde que, no entanto, qualquer parte de uma Atribuição de Incentivo que já foi adquirida com o passar do tempo não esteja sujeita a quaisquer critérios de aquisição adicionais, e desde que nenhum critério de aquisição adicional adie a data de pagamento da Atribuição de Incentivo conforme previsto na Secção 6.1. O Participante ficará investido em cem por cento (100%) em caso de cessação da atividade em resultado de Invalidez ou morte” (ponto 5.3).
64. Assim, o valor potencial do incentivo determinado com referência a cada ano é registado numa conta contabilística da NetJets, não na R., em nome do participante, designada Conta Incentivo (“Incentive Account”).
65. Mas a aquisição do direito ao recebimento, ou vencimento (“vesting”), vai-se gerando faseadamente, no final do ano civil de atribuição e ao longo dos quatro anos civis subsequentes.
66. Assim, com relação ao valor registado na Conta Incentivo relativo a um determinado ano, em cada ano é registado nessa conta o montante vencido (“vested”): 20% em 31 de dezembro do ano da atribuição (“Award Year”) e 20% em 31 de dezembro de cada um dos anos civis subsequentes.
67. Para que o trabalhador vença a parte de 20% em cada ano é requerido que o trabalhador esteja ao serviço da NetJets em 31 de dezembro desse ano (…).
68. No caso de o trabalhador cessar o seu vínculo com o empregador NetJets antes do final do quarto ano civil subsequente ao termo do ano de atribuição (“Annual Award”), esse trabalhador apenas vence ou adquire o direito a receber o valor correspondente ao montante já registado como vencido na sua Conta Incentivo (“Vested portion of the Incentive Account”) (…).
69. Tal princípio está (…) em linha com a natureza do incentivo, que é atrair e reter pessoas que a empresa pretende manter ao seu serviço, pelo que os trabalhadores só adquirem o direito às prestações remanescentes do incentivo se se mantiverem ao serviço em cada um dos anos.
(…)
75. (…) o A. ficou elegível para participar no Plano, começando no ano de 2019 (cláusula 6.3 do contrato de trabalho):
76. O potencial de elegibilidade (“earn-out”) seria de até 150% da remuneração fixa anual do A.;
77. Relativamente a esse ano de 2019 foi definido um valor de incentivo potencial de USD 277.200,00, o qual foi registado na Conta Incentivo do A.;
78. (…) em 31 de dezembro de 2019 o A. venceu um montante correspondente a 20% e em 31de dezembro de cada um dos anos de 2020 a 2023 venceria mais 20%, nos termos das regras do plano;
79. O valor potencial determinado e que foi refletido na “Conta Incentivo” do A., poderia vir a ser incrementado como se o valor da Conta Incentivo fosse investido em um ou mais fundos de investimento selecionados pelo A., em linha com os ganhos virtualmente imputados (…);
80. Em 23.11.2020, foi transferido para a conta bancária do A. o montante ilíquido de EUR 46.495,40, correspondente a USD 56.307,08 (= 277.200 + 4.335,44) / 5) (…) o valor de EUR 39.239,40 corresponde ao valor líquido do recibo, transferido para a conta do A. (…);
81. Esse valor corresponde ao montante registado na Conta Incentivo do A. a título de LTIP vencido em 31 de dezembro de 2019, mais os ganhos virtualmente imputados, correspondente a USD 56.307,08 (…);
82. O autor teve conhecimento das regras do plano LTIP;
(…)
85. (…) aquando do envio da comunicação de cessação do contrato de trabalho, a R. propôs ao A. a celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho, com efeitos a 26 de agosto de 2020 (…);
86. Nesse projeto de acordo eram indicadas as condições propostas pela R.;
87. Dessas condições constava o pagamento do salário do mês de agosto, de uma compensação por cessação no montante de € 177.000, da parcela do LTIP já vencida e dos créditos legais, para além da manutenção de seguro de saúde e da housing allowance até novembro de 2020 (…);
88. (…) a experiência profissional do A. foi em companhias de aviação que desenvolvem uma atividade de transporte aéreo regular, a ..., a ... e a ... (de 2004 a 2019);
89. (…) a experiência e conhecimentos do A. são essencialmente no setor da aviação civil de transporte aéreo regular de passageiros (…);
