NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECEÇÃO DEFINITIVA DA EMPREITADA
VERIFICAÇÃO E ACEITAÇÃO DA OBRA
SUBEMPREITADA
GARANTIA BANCÁRIA
CANCELAMENTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário


1. No âmbito de um contrato de empreitada ou subempreitada, a “aceitação da obra” é conceito que tem um conteúdo jurídico concreto e delimitado. Mas também tem um óbvio e incontornável substrato fáctico, que se traduz em apurar se houve alguma forma de comunicação do dono da obra para o empreiteiro a transmitir a este que tinha visto a obra terminada e que a considerava de acordo com o contrato, aceitando pagar o preço.
2. Provando-se a existência de um acto expresso de manifestação da vontade do dono da obra de não aceitação desta, jamais poderia um outro acto posterior da mesma entidade ser visto como expressão tácita da vontade de aceitação da obra, a não ser em circunstâncias absolutamente extraordinárias; em caso de conflito entre uma vontade expressamente manifestada para o exterior e a vontade oposta alegadamente manifestada de forma tácita, a manifestação expressa da vontade apaga ou destrói a declaração tácita.
3. Estando em discussão a manutenção das garantias bancárias ou o seu cancelamento, de acordo com a regra básica de repartição do ónus da prova constante do art. 342º,1 CC, é sobre o autor que pede o cancelamento das garantias e a sua devolução que recai o ónus de demonstrar a verificação das condições contratualmente estabelecidas para essa restituição.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A. S. & FILHOS, S.A., NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, Vila Nova de Famalicão, intentou a presente acção de processo comum contra CONSTRUÇÕES G. C., S.A., NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, Vila Nova de Famalicão e X ENGENHARIA, S.A., NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, pedindo: i) seja a 1.ª ré condenada a restituir à autora a garantia bancária número ...........49, emitida pelo Banco ..., S.A., assim como comunicar à instituição bancária o seu cancelamento; ii) seja a 1.ª ré condenada ao pagamento dos encargos suportados até à data, com a manutenção indevida da garantia bancária n.º ...........49, no valor de € 721,00 (setecentos e vinte euros); iii) seja a 2.ª ré condenada a restituir à autora a garantia bancária número ................50, emitida pelo Banco ..., S.A., assim como comunicar à instituição bancária o seu cancelamento; iv) seja a 2.ª ré condenada ao pagamento dos encargos suportados até à data, com a manutenção indevida da garantia bancária n.º ...........49, no valor de € 721,00 (setecentos e vinte euros); v) sejam as rés condenadas ao pagamento da indemnização pelos danos de natureza não patrimonial no montante nunca inferior a € 2.000,00 (dois mil euros); vi) acrescidos a todos os montantes supra referidos os juros de mora calculados à taxa legal, com custas e procuradoria.

Para tanto alegou a autora, em síntese, que celebrou um contrato de subempreitada com as rés, no âmbito do qual prestou, a solicitação destas, duas garantias bancárias on first demand para garantia do cumprimento das obrigações contratuais, não tendo as rés devolvido à autora as preditas garantias, apesar de concluída a obra executada pela autora e de ter a mesma sido definitivamente recepcionada.

As rés contestaram, excepcionando o cumprimento defeituoso do contrato pela autora, invocado a verificação de defeitos e anomalias nos trabalhos executados pela autora, que a mesma não corrigiu, apesar de interpelada para o efeito, não tendo ainda ocorrido a recepção definitiva da obra, mantendo-se ainda as garantias bancárias prestadas pelas rés ao dono da obra, não se verificando, por conseguinte, as condições para a liberação pelas rés das garantias bancárias prestadas pela autora.

A autora respondeu, pugnando pela improcedência da matéria de excepção arguida pelas rés.

Foi proferido despacho saneador, onde se aferiu da verificação da totalidade dos pressupostos processuais, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais, conforme emerge das actas respectivas.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu as rés do pedido.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

