I. A reconstituição do facto serve, através da análise da forma ou formas como o ilícito poderá ter sido praticado, para adjuvar na sua prova e para consolidar ideias sobre o modo de execução e auxiliar de forma importante outras provas «a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e a determinar a autoria de dado facto». Neste último caso a ajudar, inclusive, a formar convicção sobre o número de agentes intervenientes.
II. Pode auxiliar na prova de que os factos se processaram de determinada forma e com a intervenção de certos agentes. É aliás prova que, para além de autónoma, é em regra pré-constituída (em momento anterior à audiência de julgamento) e não faz sentido excluí-la devido a facto futuro incerto, o saber se o arguido vai ou não exercer o seu direito ao silêncio.
III. Mas a reconstituição do facto não é uma diligência em que o arguido tenha a obrigação de colaboração. E, precisamente, na medida em que supõe uma participação ativa do arguido na reconstrução do ilícito, um facere que pode contrariar o privilégio contra a autoincriminação, privilégio este que se não limita aos meios de prova declaratórios.
IV. Sendo um meio de prova tem objetivos potencialmente incriminatórios. Sem prejuízo, naturalmente, do exercício do contraditório em audiência de julgamento.
V. Deve, contudo, distinguir-se a «reconstituição do facto» das «declarações dos arguidos», prestadas nos atos de reconstituição, quando se torna evidente que se quis aproveitar o momento da reconstituição para fixar/formalizar declarações confessórias.
VI. É certo que não há reconstituição sem linguagem, assim como não há processo sem linguagem. E exigir que a reconstituição feita exclusivamente por arguidos não tenha «declarações» seria exigir que estas sejam mudas, despidas da linguagem, característica essencial da humanidade. Mas o auto respetivo será nulo na parte em que integre declarações de arguido e a identificação de outros arguidos.
VII. Recordando que a Lei n.º 32/2008 é lei interna e que as Diretivas são lei comunitária e, como tal, o primado do direito comunitário deve estar sempre presente, não permitindo que no caso a Lei nacional (ainda por cima de transposição de uma Diretiva declarada judicialmente inválida), estabeleça um regime que significaria, de forma simples, a total revogação das ditas Diretivas e a violação – sem resguardo judicial – da privacidade do cidadão e, nos termos da jurisprudência estabelecida nos processos Digital Rights Ireland Ltd (C-293/12) e Kärntner Landesregierung, Michael Seitlinger, Christof Tschohl (C-594/12) e nos outros dois supra citados, pelo menos.
VIII. Seria estultícia nossa tentar substituir ou repetir a clara e completa argumentação do Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 268/2022 e da CNPD nos seus Pareceres e Deliberações, para mais num aresto com força obrigatória geral, pelo que nos limitamos a reproduzir o seu dispositivo.
Assim, decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 268/2022:
Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
IX. Constatado nos autos que as comunicações a este foram juntas em violação de ambas as alíneas deste dispositivo (artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008), declaramos nula a junção aos autos de todas as informações das operadoras de telecomunicações, designadamente as constantes de fls. 380, 390 a 392, 405 e 410 e outras da mesma natureza e origem.
A - Relatório
No Tribunal Judicial de Faro - Juízo Central Criminal de Portimão-Juiz 3 - o Ministério Público acusou os arguidos:
AA, filho de BB e de CC, natural de ..., ..., nascido em .../.../1991, solteiro, servente pedreiro portador do CC n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., actualmente em cumprimento de pena à ordem do Processo nº 32/19.... no Estabelecimento Prisional ....
DD, filha de EE e de FF, natural de ..., ..., nascida em .../.../1994, solteira, empregada de mesa, residente no ..., ..., Nº ...-2, ..., ... ..., actualmente presa preventivamente no Estabelecimento Prisional ...
GG, filha de HH e de II, natural de ..., ..., nascida em .../.../1994, solteira, portadora do título de residência 326538852zz8, com NIF ..., residente em Rua ..., Bairro ... ...
imputando-lhes os factos descritos na acusação de fls. 1072 e ss. que susceptíveis de integrarem a prática pelos mesmos, co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de:
a) 1 (um) crime de Roubo Agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º; 26.º; 29.º, 30.º, n.º1 e 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) e artigo 204.º, n.º 2, alínea f) todos do Código Penal;
b) 1 (um) crime de Homicídio Qualificado, previsto e punido pelos artigos 14.º; 26.º; 29.º, 30.º n.º 1; 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e j) todos do Código Penal.
- € 70.000,00 (setenta mil euros), a título de indemnização pelo dano morte;
- € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da vítima;
- € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Demandante; e
- € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais futuros.
a) Condenar o Arguido AA pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, de:
- um crime de Roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, indo absolvido da qualificativa que lhe vinha imputada nos termos do nº 2, al. b) do artigo 210ºe do artigo 204º, nº 1, al. f), nº 2, al. f), do mesmo diploma legal; e
- um crime de Homicídio Qualificado previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, al. g), ambos do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão;
b) Condenar as Arguidas DD e GG pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, de:
- um crime de Roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos de prisão, indo absolvidas da qualificativa que lhes vinha imputada nos termos do nº 2, al. b) do artigo 210ºe do artigo 204º, nº 1, al. f), nº 2, al. f), do mesmo diploma legal; e
- um crime de Homicídio Qualificado previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, al. g), ambos do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;
c) Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos Arguidos e condenar:
- o Arguido AA na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão;
- as Arguidas DD e GG nas penas únicas de 19 (dezanove) anos de prisão;
d) Determinar que os Arguidos AA e DD continuem a aguardar os ulteriores termos processuais sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva – cfr. Artigo 213º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal;
e) Condenar os Arguidos, na parte criminal, no pagamento das custas, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC e demais encargos processuais (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa e artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das isenções legais que tenham lugar e/ou do benefício de apoio judiciário concedido;
f) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante JJ e, consequentemente condenar os Arguidos/Demandados AA, DD e GG a pagar-lhe solidariamente as seguintes quantias:
- € 70.000,00 (setenta mil euros), a título de indemnização pelo dano morte;
- € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da vítima;
- € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Demandante; e
- € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais futuros,
tudo acrescido de juros de mora contados à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil deduzido e até integral pagamento;
g) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO ALGARVE, EPE e, consequentemente condenar os Arguidos/Demandados AA, DD e GG a pagar-lhe a quantia total de € 26.407,52 (vinte e seis mil, quatrocentos e sete euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos contados desde a data da sua notificação para contestar e até efectivo e integral pagamento;
h) Nesta parte cível, condenar em custas os Demandados (cfr. Artigo 523º do Código de Processo Penal e artigo 527º, nº 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil), sem prejuízo das isenções legais que tenham lugar e/ou do benefício de apoio judiciário concedido.
1. O arguido foi acusado e após realização de audiência de discussão e julgamento condenado pelos factos descritos na acusação de fls. 1072 e ss. que integraram a prática, coautoria, na forma consumada e em concurso efectivo, de: 1 (um) crime de Roubo Agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º ; 26.º; 29º , 30º , n.º 1 e 210º , n.º 1 e n.º 2, alínea b) e artigo 204.º , n.º 2, alínea f) todos do Código Penal e; 1 (um) crime de Homicídio Qualificado, previsto e punido pelos artigos 14.º ; 26.º; 29º , 30 n.º 1; 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e j) todos do Código Penal.
2. O Tribunal, para alcançar tal solução jurídica deu como provada a factualidade transcrita da motivação supra, e que por economia processual se dá como integralmente reproduzida.
3. As questões que o recorrente traz à reapreciação deste Tribunal são, assim as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto dada como provada.
- Valoração, quanto ao coarguido ora recorrente, de declarações prestadas por outro coarguido prestadas na fase de inquérito que em audiência de julgamento faz uso do Direito ao silêncio.
- Declarações de co-arguido na fase de julgamento - Valor da prova por reconstituição
- Qualificação Jurídica dos factos - Medida da Pena
- Arguição de Inconstitucionalidades
4. Em audiência de julgamento foram tidas em conta a declarações prestadas pela arguida GG perante autoridade judiciária, na fase de inquérito, sendo certo que tal arguida estava acompanhada da sua, à data, mandatária.
5. Tais declarações foram prestadas perante Magistrado do Ministério Publico, e sem a presença, como é natural, de qualquer outro interveniente processual.