90. A (…) NetJets exerce uma atividade que se situa no âmbito da atividade de transporte aéreo não regular, através da operação de jatos privados, portanto, no restrito segmento de mercado de luxo;
91. A atividade profissional do A. só fica limitada, nos termos do pacto celebrado, às empresas concorrentes nesse segmento de mercado restrito;
92. Esse segmento representa um setor pequeno e marginal face ao setor de transporte aéreo regular;
93. (…) o A. constituiu já uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de consultoria de gestão na área da aviação, através da empresa ACC – Analytical Customized Competencies (…);
(…)
99. No contrato de trabalho do A., o A. e a R. fixaram um prémio de assinatura (“sign-on bonus”) no valor de EUR 150.000,00 que o A. teria de devolver caso não se mantivesse no cargo pelo período mínimo de dois anos;
100. Concretamente, o A. e a R. acordaram no seguinte:
“O Trabalhador receberá um prémio de assinatura no valor bruto de € 150.000, 30 dias após o início do seu Contrato de Trabalho, sujeito aos descontos legais. Este prémio depende da permanência do Trabalhador no cargo de Presidente da NetJets Europe por dois anos a partir da data de admissão. Se o Trabalhador deixar esse cargo antes dessa data, por qualquer causa ou razão, devolverá um valor rateado com base nos meses restantes até ao período de dois anos”.
(…)
101. O A. recebeu o montante total desse prémio, de € 150,000,00;
(…) III.
a) Primeira questão:
11. A nulidade por excesso de pronúncia, prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º, representa a sanção legal para a violação do estatuído no n.º 2 do art. 608.º do CPC, aferindo-se em função dos temas essenciais (de facto e de direito) que constituem o objeto do litígio, quer no que respeita ao pedido, quer às exceções, questões que, como é sabido, não se confundem – nem se reconduzem – com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados pelas partes.
O enquadramento jurídico diverso do pugnado pela parte não integra, pois, “excesso de pronúncia”, antes decorrendo do princípio ínsito no n.º 3 do art. 5.º, que consagra a oficiosidade do julgador quanto à matéria de direito[1].
Não se verifica esta nulidade, inclusivamente, se o acórdão de um Tribunal Superior, no âmbito da solução a dar à questão ou questões principais a decidir no recurso, aborda uma questão de direito nova, instrumental a essa solução, já que, não estando sujeito às alegações das partes na sua tarefa de indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas, aquela abordagem se insere na oficiosidade relativa à matéria de direito (Ac. do STJ de 02.03.2021, P. n.º 765/16.8T8AVR.P1.S1, 6.ª Secção).
Embora lançando mão de uma argumentação/perspetiva jurídica diversa da das partes e mesmo da sentença, afigura-se-nos que o TRL não excedeu o objeto do processo, nem conheceu de questões alheias ao objeto do recurso, sendo ainda certo que, no domínio do Direito Processual Laboral, “o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho” (art. 74º, do CPT) .
Questão conexa, embora diversa, é a do não cumprimento do contraditório no âmbito da aplicação desta disposição legal e respetivas consequências[2], questão que, todavia, não foi suscitada, pelo que dela não cumpre conhecer.
Improcede, pois, a arguida nulidade.
b) Segunda questão: 12. Quanto à problemática do pacto de não concorrência, são pertinentes algumas considerações preliminares, em linha com o Ac. desta Secção Social de 30.04.2014, P. nº 2525/11.3TTLSB, relatado pelo ora relator.
Está em causa uma matéria a vários títulos doutrinariamente controversa – o que se compreende, uma vez que neste âmbito conflituam princípios, valores e interesses cuja harmonização suscita evidentes dificuldades. Para além do interesse do empregador e da liberdade de trabalho e de iniciativa económica do trabalhador, há ainda a considerar o princípio da livre e leal concorrência.
Os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade (ou perda de chance) e implica, amiúde, a necessidade de o trabalhador se preparar para uma futura atividade nova.
