CONTRATO DE SEGURO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
BANCO
TOMADOR
SEGURADORA
Sumário


I-Dispõe O artigo 4º, nº1 do DL 176/95, de 26 de Julho que:
«1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.
3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.° 1 seja assumida pela seguradora.
5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.».
II- Não obstante do seu nº1 resulte que a obrigação de informação possa recair, prima facie, sob o tomador do seguro, do restante articulado não resulta que haja uma completa desoneração da entidade seguradora no cumprimento desses deveres.
III- Da factualidade apurada não resultou que incumbisse ao tomador do seguro a obrigação de prestar ao segurado todas as informações necessárias e pertinentes relativas às coberturas, garantias e exclusões do contrato de seguro; nem tão pouco que as mesmas tivessem sido levadas a cabo pela Ré, sendo certo que na situação presente, foi esta que directamente negociou o seguro com o segurado.
IV- Ora, se por um lado não se provou o cumprimento do dever de informar que impendia sobre o tomador do seguro (BCP), dever esse provindo do disposto naquele artigo 4º, nº1, supra extractado (o qual não foi demandado nos autos, nem foi questionada qualquer problemática que envolvesse a legitimidade processual e/ou substantiva da Ré, no que tange ao seu posicionamento nos autos perante a ausência daquele), por outra banda igualmente se não provou que a Ré, negociadora directa com o segurado no âmbito do contrato de seguro, tivesse dado cumprimento aos deveres de comunicação e informação decorrentes dos artigos 5º e 6º do DL 445/85de 25 de Outubro: é que, nesta relação tripartida, não sepode deixar de fazer aplicar as normas decorrentes destes dois diplomas, de onde a ausência de cumprimento pela Ré dos deveres decorrentes do diploma das cláusulas contratuais gerais, implica a sua responsabilização, existindo assim, nesta sede, dois responsáveis, o tomador e a seguradora.

Texto Integral




PROC 1487/19.3T8VCT.G1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA veio propor a presente acção declarativa de condenação contra OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. peticionando (i) a condenação da Ré seguradora no pagamento à Autora da quantia de € 25.000,00, acrescida dos juros legais, contados desde a data do respectivo vencimento até efectivo pagamento, (ii) a condenação da Ré seguradora no pagamento à Autora da quantia de € 1.500,00 a título de danos patrimoniais, e (iii) a condenação da Ré à Autora da quantia de € 22.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros desde a data do respectivo vencimento até efectivo pagamento. Alega, para o efeito e em síntese, que a 31.05.2002, entre a Ré e o companheiro da Autora, BB, com quem esta vivia em união de facto há cerca de 20 anos, foi celebrado o contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº ...97. No dia .../.../2017, o referido companheiro da Autora foi encontrado inconsciente na casa onde ambos viviam, foi levado para o hospital de ambulância onde viria a falecer de causa ignorada ou inconclusiva.

Tendo a Ré declinado o pagamento da indemnização contratada, com fundamento numa das cláusulas do acordo celebrado, alega que o falecido não interveio na redacção das cláusulas do acordo em causa, que as mesmas não lhe foram explicadas, nem sequer o seu texto entregue, pelo que tal cláusula não pode ser invocada. Alega, por fim, prejuízos sofridos, em consequência do comportamento da Ré após o falecimento do referido BB.

Contestou a Ré por impugnação motivada e por excepção peremptória de direito material, alegando que a causa provável de morte do falecido se deveu a intoxicação alcoólica - 4,55 g/l -, que provocou a morte por falência respiratória com origem na depressão do sistema nervoso central, que o falecido tinha historial de alcoolismo, pelo que as circunstâncias em que ocorreram a morte se encontram excluídas das garantias de cobertura da apólice, designadamente, do disposto no artigo 6º, nº 1, , alínea g), das Condições Gerais da Apólice. Mais alega que sendo o BCP o tomador do seguro era a este que incumbia a prestação de toda a informação sobre o seguro (documentação pré-contratual e contratual, bem como a explicação do seu conteúdo e prestação de todos os esclarecimentos sobre coberturas, garantias e exclusões do contrato de seguro) e que esta foi efectivamente prestada, procedimento que o proponente declarou que foi feito quando declarou na proposta de adesão do seguro de vida associado ao crédito à habitação o que consta reproduzido no artigo 23º da contestação.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros contados sobre a referida quantia, à taxa legal de 4%, desde 05.01.2018, até integral e efectivo pagamento. Absolvo a Ré do demais peticionado.”

