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PROVA DOCUMENTAL
SISTEMA DE MENSAGENS WHATSAPP
Sumário
I – Mensagens SMS (short message service) trocadas via WhatsApp, segundo o A., entre a sua companheira e o primeiro R. e enviadas livremente, não se encontram protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. Tal como acontece no que concerne às mensagens SMS, tendo sido recebidas, lidas e guardadas, passam a ter a mesma essência da correspondência escrita enviada por correio tradicional. Valem, pois, como prova, não sendo ilícitos, nem constituem prova proibida. II – Os SMS, ou cópia dos mesmos, são considerados documentos eletrónicos com força probatória [arts. 2º, a), 3º e 4, do DL nº 290-D/99, de 2-08 e art. 46º do Regulamento da União Europeia nº 910/2014, de 23-07-2014] e não contendo assinatura digital certificada por entidade credenciada serão apreciados nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental (art. 362º e ss. do CC).
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO
Nos presentes autos (1) de acção declarativa de condenação em processo comum, que T. B. move a B. R. e R. S., notificado do despacho saneador, em 29 de Abril de 2022, requereu aquele, além de outros dois documentos, a junção para contraprova do alegado nos arts. 11.º a 13.º da contestação e se afigurarem essenciais para a descoberta da verdade: - Print de mensagens trocadas entre o arguido B. R. e a testemunha S. C. (companheira do ofendido), cfr. doc. n.º 1.
Notificados da junção dos novos documentos de prova, em 12 de Maio de 2022, os RR., quanto a este documento, impugnaram nos seguintes termos e fundamentos: Documento 1 -Relativamente ao documento sob n.º 1, estamos perante um print retirado de um dispositivo desconhecido, onde não consta nas mensagens trocadas o número de telemóvel que enviou e o que recebeu e assim respetivamente, com o B. R., não sabendo o número do disposto que estabelece a conversa, sendo matéria desconhecida para os aqui réus. Da mesma forma, impugna-se por estar perante prova nula, por se encontrarem protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. A carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (proclamada pelo Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão em Nice, em 07 de dezembro de 2000), dispõe no seu artigo 7º, sob a epígrafe «Respeito pela vida privada e familiar», que: “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações”. A obrigatoriedade do respeito pela privacidade dos cidadãos contra ingerências na sua correspondência e comunicações tem sido recorrentemente enunciada quer pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (vd., entre outros, os acórdãos do TEDH: Margareta e Roger Andersson c. Suécia, Copland c. Reino Unido, Halford c. Reino Unido e, especialmente, Bӑrbulescu c. Roménia - Acessível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-177082), quer pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (vd., a título de exemplo, o acórdão TJUE nos processos apensos C- 293/12 e C-594/12 - ECLI:EU:C:2014:238, consultável em http://curia.europa.eu). Resulta também da Constituição da República Portuguesa, que a qualquer cidadão nacional é reconhecido o direito à reserva da vida privada e à inviolabilidade do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada, conforme decorre do disposto nos respetivos artigos 26º e 34º. Por outro lado, o Tribunal Constitucional entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”. Sendo que o documento 1, é uma conversa privada, o qual se desconhece os autores do mesmo, e corresponde a um print, a uma alteração do original, e uma violação da vida privada, prevista na constituição da República Portuguesa. Portanto documento 1 é uma prova nula, que deverá ser desentranhada do respetivo processo.