Estes pactos têm obrigatoriamente carácter oneroso (cfr. arts. 36.º, n.º 2, c), LCT, 146.º, n.º 2, c), CT/2003, e 136º, n.º 2, c), CT/2009) e são sinalagmáticos: geram uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador. Daqui decorre, entre outros aspetos, a possibilidade de invocar a exceção de não cumprimento do contrato ou a de o trabalhador resolver o pacto por incumprimento da parte contrária.
A cláusula de não concorrência constitui parte integrante do conjunto do contrato de trabalho, tratando-se de uma cláusula acessória, conformadora de um efeito (acessório) da cessação do contrato.[3]
13. Na atualidade, como se sabe, o Direito dos Contratos encontra-se enformado por uma filosofia dirigida à compatibilização da liberdade e da justiça contratuais.[4]
Convocam-se princípios fundamentais, como é o caso dos da autonomia da vontade (nas suas vertentes da autorregulação e autorresponsabilidade) e da força vinculativa dos contratos (pacta sunt servanda). Ao mesmo tempo, é conferida especial atenção à complexidade da relação contratual (constituída por uma multiplicidade de elementos que se coligam em função de uma “identidade de fim” e lhe imprimem um “carácter unitário e funcional”) e “à exata satisfação dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional", numa abordagem dinâmica, integrada e coerente desses múltiplos vetores, “que encara a (…) relação obrigacional como um sistema, organismo ou processo, encadeado (…) em direção ao adimplemento”.[5]
Assim o impõe (para além do mais) uma cláusula fundamental e sempre presente em qualquer contrato: a da boa-fé objetiva (considerada enquanto padrão/norma de conduta) que, na feliz síntese de Sibert/Knopp, pode definir-se como “a imposição de tomar em consideração os interesses legítimos da contraparte”.[6]
Com efeito, como a lei estipula: é à sua luz, desde logo, que deve ser apreendida a vontade das partes relativamente ao exato sentido do programa contratual que as liga (cfr. art. 239.º, C. Civil); e, quanto à execução desse programa, também é de acordo com a boa-fé que elas devem proceder no exercício dos direitos e no cumprimento das obrigações (cfr. arts. 334.º e 762.º, n.º 2, do mesmo diploma).
14. Tendo em conta que todo o contrato consubstancia um equilíbrio global, um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, são de afastar análises compartimentadas das diferentes partes que o integram, nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das relativas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência.
Esta “compensação” – cujo pagamento, no entendimento de alguma doutrina estrangeira, representa uma condição de eficácia dos pactos deste tipo[7] – não reveste, evidentemente, natureza retributiva, por isso que, nestes casos, não há prestação, mas abstenção de trabalho. Mas, como sustenta Monteiro Fernandes, deve considerar-se-lhe “aplicável, na generalidade, e por manifesta analogia, o regime protetivo que a lei desenha para a retribuição do trabalho”, uma vez que está em causa um “contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar”.[8]
Na verdade, a cláusula de não concorrência é geradorade expectativas legítimas de vários tipos que não podem ser ignoradas, pelo que não razoável permitir – em face do regime legal da matéria [maxime, art. 136º, nº 2, b), do CT], bem como das implicações do princípio da boa-fé e de uma adequada ponderação de todos os interesse envolvidos – que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador.
Posto isto.