Inconformada recorreu a Ré, tendo a final a Apelação sido julgada improcedente.

De novo irresignada recorreu a Ré de Revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº1, alíneas a), b) e c) do CPCivil, recurso esse que veio a ser admitido pela Formação, com fundamento na alínea c), por oposição do Acórdão recorrido com o Acórdão deste STJ de 14 de Março de 2017, produzido no processo 3615/14.6TBCSC.L1.S1, cuja certidão fez juntar após convite para o efeito.

Apresentou a Ré as seguintes conclusões:

«[A.] Não assiste razão ao Tribunal de Relação de Guimarães quando perfilha este entendimento, nomeadamente no que diz respeito à decisão de considerar como coberto o sinistro dos autos.

B. A decisão de fls… é, pois, e violadora da lei substantiva e, por conseguinte, de princípios elementares de justiça.

C. Estamos, efectivamente, perante um contrato de seguro de grupo

D. A obrigação de comunicação das cláusulas é da responsabilidade do tomador/beneficiário do contrato de seguro (a instituição de crédito), conforme veio esclarecer, de forma definitiva, o disposto no art.º 79.º da Lei do Contrato de Seguro (Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), por remissão do art.º 78.º do mesmo dispositivo legal.

E. Trata-se de uma interpretação de todo o regime jurídico que o Tribunal de Relação de Guimarães refere na douta decisão agora colocada em crise, embora estranhamente o intérprete em sentido contrário.

F. O Dec.-Lei n.º 176/95, de 26.07 foi, desta forma, definitivamente interpretado no sentido contrário àquele que defende o Tribunal a quo.

G. Importa salientar que a parte final da decisão é incompreensível.

H. Então era a ora Recorrente que tinha que chamar aos autos (se é que isso era necessário) o Tomador do Seguro?

I. Porque não era a Autora/Recorrida quer tinha que o fazer?

J. Porque é que a Autora, quando intenta a acção dos autos, não demandou, simultaneamente, o Tomador do Seguro e a ora Recorrente?

K. Se queria fazer valer, de forma plena, o seu direito era a Recorrida que tinha que chamar a juízo o Tomador do Seguro.

L. Mais não se compreende a douta decisão agora colocada em crise se se tiver em consideração a interpretação actualista que o Legislador fez com a entrada em vigor da Lei do Contrato de Seguro. M. A obrigação de comunicação das cláusulas é do tomador do seguro e a eventual responsabilidade pela sua não comunicação, só poderia, sem prescindir, ser assacada ao tomador e nunca à seguradora, ora Recorrente.

N. Trata-se de uma disposição legal (constante da Lei do Contrato de Seguro) que resolve, de forma definitiva, a querela jurisprudencial acerca desta problemática, servindo mesmo de norma interpretativa para o que se passava antes da entrada em vigor do aludido diploma legal.

O. Estando nós perante um seguro de grupo, nenhuma consequência poderia advir para a mesma de qualquer problema de comunicação de cláusulas contratuais uma vez que a Lei do Contrato de Seguro, contrariamente àquilo que é defendido pelo Tribunal a quo, a Lei do Contrato do Seguro interpretou de forma definitiva a questão da obrigação (e responsabilidade) pela comunicação das cláusulas contratuais quando está em causa um seguro de grupo: essa obrigação cabe, em exclusivo, ao tomador do seguro e quaisquer consequências decorrentes dessa não comunicação fazem o tomador do seguro incorrer em responsabilidade civil nos termos gerais da lei.

P. Com a entrada em vigor da Lei do Contrato de Seguro o objectivo do legislador não foi ampliar o leque de “figuras” que podem ser objecto de responsabilização contratual.