6. A arguida GG, em audiência de julgamento fez uso do seu direito a silêncio, sendo que tal posição não permite confirmar ou infirmar tais anteriores declarações, pelo menos na parte em que envolve o arguido ora recorrente, o arguido AA.
7. Ficou assim o arguido, toldado na sua possibilidade de exercer o contraditório legalmente previsto quanto a tais declarações.
8. Assim, as referidas declarações da arguida GG, não podem, em qualquer circunstância, ter o condão de ser invocadas como elemento de prova contra o arguido recorrente, precisamente pelo mesmo se encontrar vedado a exercer o legal e conferido direito ao contraditório.
9. Assim, tais declarações podem, quanto muito servir como elemento de prova contra a própria arguida que as proferiu e nas mesmas reconheceu o seu envolvimento na prática dos factos, e nunca os demais arguidos que em tais declarações surgem como coautores.
10. A serem valoradas, como o foram, contra o arguido recorrente, foi violado o princípio ao contraditório, que nos é ditado pelo Artigo 32º n.º 5 da C.R.P.
11. Pelo que, a interpretação de que tais declarações, nos exatos e precisos termos em que foram proferidas e utilizadas contra o arguido, quando ao mesmo não é possibilitado o exercício de contraditório, viola claramente o estatuído na Lei fundamento, concretamente no artigo 32º n.º 5 da C.R.P., pelo que se deixa, desde já arguida a presente inconstitucionalidade.
12. Foram, também a par daquelas declarações, prestadas outras declarações, desta feita em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido e noutra versão em audiência de julgamento, pela arguida DD
13. Tais declarações tiveram como fito essencial a vitimização da arguida declarante e a responsabilização acrescida dos demais arguido que identificou como coautores dos factos, numa clara adesão ao texto da douta acusação que assentava até ali unicamente nas declarações da arguida GG.
14. Como supra se viu, tais declarações ( as da arguida GG) não têm qualquer valor na incriminação que fazem do arguido recorrente pelo que as declarações da arguida DD estão, pois, isoladas no “mundo” no que respeita a elementos de prova que permitam a identificação do arguido como autor dos factos.
15. Na verdade, da prova testemunhal produzida em julgamento não foi possível retirar qualquer auxílio probatório no que à identificação dos autores dos factos diz respeito.
16. Estão, pois, e assim, tais declarações da arguida DD isoladas no que respeita 95º e 99º do C.P.P., a elementos de prova para a sustentar a imputação ao arguido dos factos constantes da douta acusação, pelo que isoladamente sempre carecerão de um cuidado acrescido na sua valorização.
17. Mas, se tais declarações são livremente valoradas para apurar, pelo menos, a responsabilidade criminal de quem as presta, resta, pois, saber qual o valor que das mesmas se pode retirar para apurar a eventual responsabilidade.
18. E valendo tudo o que já supra se disse quanto às anteriores declarações e a validade que se lhes pode serassacada para responsabilização do coarguido torna-se imperioso invocar aqui alguma jurisprudência que de forma clara e superior acaba por nos oferecer uma resposta que tem, pois, perfeito enquadramento nos presentes autos.
19. Ora, bem sabemos que tais declarações, quando desacompanhadas por qualquer outro elemento probatório, de pouco ou nada valem para que se permita a condenação do arguido. É ao que se habitualmente se denomina de Teoria da Corroboração.
20. A este propósito, devemos enunciar, alguma jurisprudência que nos concede alicerce para referir que as declarações do coarguido (neste caso coarguida) não serão suficientes para que o arguido seja criminalmente responsável pelos factos, ora já descritos na douta acusação pública, mas à data da prisão preventiva, no douto despacho que aplica a medida de coação.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no Proc. n.º 319/14.3GCVRL.G1, de 03-12-2018 que sumariza o seguinte:
“I. As declarações de co-arguido não constituem prova proibida.
II. Estão, contudo, as mesmas sujeitas para a respectiva valoração ao cabal cumprimento do disposto no artigo 345º do Código do Processo Penal, de molde a garantir o princípio do contraditório.
III. Não obstante a prática jurisprudencial ter vindo a alinhar de acordo com três diversas perspectivas, quais sejam as que:
. a prova por declarações de co-arguido, não sendo proibida, tem diminuto valor, havendo de ser corroborada;
. as declarações do arguido estão tingidas de uma capitis diminutio atenta a sua qualidade processual;
. as declarações de co-arguido está sujeito às mesmas regras de apreciação e valoração de qualquer outro meio de prova;”
Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do Proc. n.º 08P694, de 12-03-2008, que sumariza o seguinte:
“I - Se, após ter anulado um meio de prova – as declarações de um co-arguido –, o acórdão
da Relação consegue segmentar a concreta relevância probatória do depoimento em causa, o reenvio dos autos à 1.ª instância não tem qualquer justificação.
II - As declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e vem ser valoradas no processo.
III - Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.
IV - Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.
/.../”
Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito do Proc. n.º 7/14.0GDSTC.E1, datado de 15-11-2016
I -As declaraçõesincriminatóriasdeco-arguido constituem prova permitida,e podemvaler contra o arguido bastando que este tenha a possibilidade de as poder contraditar em julgamento.
II - Questão diferente da legalidade da prova por co-arguição é a sua credibilidade: as declarações de co-arguido, embora sujeitas a livre apreciação, requerem uma verificação especial que contribua para uma “mais correcta realização da livre convicção”, que tenderá a passar por uma “procura de corroboração”.
III - As declarações incriminatórias de co-arguido revelam-se concretamente insuficientes para fundamentar a prova dos factos da acusação num caso em que, sendo impossível dissociar o interesse pessoal do co-arguido na incriminação do arguido, pois a própria lei prevê a premiação do agente que contribua para “a identificação ou a captura de outros responsáveis”, essas declarações incriminatórias se encontram absolutamente desacompanhadas de um mínimo elemento de prova corroborante.”
21. Desta forma, perfilha-se a leitura tida por mais avisada, aquela que coincide com a lição propugnada pelo Professor Medina Seiça ao afirmar que «Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração.», adiantando num outro passo que «Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade
22. Queremos, ainda, acreditar, que não são as declarações prestadas pela arguida GG que, por si só não podem valer contra o arguido recorrente, que unidas com estas a que agora nos reportamos prestadas pela arguida DD tenham o condão processual de se validarem uma à outra para possibilitar uma decisão justa e forrada de justiça.
23. Mas dos autos resultava ainda um elemento de prova que algum valor lhe foi atribuído pelo Tribunal a quo, como aliás resulta da esclarecida e douta Motivação a que supra se fez referência.
24. Trata-se, pois, da prova por reconstituição, que se encontra espelhada no documento existente a fls. 923 a 939 e que corporiza, verdadeira e exclusivamente uma diligência que terá sido praticada ( queremos acreditar que sim) com base nas declarações da arguida GG.
25. Tal diligência tem lugar com base única e exclusiva das declarações prestadas naquele momento que conduziu os passos da investigação para produzir o documento supra referido, como aliás decorre do próprio auto e ainda do depoimento da testemunha, Sra. Inspetora LL.
26. Não há, pois, quaisquer dúvidas, que foram essenciais e absolutamente determinantes as declarações da arguida GG para, num primeiro momento, que a diligência pretendida se realizasse e, num segundo momento, para que tenha ocorrido da forma como ocorreu, nomeadamente no que aos locais “visitados” diz respeito e ainda quanto à dinâmica dos factos.
27. Mas no que a este tema diz respeito erguem-se duas questões: 1ª – A validade formal do documento que faz fls. 923 a 939; 2ª – A validade enquanto elemento de prova que pode auxiliar na identificação de coarguido que não participe na referida diligência.
28. Na verdade, não há qualquer justificação, nem pode haver, para a ausência de assinatura de: - Exmo. Procurador da república em regime de estágio (entidade que presidiu à diligência) - Exma. Senhora Inspetora da Polícia Judiciária que nos autos prestou o seu testemunho; - De todos os Exmo. Senhores Inspetores que, com aquela, participaram na realização da diligência - Da arguida que, também participou, obviamente, na diligência.
29. Tais vícios viciam formalmente o documento, por contrariarem o disposto nos artigos: 95 e 99º do C.P.P.
30. Donde se ressalta que o referido documento não pode valer como auto, e, por sua vez, o conteúdo, que encerra perde a capacidade que se extrai do douto acórdão como se de um verdadeiro auto de tratasse.
31. Na verdade, o vício que se assaca a tal “auto” é, na verdade, de inexistência total, por violação dos artigos 95º e 99º do C.P.P. e não de nulidade ou mera irregularidade como é pretendido sugerir no Douto Acórdão e, quanto a nós, de forma incorreta e imprecisa.