Pronunciando-se quanto a esta concreta junção, em 21 de Junho de 2022, o Sr. Juiz a quo decidiu nos seguintes termos: O autor requer ainda a junção de cópia legível do documento n.º 1 em anexo à petição inicial. Os réus impugnaram o mesmo, suscitando a nulidade da prova, por contender com matéria sujeita à reserva da vida privada dos mesmos, pedindo o seu desentranhamento em conformidade. Apreciando, desde já deixaremos claro não assistir qualquer razão aos réus. Com efeito, analisado o teor do documento, verifica-se que estamos perante uma troca de mensagens escritas na aplicação/ plataforma whatsapp. Ora, as mensagens sms ou whatsapp, assim como os e-mails, enquanto documentos eletrónicos, integram-se no conceito de prova documental. Estando em causa (segundo o autor) comunicações efectuadas entre o próprio autor e o primeiro réu, tais mensagens têm a mesma natureza que a correspondência, em nada se distinguindo de uma carta remetida por correio físico. E tendo sido já recebidas, se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador (ou no telemóvel, acrescenta-se) a que se destinavam, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel em que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo. Efectivamente, tanto os SMS como as mensagens whatsapp são considerados documentos eletrónicos – art. 2.º a) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 02/08 – susceptíveis de serem apresentados como prova, e têm força probatória nos termos previstos no art. 3º daquele primeiro diploma, sendo que nas situações – como a dos autos – em que deles não conste uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada, são apreciados nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, processo n.º 13609/21.0T8LSB-C.L1-8, in www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, o autor é interveniente direto e imediato das mensagens whatsapp enviadas, no âmbito dos quais aparenta ser negociada a aquisição de uma viatura automóvel e respectivo preço, mensagens essas às quais o autor acedeu de forma totalmente lícita. Tais mensagens whatsapp não foram enviadas como confidenciais – tendo em consideração o que deles resulta – e nem se referem à intimidade da vida privada dos réus ou de quaisquer outras pessoas (art. 77.º do CC), pelo que a sua apresentação, como meio de prova, não coloca em causa a reserva da intimidade da vida privada dos réus (nem os mesmos se dignam a alegar em que medida o seu teor contende com a reserva da sua vida privada, tanto mais que alegam concomitantemente desconhecer os autores da conversa e o seu teor, pese embora não tenham dúvidas em apelidar a conversa de privada). Pelo exposto, vai indeferida a nulidade de prova arguida. Notifique.
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Inconformados com esse despacho, os RR. interpuseram recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:
I. Os réus vêm interpor recurso do despacho com a Ref. ª Citius 179853972 que autorizou a junção aos autos do documento 1 junto ao requerimento apresentado pelo autor, ora recorrido (Ref. ª Citius 12953600) e que indeferiu a nulidade da prova invocada pelos réus/recorrentes relativamente ao mesmo (arguida no requerimento com a Ref. ª Citius 13008505). II. O documento 1 junto pelo autor/recorrido contém prints de mensagens de WhatsApp, alegadamente trocadas entre o 1.º réu/recorrente B. R. e uma senhora de nome S. C.. III. Os réus/recorrentes impugnaram o documento e requereram o seu desentranhamento dos autos com fundamento na nulidade, que foi indeferida pelo tribunal a quo no despacho com a Ref. ª Citius 179853972. IV. O documento 1 constitui prova ilícita por contender com um direito fundamental, o direito à reserva da vida privada (artigo 26.º n.º 1 da CRP). V. Divulgar conversas no WhatsApp viola a Constituição, pois as mensagens trocadas nessa rede social estão protegidas pelo sigilo das comunicações, por serem de natureza privada. VI. A pessoa deve ter direito à autodeterminação informativa, ou seja, a pessoa deve poder opor-se à divulgação de factos da vida privada e de controlar as informações que lhe dizem respeito, quer sejam verdadeiras ou falsas (MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2º Edição, 2010, p. 619-620). VII. As comunicações juntas pelo autor/recorrido nem sequer identificam as fontes de emissão e recepção e são inidóneas a comprovar o que quer que seja nos presentes autos, apenas delas resultando a eventual celebração de um negócio de compra e venda, VIII. Como salienta José Lebre de Freitas, em “(…) sede de prova, o direito ao processo equitativo implica a inadmissibilidade de meios de prova ilícitos, quer o sejam por violarem direitos fundamentais, quer porque se formaram ou obtiveram por processos ilícitos”. IX. A carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (proclamada pelo Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão em Nice, em 07 de dezembro de 2000), dispõe no seu artigo 7º, sob a epígrafe «Respeito pela vida privada e familiar», que: “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações”. X. A decisão recorrida é nula por violação do disposto no artigo 26.º n.º 1 da Constituição e nos artsº. 