I. Na verdade, a Recorrente entende, e salvo o devido respeito por melhor opinião, qua a matéria de facto e de Direito sujeita a exame pelo Tribunal recorrido merece outra apreciação, no que toca à verificação dos pressupostos para a liberação pelas rés das garantias bancárias prestadas pela Autora, pelo que, atendendo às declarações prestadas pelas testemunhas em sede de audiência e julgamento e a prova documental apresentada impunha-se uma decisão diferente, conforme se procurará demonstrar.
II. A Apelante impugna, nos termos do art.º 640.º do CPC, a decisão que recaiu sobre a matéria de facto constante:
1. Dos Factos Provados: (Factos alegados pelas rés)
“16) Aquando da vistoria pelo dono de obra realizada a 14.03.2017, verificaram-se as seguintes anomalias nos trabalhos realizados pela autora na referida obra na Escola ...:
● No Bloco D – Piso 0 – IS – Masculino, verifica-se um escorrimento de água por trás do urinol;
● Na sala D.O.21, existe uma ruptura de água na bancada;
● As caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas.
19) A autora, após verificação no local das referidas anomalias não procedeu à sua reparação.”
2. Dos Factos Não Provados (Factos alegados pela autora)
a) Já ocorreu a recepção definitiva da empreitada na qual foram realizados os trabalhos pela autora mencionados em 2) dos factos provados.
III. Ao contrário do decidido como facto provado, em particular o ponto 16) “As caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas”, o tribunal recorrido deveria ter determinado como não provado esse ponto porque a escola em 2012 entrou em funcionamento com as caixas de extintores aplicadas.
IV. Desde 2012 que a escola entrou em funcionamento a caixas de extintores não foram substituídas, como tal não podem ser consideradas como um defeito/anomalia e muito menos da responsabilidade da Autora.
V. A Recorrente entende que ocorreu uma recepção tácita da obra pelo dono da obra, visto que tomou definitivamente posse dela e a colocou ao serviço da finalidade para que foi construída, remodelada - uma escola (Neste sentido, Staphane Branconnier, apud Jorge Andrade da Silva, Regime Jurídico das Empreitadas…, cit., pág. 636, nota 615; no mesmo sentido, Vaz Serra, BMJ 145, pág. 168).
VI. Por um lado nos termos do disposto no artigo 1208.º do Código Civil (doravante CC) cabe ao empreiteiro executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios.
VII. Por outro lado, o artigo 1218.º do CC o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar,
VIII. O dono de obra tem de demonstrar a sua gravidade, de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa.
IX. Ao empreiteiro cabe a prova de que a obra foi realizada de acordo com critérios superiores ao padrão médio, não havendo, como tal, uma diminuição da qualidade ou do valor da obra.
X. As caixas de extintores continuam a existir desde o dia do funcionamento da escola, ou seja, desde Setembro de 2012.
XI. E assim, conseguiu a Recorrente afastar a presunção de culpa do art. 342.º, n.º 1 e 799º, n.º 1, ambos do CC.
XII. O empreiteiro tem uma obrigação de resultado, e tem-se admitido que, após a entrega da coisa, a natureza da responsabilidade do empreiteiro enquadra-se numa situação de garantia.
XIII. Quando o Tribunal a quo refere, “Por sua vez, os factos assentes em 16) e 19) , alegados pelas rés a título de excepção, além de não terem sido alvo de impugnação especificada pela autora (cfr. Artigos 574.º, n.º 2, e 587.º, n.º 1, ambos do Código Processo Civil), antes expressamente assumindo a autora que verificou no local tais anomalias e não procedeu à sua reparação ou eliminação (vide artigo 29.º da resposta que apresentou nos autos a 06.09.2021) – a Recorrente impugna e não concebe o que se refere,
XIV. Porquanto, percorrendo o articulado de resposta da Autora, sobretudo nos artigos 20, 21., 22, 24, 25, 26,
XV. Verifica-se que houve impugnação especificada pela autora, nos termos dos art. 574.º, n.º 2 e 587.º, n.º 1 do CPC.
XVI. O ónus de impugnação especificada é cumprido quando o impugnante apresente uma versão dos eventos essencialmente contraposta à da outra parte.
XVII. E a Recorrente no artigo 29.º do seu articulado de resposta refere que: ”29. A autora, após a verificação no local dos “defeitos e anomalias” não procedeu à sua reparação ou eliminação, conforme alegam, porque não se enquadravam no âmbito da sua especialidade e responsabilidade, conforme o anteriormente relatado e comprovado pelos documentos juntos.”
XVIII. A recepção da obra objecto da empreitada é uma decorrência da natureza sinalagmática do contrato, concretizando a contraprestação do empreiteiro que, por isso, recebe um preço. Constitui, portanto, o modo natural e normal de extinção do contrato – o seu cumprimento.
XIX. A assistência do empreiteiro é apenas promovida no sentido da defesa dos seus interesses.
XX. O prazo de garantia de cinco anos terá que contar-se a partir da entrega da obra – veja-se artigo 1225.º n.º 1 do Código Civil (doravante CC) – entendendo-se esta entrega como a efectiva incorporação em obra dos trabalhos realizados pelo subempreiteiro. (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 1473/09.1TBBRG – G1)
XXI. Importa considerar que o Código Civil, nos arts. 1220.º n.º 1, 1224.º e 1225.º estabeleceu prazos de caducidade para a denúncia dos defeitos da obra e para o exercício dos direitos que são conferidos ao dono da obra. Não se trata de prazos de prescrição (Cf. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações…, cit., pág. 493).
XXII. Se assim não fosse, os direitos do dono da obra poder-se-iam protelar no tempo, com o inconveniente da insegurança jurídica que adviria para o empreiteiro. Aliás, esses prazos de caducidade, curtos, foram estabelecidos no interesse do empreiteiro, a fim de os desvincular das responsabilidades emergentes dos defeitos da obra no caso de inércia do dono da obra.
XXIII. Decorre do art. 1225.º n.º 2 do CC que se após a aceitação se o dono da obra nela detectar defeitos deve denunciá-los ao empreiteiro no prazo de um ano a contar sua da descoberta.
XXIV. Nos termos do art. 1225. nº 2 do CC que “…a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.”.
XXV. Por outro lado, não foi alegado e provado que, durante o período da garantia, a Recorrida tivesse invocado qualquer direito de crédito sobre a Recorrente (defeito ou anomalia), no exercício da mesma garantia, tendo esta caducado, pelo decurso do prazo.
XXVI. Nos termos do n.º 1 do artigo 1225.º do CC no caso de imóveis destinados a longa duração, o prazo de garantia de 5 anos inicia-se a contar da entrega ou do decurso do prazo de garantia convencionado. E, por isso, ainda que se considerasse que não seria possível o cômputo do prazo de garantia convencionado pela inexistência do acto formal de recepção definitiva (o que não se concede), sempre o prazo de garantia se deveria contar a partir da data da entrega, isto é, a partir da efectiva incorporação em obra dos trabalhos (sub) contratados, o que facilmente se poderá constatar a partir dos respectivos autos de medição mensais de trabalhos e da entrada em funcionamento da escola.
XXVII. Tendo tais retenções sido efectuadas, para efeitos de garantia de boa execução do contrato, é verdade que ficou clausulado que seriam libertadas com a recepção definitiva da empreitada, sendo certo que esta ocorre cinco anos após a data do auto de recepção provisória da obra, de acordo com o disposto nos artigos 397.º n.º 1 do DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, aqui aplicável, por força, do que se expõe: «A introdução nos contratos de empreitada de obras particulares de uma cláusula que determina a retenção de uma percentagem sobre o valor dos pagamentos a efectuar pelo dono da obra, para garantia do contrato, resulta da aplicação às empreitadas de obras particulares, com as devidas adaptações, do regime instituído para as empreitadas de obras públicas, nomeadamente pelo DL 405/93, de 10/12, revogado, entretanto, pelo DL 59/99, de 2/3» - cfr. Acórdão do STJ de 11/12/2001 in www.dgsi.pt/jstj
XXVIII. Assim, apesar de não ter havido uma data certa da recepção definitiva da obra, o prazo de garantia de cinco anos terá que contar-se a partir da entrega da obra – veja-se artigo 1225.º n.º 1 do CC – entendendo-se esta entrega como a efectiva incorporação em obra dos trabalhos realizados pelo subempreiteiro.
XXIX. O juízo de apreciação de uma causa da magnitude do caso em apreço é uma tarefa complexa, que envolve considerações várias e ilações igualmente densas que servem de fundamento à motivação num determinado sentido e que devem ser explicadas na sentença, para melhor compreensão da ratio que subjaz à decisão.
XXX. A primeira instância deu como provado factos que, as caixas de extintores fornecidas pela Autora não foram aprovadas e nos factos não provados refere que as caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas, por falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação, inclusive como refere e se transcreve:”. Por conseguinte, não se revelando a prova produzida suficientemente objectiva e segura para suportar o convencimento do Tribunal acerca da sua verificação, necessariamente resultaram não demonstrados os factos em apreço, acima vertidos em b) e c)” pelas referidas contradições entre o dado como provado e não provado, resulta que da leitura da sentença recorrida, como em outros pontos, se mantenha a incerteza quanto às razões que estiveram na base da decisão do julgador e qual foi afinal a sua motivação.
XXI. Pelo que se considera que aliás a douta sentença padece de vícios que determinam a sua nulidade ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, b) e c) do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber:

a) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto
b) se existe fundamento legal para cancelar as garantias bancárias prestadas pela autora às rés e ordenar a sua restituição à autora.
c) se existe fundamento legal para condenar as rés a pagar indemnização à autora por danos não patrimoniais.

III
A sentença considerou provados os seguintes factos:

(Factos alegados pela autora)
1) A autora é uma empresa que se dedica à instalação de canalizações – comércio por grosso de ferragens, ferramentas manuais e artigos para canalizações – arrendamento de bens imobiliários – construção de edifícios (residenciais e não residenciais).
2) No exercício da sua actividade, a autora e na altura, a 2.ª ré Y Engenharia e Construção, S.A., mas que através de fusão, na modalidade de fusão por incorporação global de património com a consequente extinção da sociedade incorporada, passou a denominar-se de X Engenharia, S.A., e a 1.ª ré celebraram um contrato de subempreitada de “Execução de Obras de Modernização para a Fase 3 do Programa Modernização das Escolas com Ensino Secundário - Lote 3EL 1 Escola Secundária ...”– Execução da Subempreitada de Instalações Hidráulicas, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 25 – verso a 38, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) De acordo com o estipulado na cláusula 7.ª “Garantia”, no ponto 7.3 das Condições Gerais de Subcontratação-Subempreitadas do contrato de subempreitada “(…) Para garantia do exacto e pontual cumprimento das obrigações contratuais, o Subempreiteiro prestará, na data de assinatura do Documento de Adjudicação, uma garantia bancária do tipo “on first demand”, conforme modelo anexo (Anexo I), sem prazo de validade e de valor correspondente a 5% (cinco por cento) do preço da Subempreitada, (…)”, a autora obrigou-se a entregar uma garantia bancária, autónoma, incondicional à primeira solicitação para garantia do cumprimento do contrato.
4) A autora prestou, por solicitação da 1.ª ré, a garantia bancária número ...........49, no valor de € 9.154,82 (nove mil, cento e cinquenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), emitida pelo Banco ..., S.A., para garantir o cumprimento das obrigações assumidas no quadro da subempreitada de “TRABALHOS EXECUTADOS NA ESCOLA SECUNDÁRIA ... – LOTE 3EL1., conforme consta do documento junto aos autos a fls. 38 – verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) A autora prestou, por solicitação da 2.ª ré, a garantia bancária número ................50, no valor de € 9.154,82 (nove mil, cento e cinquenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), emitida pelo Banco ..., S.A., para garantir o cumprimento das obrigações assumidas no quadro da subempreitada de “TRABALHOS EXECUTADOS NA ESCOLA SECUNDÁRIA ... LOTE 3EL1., conforme consta do documento junto aos autos a fls. 39, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6) O acordo firmado entre as partes contratantes foi contemplado e expresso nos documentos que constituem as garantias bancárias n.º ...........49 e ................50.
7) As rés pagaram à autora todas as facturas emitidas por esta no âmbito do referido contrato.
8) A autora interpelou as rés, a 1.ª ré através de carta registada com aviso de recepção datada de 22.06.2020 e a 2.ª ré através de carta registada com aviso de recepção datada de 21.01.2020, além do mais, para restituírem à autora as garantias bancárias acima identificadas em 4) a 6).
9) As rés não restituíram à autora as referidas garantias bancárias, nem comunicaram à instituição bancária o seu cancelamento.
10) Resulta do teor da cláusula 21.ª das Condições Gerais de Contratação do contrato celebrado entre as partes acima mencionado em 2) o seguinte: “21. LEGISLAÇÃO 21.1.1. No omisso aplicar-se-á o disposto no D.L.18/2008 de 29 de Janeiro, naquilo em que não contrarie a natureza privada da relação”.
11) A escola na qual foram executados os trabalhos pela autora no âmbito do contrato celebrado entre as partes acima identificado em 2), entrou em funcionamento em Setembro de 2012.
12) A autora emitiu as últimas facturas referentes aos trabalhos executados na aludida obra em 31.07.2012, correspondentes ao último auto de medição – auto de medição n.º 14.
13) A manutenção das referidas garantias bancárias gera uma diminuição dos plafonds que as instituições bancárias concedem à autora.
14) A autora suportou o pagamento dos encargos com a manutenção da garantia bancária n.º ...........49, até à data, no valor de € 721,00 (setecentos e vinte euros).
15) E o pagamento dos encargos com a manutenção da garantia bancária n.º ................50, até à data, no valor de € 721,00 (setecentos e vinte euros).

(Factos alegados pelas rés)
16) Aquando da vistoria pelo dono da obra realizada a 14.03.2017, verificaram-se as seguintes anomalias nos trabalhos realizados pela autora na referida obra na Escola ...:
-No Bloco D – Piso 0 – IS – Masculino, verifica-se um escorrimento de água por trás do urinol;
-Na sala D.0.21, existe uma ruptura de água na bancada;
-As caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas.
17) Resulta do teor da cláusula 7.9 das Condições Gerais de Contratação do contrato celebrado entre as partes acima mencionado em 2) o seguinte: “As garantias prestadas e/ou os valores retidos serão restituídos ao Subempreiteiro assim que se verifique a restituição ou cancelamento, pelo Dono da Obra, das garantias constituídas pelo Empreiteiro no âmbito da Empreitada”.
18) O dono da obra não restituiu às rés as garantias bancárias prestadas por estas.
19) A autora, após verificação no local das referidas anomalias não procedeu à sua reparação.