32. Deve, pois, tal “auto” ser reconduzido à sua invalidade total, por ser jurídica e juridicamente inexistente, não devendo, jamais, tal vício ser reconduzido a uma singela e mera irregularidade que, sempre deveria ser arguida no prazo de 3 dias após a dedução da douta acusação, como se fosse um ónus do arguido sancionar os defeitos do inquérito.
33. Mas como supra já disse, outra questão surge na decorrência da realização do meio de prova,denominado reconstituição, equeseprende,coma validade que do mesmo decorre quando, apenas e somente, como supra já se disse, assente em declarações prestadas pela arguida GG.
34. Assim, tal diligência, tendo de facto ocorrido como transmitido pela Sra. Inspetora LL assim relatou, assenta exclusivamente como base nos interrogatórios de tal arguido e decorreu única e simplesmente com base nas indicações transmitidas pela arguida que “passo a passo” foi transmitindo para onde se deveriam dirigir e bem assim o que em tais locais terá ocorrido.
35. Sempre levando em minha de conta o valor que tais declarações não têm valor para apurar a responsabilidade criminal do arguido recorrente, quanto a este concreto meio de prova, oriundo com base em tais declarações, sempre se impõem tecer algumas considerações.
36. Ora, como supra se disse, tais declarações falecem na sua capacidade de promover ou sustentar a condenação do arguido pelos factos nela relatados, porque verdade a possibilidade de tais declarações terem valor probatório.
37. Um dos meios de prova configurados no Código de Processo Penal é a reconstituição dos factos, pois «Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo» (art.º 150.º, n.º 1)».
38. E a lei dispõe sobre o procedimento a adoptar nos seguintes termos: «O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas» (art.º 150.º, n.º 2).
39. Da reconstituição do facto deve ser lavrado um auto, pois esse é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais (art.º 99.º), mas o mesmo pode ser parcialmente substituído ou completado por documentação audiovisual ou por outra adequada, como a fotográfica, tal como resulta do citado art.º 150.º, n.º 2.
40. Como já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 05-01-2005, proc. 3276-04, relator Conselheiro Henriques Gaspar) «Pela sua própria configuração e natureza -reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto – a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126º do CPP.»
41. A colaboração do arguido na reconstituição do facto, porém, suscita um problema de compatibilização com a prova por declarações. É que o arguido no decurso da reconstituição do facto poderá fornecer algumas indicações verbais e, por isso, torna-se necessário saber se a prova assim adquirida se engloba nos actos de inquérito ou instrução.
42. Ora, sobre a compatibilidade das provas por reconstituição e das que contêm declarações do arguido pronunciou-se não só o referido Acórdão do STJ, como também, entre outros, o de 25 de Março de 2004, Proc. 248/04-5
43. Por sua vez, o referido acórdão deste STJ de 05-01-2005 afirmou que «A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição. As declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido (...) O privilégio contra a auto-incriminação significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos (v. g., documentais) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória (cfr., v. g., acórdão de 3 de Maio de 2001, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso J. B. c. Suíça) (...)
Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do se círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática de actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto.»
44. E como meio de prova legal e admissível podia ter sido objecto de livre apreciação pelos julgadores, como foi (art.º 127.º do CPP), não se confundindo tal meio de prova, como vimos, com declarações anteriormente prestadas e cuja leitura fosse proibida em julgamento.
45. Certo é, porém, que não sendo proibidas a leitura das declarações, tais declarações não conseguem produzir o efeito processual que decorre do douto Acórdão.
46. É certo que a arguida, ao proceder à reconstituição, «falou», isto é, produziu um discurso verbal que acompanhou a reprodução em acto (poderíamos chamar-lhe em sentido teatral, representação ou mise-en-scène, mas de um acontecimento) do modus faciendi que envolveu a prática do crime. Porém, esse discurso verbal não se reconduzindo literalmente ao estrito conceito processual de «declarações», sendo antes a verbalização do acto de recriação do acontecimento, não deixam de o ser, por estarem alicerçadas integralmente naqueles antes produzidas.
47. Mas tudo isto valerá para a própria declarante e não, necessariamente, para o co arguido ora recorrente.
48. Alicerçando o nosso raciocino, até aqui, no douto Acórdão proferido no Proc. n.º 363/06.5, aliás, Proc. N.º 06P363 do Supremo Tribunal de Justiça é, pois, de extrema e crucial importância, referir o que do mesmo resulta, em conclusão, quanto a esta matéria; Assim:
18 - As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, de acordo com as normas atinentes a este meio de prova e particularmente com o prescrito no art. 150.º do CPP, e mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação de órgão de polícia criminal ou do Ministério Público, destinam-se no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo.
19 - Se o arguido que faz a reconstituição envolve outro arguido, a prova que dai resulta contra este último será havida como corroborada, numa exigência acrescida de prova, se ela for confirmada por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, que, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência, mostrem a veracidade da reconstituição relativamente a esse arguido, que no julgamento optou pelo direito ao silêncio, bem como o que procedeu à reconstituição”
49. Assim, a referida constituição corporizada no pretenso auto, não tem, pois, e quanto ao arguido qualquer valor probatório no que a si diz respeito, nomeadamente para permitir sua identificação como coautor do factos descrito no douto libelo acusatório.
50. Por tudo isto, a deve ter-se por impugnada a matéria de facto vertida no pontos 1 a 32 na parte em que identifica o arguido recorrente como coautor dos factos dados como provados, tendo sido, em cumprimento do disposto no artigo 412 n.º 3 al. a), b) e c) do C.P.P., tendo sido indicadas as provas incorretamente julgadas e que, sendo reapreciada a matéria e analisadas com maior rigor, impõem decisão diversa da doutamente proferida.
51. O factos dados como assentes têm como primordial enquadramento jurídico o crime de ofensas à integridade física qualificada, previsto no artigo 145º, eventualmente com a agravação prevista no artigo 147º, ambos do Código Penal.
52. O ofendido teve ainda um longo período de vida para quem sofre as agressões que sofreu, ainda conduziu após tais agressões, pelo que outros fatores podem ter concorrido, par além daquelas agressões, para o triste decesso do ofendido.
53. Neste tema o Tribunal, ao não ter indagado e procurado saber o percurso e tratamentos a que o ofendido foi submetido no durante o seu internamento de 8 dias, incorre no vício elencado no artigo 410 n.º 2 a) do C.P.P.
54. A pena do arguido, sejam as penas parcelares são exageradas, desproporcionais, elo que devem ser substancialmente reduzidas, e numa pena única o arguido ser condenado num intervalos entre os 12 e 15 anos de prisão, caso, naturalmente que decaiam os seus argumentos anteriormente apresentados
55. Para além da inconstitucionalidade já supra arguida, outra se verifica no entender do recorrente e que se consubstancia na seguinte matéria: Nos presentes autos foi valorado o documento de fls.923 a 939 denominado “auto de reconstituição”, do qualsurge a prática de atos de reconhecimento de locais com descrição de ações tidas pelos arguido, tudo com base nas declarações, “ditos”, conversas mantidas pela arguida GG que participou na realização da referida “diligência”.
56. Tal documento, de fls. 923 a 939, não se encontra assinado pelos participantes na diligência, seja o Mui Distinto Procurador, os Srs. Inspetores da Polícia Judiciária, arguida, entre outros.
57. Tal documento viola assim, como supra já se disse, os artigo 95º e 99º do C.P.P., pelo que não pode ser considerado como um auto, sendo assim inexistente juridicamente, e assim sem qualquer valor probatório para quaisquer autos onde se inclua.
58. Assim, a valoração positiva de documento que pretenda corresponder a auto processual a atestar a realização de diligência processual, e a sua interpretação como tal, deverá respeitar os artigos 95º e 99º do C.P.P., pelo que não estando devidamente assinado pelos intervenientes naquela diligência processual viola o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, estão postergadas as garantias de defesa do arguido naquela Lei Fundamental asseguradas.
59. Eportodas as garantias de defesa deve entender-se e englobar-se indubitavelmentetodos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação, para além de que, é também uma garantia do arguido não ser condenado com base em documentos que não podem ter a virtualidade de serem o que formalmente a lei determina não serem.