413º, 417º e 418º todos do C.P.C. XI. Também não se entende a fundamentação do despacho proferido pelo tribunal a quo, XII. Porquanto, o mesmo refere expressamente que, “o autor é interveniente direto e imediato das mensagens Whatsapp enviadas”. XIII. O que não se pode aceitar, porque o autor/aqui recorrido Sr. º T. B. comunicou ao tribunal (Ref. ª Citius 12953600) que o documento 1 se trata de “print de mensagens trocadas entre o arguido B. R. e a testemunha S. C.”, XIV. Sendo que, não se vislumbra como pode o tribunal aceitar um meio de prova que não se refere aos sujeitos da relação material controvertida. XV. O que deveria, por si só, levar ao desentranhamento dos autos do referido documento 1. XVI. Com o acréscimo de que, o teor das mensagens pouca ou nenhuma relevância tem para os temas da prova. XVII. Não estamos perante documentos pertencentes ao autor/recorrido, porquanto, alegadamente, as mensagens não foram trocadas entre o autor e 1. º réu. XVIII. Já que se tratam de mensagens trocadas, alegadamente, entre o 1.º réu e a testemunha, os factos constantes das mesmas podem ser relatados pela própria testemunha, XIX. Isto é, comprovados por outro tipo de prova, sem que seja violado o direito constitucional à reserva da intimidade da vida privada. XX. As mensagens em causa podem ter sido adulteradas, retiradas do contexto, o recorte pode não ser um recorte contínuo do ponto de vista temporal do envio das mensagens. XXI. Não resulta tão pouco que as mensagens tenham sido efetivamente enviadas pelo 1.º réu B. R., aqui recorrente. XXII. Não podendo deixar de se referir a possibilidade de se poderem tratar de prints falsos, pois o próprio print pode ter sido alterado. XXIII. Da captura de ecrã apenas se obtém uma imagem que não traz nenhuma informação adicional sobre a maneira como foi obtida — noutras palavras, não há nada que prove que o print não foi falsificado ou criado num programa de edição, por exemplo. XXIV. Por isso, estamos perante um documento que constitui um meio de prova que não garante autenticidade e que não pode ser admitido e/ou tido em conta pelo tribunal a quo, impondo-se a sua rejeição.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser admitido e considerado procedente e, em consequência, ser revogado o douto despacho que admitiu a junção aos autos dos documentos 1 em anexo ao requerimento com a Ref.ª 12953600 (apresentado pelo autor/recorrido), e que indeferiu a nulidade da prova arguida pelos réus/recorrentes relativamente ao referido documento, devendo o despacho ser substituído por outro que declare a prova como nula e inadmissível nos termos legais supra referidos, ordenando-se o desentranhamento dos autos do referido documento.
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, a questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 21 de Junho de 2022 que autorizou a junção aos autos do documento 1 junto ao requerimento apresentado pelo autor, ora recorrido (Ref.ª Citius 12953600) e que indeferiu a nulidade da prova invocada pelos réus/recorrentes relativamente ao mesmo (arguida no requerimento com a Ref.ª Citius 13008505).
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, consignando-se que após a prolação do despacho recorrido o processo prosseguiu os seus ulteriores termos, estando designado para a realização da audiência final o dia 17 de Janeiro de 2023.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Está aqui em causa a reapreciação do despacho de 21 de Junho de 2022 na parte em que autorizou a junção aos autos do documento 1 junto ao requerimento apresentado pelo autor, ora recorrido (Ref.ª Citius 12953600) e que indeferiu a nulidade da prova invocada pelos réus/recorrentes relativamente ao mesmo (arguida no requerimento com a Ref.ª Citius 13008505). Ou seja, da admissibilidade como prova documental de mensagens escritas trocadas pelo sistema de mensagens WhatsApp, através de telemóvel. Prova que juntamente com outras serão oportunamente - fundamentação de facto - apreciadas e discutidas. Não cumprindo aferir no momento em que o juiz decide sobre a admissibilidade dos meios de prova do interesse concreto e o valor probatório de cada uma delas. O que desde logo deixa prejudicado tudo quanto se refere nas conclusões XI a XXIV das alegações, sendo que se trata de lapso de escrita a referência ao autor como interveniente directo e imediato das mensagens, quando se queria dizer réu, como se alude na conclusão XI a XV das alegações, sendo que o réu, bem como o autor, são ambos sujeitos da relação material controvertida.
Sobre a validade da prova e no que concerne às mensagens trocadas por WhatsApp, já os nossos tribunais superiores se debruçaram em diversos arestos.
Assim, quanto à sua validade em processo penal, o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão prolatado no Proc. nº 293/20.7PAVRF.P1 em 8-06-2022 e acessível in www.dgsi.pt (2), decidiu que as mensagens, vídeos, fotos e áudios trocados livremente via WhatsApp não estão protegidos pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal, valendo como prova em processo penal.
E quanto ao processo civil, fê-lo o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão prolatado no Proc. nº 13609/21.0T8LSB-C.L1-8 em 28-04-2022 e também acessível in www.dgsi.pt (3), que a decisão recorrida mencionou.
Porque esteve neste último caso uma situação similar à presente, tendo aí sido esgrimidos os mesmos argumentos, por nos revermos e concordarmos com a fundamentação de direito e solução aí defendida, passamos a transcrevê-lo, aqui se dando por reproduzido, a fim de evitar mais repetições.
«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º, do Código Civil).