15. Sobre a matéria em apreciação, a 1.ª instância discorreu, essencialmente, nos seguintes termos: “A. e R. preceituaram no seu contrato de trabalho uma obrigação de não concorrência. (…) E estatuíram que o trabalhador aceita que a sua participação no plano (LTPI) constitui compensação suficiente para a assunção dos pactos em apreço. A questão que se coloca é que o dito plano tem como regra o facto de o valor se ir vencendo em cinco anos, e consequentemente apenas após os cinco anos se poder receber a quantia em causa. Da análise das regras concluímos que o trabalhador pode ter uma expectativa de receber determinado valor, mas apenas no final dos cinco anos, sendo que antes disso o valor creditado não é um valor passível de ser levantado pelo trabalhador, nem o trabalhador pode movimentá-lo ou considerar-se titular do mesmo. O plano é claro e exige uma permanência na empresa de cinco anos. E apenas findos esses cinco anos o trabalhador ganha direito a tal valor. E quanto a tal nem o A. diverge. Onde reside a sua divergência é quanto ao facto de (…) a obrigação de permanecer cinco anos não consta[r] do contrato de trabalho. (…) (…) [N]ão é a questão do valor que aqui se coloca com maior acuidade, mas sim o facto de o A. não ter permanecido cinco anos na empresa. (…) Escuda-se o A. no facto de o contrato de trabalho não ter tal condição expressa no mesmo. Vejamos. O contrato de trabalho prevê que como compensação do pacto de não concorrência o A. aceita a sua participação no dito plano, como sendo compensação suficiente para a não concorrência. E, note-se, não existe qualquer questão alegada sobre a eventualidade de a compensação ser escassa para o que se exige. O A. não pede nunca ao Tribunal que se pague um valor que considere adequado como contraprestação desse seu vínculo laboral de não concorrência. O A. pede o valor do LTPI. E assenta toda a sua pretensão no facto de o contato de trabalho não ter qualquer condição de permanência de cinco anos como requisito de atribuição. Não cremos, porém, que lhe assista razão. O contrato de trabalho estabelece efetivamente como compensação da não concorrência a participação no plano (que não é algo de despiciendo pois ao todo apenas duas a três pessoas fazem parte de tal (…) e os valores envolvidos podem ser avultados como se viu pelas contas que o A. efetua). Mas o plano é parte integrante do contrato de trabalho, pois é uma norma vigente na empresa à data em que o A. entra na empresa e da mesma tem conhecimento. O A. conhecia as regras do plano quando assinou o contrato de trabalho, e as regras do plano, como qualquer norma interna da empresa integram a relação laboral e tornam-se parte do contrato de trabalho em vigor. O A. sabia, ao aceitar como compensação suficiente de não concorrência, que receberia o valor da LTPI se, e unicamente se, ficasse a trabalhar na empresa cinco anos, e apenas após o decurso desses cinco anos. Donde sabia que se o seu contrato cessasse antes dos cinco anos nada receberia, porque as regras do plano que aceitou assim o ditavam. Sabia também que o valor não estava definido, e vencia-se em cinco anos, em percentagens que podiam ascender a 150% do seu salário anual. Isto significa que o risco de não receber algum valor era existente, mas a perspetiva de receber um valor avultado também o era e tudo sopesado o A. optou por aceitar tal compensação. (…).”
16. Em sentido contrário, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa:
«(…) Da cláusula 6.3 do contrato de trabalho do autor (…) consta que "LTIP: o Trabalhador será elegível para participar no Plano de Incentivo a Longo Prazo da NetJets, começando em 2019, de acordo com as regras do Plano. O potencial de ganho é de até 150% da remuneração fixa anual do Trabalhador. Esta é uma Atribuição discricionária". A contratualização assim efetuada dificulta muito a conformação com a argumentação expendida pelo Apelante no sentido de a regra invocada pela R. nem sequer constar do contrato de trabalho, mas apenas do regulamento do LTIP. Podendo dar-se como adquirido que esse regulamento nunca prevê a hipótese sub judice (o LTIP constituir compensação por uma obrigação de não concorrência), já não é tão facilmente visível que a regra só é invocável nos casos em que o plano tem apenas os propósitos nele identificados (reter e premiar profissionais de topo – cf. facto 18), e nunca no caso sub judice, em que visa também compensar uma obrigação de não concorrência. Na verdade, a regra veio a integrar o contrato de trabalho de que nos ocupamos e, sendo o Apelante um profissional de topo, tinha que a conhecer, muito embora pudesse não contar com a aplicação da mesma nos termos em que o veio a ser. Aliás, que o A. teve conhecimento das regras do plano está bem explícito no ponto 82 do acervo fático. Já não desprezível é a circunstância de a atribuição de uma compensação ao trabalhador constituir requisito de validade do pacto de não concorrência e que tal compensação não se encontra totalmente na discricionariedade das partes, devendo ser adequada e proporcional. (…) [A] compensação pela não concorrência gera expectativas legítimas do seu recebimento, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador. Do