E com relevância para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
(Factos alegados pela autora)
a) Já ocorreu a recepção definitiva da empreitada na qual foram realizados os trabalhos pela autora mencionados em 2) dos factos provados.
(Factos alegados pelas rés)
b) Verificaram-se as seguintes anomalias nos trabalhos realizados pela autora na referida obra na Escola ...:
-No Bloco G – Piso 0 – Circulação, verifica-se um tubo mal ligado tendo levado ao levantamento e à perfuração do tecto falso.
c) As caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas, por falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação.

IV
Conhecendo do recurso.

A- Nulidades
A recorrente começa por afirmar que a sentença padece de vícios que determinam a sua nulidade ao abrigo do artigo 615º,1,b,c do CPC.
E explica dizendo que foi dado como provado que as caixas de extintores fornecidas pela Autora não foram aprovadas, mas que, simultaneamente, foi dado como não provado que as caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas, por falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação, inclusive como refere e se transcreve”.
Ora, o Tribunal recorrido respondeu a esta arguição, em termos que aqui podemos assumir como nossos.
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Escreveu o Tribunal recorrido:
alega a recorrente existir contradição na decisão da matéria de facto na medida em que, por um lado, o Tribunal deu como provado que as caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas e, por outro lado, deu como não provado que as caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas, por falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação.
Ora, conforme nos parece resultar claro e inequívoco do elenco da factualidade provada e não provada e da motivação da decisão de facto constantes da sentença proferida, não obstante ter-se considerado demonstrado que aquando da vistoria pelo dono da obra realizada a 14.03.2017, se tenha verificado, entre outras anomalias, que as caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas (vide factos insertos em 16) dos factos provados), entendeu este Tribunal que não permitiu já a prova produzida concluir que tal falta de aprovação das caixas de extintores fornecidas pela autora tenha ficado a dever-se à falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação (vide factos insertos em c) dos factos não provados), pelo que não se vislumbra, salvo melhor juízo, a existência de qualquer contradição. Acresce que, ao contrário do que igualmente propugna a autora, não se vislumbra de que modo da mera circunstância de se ter demonstrado que a escola entrou em funcionamento em Setembro de 2012 (vide factos insertos em 11) dos factos provados) resulte, por si só, que já ocorreu a recepção definitiva da obra e, por conseguinte, esteja o Tribunal impedido, de considerar não demonstrada tal factualidade (vide factos insertos em a) dos factos não provados), sendo certo que resulta do próprio contrato celebrado entre as partes que apenas depois de findo o prazo de garantia (e de reparados os eventuais defeitos imputáveis ao subempreiteiro) é que será emitido o certificado de recepção definitiva (cfr. cláusula 7.12 das respectivas condições gerais – fls. 35 – verso)”.
Com efeito, o Tribunal recorrido deu como provado que as caixas de extintores não foram aprovadas, mas já não considerou provada a causa que foi alegada para essa falta de aprovação. Ou seja, sabemos que as caixas não foram aprovadas, mas não sabemos qual a causa para essa não aprovação. Não há qualquer contradição nestas duas decisões.
E o mesmo se diga da alegada contradição entre se ter provado que a escola entrou em funcionamento em Setembro de 2012 (vide factos insertos em 11) mas não provado que já ocorreu a recepção definitiva da obra. Com efeito, parece-nos por demais óbvio que o facto de uma escola entrar em funcionamento em Setembro, após as férias de Verão, decorre directamente do calendário escolar, que é imposto pelo Ministério da Educação, e nada tem a ver com algumas obras feitas na escola, em instalações hidráulicas. Donde, não se pode retirar da estrita obediência ao calendário escolar uma declaração de vontade emitida no âmbito contratual, de recepção da obra, com tudo o que isso significa.
Não há qualquer contradição, logo não há qualquer nulidade.

B- Julgamento da matéria de facto

Começa a recorrente por dizer que pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto.

Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, a recorrente indica de forma clara quais os pontos de facto que considera mal julgados e quais as respostas que entende que o Tribunal deveria ter dado aos mesmos, e indica em concreto os meios de prova que em seu entender deveriam ter levado a decisão diversa.
Podemos, pois, conhecer desta parte do recurso.

E convém ter presente, logo desde o início, um ponto importante para que a sentença recorrida chama a atenção: é que quanto à matéria de facto em discussão, os defeitos na obra, às rés incumbia apenas o ónus de demonstrar a existência das anomalias/defeitos, não lhes competindo a demonstração da origem dos mesmos, cabendo, ao invés, à autora/subempreiteira o ónus de alegar e demonstrar a causa das anomalias/defeitos, maxime, que a mesma lhe é estranha, por forma a afastar a presunção de culpa decorrente do artigo 799º,1 CC.

Posto isto, a primeira crítica da recorrente à decisão incide sobre o facto provado 16, mais concretamente sobre o ter ficado provado que “aquando da vistoria pelo dono de obra realizada a 14.03.2017, verificaram-se as seguintes anomalias nos trabalhos realizados pela autora na referida obra na Escola ...: as caixas de extintores fornecidas pela autora não foram aprovadas”.
Entende a recorrente que tal facto deve ser considerado não provado.

Vejamos se é assim.

A sentença recorrida explica a decisão nestes termos:

Por sua vez, os factos assentes em 16) e 19), alegados pelas rés a título de excepção, além de não terem sido alvo de impugnação especificada pela autora (cfr. artigos 574.º, n.º 2, e 587.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil), antes expressamente assumindo a autora que verificou no local tais anomalias e não procedeu à sua reparação ou eliminação (vide artigo 29.º da resposta que apresentou nos autos a 06.09.2021), mais resultaram tais factos demonstrados quer em face do documento junto aos autos a fls. 91 a 98 (vistoria realizada a 14.03.2017 e na qual participaram o dono da obra e o empreiteiro), de cujo teor se extrai a verificação das anomalias em questão aquando da realização da dita vistoria, quer em face do depoimento da testemunha J. A. que, de forma essencialmente corroborada pela prova documental vinda de referir e na qual figura como interveniente (tendo participado na vistoria em questão em representação do empreiteiro), confirmou igualmente a verificação das anomalias em causa, bem como a recusa da autora em proceder à sua reparação”.