Quem invoca um direito tem o dever de fazer a prova dos factos constitutivos desse mesmo direito (art. 342º, nº 1, do Código Civil), garantindo o art. 346º, do mesmo Código o direito à contraprova: “(…) à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torna-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova”.
A garantia de acesso pleno aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e bem assim o direito a um processo equitativo encontra respaldo no art. 20º da CRP e por via dele tem de se reconhecer às partes a faculdade de apresentarem os meios probatórios necessários à prova da veracidade dos factos que alegam, ainda que neste campo não estejamos perante um direito absoluto, pois como salienta José Lebre de Freitas (4), em “(…) sede de prova, o direito ao processo equitativo implica a inadmissibilidade de meios de prova ilícitos, quer o sejam por violarem direitos fundamentais, quer porque se formaram ou obtiveram por processos ilícitos”.
Acolhendo-nos nestes ensinamentos, podemos então afirmar que no campo do processo civil as provas podem ser ilícitas por terem sido obtidas por recurso a métodos proibidos (através de práticas violadoras de direitos fundamentais) ou por terem sido obtidas em resultado de violação de regras processuais, sendo que a lei processual civil não se refere expressamente à inadmissibilidade da prova ilícita, contrariamente ao que ocorre na lei processual penal (cf. art. 125º do Código de Processo Penal), prevendo apenas situações de recusa no que diz respeito ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, nos termos previstos no art. 417º, do Código de Processo Civil, designadamente, no seu nº 3, nos termos do qual:
“3 - A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.”
Em termos sintéticos, seguindo de perto Carlos Castelo Branco (5), e no que diz respeito às provas obtidas em violação do direito substantivo (no caso não foi suscitada a questão de obtenção de prova por violação de regras processuais, nem tal questão se coloca à luz dos factos acima referenciados), podemos distinguir entre provas ilícitas absolutas e provas ilícitas relativas, dizendo asprimeiras respeito àquelas que são obtidas mediante tortura, coação, ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas, em violação dos arts. 16º, 18º, 24º, e 25º da CRP, por isso absolutamente proibidas, que devem considerar-se inexistentes, e suscetíveis de serem subsumíveis à previsão da alínea a), do referido nº 3, do art. 417º; reportando-se as segundas àquelas que são obtidas em violação de outros direitos fundamentais, como o direito à intimidade da vida privada ou familiar, o direito à inviolabilidade do domicílio, ao segredo de correspondência ou das telecomunicações, o direito à imagem, …. (cf. arts. 26º e 34º da CRP), e que podem ser subsumidas à al. b), do nº 3, daquele mesmo art. 417º. Relativamente a este tipo de provas, o consentimento do titular pode ser relevante, no sentido de retirar ilicitude ao ato lesivo, e consequentemente à prova; ocorrendo, porém, recusa de consentimento, o juiz será confrontado com um conflito, que deverá resolver, efetuando uma ponderação dos direitos em confronto, podendo decidir pela cedência do direito ao segredo da correspondência, por exemplo, face ao direito de produção de prova, quando os elementos probatórios em causa se revelem essenciais à justa composição do litígio.
Retornando ao caso dos autos, verificamos, porém, que os elementos probatórios apresentados pelo autor consubstanciam imagens (“cópias”) de comunicações escritas, estabelecidas com a própria ré, via Messenger/WhatSapp, através de telemóvel. Tratam-se, efetivamente, de comunicações enviadas e dirigidas pela própria ré, ao autor, e por este àquela, às quais um e outro responderam, respetivamente, e que depois de rececionadas, lidas e guardadas por cada um deles, têm valor equivalente a comunicação que tivesse sido estabelecida entre um e outro por uma via mais tradicional, como uma carta recebida pelos serviços de correio, por exemplo.
Nos termos do disposto no art. 34º, nº 1, da CRP, o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis, constituindo inclusivamente crime a divulgação do conteúdo de cartas, escritos fechados, ou telecomunicações, por quem, sem consentimento, tenha aberto e acedido a escrito que não lhe era dirigido, que dele tenha tomado conhecimento por processos técnicos ou mediante intromissão no conteúdo de telecomunicação (cf. art. 194º, nº 3, por referências aos nºs 1, e 2, do Código Penal).
É igualmente reconhecido a todos o direito à reserva da vida privada e familiar (art. 26º, nº 1, da CRP).
Ora, no caso dos autos, o autor é o destinatário direto e imediato dos SMS enviados pela ré, no âmbito dos quais são feitas considerações sobre bens, designadamente imóveis, e a que aquele acedeu de forma totalmente lícita. Tais SMS não foram enviados como confidenciais – tendo em consideração o que deles resulta – e nem se referem à intimidade da vida privada daquela (cf. 2ª parte, do art. 77º, do Código Civil), pelo que a sua apresentação, como meio de prova, não coloca em causa a reserva da intimidade da vida privada da ré.