Normas jurídicas violadas:
- artigo 32º da C.R.P. - artigo 410 n.º 2
- artigo 95º do C.P.P. - artigo 99º do C.P.P
- artigo 412 n.º 3 do C.P.P.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, e não desatendendo, naturalmente, às razões invocadas pelo arguido, deve ser concedido provimento a todas as questões invocadas pelo arguido, e apenas subsidiariamente ser reduzida a pena aplicada pela prática dos factos descritos na douta acusação ou, como se afigura ser de melhor justiça, acaso a absolvição do arguido não se imponha, ser ordenada a repetição do julgamento para, com produção de prova bastante e válida se conclua e se julgue o arguido pelos factos descritos na douta acusação.
A- O tribunal a quo decidiu condenar a arguida DD pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, de:
- um crime de Roubo, previsto e punido pelo artigo 210°, nº 1, do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos de prisão, indo absolvidas da qualificativa que lhes vinha imputada nos termos do nº 2, al. b) do artigo 210° e do artigo 204°, nº 1, al. f), nº 2, al. f), do mesmo diploma legal; e
- um crime de Homicídio Qualificado previsto e punido pelos artigos 131°, 132°, n° 1 e 2, al. g), ambos do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;
c) Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos Arguidos e condenar:
- as Arguidas DD (…) nas penas únicas de 19 (dezanove) anos de prisão;”
B- Condenação de que se discorda conforme supra exposto, devendo a arguida ser absolvida do crime de homicídio;
C- Considerando-se verificados os seguintes vícios no acordão recorrido de :
-Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
-Erro notório na apreciação da prova;
Todos susceptíveis de apreciação pelo Tribunal da Relação, nos termos do disposto no artº. 410º, nº 2, alíneas a), e c), do C. P. Penal;
D- Entendendo-se que tal acordão violou, por erro nos seus pressupostos de facto, o disposto no artº. 131º, 132º nº 1 e 2, al. g) do Código Penal;
E- E o artº. 374º, nº 2, do C.P. Penal e, concomitantemente, a sua inconstitucionalidade, por violação dos artºs. 32º, nº 1 e 205º da C.R. Portuguesa;
F- Sendo nulo acordão cfr. disposto pelo artº. 379º, nº 1 al. a), C.P.P., por não ter uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos fundamentos de facto e direito que fundamentam a sua decisão de condenar e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal;
G- Impugna-se a matéria de facto provada do acordão recorrido – p. 10., 11, 12., 13., 14., 15., 18., 21., 23., 26., 29., 30., 38., porquanto;
1-Factos provados p. 10. e 11.:
“10. Apesar de atordoado com as pancadas e já caído no chão, KK tentava soltar-se, remexendo se, tendo um dos Arguidos pedido ajuda à Arguida DD, dizendo-lhe "espeta-lhe a faca".”
11. A Arguida DD, com luvas calçadas e munida de uma faca, desferiu pelo menos um golpe na zona abdominal de KK.
Estes factos provados, não resultam das declarações da arguida DD. Mas também não resultam das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
A arguida DD disse em audiência de julgamento que não sabia da existência da faca, e que só veio a saber quando a arguida GG lhe diz para tirar a faca do bolso do AA, não lhe dizendo de qual, e para espetar a faca no ofendido.
Diz em sede de audiência de julgamento no dia 28 de Jan.-2022-depoimento com início as 10h23- minuto 00.54- da gravação “diz aí que dei dois golpes, eu não dei eu dei um”
E no minuto 1:03 “a segunda facada quem deu foi a GG”
Minuto 01:59- Eu estava a fazer vigia.
A GG chama-me, e manda-me ir ao bolso do AA -minuto 02.07 buscar uma faca para dar uma facada. Eu disse GG não 02.12
2:25 Ela disse-me para fazer vigilância, para sair da zona do local do crime que estava-se a praticar na casa de banho para ir até ao corredor, fazer esses movimentos várias vezes 2:35
Já estava a chegar ao pé da porta quando ela me chama e diz, não estava a conseguir tirar as coisas do Sr., o Sr. estava a reagir mesmo com os golpes que o AA deu na cabeça do Sr. -03.15 ela mandou-me tirar a faca do bolso do AA, manda-me ferir uma facada e eu disse a ela que não queria fazer-minuto 03.25 e ela gritou DD dá-lhe uma facada”-minuto 03:27 duas vezes gritou-me e eu coagida fiz.03.35 e estou arrependida.
… era uma navalha, eu não sei diferenciar 03.57…é o que abre.
…assim que abri ela obrigou-me a espetar a faca na barriga do Sr.
Obrigou-a como?
04.34 ela disse dá-lhe uma facada. Eu disse GG não vou fazer isso…e eu depois lembrei-me do que me disse na noite anterior que eu tinha que fazer tudo o que fosse possível para gente obter o dinheiro do Sr. -minuto 04.49 caso contrario ela faria mal ao meu pai. 04.52 e aí eu temi pela vida do meu pai temi pela minha vida 05.03.
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD em audiência de julgamento, contudo não imputa concretamente a segunda facada a nenhum dos arguidos.
E, por outro lado, a arguida GG em audiência de julgamento podia e devia contraditar estas declarações que a incriminavam, como seria normal, face à gravidade do facto ilícito, não o tendo contudo feito.
Logo, aceitou-as.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, estes concretos pontos/factos devem dar-se por não provados e ao invés deve dar-se por provado que:
“10. Apesar de atordoado com as pancadas e ainda em pé, KK tentava soltar-se, remexendo se, tendo a arguida GG pedido ajuda à Arguida DD, dizendo-lhe "espeta-lhe a faca", e para tirar a faca do bolso do arguido AA, não lhe dizendo de qual, tendo a arguida DD apalpado os bolsos deste e retirado a faca “
11. A Arguida DD, com luvas calçadas e munida de uma faca, desferiu um golpe na zona abdominal de KK.
2- Facto provado p. 12.:
“12. Os Arguidos retiram, então, do bolso de KK, 60 € (sessenta euros) em numerário, um cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos), com n. º ...60 do Banco Santander Totta, o cartão de cidadão e um telemóvel pertencentes ao Ofendido.”
Este facto provado, não resulta das declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida DD.
Mas também não resulta das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
A arguida DD disse em audiência de julgamento que quem retirou dosbolsos do ofendido os objectos que aí tinha foi a arguida GG, sendo que a arguida DD só devia ficar de vigia.
Minuto -2.25 Ela disse-me para fazer vigilância, para sair da zona do local do crime que estava-se a praticar na casa de banho para ir até ao corredor, fazer esses movimentos várias vezes 2:35 Já estava a chegar ao pé da porta quando ela me chama e diz, não estava a conseguir tirar as coisas do Sr..”
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD em audiência de julgamento, contudo imputa concretamente a todos os arguidos a retirada dos objectos que este tinha no bolso.
E, por outro lado, a arguida GG em audiência de julgamento podia e devia contraditar estas declarações que a incriminavam, como seria normal, face à gravidade do facto ilícito, não o tendo contudo feito.
Logo, aceitou-as.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“12. A arguida GG retira, então, do bolso de KK, 60 € (sessenta euros) em numerário, um cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos), com n. º ...60 do Banco Santander Totta, o cartão de cidadão e um telemóvel pertencentes ao Ofendido.”
3- Facto provado p. 13.:
“13. Já no exterior, os Arguidos comentaram que "o homem devia morrer" e seguiram os três a pé até à estação de autocarros de ....”
Este facto provado, não resulta das declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida DD.
Mas também não resulta das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
A arguida DD disse em audiência de julgamento que a arguida GG disse “para ter calma que o Sr. já tinha morrido”
Sendo que a arguida DD disse que não que o Sr. tinha pulso.
Aliás a arguida DD agarrara no seu próprio telefone para ligar ao 112 e a GG tirou-lho, impedindo-a de chamar assistência.
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD em audiência de julgamento, contudo imputa concretamente aos arguidos que já no exterior estes “comentaram que o homem devia morrer”.
E, por outro lado, a arguida GG em audiência de julgamento podia e devia contraditar estas declarações que a incriminavam, como seria normal, face à gravidade do facto ilícito, não o tendo contudo feito.
Logo, aceitou-as.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“13. Já no exterior, a arguida GG comentou que "o homem devia morrer" e seguiram os três a pé até à estação de autocarros de ....”
4- Factos provados p. 14. e 15:
“14. No percurso até à estação de autocarros de ..., um dos Arguidos atirou o referido telemóvel e o cartão de cidadão do Ofendido KK para o meio da vegetação.