Q. A segurança jurídica dos segurados (caso existisse algum perigo neste sentido) está perfeitamente assegurada pois tem que demandar, como decorre da Lei do Contrato de Seguro, que tem natureza interpretativa em relação à querela jurisprudencial que se verificava a este propósito, o tomador do seguro.

R. Só não seria assim se o legislador quisesse acautelar a insolvência ou do tomador ou da seguradora o que, manifestamente, não parece ser a pretensão…

S. Nunca a tese do Tribunal de Relação de Guimarães (e da Recorrida), no que diz respeito a qualquer tipo de comunicação de cláusulas contratuais, sem prescindir do que foi alegado no que à tempestividade da alegação diz respeito, poderia, pois, ter acolhimento.

T. Andou mal o Tribunal de Relação de Guimarães quando confirmou a decisão de primeira instância que condenou, ainda que parcialmente, a Recorrente.

U. A douta sentença violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do Dec. Lei. n.º 176/95, de 26.07 bem, como o disposto no art.º 227.º do Código Civil.

V. A decisão agora recorrida tem, pois, que ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido.».

Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do julgado.

II A questão em tela na presente Revista consiste em saber se o dever de comunicação e de informação a cargo do tomador do seguro, poderá impender igualmente sobre a seguradora.  

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

a) Com base em proposta de seguro assinada por BB em 31.05.2002, cuja cópia se encontra junta aos autos de 45 a 46 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entre este e a Ré foi celebrado um acordo, apelidado de Protecção Vida, cujas condições gerais e especiais se encontram reproduzidas de fls. 46v a 49 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e a que corresponde a apólice número ...97;

b) Nos termos do referido acordo, a Autora é a beneficiária para efeitos de activação da garantia de cobertura da apólice em caso de morte;

c) O tomador do seguro é o Banco Comercial Português, S.A.;

d) O capital seguro ascende a € 25.000,00;

e) De acordo com a Cláusula 6ª das referidas Condições, com a epígrafe exclusões na cobertura de riscos, nº 1, alínea g), não se considera coberto por este contrato o risco de morte resultante de factos que sejam consequência de embriaguez e abuso de álcool;

f) BB faleceu no dia .../.../2017;

g) Tendo o seu corpo sido encontrado pela Autora, nas imediações da sua habitação, cerca das 06.30 horas do dia .../.../2017;

h) Chamado o INEM, foi constatada a rigidez cadavérica;

i) No dia 02.01.2018, foi realizada a autópsia médico-legal a BB, pelo gabinete Médico-Legal e Forense do Minho-Lima;

j) Durante a autópsia foi recolhida uma amostra de sangue do cadáver de BB e o resultado do exame complementar toxicológico acusou 4,55 g/l de álcool no sangue (etanol na concentração de 4,55+0,58 g/l);

k) A taxa de álcool no sangue detectada é passível de condicionar a morte;

l) De acordo com o último ponto da discussão do relatório da referida autópsia, junta aos autos de fls. 12 a 16 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, “considera-se que pode ter ocorrido uma redução da temperatura corporal, potenciada pela presença de elevadas concentrações de álcool no sangue, que pode ter tido um papel contributivo para a morte, interferindo, nomeadamente, no sistema cardiovascular/circulatório e respiratório, podendo ter potenciado a depressão respiratória central originada pelo álcool, bem como, uma falência cardiovascular”;

m) De acordo com a segunda conclusão do referido relatório da autópsia, “conjugando o previamente exposto no Capítulo “Discussão”, os achados necrópsicos, os achados toxicológicos e anátomo-patológicos, bem como a informação circunstancial disponibilizada, a morte de BB pode ter sido devida a intoxicação alcoólica aguda, em indivíduo com alterações patológicas cardiovasculares (lesões de cardiopatia isquémica crónica e hipertrofia cardíaca) e hepáticas (lesões de esteatose)”;

n) De acordo com a terceira conclusão do relatório da autópsia, “considerando a informação circunstancial e os achados autópticos no seu conjunto, nada obsta a uma etiologia médico-legal acidental ”; o) À data da sua morte, BB padecia de alcoolismo crónico desde, pelo menos, Maio de 2009, apresentava lesões de esteatose do fígado, lesões de cardiopatia isquémica crónica, e hipertrofia cardíaca;