Estamos perante documentos pertencentes ao autor e que entraram legitimamente na sua posse.
Os SMS (short message service) são considerados documentos eletrónicos (cf. art. 2º, al. a), do DL 290-D/99, de 2/08), suscetíveis de serem apresentados como prova (cf., ainda, art. 46º do Regulamento da União Europeia nº 910/2014, de 23/07/2014 (6)), e têm força probatória nos termos previstos no art. 3º daquele primeiro diploma, sendo que nas situações – como a dos autos – em que deles não conste uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada, são apreciados nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental (cf. art. 362º e segs., do Código Civil), estabelecendo ainda o art. 4º, do DL 290-D/99, quanto às cópias de documentos daquela natureza, que “As cópias de documentos eletrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil (…), se forem observados os requisitos aí previstos.”
E pelo exposto, é de manter a decisão de admissão dos documentos em causa como elementos de prova, questão que não se confunde com o interesse concreto e o valor probatório de cada um dos documentos que só em momento oportuno – fundamentação de facto - pode ser apreciada e discutida, tratando-se, por isso, de juízo que não cumpre fazer no momento em que o juiz decide sobre a admissibilidade dos meios de prova.»
Vale, pois, como prova, o documento 1 junto ao requerimento apresentado pelo autor, não sendo ilícito, nem constituindo prova proibida. Sendo certo que, tendo em consideração o que dele resulta, não se refere à intimidade da vida privada dos réus ou de quaisquer outras pessoas.
Nenhum reparo a fazer, assim, à decisão recorrida que a admitiu.
Improcede, assim, o recurso com custas a pagar pelos recorrentes (art. 527º do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)
I – Mensagens SMS (short message service)trocadas via WhatsApp, segundo o A., entre a sua companheira e o primeiro R. e enviadas livremente, não se encontram protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. Tal como acontece no que concerne às mensagens SMS, tendo sido recebidas, lidas e guardadas, passam a ter a mesma essência da correspondência escrita enviada por correio tradicional.
Valem, pois, como prova, não sendo ilícitos, nem constituem prova proibida.
II – Os SMS, ou cópia dos mesmos, são considerados documentos eletrónicos com força probatória [arts. 2º, a), 3º e 4, do DL nº 290-D/99, de 2-08 e art. 46º do Regulamento da União Europeia nº 910/2014, de 23-07-2014] e não contendo assinatura digital certificada por entidade credenciada serão apreciados nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental (art. 362º e ss. do CC).
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 27-10-2022
(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)
1 - Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.Verde - JL Cível
2 - Cujo sumário é o seguinte:
I - Mensagens, vídeos, fotos e áudios trocadas/os via WhatsApp entre o arguido e a assistente e enviadas/os livremente, não se encontram livremente, não se encontram protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. Tal como acontece no que concerne às mensagens SMS, tendo sido recebidas, lidas e guardadas, passam a ter a mesma essência da correspondência escrita enviada por correio tradicional.
Valem, pois, como prova, não sendo ilícitos, nem constituindo prova proibida.
II - Dar ou não dar crédito ao que diz uma testemunha é uma questão de convicção. Quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.
3 - Cujo sumário é o seguinte:
1. O autor pode apresentar como prova SMS (short message service) que lhe foi remetida pela ré via WhatSapp/Messanger, através de telemóvel e que não contém qualquer referência a caráter confidencial da mensagem e não se refere à intimidade da vida privada da remetente, porquanto depois de rececionada, lida e guardada, tal comunicação não se distingue de comunicação escrita que tivesse sido enviada por via mais tradicional, por exemplo, uma carta remetida pelos serviços de correio.
2. Os SMS, ou cópia dos mesmos, são considerados documentos eletrónicos com força probatória (arts. 2º, al. a), 3º e 4, do decreto-Lei nº 290-D/99, de 2/08 e art. 46º do Regulamento da União Europeia nº 910/2014, de 23/07/2014) e não contendo assinatura digital certificada por entidade credenciada serão apreciados nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental (art. 362º e segs. do Código Civil).
4 - “Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, págs-107-108.
5 - “A Prova Ilícita: Verdade ou Lealdade?”, Almedina – Casa do Juiz, págs. 228-232.
6 - Sob a epígrafe “Efeitos legais dos documentos eletrónicos dispõe”: “Não podem ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a um documento eletrónico pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico.”