mesmo modo não podemos deixar de ponderar que a participação no LTIP, no caso concreto, não visa apenas premiar e reter profissionais de topo, constituindo também compensação por uma obrigação de não concorrência. Ora, visualizamos na aplicação da regra alguma indeterminabilidade do montante da compensação e permissão ao empregador para beneficiar do pacto de não concorrência sem, no entanto, pagar integralmente a respetiva compensação. E isso leva-nos a considerar o que vem provado nos pontos 15 a 17: começam por ser atribuídos pelos 5 meses de trabalho prestado em 2019 277.200 USD ao abrigo do LTIP, que acumularam ganhos substanciais, vindo apenas a ser recebido o valor de €39.289,40. Em primeiro lugar devemos reconhecer que, em face das regras do plano, bem espelhadas nos pontos 51 e ss. e para efeitos de pura aplicação do mesmo, isto não nos suscita dúvidas. O valor depositado traduz cumprimento das regras inerentes ao plano enquanto instrumento premial – vd. ponto 81. Mas em causa nesta ação não está a remuneração devida pela atividade laboral, contrapartida do contrato de trabalho, tal como definida no ponto 7 do acervo fático. Em causa nesta ação está a remuneração do pacto de não concorrência que é algo substancialmente distinto. O A. reclama, em contrapartida da obrigação de não concorrência, a diferença entre o valor depositado e aqueloutro adicionado dos ganhos acumulados (v. ponto 15), ou seja, €186.079,60. Afirma a Apelada que a totalidade da quantia atribuída só se vence depois de decorridos 5 anos de contrato de trabalho, não tendo o trabalhador direito a essas tranches se o seu vínculo laboral cessar antes desse momento. E que os termos da atribuição do LTIP ficaram a constar do clausulado no contrato de trabalho. Certo! Porém, esta norma é estabelecida enquanto regulamentação do plano de incentivo e, portanto, remuneração do contrato de trabalho, ou seja, para a normalidade dos casos de continuidade do contrato de trabalho. São condições que integram o regulamento do mencionado plano de incentivo a longo prazo. No caso, não só não está em causa o recebimento de tudo aquilo a que o A. poderia ter direito ao cabo de 5 anos, como o contrato cessou muito antes de decorrido tal período, com registo de atribuição dos valores acima mencionados. Valores que, no caso, deverão servir de referência para o apuramento da remuneração da limitação da atividade. Note-se que a remuneração da não concorrência através dos valores previsivelmente atribuídos por força do enquadramento neste plano é condição da limitação do exercício da atividade do Apelante, pelo que se nos afigura plausível concluir que o número de anos de serviço – concretamente 5 – é apenas condição para efetivação do plano de incentivo enquanto tal, servindo os seus propósitos. Não se aplicará a situações como a presente em que o plano constitui também referencial de compensação pela obrigação de não concorrência, não sendo lícito prever que a disponibilização do montante apurado em cada ano dependa, caso o contrato cesse antes de decorridos 5 anos, de decisão discricionária do empregador. Não subscrevemos, pois, a conclusão ínsita nas contra-alegações, e também intentada pela sentença, de acordo com a qual o recorrente aceitou como compensação suficiente e adequada pela obrigação de não concorrência a simples participação no LTIP, tendo presente o potencial ganho que tal participação representava. O mesmo é dizer que o A. aceitou o risco de nada vir a receber. Sendo uma evidência que os potenciais de ganho eram consideráveis, nada nos permite afirmar a conformação com uma tal consequência. Afigura-se-nos, pois, que tendo o A. expetativa, em face do contratualizado, de recebimento dos valores reconhecidos em 10/12/2020, mas tendo o contrato cessado em 21/11/2020, se deve manter, como referência a atribuição que seria efetuada, reportada ao trabalho anteriormente prestado. Não enquanto cumprimento da prestação retributiva – essa, aliás, não peticionada –, mas enquanto compensação adequada à cláusula de não concorrência. O que não pode é o A. estar sujeito a um pacto de não concorrência e nenhuma compensação receber. Dir-se-á que o A. recebeu o avultado valor de 39.289,40€ (ponto 17 e 80). Contudo, não é despiciendo lembrar o valor da retribuição anual do A., cifrado em 629.000,00€ em 2019 – pontos 7 e 8 – e que este valor corresponde a 8% dessa retribuição, o que não pode ter-se como adequada compensação nos termos em que a jurisprudência a vem definindo. Vide neste sentido o já mencionado Ac. da RLx. de 16/03/2011 que considerou desadequada compensação de cerca de 11% do valor anual da retribuição. Sustenta a Apelada que a limitação da atividade do Apelante se circunscreve a um segmento de mercado luxuoso que representa um setor pequeno e marginal face ao setor do transporte aéreo regular. A este propósito apenas podemos contrapor que o A. se vinculou a não concorrer no âmbito da atividade da R. e se esta acordou remunerá-lo nos termos acima descritos é porque o setor de alguma importância se revestirá! Procede, assim, a questão em apreciação, reconhecendo-se o direito do A. à quantia reclamada.”.