15. Na estação de autocarros de ..., os Arguidos GG, DD e AA, com os 60€ que haviam retirado ao Ofendido KK, compraram três bilhetes com destino a ... - ....”
Estes factos provados, não resultam das declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida DD.
Mas também não resulta das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
A arguida DD disse em audiência de julgamento que a arguida GG tirou tudo, a carteira e o telefone, e que o arguido AA levou o saco.
Na estação de autocarros de ..., a arguida GG, com os 60€ que havia retirado ao Ofendido KK, e que estavam na carteira, comprou assim três bilhetes.
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD em audiência de julgamento, contudo imputa aos arguidos a compra dos três bilhetes.
E, por outro lado, a arguida GG em audiência de julgamento podia e devia contraditar estas declarações que a incriminavam, como seria normal, face à gravidade do facto ilícito, não o tendo contudo feito.
Logo, aceitou-as.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“14. No percurso até à estação de autocarros de ..., a arguida GG atirou o referido telemóvel e o cartão de cidadão do Ofendido KK para o meio da vegetação.
15. Na estação de autocarros de ..., a arguida GG, com os 60€ quehaviaretirado ao OfendidoKK,comprou três bilhetes com destino a ... - ....”
5- Facto provado p. 18:
“18. Os Arguidos pediram então a MM para que procedesse ao depósito do referido cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos) na sua conta, para posteriormente lhes entregar o respetivo montante em numerário.”
Estes factos provados, não resultam das declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida DD.
Mas também não resulta das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD em audiência de julgamento, contudo imputa dá por provado que os arguidos pediram ao MM para que procedesse ao depósito do cheque;
Contudo:
É a própria testemunha MM que ouvido em depoimento em audiênciade julgamento no dia28-Jan.-2022–gravação –cfr.actade audiência no minuto 16h00-04 a minuto 16h00-10, perguntado se conhece os arguidos diz que conhece “só a GG”- minuto 03:20-
E mais disse:
“4:19 Recordo-me do que é que ela me deu”
O que é que ela lhe deu?
Um cheque -minuto 04:24
4:42
(…) então o que é que a Dº. GG lhe pediu?
Pediu-me só para depositar o cheque na minha conta porque segundo o que me recordo era SANTANDER e era para ver se o dinheiro ficava disponível mais rápido-minuto 05-04.”
(…) e deu o dinheiro à D. GG?
O dinheiro não chegou a estar disponível 05:17 dei o meu cartão multibanco para ela ir controlar o dinheiro -05:21 e o dinheiro nunca ficou disponível.
Então a D. GG nunca chegou a levantar este dinheiro…?
Por aquilo que eu sei não.05:34 (…)
Mais disse quanto à GG que “ELA quando vem ter comigo diz se eu tenho Santander para estar disponível na hora, calculei que fosse essa a razão”-gravação no minuto 06:05-
Minuto 07:03 - Eu fui com a GG à caixa.
Foi sozinho com a GG?
Sim. 07:07
E que a arguida GG entrou em contacto consigo para o depósito de um cheque, e com ela se encontrou. Aliás ele até diz que deu o cartão multibanco à arguida GG para poder levantar o dinheiro da caixa multibanco.
O dinheiro resultante do depósito do cheque não iria ser para a arguida DD, como declarado pela mesma em audiência de julgamento.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“18. A Arguida GG pediu então a MM para que procedesse ao depósito do referido cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos) na sua conta, para posteriormente lhe entregar o respetivo montante em numerário.”
6- Factos provados p. 21 e p. 23.:
21. Em consequência direta das pancadas na cabeça e facadas desferidas pelos Arguidos DD e AA, o Ofendido KK sofreu:
- Hematoma subdural agudo adjacente a tenda, junção falcotentorial eà foice, hematoma no sobreolho esquerdo, hematoma volumoso epidural agudo convexidade cerebral dta. (38mm), lesões isquémicas agudas secundárias nas cabeças dosnúcleos caudados epalidocapsulotalâmicos bilaterais, bem como lesão isquémica córtico-subcortical temporo-occipito mesial e basal direita e hemorragia de Duret no tronco cerebral;
- Coleção hemática extra-axial, subdural ou mista (componente epidural), na convexidade temporoparietal direita de 17mm de espessura, focos de pneumocefalia extra-axial nas convexidades frontais anteriores bilaterais e no hematoma extra-axial, fina lâmina hemática e pequenos focos de pneumocefalia subdurais agudos na convexidade frontotemporal esquerda. Escoriação médio-frontal com 21x15mm: equimose arroxeada com halo esverdeado na região ocular direita com 5,5x2cm e esquerda com 1x 0,6cm; -
-Duas feridas inciso perfurantes na zona da base lateral posterior do hemitórax esquerdo e direito que atingiram os tecidos moles e o fígado, com 1,5 cm de largura, sofreu hemorragia subaracnoideia aguda em sulcos da convexidade temporal homolateral, em fase de internamento e resultante das lesões sofreu um enfarte.
(…)
23. Em consequência direta das condutas dos Arguidos GG, DD e AA, o Ofendido KK sofreu lesões crânio-meningo-encefálicas, complicações de pulmão e enfarte do miocárdio que lhe causaram a morte.”
Sendo certo que da prova Pericial - Relatório de Autópsia Médico-Legal, fls. 289 a 291 junta aos autos, e apreciada pelo Tribunal a quo resulta que as lesões da facada, ou facadas, não provocaram a morte , que se transcreve:
“J. DISCUSSÃO
As lesões descritas têm mais de uma semana de evolução, prejudicando a avaliação das mesmas…
As lesões corto-perfurantes não provocaram a morte, sendo superficial e esquerda, sem chegar à cavidade pleural e tendo atingido superficialmente o fígado à direita, sugerindo a utilização de arma branca de pequena envergadura e sem utilização de força significativa. As lesões descritas têm mais de uma semana de evolução, prejudicando a avaliação das mesmas.
(…)
L. CONCLUSÕES
1ª. A morte de KK foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas, complicadas de pulmão de ventilador e enfarte do miocárdio (ver discussão).
2ª. Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.
3ª. Estas lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, associadas a Iesões de natureza corto-perfurantes ou actuando como tal, podendo ter sido devidas a agressão, como consta da informação, além das lesões de natureza iartrogénica. --
4ª. Médico-legalmente caracterizam etiologia homicida.
(…)
6ª Houve intervenções operatórias (descritas na informação)".
Conclui assim o relatório da autópsia que “A morte de KK foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas, complicadas de pulmão de ventilador e enfarte do miocárdio (ver discussão), e que “Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte. “
As lesões corto-perfurantes não provocaram a morte, sendo superficial e esquerda (…)sugerindo a utilização de arma branca de pequena envergadura e sem utilização de força significativa.
Ou seja, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir contrariamente a esta prova pericial, e decidir conforme a sua convicção, e ao dar como facto provado que o golpe provocado pela faca, foi idóneo a provocar a morte, não resultando do documento -Relatório de autópsia, tal conclusão.
E ainda resulta do Auto de Diligência da Polícia Judiciária de fls. 183 a 184 a 12-02-2018 efectuado pelo Inspector NN, que se deslocou ao Hospital Distrital de Faro em 12-02-2018, e escreveu:
“ No local, o médico responsável da urgência, informou o seguinte:
-- Que a vítima em causa apresentava uma ferida no hemitórax esquerdo e outra no hemitórax direito, ambascompatíveis com agressão de armabranca, sendo que não foi atingido nenhum órgão vital. A vítima apresenta ainda uma lesão crânio-encefálico grave, com fractura do osso do crânio, sendo que a vítima em causa se encontra em respiração assistida.
-- Mais se informa que o paciente em causa corre risco de vida devido ao traumatismo crânio-encefálico, não havendo uma data prevista para ter alta médica.
Não foi possível fotografar as lesões da vítima, na medida em que no momento encontrava-se a ser submetido a intervenção cirúrgica na neurocirurgia.”
Do que resulta das feridas compatíveis com agressão de arma branca é que não foi atingido nenhum órgão vital.
E bem assim resulta dasfotografias tiradasao ofendido, quelevou algunspontos emcadaumadelas,a fls.109e110dosautos, sendo cortesuperficialedepouca extensão.
Mas também o Tribunal a quo dá como facto provado que -p.20:
“20. Apesar de gravemente ferido, o Ofendido KK ainda conduziu a carrinha de matrícula ..-..- JO, até às instalações da empresa PLÁSFARO, onde, após ter tido paragem cardiorrespiratória, foi socorrido e transportado para o Hospital de Faro.”