Verifica-se que a alegação da existência de defeitos foi feita na contestação, artigo 6,d, nestes termos:
efectivamente, verificaram-se defeitos e anomalias nos trabalhos realizados pela A. no objecto da empreitada, ou seja, na Escola ..., designadamente os seguintes: (…) d) as Caixas de Extintores fornecidas pela A. não foram aprovadas, por falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação”.

A autora respondeu a esta alegação nos seguintes termos:
Quanto às caixas de extintores as mesmas foram fornecidas e aplicadas de acordo com a aprovação da fiscalização. A W remeteu toda a informação relativa as caixas de extintores aplicadas na primeira e segunda fase, em conformidade com o normativo legal, em vária correspondência trocada”.

E mais adiante acrescentou:
29. A autora, após a verificação no local dos “defeitos e anomalias” não procedeu à sua reparação ou eliminação, conforme alegam, porque não se enquadravam no âmbito da sua especialidade e responsabilidade, conforme o anteriormente relatado e comprovado pelos documentos juntos”.
Convenhamos que não se pode retirar desta alegação uma falta de impugnação do alegado pelas rés. O facto alegado, se bem virmos, é complexo e mistura vários factos e até matéria de direito: “as Caixas de Extintores fornecidas pela A. não foram aprovadas, por falta de documentação técnica e de procedimentos de aprovação”.
Ora, a autora afirmou que as caixas de extintores foram fornecidas e aplicadas de acordo com a aprovação da fiscalização, e que remeteu toda a informação relativa às mesmas. Assim sendo, o conteúdo do artigo 29 não pode ser visto como uma admissão directa da existência dos apontados vícios, ao que acresce que a expressão “defeitos e anomalias” surge entre aspas, o que significa claramente não adesão a tal frase, mas mera repetição mecânica do que outros disseram ou escreveram.
Porém, a sentença apoia-se ainda no documento junto aos autos a fls. 91 a 98 (vistoria realizada a 14.03.2017 e na qual participaram o dono da obra e o empreiteiro), de cujo teor se extrai a verificação das anomalias em questão aquando da realização da dita vistoria.
E, com efeito, não vemos como contrariar o valor probatório desse documento. Dele resulta exactamente o que a sentença recorrida diz que resulta, e mostra-se assinado pelo dono da obra e pelo empreiteiro.
Além disso, temos de dizer que a argumentação das recorrentes não convence: elas pretendem que o tribunal recorrido deveria ter determinado como não provado esse ponto porque a escola em 2012 entrou em funcionamento com as caixas de extintores aplicadas, e se desde 2012 a escola entrou em funcionamento e as caixas de extintores não foram substituídas, como tal não podem ser consideradas como um defeito/anomalia e muito menos da responsabilidade da Autora.
Estamos no âmbito de apreciação de matéria de facto. Nesse âmbito, o facto de a escola ter entrado em funcionamento não implica necessariamente que as caixas de extintores não possam ser consideradas um defeito. Como já dissemos supra, a entrada em funcionamento da Escola decorre de outras considerações que nada têm a ver com as caixas de extintores. Basta fazer a seguinte pergunta: era materialmente possível a Escola ter entrado em funcionamento com as caixas de extintores erradas ou mal aplicadas, ou nem sequer aplicadas ? E a resposta tem de ser necessariamente afirmativa. E quer tivesse havido um incêndio, quer não tivesse, a resposta teria sempre sido a mesma. A entrada em funcionamento da escola não depende materialmente das caixas de extintores estarem correctamente montadas ou deixarem de estar. Pode haver uma ligação jurídica entre uma coisa e outra, mas materialmente não há.
As recorrentes parecem querer ver aqui uma presunção automática e incontornável: porque a escola entrou em funcionamento, logo, não havia nenhum problema com as caixas de extintores. Porém, não há qualquer presunção natural, nem legal, que nos diga isso. Há antes um documento assinado por dono da obra e empreiteiro que nos diz que havia esse problema.
Improcede esta parte do recurso.

De seguida a recorrente impugna o facto provado nº 19, cujo teor é:
19) A autora, após verificação no local das referidas anomalias não procedeu à sua reparação”.
Este facto foi alegado pelas rés a título de excepção.
Na motivação da sentença explica-se que este facto 19 não foi alvo de impugnação especificada (artigos 574º,2 e 587º,1 CPC). E com efeito assim é. Lendo a resposta apresentada pela autora, em resumo, o que esta diz é que não procedeu à reparação das anomalias porque não lhe cabia a si fazê-lo. Assim, o facto 19 tinha indubitavelmente de ser considerado provado, por falta de impugnação especificada.
Acresce que, como refere o Tribunal recorrido, também foi tido em conta o já referido documento junto aos autos a fls. 91 a 98 (vistoria realizada a 14.03.2017 e na qual participaram o dono da obra e o empreiteiro), de cujo teor se extrai a verificação das anomalias em questão aquando da realização da dita vistoria, bem como o depoimento da testemunha J. A. que, de forma essencialmente corroborada pela prova documental vinda de referir e na qual figura como interveniente (tendo participado na vistoria em questão em representação do empreiteiro), confirmou igualmente a verificação das anomalias em causa, bem como a recusa da autora em proceder à sua reparação. E com efeito assim é.
Improcede também aqui o recurso.