p) Encontrava-se medicado com tiaprida, 100 mg, três vezes por dia, desde 2012, para desabituação, e lorazepam, 2,5 mg, à noite, desde 2015;

q) A morte de BB ocorreu devido a intoxicação alcoólica aguda;

r) BB era pescador e vivia com a Autora há cerca de 20 anos, sob o mesmo tecto, como se marido e mulher fossem;

s) A Autora é operária fabril na S..., S.A. auferindo mensalmente a quantia de € 610,00;

t) Está de baixa médica desde Novembro de 2018 e passou a tomar antidepressivos e ansiolíticos; u) A participação do sinistro por morte do segurado foi recepcionada nos serviços da Ré a 05.01.2018, via sucursal Millennium BCP de ..., através de aplicativo informático existente para o efeito.

Factos não provados:

– Da petição inicial: artigos 3º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 4º, quanto ao local do falecimento, 5º, 16º, 18º a 23º, 49º a 53º, 54º a 64º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas s) e t).

- Da contestação: artigos 22º, quanto à prestação de toda a informação pelo BCP, e 26º.

Vejamos.

Estamos face a uma contrato de seguro na vertente de “seguro de grupo de adesão facultativa e contributiva”, cujo segurado é em que o segurado é BB, falecido companheiro da Autora, o tomador é o Banco Comercial Português, SA, sendo  a Ré a seguradora, seguro esse na modalidade «Protecção Vida», que garantia o pagamento do capital de 25.000 Euros à Autora, no caso de óbito daquele,

Trata-se de um seguro de grupo, o qual se traduz, segundo a alínea f) do artigo 1º do DL 176/95, de 26 de Julho, num seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro, por um vínculo ou interesse comum, sendo uma das particularidades deste tipo contratual, precisamente o seu processo de formação, que se reparte por dois momentos distintos: num primeiro momento é celebrado um contrato entre a segurador e o tomador do seguro; num momento subsequente, dão-se as adesões dos membros do grupo, com as quais surge o segurado, qualidade que o tomador do seguro não tem.

        

Neste contexto, o contrato de seguro de grupo foi contratualizado entre o tomador do seguro - o banco BCP - e a Ré/seguradora, cujas cláusulas se encontram pré-redigidas, e que teve a adesão do companheiro da Autora, enquanto segurado e a cujo contrato e respectivas cláusulas ficaram vinculados sem que tivesse qualquer participação na discussão do clausulado a ele atinente.

As condições gerais deste contrato de seguro do ramo vida constam de fls. 45 a 49, aí se estabelecendo, designadamente, as garantias e amplitude de cobertura do seguro, bem como os riscos cobertos e excluídos.

O risco, como evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro, está ínsito na própria noção de contrato de seguro, sendo um elemento essencial do contrato, constituindo a sua verificação a pedra de toque para o funcionamento das garantias do contrato e cuja prova consiste na demonstração da superveniência do evento previsto no contrato e nas condições nele incluídas, sendo necessário, obviamente, apurar o nexo de causalidade adequada entre a causa e o sinistro.

Na espécie, esse seguro de grupo implica a existência de um contrato de adesão, em que estão em causa cláusulas contratuais gerais, apresentando-se muito limitada a liberdade de quem a eles se limita a aderir, sem poder interferir de forma significativa na conformação do seu conteúdo, daí que sem embargo do regime específico dos seguros de grupo aludidos no artigo 4º do DL 176/95, de 26 de Julho, aplicam-se aos mesmos, concomitantemente, o regime das cláusulas contratuais decorrente do DL 446/85, de 25 de Outubro, cfr Gravato de Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, 376 .

Estabelece o artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, o ónus de comunicação na íntegra das cláusulas contratuais gerais, aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, de modo adequado para o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência, por forma a possibilitar ao aderente o conhecimento da existência das cláusulas contratuais gerais que integram o conteúdo do contrato a celebrar, a verdade é que há que estabelecer a dicotomia entre o ónus de alegação e o ónus de prova.