Ou seja, o ofendido, saiu com vida do local dos factos, e conduziu a carrinha até a empresa PLÁSFARO após ter contactado telefonicamente com ela;
Não se podendo afirmar cfr. parte final do p. 21. Provado que :
“-Duas feridas inciso perfurantes na zona da base lateral posterior do hemitórax esquerdo e direito que atingiram os tecidos moles e o fígado, com 1,5 cm de largura, sofreu hemorragia subaracnoideia aguda em sulcos da convexidade temporal homolateral, em fase de internamento e resultante das lesões sofreu um enfarte.”
Até porque o relatório da Autópsia -fls. 289 a 291, conclui que :
“1ª. A morte de KK foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas, complicadas de pulmão de ventilador e enfarte do miocárdio (ver discussão). “
E porque resulta dos autos que a fls. 90, 91 e 97, nas fotografias extraídas pela Polícia Judiciária, que a carrinha do ofendido embateu num muro de pedra, sendo visível o embate no muro e os danos na carrinha, o que significa que este embate terá, pelo menos, alterado o estado físico do ofendido, e quiçá provocado novas lesões;
Ao invés de ficar no local dos factos e pedir ajuda pelo seu telemóvel, resolveu conduzir a sua grande carrinha por Km, o que fez com consciência e força para primeiramente subirparao alto assento do lugar do condutor, e depois para usar os pedais e manobrar a mesma.
Assim, arriscou o ofendido piorar o seu estado físico, sendo certo que teve destreza para a condução e concentração que ela implica, para além de ter despendido força nos pedais e nas mãos para manobrar o grande veículo-carrinha.
Sendo também certo que o ofendido foi sujeito a internamento e submetido a cirurgia no hospital;
E aí deu entrada a 12-Fev.-2018 e faleceu 7 dias depois a 19-Fev.-2018.
Não pode assim, pelo exposto, e prova documental junta aos autos, estabelecer-se o nexo de causalidade entre a lesão superficial provocada pela arguida DD com a faca, o enfarte e a morte.
Por outro lado tendo o Tribunal a quo dado por provado, logo no acordão recorrido, no p. 11. que:
“11. A Arguida DD, com luvas calçadas e munida de uma faca, desferiu pelo menos um golpe na zona abdominal de KK.”
Não pode considerar provado quanto aos golpes o contrário, mais adiante nos factos provados 21. e 23., ao referir os dois golpes como consequência directa da actuação da arguida DD.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, estes concretos pontos/factos devem dar-se por não provados e ao invés deve dar-se por provado que:
“21. Em consequência direta das pancadas na cabeça desferidas pelo Arguido AA, o Ofendido KK sofreu:
- Hematoma subdural agudo adjacente a tenda, junção falcotentorial eà foice, hematoma no sobreolho esquerdo, hematoma volumoso epidural agudo convexidade cerebral dta. (38mm), lesões isquémicas agudas secundárias nas cabeças dosnúcleos caudados epalidocapsulotalâmicos bilaterais, bem como lesão isquémica córtico-subcortical temporo-occipito mesial e basal direita e hemorragia de Duret no tronco cerebral;
- Coleção hemática extra-axial, subdural ou mista (componente epidural), na convexidade temporoparietal direita de 17mm de espessura, focos de pneumocefalia extra-axial nas convexidades frontais anteriores bilaterais e no hematoma extra-axial, fina lâmina hemática e pequenos focos de pneumocefalia subdurais agudos na convexidade frontotemporal esquerda. Escoriação médio-frontal com 21x15mm: equimose arroxeada com halo esverdeado na região ocular direita com 5,5x2cm e esquerda com 1x 0,6cm; -
Em consequência direta da facada desferida pela Arguida DD, o Ofendido KK sofreu:
-Uma ferida inciso perfurante na zona da base lateral posterior do hemitórax esquerdo sendo superficial, sem chegar à cavidade pleural “
“23. Em consequência direta da conduta do Arguido AA, o Ofendido KK sofreu lesões crânio-meningo-encefálicas, complicações de pulmão e enfarte do miocárdio que lhe causaram a morte.”
7-Factos provados p. 26.:
“26. Os Arguidos GG, DD e AA sabiam que DD tinha na sua posse uma faca, que utilizou, desferindo pelo menos um golpe na zona abdominal do Ofendido KK.”
Estes factos provados, não resultam das declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida DD, que disse que não tinha qualquer faca consigo, nem sabia da existência de uma faca.
Mas também não resulta das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
A arguida DD disse em audiência de julgamento que a arguida GG lhe disse para tirar a faca do bolso do arguido AA, assim:
“Minuto 01:59- Eu estava a fazer vigia.
A GG chama-me, e manda-me ir ao bolso do AA -minuto 02.07 buscar uma faca para dar uma facada. Eu disse GG não 02.12”
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD em audiência de julgamento, contudo imputa ao sarguido so conhecimento de que sabiam que a arguida DD tinha consigo uma faca.
E, por outro lado, a arguida GG em audiência de julgamento podia e devia contraditar estas declarações que a incriminavam, como seria normal, face à gravidade do facto ilícito, não o tendo contudo feito.
Logo, aceitou-as.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“26. A arguida DD não sabia que o arguido AA tinha na sua posse uma faca, tendo-a retirado do bolso do arguido, a pedido da arguida GG, desferindo pelo menos um golpe na zona abdominal do Ofendido KK.”
8-Factos provados p. 29 e 30.:
“29. A Arguida DD ao desferir pelo menos uma facada na zona abdominal, zona vital de KK, com este já prostrado no chão, quis provocar a morte do Ofendido.
30. A Arguida DD conformou-se com osa ctos praticados peloArguido AA, aos quais aderiu.”
A arguida DD apenas facilitou o roubo da vítima, nunca quis matar o ofendido.
Aliás somente iria ficar de vigia.
A arguida DD deu uma facada superficial no ofendido, com o ofendido em pé, e não previu como possível o perigo para a vida deste, nem a sua morte, nem tão pouco se conformou com os actos praticados pelo arguido AA, nem a eles aderiu.
A arguida DD não sabia da existência de um extintor naquele local, nem tão pouco que iria ser utilizado pelo arguido AA
Aliás, da apreciação da prova documental, nomeadamente do Relatório de Autópsia Médico-Legal, fls. 289 a 291., não resulta que a facada é causa da morte do ofendido.
A arguida DD não se conformou com o acto praticado pelo arguido AA e agarrou no seu telemóvel para ligar para o 112, ao que foi impedida pela arguida GG.
Porém viu a pulsação do ofendido, e estava vivo quando abandonou o local dos factos.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“29. A Arguida DD ao desferir pelo menos uma facada na zona abdominal, zona vital de KK, com este em pé, não quis provocar a morte do Ofendido.
30. A Arguida DD não se conformou com os actos praticados pelo Arguido AA, nem a eles aderiu.”
9-Facto provado p. 38.:
“38. KK foi deixada ao abandono para morrer.”
A arguida DD não se conformou com o acto praticado pelo arguido AA e agarrou no seu telemóvel para ligar para o 112, ao que foi impedida pela arguida GG.
Porém viu a pulsação do ofendido, e estava vivo quando abandonou o local dos factos.
Daí a conclusão que foi deixado ao abandono para morrer não faz qualquer sentido.
Este facto provado, não resulta das declarações prestadas em audiência de julgamento pela arguida DD.
Mas também não resulta das declarações da própria arguida GG, que o Tribunal a quo considerou que não são valoradas na parte em que incrimine os demais arguidos, por esta arguida se remeter ao silencio em audiência, e só ter prestado declarações perante Magistrado do MºPº, e por isso não sujeitas ao princípio do contraditório.
Sendo que o Tribunal a quo diz valorar mais as declarações da arguida DD prestadas em audiência de julgamento.
Pelo que, perante tal erro notório na apreciação da prova, este concreto ponto/facto deve dar-se por não provado e ao invés deve dar-se por provado que:
“38. KK foi deixado ao abandono com vida.”
H- Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo quando na sua motivação para a decisão de facto refere que:
“Assim e da conjugação das declarações dos Arguidos e do Assistente e dos depoimentos das supra indicadas testemunhas (apreciados do modo acima referido), com o Exame Preliminar ao telemóvel de fls. 22, a Nota de Admissão no Hospital de fls. 34 a 36, a Nota de Compras de fls. 60, a Certidão de Óbito de fls. 133, a Identificação de células de fls. 70 a 75, o Relatório de Perícia Criminalística de fls. 84 a 121, as Informações bancárias de fls. 168, 207 e 234, os Autos de Diligência de fls. 183 e 189/190, os Autos de Visionamento de Imagens de fls. 194 a 200 e 227 a 231, o Relatório de Autópsia Médico-Legal de fls. 289 a 291, as informações das operadoras de telecomunicações de fls.390 a392 e 410, a Reportagem Fotográfica de fls. 412 a 423, o Relatório de fls. 440 a 447, o Relatório e Reportagem Fotográfica de fls. 833 a 854, Reportagem Fotográfica de fls. 879 a 897, o Auto de Reconstituição e respectiva Reportagem Fotográfica de fls. 920 a 939, os Autos de Reconhecimento de fls. 988 a 991, bem como com as regras da experiência comum, não subsistem a este Tribunal quaisquer dúvidas quanto à verificação dos factos descritos em 1. a 24 ..
Por outro lado, resulta igualmente claro que a extensão qualitativa e quantitativadas agressões levadas acabo pelos Arguidos AA e DD (pelo menos dois golpes com um extintor e dois golpes com uma faca), nas zonas em que o foram (na cabeça e zona abdominal), com os objectos que utilizaram e a força que aplicaram (demonstradas pelas extensas lesões que apresentava), são bem demonstrativos da intenção dos mesmos atingir órgãos essenciais à vida e, desse modo, provocar a morte do Ofendido, o que lograram.”
As provas, nomeadamente as documentais dos autos, citadas pelo tribunal a quo na sua motivação, impunham decisão diversa da recorrida.
Por não se concordar com o acordão recorrido, impugnou-se assim a matéria de facto provada – p. 10., 11., 12., 13., 14., 15., 18., 21., 23., 26., 29., 30., 38., pelas razões que se expôs supra, devendo ser apreciadas por existir erro notório na apreciação da prova, vício susceptível de apreciação pelo Tribunal da Relação, nos termos do disposto no artº. 410º, nº 2, alínea c),do C. P.Penal;
I-Ainda que tal não se considere sempre existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artº. 410º,nº 2,alínea a),do C.P.Penal, conforme também exposto, e pelo que resultou da prova documental junta aos autos, que o Tribunal tinha do dever de bem conhecer, pelo que a decisão do tribunal a quo deveria ser a de absolvição da arguida do crime de homicídio, e porque;
J- A arguida DD não tem antecedentes criminais tendo sido este o seu primeiro contacto com a Justiça.
k- O Tribunal a quo não valorou correctamente as declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial, e em audiência de julgamento, quanto à arguida DD, nem a sua confissão parcial dos factos quanto ao crime de roubo, quando colaborou desde logo para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, a partir da sua apresentação ao Mº JIC, e em audiência de julgamento ao não se remeter ao silêncio ao contrário do que fizeram os outros arguidos;
L- Nem valorou o Relatório social da arguida, que é positivo, existindo um juízo de prognose favorável quanto a esta arguida relativamente à sua inserção social e profissional, não causando alarme social a sua manutenção em liberdade, satisfazendo-se as finalidades de prevenção geral e especial no caso concreto;
M- E nem tão pouco foi a documentação clínica junta aos autos valorada correctamente, de que decorre que foi vítima de violência doméstica pelo namorado à data da entrada no Hospital Amadora Sintra, o arguido AA, e vítima vulnerável, tendo a sua atitude tomada no dia dos factos derivado da sua subjugação a este, de que estava dependente emocionalmente e a quem obedecia;
N- Nem a ameaça de morte ao pai da arguida, no dia anterior aos factos e que foi feita directamente pela arguida GG que a arguida DD levou a sério;
O- Sendo a pena de prisão a última das penas a aplicar-se, que não permite a reinserção social da arguida. A arguida assumiu parcialmente os factos quanto ao crime de roubo, e o seu grau de culpa não se mostra elevado, podendo dizer-se que actuou a título negligente, ainda que com uma negligência grave ou grosseira, conforme exposto.
P- Considerando-se ainda que o acordão recorrido padece de Erro na determinação da norma jurídica aplicável, susceptível de apreciação, cfr. artº. 412º nº 2 alínea c) do C.P.P., porquanto foi a arguida DD condenada pelo Tribunal a quo, pelo crime de roubo, artº. 210º do C. Penal, e pelo crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º, 132º n.º 1 e 132º, alínea g), do C. Penal , e ao invés deveria a arguida ser absolvida do crime de homicídio e condenada por um crime de roubo agravado cfr. artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, ou;
- Caso V. Exªs. entendam que a arguida DD com a facada quis provocar com a sua conduta a morte do ofendido, por dever de patrocínio sempre caberia a sua actuação com negligência, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte, cfr. disposto pelo artº. 210 n.º 3 do C. Penal.
Q- Deu-se por provado, no p. 5. do acordão recorrido, que:
“5. Em momento anterior ao encontro com KK no dia 12 de Fevereiro de 2018, os Arguidos elaboraram um plano para subtraírem os pertences daquele.”
Ou seja, a qualificação jurídica adoptada pelo tribunal a quo porque foi condenada a arguida, está incorrecta.
O plano era roubar, não era para matar o ofendido!
Não se mostram preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do crime de homicídio.
Aliás a arguida DD não conhecia o ofendido, não tinha o número de telefone dele, nem nunca lhe ligou.
Não tinha motivos para querer fazer mal ao ofendido.
Sendo que a arguida DD é primária, bem inserida social, familiar e profissionalmente, e uma pessoa pacífica, e amiga do seu amigo, não tendo historial escolar ou de qualquer outro tipo, de ser pessoa violenta.
Tanto que quis ajudar a amiga GG até lhe arranjando emprego, e para poder trazer o filho que aquela tinha em ... para Portugal, por se compadecer com a sua situação, até porque sabia o que era crescer sem uma progenitora presente.
Tendo o seu acto sido isolado, não programado, e irreflectido, no contexto referido nesta motivação do recurso.
Quem conhecia o ofendido era a arguida OO, e tinha o contacto telefónico deste, por o mesmo ter avançado para consigo com propostas sexuais.
R- Entendendo-se que o acordão violou, por erro nos seus pressupostos de facto, o disposto no artº. 131º, 132º nº 1e 2, al. g)do Código Penal, devendo a arguida ser absolvida do crime de homicídio qualificado.
A qualificação jurídica do facto ilícito subsume-se ao crime de roubo, p. e p. pelo artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal.
Devendo alterar-se por conseguinte a qualificação jurídica ao caso concreto, e ser a arguida absolvida do crime de homicídio, e ao invés condenada pelo crime de roubo artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, ou;
S- Caso V. Exªs. entendam que a arguida DD com a facada quis provocar com a sua conduta a morte do ofendido, por dever de patrocínio sempre caberia a sua actuação com negligencia, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte artº. 210 n.º 3 do C. Penal.
Os factos dados por provados, alguns impugnados supra, impunham assim decisão diversa, bem como a prova junta aos autos, e do que se depreende da análise da fundamentação do acordão recorrido, porquanto também na motivação de facto do acordão recorrido, se refere que o plano era roubar:
“Deste modo e independentemente de quem deu o mote, o certo é que os três Arguidos se deslocaram ao local com a intenção de, pelo menos, assaltar o Ofendido.”
Sendo certo que da prova Pericial - Relatório de Autópsia Médico-Legal, fls. 289 a 291 junta aos autos, e apreciada pelo Tribunal a quo resulta que as lesões da facada não provocaram a morte , que se transcreve:
“J. DISCUSSÃO
As lesões descritas têm mais de uma semana de evolução, prejudicando a avaliação das mesmas…
As lesões corto-perfurantes não provocaram a morte, sendo superficial e esquerda, sem chegar à cavidade pleural e tendo atingido superficialmente o fígado à direita, sugerindo a utilização de arma branca de pequena envergadura e sem utilização de força significativa. As lesões descritas têm mais de uma semana de evolução, prejudicando a avaliação das mesmas.
(…)L. CONCLUSÕES
1ª. A morte de KK foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas, complicadas de pulmão de ventilador e enfarte do miocárdio (ver discussão).
2ª. Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.
3ª. Estas lesões traumáticas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente ou actuando como tal, associadas a Iesões de natureza corto-perfurantes ou actuando como tal, podendo ter sido devidas a agressão, como consta da informação, além das lesões de natureza iartrogénica. –
(…)
6ª Houve intervenções operatórias (descritas na informação)".