Impugna ainda a recorrente o facto não provado a)já ocorreu a recepção definitiva da empreitada na qual foram realizados os trabalhos pela autora mencionados em 2) dos factos provados”. Afirma que tal facto deveria ser considerado provado.
E argumenta: “a Recorrente entende que ocorreu uma recepção tácita da obra pelo dono da obra, visto que tomou definitivamente posse dela e a colocou ao serviço da finalidade para que foi construída”.
Vejamos. Em primeiro lugar, olhando para o facto em causa, ocorre-nos logo que a expressão “recepção definitiva da empreitada” não é uma expressão que encerra apenas matéria de facto. Pelo contrário, é uma expressão que envolve ao mesmo tempo pura matéria de facto e também matéria de direito. E importa agora fazer a distinção das duas vertentes.
Dispõe o art. 1218º,1 CC que “o dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios”. “A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer” (nº 2). E nos termos do nº 5, “a falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”.
Por seu lado, o art. 1220º,1 CC dispõe que “o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento”.
Assim, temos de lidar com os conceitos de verificação da obra, e aceitação da obra.
Escreve Pedro Romano Martinez, in Direito das Obrigações – Contratos, fls. 403 e seguintes, que ”depois de concluída a obra, o empreiteiro deve avisar o dono de que ela está em condições de ser verificada. O comitente vai então averiguar se a obra foi realizada nas condições convencionadas e se não apresenta vícios (art. 1218º,1 CC). A verificação corresponde em simultâneo a um direito do dono da obra e a um ónus que sobre ele impende. É um direito, na medida em que ela confere ao comitente a possibilidade de averiguar se a obra foi realizada a seu contento. Por outro lado constitui um ónus, pois a falta de verificação importa a aceitação da obra sem reserva (art. 1218º,5 CC). (…) Efectuada a verificação, deve o resultado dela ser comunicado ao empreiteiro (art. 1218º,4 CC). (…) Diferentemente da comunicação é o acto de aceitação. Esta corresponde a um acto de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço. (…) A aceitação pode ser expressa ou tácita (art. 217º CC) ou presumida por lei (art. 218º CC). A aceitação expressa, muitas vezes, principalmente estando em causa a construção ou reparação de edifícios, é feita mediante um protocolo assinado pelas partes. Será tácita a aceitação, “verbi gratia”, quando, mediante uma comunicação, se informa o empreiteiro de que a obra foi convencionada segundo o convencionado e sem vícios; também são de considerar como casos de aceitação tácita aqueles em que há uma recepção material da obra, como por exemplo, se o comitente vai buscar à oficina o veículo que lá foi reparado. A aceitação é presumida por lei na falta de verificação ou de comunicação (art. 218º,5 CC)”.
Ora bem. Parece-nos pacífico que quando se pergunta no facto não provado se já ocorreu a recepção definitiva da empreitada, aquilo que se está a querer saber é se ocorreu a aceitação da obra.
Como acabámos de ver, a “aceitação da obra” é conceito que tem um conteúdo jurídico concreto e delimitado. Mas tem um óbvio e incontornável substrato fáctico. É esse que agora nos interessa. Assim, o que temos de apurar é se houve alguma forma de comunicação do dono da obra para o empreiteiro a transmitir a este que tinha visto a obra terminada e que a considerava de acordo com o contrato, aceitando pagar o preço.
Posto isto, vejamos como a sentença fundamentou a decisão de dar esse facto como não provado: “por outro lado, os factos vertidos em a), alegados pela autora, mas insertos na positiva (e não na negativa, conforme alegou a autora) na medida em que o ónus da sua demonstração (positiva) incumbia à autora, porquanto trata-se de factualidade constitutiva do direito de que se arroga titular (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo certo que a demonstração de tais factos era à autora que, em primeira linha, aproveitavam, na medida em que releva para efeitos de verificação da exoneração do (sub)empreiteiro da responsabilidade por eventuais defeitos de obra (cfr. artigo 414.º do Código de Processo Civil e artigo 398.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, diploma este que as partes expressamente quiseram aplicar ao contrato que celebraram – vide factos assentes em 10) dos factos provados), resultaram não demonstrados porquanto não logrou a autora, conforme lhe competia, produzir qualquer prova, minimamente objectiva, acerca dos mesmos. Ao invés, resultaram tais factos infirmados pelas testemunhas arroladas pelas rés, J. A. e J. C., que declararam, de forma conjugada entre si e incontestada pela demais prova produzida, que ainda não ocorreu a recepção definitiva da empreitada em questão”.
E depois de analisada a prova documental e os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência, só podemos confirmar esta decisão, pois a mesma não ostenta qualquer erro de julgamento, fazendo uma apreciação correcta da prova.
Assim, com base na prova produzida, não podia este facto ser dado como provado.
Repare-se que a recorrente não vem dizer que apresentou prova, seja documental seja testemunhal que demonstre cabalmente que ocorreu aceitação da obra. O que ela faz é afirmar que ocorreu uma recepção tácita da obra pelo dono da obra, visto que tomou definitivamente posse dela e a colocou ao serviço da finalidade para que foi construída, remodelada - uma escola. Ou seja, quer que o Tribunal pondere colmatar a falta de prova documental ou testemunhal sobre a existência de uma declaração de aceitação expressa, com recurso a uma aceitação tácita.
Dispõe o art. 217º,1 CC que “a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”.
Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a esta norma, escrevem: “não se devem pôr sempre de parte, como formas possíveis de manifestação tácita da vontade, os casos susceptíveis de duas interpretações. O que deve é verificar-se “aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões”, como se exprimia Manuel de Andrade no domínio do Código de 1867. Prevalece aqui, pois, um critério prático, social, e não rigorosamente lógico ou formal”.
Seguindo este critério prático, o que temos de nos perguntar é, atenta a prova produzida, nomeadamente o auto de vistoria supra-referido e o depoimento das testemunhas arroladas pelas rés, se é provável que ao abrir a Escola em Setembro de 2022, o dono da obra estivesse também a emitir uma declaração de vontade de aceitação da obra?
A resposta é claramente negativa.
Pelo contrário, o que quanto a nós emerge da prova é que o dono da obra não teve qualquer problema em abrir a Escola em Setembro pois sabia que atento o facto de já ter manifestado expressamente a sua vontade de não aceitar as obras realizadas, não correria o risco de ver esse acto ser interpretado como aceitação tácita.
Ou seja, havendo já um acto expresso de manifestação da vontade de não aceitação da obra, jamais poderia um outro acto da mesma entidade ser visto como expressão tácita da vontade de aceitação da obra, a não ser em circunstâncias absolutamente extraordinárias, que aqui não se verificam. Em caso de conflito entre uma vontade expressamente manifestada para o exterior e a vontade oposta alegadamente manifestada de forma tácita, a manifestação expressa da vontade apaga ou destrói a declaração tácita.
Donde, e como já vimos, não podemos considerar que pelo facto de a Escola ter entrado em funcionamento em Setembro de 2012, tenha ocorrido aceitação tácita da obra. De uma coisa não decorre a outra. Não só porque não estamos a falar da obra na totalidade mas sim de aspectos parcelares que não impediam a abertura do ano escolar, como ainda porque as testemunhas referidas na motivação da sentença, com destaque para J. A., disseram que a não aceitação foi comunicada à autora. A testemunha em causa explicou que a Escola ... começou a funcionar em Setembro de 2012, mas parcialmente, pois havia coisas que não estavam totalmente acabadas; houve trabalhos que não foram aceites; fez-se uma vistoria de não recepção, e foram detectados trabalhos não concluídos, reparações que era necessário fazer. Essa não aceitação foi comunicada à autora por várias vezes e formas.
Donde, bem andou o Tribunal recorrido em dar este facto como não provado.
Também aqui improcede o recurso.
E assim, a matéria de facto mantém-se intocada.