17. Não acompanhamos o sentido decisório assim alcançado, nem a argumentação que fundamentalmente o suporta, impondo-se neste âmbito, desde já se adianta, a repristinação do decidido na 1ª instância.
Com efeito.
18. As partes convencionaram que a participação no “Plano de Incentivo a Longo Prazo” teria uma dupla finalidade: compensar a obrigação de não concorrência; e premiar e garantir a vinculação do A., enquanto profissional altamente qualificado, à R., constando do ponto 56 da matéria de facto que” a forma de reter esse talento materializa-se, essencialmente, no diferimento, por vários anos, da possibilidade de aquisição do direito ao montante potencial definido” (no LTPI).
Sendo certo que este plano apresentava um potencial de ganho de até 150% do salário fixo anual do A., decorre da factualidade provada que a concreta fixação dos valores correspondentes ao LTIP constituía uma “atribuição discricionária” da R.
No contexto do conjunto do programa contratual convencionado pelas partes, não se vê que a circunstância de não ter sido estipulado um valor expresso e concreto para compensar a cláusula de não concorrência colida com o princípio de proteção do trabalhador ou com qualquer outra norma jurídica imperativa, nomeadamente, para além da constante do já bastamente citado art. 136º. nº 2, c), do CT, aquela que se extrai do preceituado no art. 280º, nº 1, do C. Civil.
Na verdade, o objeto do negócio jurídico não tem de ser determinado, mas, tão somente, determinável, ou seja, “concretizável no seu conteúdo”[9], podendo a determinação da prestação ser confiada a uma ou outra das partes, à luz de critérios de equidade, se outros não tiverem sido estipulados (art. 400º, nº 1, do mesmo diploma).
Conexamente, refira-se ainda que nos contratos onerosos nem todas as atribuições são necessariamente certas (como acontece nos contratos puramente comutativos), podendo alguma ou algumas das prestações ser incerta (caso em que ao contrato é conferida uma componente de aleatoriedade).[10]
19. O desenvolvimento da dinâmica contratual acaba por revelar, concludentemente, que o clausulado pelas partes permitia, como permitiu, a cabal determinação das prestações a que se obrigaram.
Na verdade:
Foi convencionado, na parte que ora releva, que: (i) cada participante ficará investido em 20% na sua “conta incentivo” em 31 de dezembro do “ano de atribuição” e num adicional de 20% em 31 de dezembro de cada ano subsequente; (ii) a aquisição do direito ao recebimento, ou vencimento, se vai gerando faseadamente, no final do ano civil da atribuição e ao longo dos quatro anos civis subsequentes (assim, com relação ao ano da atribuição, a 31 de dezembro seria registado na “conta incentivo” o montante vencido de 20%, do mesmo modo se procedendo em 31 de dezembro de cada um dos anos civis subsequentes); (iii) o efetivo vencimento dos 20% relativos a cada ano requer que o trabalhador esteja ao serviço da NetJets em 31 de dezembro desse ano; (iv) e, no caso de o trabalhador cessar o seu vínculo com o empregador antes do final do quarto ano civil subsequente ao termo do ano de atribuição, ele apenas vence ou adquire o direito a receber o valor correspondente ao montante já registado como vencido na sua “conta incentivo”(cfr. nºs 63 a 68 dos factos provados).