Sendo certo que, em regra, há coincidência entre o ónus da prova e o ónus de alegação, o que se infere do preceituado no artigo 342º, nº1 do CCivil,  ocorrem, todavia, situações em que essa coincidência se não verifica, sendo que a dicotomia ónus de alegação versus ónus da prova tem especial acuidade no campo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, maxime, quanto aos deveres de comunicação e informação a que se reportam os artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31/8, em que a afirmada coincidência se não verifica.

O princípio, subscrito maioritariamente pela jurisprudência, nesta sede, é que cabe ao destinatário da cláusula o ónus de alegar a falta e/ou deficiência da comunicação, impondo-se ao predisponente por força do nº 3 do apontado artigo 5º o ónus de prova do cumprimento do dever de comunicação.

Contudo, nesta tríplice relação, tomador (BCP), Seguradora (Ré), Segurado, como resulta do normativo inserto no artigo 4º do Decreto-Lei nº. 176/95, o dever de informar do teor das cláusulas recairia sobre o tomador do seguro – neste caso o BCP - que foi quem negociou o seguro de grupo com a seguradora Ré.

Porém, quem interveio na directamente na negociação com o segurado, não foi o tomador do seguro, mas antes a Ré seguradora, mas alega esta na sua tese que a obrigação de comunicação das cláusulas é daquele (BCP)bem como a eventual responsabilidade pela sua não comunicação, sendo àquele que se poderá imputar a violação do preceituado no artigo 4º, nº1 do DL 176/95, de 26 de Julho.

Se qualquer razão, contudo.

Dispõe aquele normativo sob a epígrafe Seguros de grupo:

«1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.

2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.

3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.

4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.° 1 seja assumida pela seguradora.

5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.».

Não obstante do seu nº1 resulte que a obrigação de informação possa recair, prima facie, sob o tomador do seguro, do restante articulado não resulta que haja uma completa desoneração da entidade seguradora no cumprimento desses deveres.

Da factualidade apurada não resulta (factos não provados, 22. e 26. da contestação) que incumbisse ao tomador do seguro a obrigação de prestarar ao segurado todas as informações necessárias e pertinentes relativas às coberturas, garantias e exclusões do contrato de seguro; nem tão pouco que as mesmas tivessem sido levadas a cabo pela Ré, sendo certo que na situação presente, foi esta que directamente negociou o seguro com o segurado, como deflui da alínea a) da matéria provada.

Ora, se por um lado não se provou o cumprimento do dever de informar que impendia sobre o tomador do seguro (BCP), dever esse provindo do disposto naquele artigo 4º, nº1, supra extractadao, o qual para além de nem sequer ter sido demandado nos autos, nem foi questionada qualquer problemática que envolvesse a legitimidade processual e/ou substantiva da Ré, no que tange ao seu posicionamento nos autos perante a ausência daquele, por outra banda igualmente se não provou que a Ré, negociadora directa com o segurado no âmbito do contrato de seguro, tivesse dado cumprimento aos deveres de comunicação e informação decorrentes dos artigos 5º e 6º do DL 445/85de 25 de Outubro: é que, como atrás se deixou enunciado, nesta relação tripartida, não podemos deixar de fazer aplicar as normas decorrentes destes dois diplomas, de onde a ausência de cumprimento pela Ré dos deveres decorrentes do diploma das cláusulas contratuais gerais, implica a sua responsabilização, existindo assim, nesta sede, dois responsáveis, o tomador e a seguradora, cfr inter alia os Ac STJ de 11 de Março de 2010 (Relator Santos Bernardino), 15 de Abril de 2015 (Relatora Clara Sotto Mayor), 10 de Maio de 2018 (Relator Henrique Araújo) e 18 de Setembro de 2018 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.

Daqui se extrai a sem razão da Ré, ao pretender a desresponsabilização que lhe foi assacada pelas instâncias no que tange ao pagamento à Autora a quantia de € 25.000,00 por exclusão da cláusula 6ª, nº1, alínea g) das Condições Gerais do contrato de seguro nos termos do artigo 8º, alínea a) do DL 446/85, de 25 de Outubro, claudicando as suas conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão plasmada no Acórdão sob censura.

Custas pela Ré, aqui Recorrente.

Lisboa, 9 de Novembro de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).