C- Julgamento da matéria de direito
Apesar de as conclusões de recurso não serem totalmente claras quanto a este ponto, estamos em crer que a recorrente não impugnou independentemente a aplicação do direito aos factos provados. Apenas disse qual deveria ser, em seu entender a solução jurídica a dar ao caso, no cenário de a matéria de facto ter sido alterada como propugnou.
Não obstante, vejamos rapidamente.
Apesar de termos estado a tratar de um contrato de empreitada e de um contrato de subempreitada, a verdade é que os pedidos formulados pela autora nada têm a ver com os direitos do empreiteiro no âmbito de tal contrato. A autora pediu nesta acção apenas que as rés fossem condenadas a restituir-lhe as garantias bancárias e a pagar os encargos suportados com a manutenção indevidas das mesmas até à data, para além de ter pedido ainda a condenação ao pagamento de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial.
Como refere a sentença, é pacífico que entre as partes foi celebrado um contrato de subempreitada, no âmbito do qual se obrigou a autora, grosso modo, à execução de instalações hidráulicas em obra na qual eram as rés empreiteiras.
O conceito de subempreitada vem definido no artigo 1213º,1 CC como “o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela”.
Ao contrato de subempreitada são aplicáveis, em regra, as normas previstas para o contrato de empreitada, assumindo o subempreiteiro a posição de empreiteiro e o empreiteiro a do dono da obra.
Em conformidade com o disposto no artigo 1208º CC “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.
Escreve-se ainda na sentença que “sobre o cumprimento destas obrigações regem, para além do contratualmente estabelecido entre as partes no contrato (cfr. artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil) da regulamentação específica atinente à empreitada, os princípios genéricos estabelecidos no disposto nos artigos 406.º, n.º 1, e 762.º e seguintes do Código Civil, de onde resulta que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”, sendo que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”, pelo que, a contrario sensu, dir-se-á, logicamente, que o devedor não cumpre a sua obrigação quando não realiza a prestação a que está vinculado.
O contrato de subempreitada pressupõe, logicamente, a pré-existência de um contrato de empreitada com o qual se correlaciona e nos termos do qual o empreiteiro se obrigou, perante o dono da obra, à realização de uma obra, surgindo o subempreiteiro como um terceiro que se obriga, para com o empreiteiro, a realizar a totalidade ou uma parte da mesma obra.
Ora, emergiu provado que as partes no contrato de subempreitada acordaram (cláusula 7ª “Garantia”, no ponto 7.3 das Condições Gerais de Subcontratação-Subempreitadas do contrato de subempreitada), que “(…) para garantia do exacto e pontual cumprimento das obrigações contratuais, o Subempreiteiro prestará, na data de assinatura do Documento de Adjudicação, uma garantia bancária do tipo “on first demand”, conforme modelo anexo (Anexo I), sem prazo de validade e de valor correspondente a 5% (cinco por cento) do preço da Subempreitada, (…)”, a autora obrigou-se a entregar uma garantia bancária, autónoma, incondicional à primeira solicitação para garantia do cumprimento do contrato.
A autora prestou duas garantias bancárias, no valor de € 9.154,82 cada, emitidas pelo Banco ..., S.A., para garantir o cumprimento das obrigações assumidas no quadro da subempreitada, conforme consta dos documentos juntos aos autos a fls. 38 e 39, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Mais ficou provado que as rés pagaram à autora todas as facturas emitidas por esta no âmbito do referido contrato.
Finalmente, ficou provado que, aquando da vistoria pelo dono da obra realizada a 14.03.2017, verificaram-se as anomalias nos trabalhos realizados pela autora supra descritas.

A questão que foi colocada ao Tribunal recorrido e é agora colocada a esta Relação, é a de saber se existe fundamento legal para a restituição das garantias bancárias às autoras, que o mesmo é dizer, se tais garantias bancárias estão ainda válidas, ou se já se extinguiram.
Vejamos então mais de perto esta figura do contrato de garantia bancária, pois é ele, e não o contrato de empreitada ou subempreitada, que está no centro desta acção.
Conforme se escreve no Acórdão do STJ de 27 de Maio de 2021 (relatado pela Conselheira Maria Rosa Oliveira Tching), “segundo entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, estamos perante um contrato atípico, inominado, admitido no nosso sistema jurídico ao abrigo do princípio da liberdade contratual previsto no art. 405º, do C. Civil, mediante o qual o garante, normalmente um banco, obriga-se a pagar a um terceiro beneficiário certa quantia, verificado o incumprimento de um contrato-base, sendo mandante ou ordenante o devedor desse contrato, sem que o garante possa opor ao beneficiário (credor no contrato base) quaisquer excepções reportadas ao contrato fundamental, a menos que constem, expressamente, do próprio texto da garantia ou haja evidentes indícios de dolo, má fé ou abuso de direito.
Nas palavras de Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (in “Garantias de cumprimento”, Almedina, 1944, págs. 49 e 50), não se trata de garantir o cumprimento da obrigação do devedor, mas antes de assegurar o interesse económico do credor beneficiário da garantia.
O garante assegura ao beneficiário o recebimento de certa quantia em dinheiro e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação.
O objecto da garantia autónoma é, assim, distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato-base.
Como sublinha Galvão Telles (in revista “O Direito”, Ano 120, 1988, págs. 275 e segs), «o garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir.
E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor».
A garantia autónoma pode ser simples ou à primeira solicitação (on first demand).
Enquanto na garantia bancária simples o beneficiário só pode exigir o cumprimento da obrigação do garante desde que prove o incumprimento da obrigação do devedor ou a verificação do circunstancialismo que constitui pressuposto do nascimento do seu crédito face ao garante, na garantia automática ou à primeira solicitação não é exigível essa prova, visto que o garante, ao primeiro pedido do beneficiário, está obrigado a entregar imediatamente a este a quantia pecuniária fixada.
Segundo Almeida Costa e Pinto Monteiro (“Garantias Bancárias – O contrato de garantia à primeira solicitação”, in CJ, ano XI, tomo V., pág. 19), quanto às garantias autónomas à primeira solicitação, o lema é: «paga-se primeiro e discute-se depois».
Característica fundamental da garantia bancária é, pois, a sua autonomização em relação ao contrato-base. Daqui resulta que o garante não pode prevalecer-se dos meios de defesa facultados ao dador da ordem para recusar-se a pagar a garantia ao beneficiário, estando-lhe vedada a possibilidade de opor-lhe quaisquer excepções fundadas na relação principal entre o ordenante e o beneficiário, a menos que constem do próprio texto da garantia (…)”.