Consequentemente, à luz do LTIP relativo ao ano de 2019, a ré registou na conta do autor, com referência a 10.11.2020, o “valor de incentivo potencial” de 232 575 EUR (=282 535,44 USD[11]), como se alcança v.g. dos nºs 15 e 77 da matéria de facto.
E, embora – na sequência da cessação da relação laboral – a ré tenha cancelado no dia 11.12.2020 a “conta incentivo” em nome do autor, no dia 23.12.2020, a mesma pagou ao A., por transferência para a sua conta bancária, a quantia de 39 289,40 EUR (= montante ilíquido de 46 495,40 EUR), correspondente a 20% daquele valor (nºs 80 e 81 da matéria de facto), nos termos contratados.
20. Por outro lado, e entrando em distinto plano da controvérsia suscitada pela questão agora em análise, afigura-se-nos que no caso sub judice nada permite concluir no sentido da verificação de abusos da autonomia privada suscetíveis de impor a intervenção judicial.
Como já se assinalou (cfr. supra nº 12), não é passível de discussão que o pacto de não concorrência tem natureza onerosa, sendo necessariamente atribuída ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da atividade [cfr. art. 136º. nº 2, c), do CT], a qual, apesar de não ter natureza retributiva, goza, deste modo, do regime protetivo que a lei atribui à retribuição do trabalho.
Esta regra constitui corolário do princípio da justiça contratual, segundo o qual, nos contratos sinalagmáticos, cada parte deve obter uma contraprestação adequada (justa), correspondente ao valor da sua própria prestação (princípio objetivo de equivalência). Aliás, esta “justiça contratual compensatória” não se reconduz apenas ao imperativo de equivalência em sentido restrito – a exigência de equivalência, ao menos aproximada, da prestação e da contraprestação –, implicando ainda uma justa distribuição das expetativas, obrigações, ónus e riscos associados ao contrato[12].
Porém, como também já acima se referiu (supra nºs 13 e 14), uma vez que cada contrato consubstancia um equilíbrio global de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, são de afastar análises compartimentadas dos diferentes elementos que o integram, nomeadamente das cláusulas atinentes à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência.
In casu está em discussão o estatuto contratual do A., admitido para exercer funções de “alta direção” como presidente da R., no âmbito de um grupo internacional de empresas norte-americano que é líder mundial no setor da aviação privada, portanto num contexto enformado por especificidades que não podem subvalorizar-se.
Em Espanha, com especial enfase na vontade das partes, a relação laboral do pessoal de alta direção é mesmo objeto de regulação especial – Real Decreto 1382/1985, de 1 de agosto[13].
Sendo certo que nesta matéria releva, em primeira linha, a avaliação dos próprios interessados aquando da formação do contrato, o A. decidiu aceitar um regime contratual segundo o qual a “conta incentivo” associada ao LTPI é exclusivamente usada para calcular o valor pagável a cada participante no termo deste plano (não constituindo um fundo de ativos separado - cfr. nº 19 dos factos provados), tendo em conta que tal valor se vai vencendo ao longo de cinco anos e apenas após o decurso deste prazo se poder receber a sua totalidade. Mais aceitou que, caso o vínculo laboral cessasse antes do final do quarto ano civil subsequente ao termo do ano da atribuição (como se verifica no caso em apreço), o trabalhador apenas adquiriria o direito a receber o valor já registado como vencido na sua “conta incentivo”.
Se este acordo envolvia algum risco para o A., que neste âmbito acabou por “apenas“ receber a importância de 39 289,40 EUR (20% do valor total), a verdade é que, em contrapartida, tinha a fundada expectativa de vir a receber, no futuro, o potencial de ganho inerente ao LPTI, o qual podia atingir até 150% do seu salário fixo anual.
O valor deste modo depositado traduz o cumprimento das regras inerentes ao LPTI (cfr. ponto 81 da matéria de facto), na sua dupla vertente de instrumento premial e de compensação do pacto de não concorrência.