Veja-se ainda o sumário do Acórdão do TRL de 11/2/2016 (António Valente):

-a garantia bancária “on first demand” tem uma natureza autónoma em relação ao contrato subjacente, de que emerge a obrigação garantida;
-sendo o contrato subjacente um contrato de empreitada, não é lícito ao garante recusar o pagamento da garantia quando solicitado para tal, invocando a extinção por caducidade da garantia com base no auto de aceitação definitiva da obra pelo beneficiário;
-na medida em que a garantia não prevê um prazo de vigência nem qualquer circunstância que lhe ponha termo, tal recusa implicaria uma interpretação do contrato de empreitada pelo garante, para aferir quais as obrigações do empreiteiro nele previstas, o que lhe está vedado;
-accionada a garantia pelo beneficiário, invocando os custos de reparação de diversos equipamentos dentro do prazo de garantia e que o empreiteiro recusou efectuar, incumbe assim ao garante efectuar o pagamento”.

Com estas noções básicas, já sabemos o suficiente para poder afirmar que a sentença recorrida não cometeu qualquer erro ao aplicar o direito aos factos provados.

Muito sinteticamente:
a) chamou a atenção para que não foi estipulado qualquer prazo de validade para tais garantias, constando, ao invés, do teor das mesmas que se mantêm válidas até instruções por escrito em contrário do beneficiário (cfr. factos provados 3 a 6).
b) as partes expressamente estabeleceram no contrato que celebraram que “as garantias prestadas e/ou os valores retidos serão restituídos ao Subempreiteiro assim que se verifique a restituição ou cancelamento, pelo Dono da Obra, das garantias constituídas pelo Empreiteiro no âmbito da Empreitada.
c) de acordo com a regra básica de repartição do ónus da prova constante do art. 342º,1 CC, era a autora quem tinha o ónus de demonstrar a verificação das referidas condições contratualmente estabelecidas para a restituição das garantias bancárias que prestou e que peticionou nos autos.
d) A autora não o fez; foram as rés, antes, que demonstraram a não verificação de tal condição, pois provaram que o dono da obra não restituiu às rés as garantias bancárias prestadas por estas (facto 18).
e) Conclusão: não se verificando a condição contratualmente estabelecida para a restituição pelas rés das garantias bancárias prestadas pela autora, não impende sobre as rés qualquer obrigação de restituição das garantias bancárias à autora, nem, consequentemente, qualquer obrigação de suportar as despesas ou encargos com a manutenção das mesmas.
f) Também andou bem a sentença ao consignar que “não nos compete, nesta sede, aferir da verificação dos pressupostos para o eventual accionamento das garantias bancárias em questão”. Com efeito, tal questão nem sequer foi colocada pelas rés, quem tinha legitimidade para o fazer.
g) Finalmente, olhando para a questão da perspectiva da finalidade subjacente às garantias bancárias, a sentença recorrida também fez uma abordagem correcta, assente escrupulosamente nos factos provados. E para tal, explicou que a autora “não demonstrou que tenha decorrido o período de garantia contratualmente estabelecido entre as partes na cláusula 7.1 das condições gerais, o qual se inicia na data da assinatura do auto de recepção provisória, em conformidade com o disposto no artigo 397.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, aplicável por força da cláusula 21.ª das condições gerais do contrato (cfr. factos insertos em 10) dos factos provados), sem que nesse período tenham sido verificados quaisquer defeitos/anomalias na obra que executou, tendo antes as rés logrado demonstrar a verificação das anomalias elencadas em 16) dos factos provados, a cuja reparação não procedeu a autora (cfr. factos insertos em 19) dos factos provados), assim como não demonstrou a autora ter ocorrido a recepção definitiva da obra em causa nos autos (cfr. factos insertos em a) dos factos não provados), por forma a que pudesse concluir-se que se encontra a autora exonerada da responsabilidade pelos defeitos verificados na mesma e, consequentemente, que se mostra arredada às rés a possibilidade de accionarem as garantias bancárias nos termos igualmente previstos no contrato celebrado entre as partes (vide cláusulas 7.10, 7.11 e 7.12 das condições gerais do contrato) e, consequentemente, que a sua manutenção se revele infundada”.

Sumário:

1. No âmbito de um contrato de empreitada ou subempreitada, a “aceitação da obra” é conceito que tem um conteúdo jurídico concreto e delimitado. Mas também tem um óbvio e incontornável substrato fáctico, que se traduz em apurar se houve alguma forma de comunicação do dono da obra para o empreiteiro a transmitir a este que tinha visto a obra terminada e que a considerava de acordo com o contrato, aceitando pagar o preço.
2. Provando-se a existência de um acto expresso de manifestação da vontade do dono da obra de não aceitação desta, jamais poderia um outro acto posterior da mesma entidade ser visto como expressão tácita da vontade de aceitação da obra, a não ser em circunstâncias absolutamente extraordinárias; em caso de conflito entre uma vontade expressamente manifestada para o exterior e a vontade oposta alegadamente manifestada de forma tácita, a manifestação expressa da vontade apaga ou destrói a declaração tácita.
3. Estando em discussão a manutenção das garantias bancárias ou o seu cancelamento, de acordo com a regra básica de repartição do ónus da prova constante do art. 342º,1 CC, é sobre o autor que pede o cancelamento das garantias e a sua devolução que recai o ónus de demonstrar a verificação das condições contratualmente estabelecidas para essa restituição.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 27.10.2022

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)