Para além de tudo o que antes ficou dito e tendo ainda em conta a complexidade da concreta relação contratual, na qual ressalta o elevado valor do conjunto das prestações conferidas ao A. (cfr. nº 7 e 99 a 101 dos factos provados), afigura-se-nos, numa abordagem integrada dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional, que os factos provados não permitem concluir no sentido de a compensação estipulada para a não concorrência ser insuficiente, desadequada ou desproporcional. c) Terceira questão:
21. Quanto aos créditos de formação profissional, improcede a pretensão da recorrente, sufragando-se as considerações a este propósito expendidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa:
“Provou-se que a R. não ministrou ao A. formação profissional certificada. Dispõe o Artº 134º do CT que, cessando o contrato, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação. O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação contínua (Artº 131º/2). Não diz a lei em que momento se vence o direito a formação. Mas, sendo ele anual, é lícito concluir que se vencerá em 31/12 de cada ano. Tendo o A. iniciado a sua prestação em 1/08/2019, em finais de Dezembro deste ano, venceu-se o proporcional de horas de formação – 14,58 horas. Com o final do contrato em 21/11/2020, não há direito vencido. O valor da retribuição para efeitos de pagamento do valor da formação devida integra apenas a componente retributiva salário base – 23.214,29€ por mês. Na verdade, as demais componentes não integram a retribuição conforme decorre do que se dispõe no Artº 260º/a) e c) do CT. Recorrendo, assim, ao disposto no Artº 271º do CT, temos que o valor hora se cifra em 133,93€. Logo, é devida a quantia de 1.952,70. Sobre esta quantia incidem juros de mora à taxa anual de 4% desde a data da cessação do contrato.”
22. Em contrário, sustenta a recorrente que se o recorrido não fez formação isso lhe é imputável, dada a sua posição na hierarquia da empresa bem como que, não tendo trabalhado durante a totalidade de qualquer ano civil, os invocados créditos não se encontram vencidos.
Todavia, desconhecendo-se as razões pelas quais a formação não teve lugar, de forma alguma se pode considerar que a posição funcional do A., no topo da estrutura organizativa da R., obsta só por si à aplicação do regime legal desta matéria.
Por outro lado, não encontrando qualquer suporte na lei, nem se vislumbrando qualquer fundamento material, para a tese da recorrente, segundo a qual o vencimento dos créditos de formação exigiria que a atividade do trabalhador se prolongasse ao longo da totalidade de um ano civil, improcede esta questão.
IV.
23. Nestes termos, concedendo parcialmente a revista, acorda-se:
a) Em revogar o acórdão recorrido, na parte em que condenou a R. a pagar ao A. a quantia de
186 079,60 EUR, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, absolvendo-se esta do correspondente pedido.
b) Em confirmar o mais decidido.
Custas na proporção do vencido, no recurso de revista, bem como nas instâncias.
Lisboa, 02 de novembro de 2022
Mário Belo Morgado (Relator) Júlio Manuel Vieira Gomes) Francisco Marcolino)
[1] Sobre esta matéria, v.g. Acs. do STJ de 02.02.2022, P. n.º 11243/14.0T2SNT.L2.S1, 1.ª Secção; e de 20.05.2021 P. n.º 1765/16.3T8BRG-K.S, 7.ª Secção. [2] Cfr. Ac. de 20.10.2022 desta Secção Social, P. n.º 13358/20.6T8LSB.S1. [3] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 210. [4] Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, A liberdade e a Justiça Contratual na “Sociedade de Direito Privado”, in Contratos: Atualidade e Evolução, Edição da Universidade Católica Portuguesa, 1997, p. 49. [5] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, p. 74 – 75. [6] Citado por Mário Júlio de Almeida Costa, ob. cit., p. 122. [7] Ob. cit., p. 617. [8] Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 537. [9] Antunes Varela, Direito das Obrigações e Geral, I, 3ª edição, p. 677. [10] Cfr. Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, aleatoriedade 2011, p. 131 – 132, [11] Importância que corresponde à quantia de USD 277.200, acrescida de ganhos acumulados no valor de USD 4,335.44. [12] Cfr. Karl Larenz, Derecho Civil, Parte General, Editorial Revista de Derecho Privado, 1978, pág. 61. [13] Sobre esta matéria, v.g. Àlex Valls e Rquel Serrano, Manual del Personal de Alta Dirección, Aranzadi, 2012.