Conclui assim o relatório da autópsia que “A morte de KK foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas descritas, complicadas de pulmão de ventilador e enfarte do miocárdio (ver discussão), e que “Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte. “
As lesões corto-perfurantes não provocaram a morte, sendo superficial e esquerda (…)sugerindo a utilização de arma branca de pequena envergadura e sem utilização de força significativa.
Ou seja, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir contrariamente a esta prova pericial, e decidir conforme a sua convicção, e ao dar como facto provado que a facada foi idónea a provocar a morte, não resultando do documento -..., tal conclusão.
E ainda resulta do Auto de Diligência da Polícia Judiciária de fls. 183 a 184 a
12-02-2018 efectuado pelo Inspector NN, que se deslocou ao Hospital Distrital de Faro em 12-02-2018, e escreveu:
“ No local, o médico responsável da urgência, informou o seguinte:
-- Que a vítima em causa apresentava uma ferida no hemitórax esquerdo e outra no hemitórax direito, ambas compatíveis com agressão de arma branca, sendo que não foi atingido nenhum órgão vital. A vítima apresenta ainda uma lesão crânio-encefálico grave, com fractura do osso do crânio, sendo que a vítima em causa se encontra em respiração assistida. (…)
-- Mais se informa que o paciente em causa corre risco de vida devido ao traumatismo crânio-encefálico, não havendo uma data prevista para ter alta médica.
Não foi possível fotografar as lesões da vítima, na medida em que no momento encontrava-se a ser submetido a intervenção cirúrgica na neurocirurgia.”
Do que resulta das feridas compatíveis com agressão de arma branca é que não foi atingido nenhum órgão vital.
E bem assim resulta das fotografias tiradas ao ofendido, que levou alguns pontos em cada uma delas, a fls. 109 e 110 dos autos, sendo corte superficial e de pouca extensão.
Mas também é facto provado que :
“20. Apesar de gravemente ferido, o Ofendido KK ainda conduziu a carrinha de matrícula ..-..-JO, até às instalações da empresa PLÁSFARO, onde, após ter tido paragem cardiorrespiratória, foi socorrido e transportado para o Hospital de Faro.”
Ou seja, o ofendido, saiu com vida do local dos factos, e conduziu a carrinha até a empresa PLÁSFARO após ter contactado telefonicamente com ela;
Não se podendo afirmar cfr. parte final do p. 21. Provado que :
“-Duas feridas inciso perfurantes na zona da base lateral posterior do hemitórax esquerdo e direito que atingiram os tecidos moles e o fígado, com 1,5 cm de largura, sofreu hemorragia subaracnoideia aguda em sulcos da convexidade temporal homolateral, em fase de internamento e resultante das lesões sofreu um enfarte.”
Até porque resulta dos autos que a fls. 90, 91 e 97, nas fotografias extraídas pela Polícia Judiciária, que a carrinha do ofendido embateu num muro de pedra, sendo visível o embate no muro e os danos na carrinha, o que significa que este embate terá, pelo menos, alterado o estado físico do ofendido, e quiçá provocado novas lesões;
Ao invés de ficar no local dos factos e pedir ajuda pelo seu telemóvel, resolveu conduzir a sua grande carrinha por Km, o que fez com consciência e força para primeiramente subir para o alto assento do lugar do condutor, e depois para usar os pedais e manobrar a mesma.
Assim, arriscou o ofendido piorar o seu estado físico, sendo certo que teve destreza para a condução e concentração que ela implica, para além de ter despendido força nos pedais e nas mãos para manobrar o grande veículo-carrinha.
Sendo também certo que o ofendido foi sujeito a internamento e submetido a cirurgia no hospital;
E aí deu entrada a 12-Fev.-2018 e faleceu 7 dias depois a 19-Fev.-2018.
Não pode é estabelecer-se o nexo de causalidade entre a lesão superficial provocada pela arguida DD com a faca, o enfarte e a morte.
Devendo ser a arguida DD absolvida do crime de homicídio, pelos motivos supra expostos, e porque não teve intenção de matar, nem quis nem deu como possível o perigo para a vida, nem a morte do ofendido. E alterar-se por conseguinte a qualificação jurídica ao caso concreto e ao invés ser condenada pelo crime de roubo artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, ou;
Caso V. Exªs. entendam que a arguida DD com a facada quis provocar com a sua conduta a morte do ofendido, por dever de patrocínio sempre caberia a sua actuação com negligencia, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte artº. 210º, n.º 3 do C. Penal.
T-E quanto à determinação da medida concreta da pena, e suspensão da sua execução, entendendo-se que o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 40º, 70º e 71º nºs 1 e 2 e 50º e 53º, todos do Código Penal, devendo ser absolvida do crime de homicídio e condenada pelo crime de roubo agravado cfr. artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução, ou:
Caso V. Exªs. entendam que a arguida DD com a facada quis provocar com a sua conduta a morte do ofendido, por dever de patrocínio sempre caberia a sua actuação com negligencia, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte artº. 210º, n.º 3 do C. Penal, devendo ser condenada em pena a fixar dentro dos limites mínimos da moldura abstracta de 8 a 16 anos, em 8 anos de prisão.
U-Subsidiariamente, admitindo este Tribunal como provada a matéria de facto relatada no acórdão recorrido, e o enquadramento jurídico penal efectuado, na determinação da medida concreta da pena violou-se o disposto nos artºs. 40º, 71º nºs 1 e 2, todos do Código Penal, porquanto a pena de prisão deveria situar-se nos limites mínimos, ou seja quanto ao crime de roubo, em 1 ano de prisão, e quanto ao crime de homicídio, em 12 anos, e, em cumulo, devendo a arguida ser condenada em pena única de prisão nunca superior a 12 anos e seis meses de prisão.
V-Esta arguida teve um percurso difícil, mas investiu em cursos para melhorar de vida, e não viveu com sinais exteriores de riqueza, sendo que o seu último trabalho foi na restauração como empregada de mesa onde se encontrava a trabalhar há dois anos e seis meses.
Recebendo o salário mínimo, pagava a renda de casa no Algarve e as suas despesas, sendo referida pelo seu ex-patrão como empregada exemplar, e cumpridora de horários.
Já quanto à documentação clínica junta aos autos pela defesa de fls. 1936 e 1940, nomeadamente a “Informação Psicologia de 02-02-2022” e "Informação Médica", datada de 04.02.2022, refere o Tribunal a quo que estes:
“…apenas se pronunciam sobre o estado desta arguida nas datas aí indicadas e não à data dos factos ou logo após os mesmos”
O acórdão recorrido não deu relevância ao seu estado depressivo e violência doméstica de que sofreu aquando do namoro com o arguido AA.
Mais considerando que “não resulta destes qualquer ausência ou diminuição da capacidade de avaliar a ilicitude dos seus actos e as consequências dos mesmos, e de se auto-determinar de acordo com essa avaliação, dando como provados os factos 25. a 33. do acordão recorrido”.
Não teve em conta o depoimento da testemunha PP -gravação com início a 16horas e 16 minutos e o seu termo a 16 horas e 26 minutos- colega de trabalho da arguida DD, que referiu ter a DD aparecido a chorar no trabalho contando-lhe que o namorado era agressivo.
Esta testemunha confirma a dependência nefasta que a DD tinha do namorado, tanto que ninguém é agredida e não faz queixa se não for por estar subjugada psicologicamente ao namorado.
E conforme a documentação clínica junta a fls. 1823 a 1826, essa violência doméstica que levou a arguida ao Hospital Amadora Sintra, ficou relatada na informação clínica.
Por isso o medo do arguido AA que a levou a agir do modo como fez no dia dos factos.
Bem como o medo da arguida GG advém da sua fragilidade quanto à sua personalidade, e ameaça de morte, que esta arguida fez quanto ao seu pai.
E quanto à testemunha QQ, ex-patrão da arguida – gravação com início às 17horas e 08 minutos e termo- 17horas e 13 minutos, que refere que a arguida DD é “trabalhadora exemplar, simpática e prestável”, e que trabalhou para si desde Janeiro de 2019 até ao dia que foi detida, e num horário exigente como é o da restauração, também esta testemunha corrobora a inserção sócio-profissional da arguida e a sua dedicação ao trabalho, que inviabilizam qualquer desvio para a delinquência.
Nem a confissão parcial dos factos quanto ao crime de roubo porque vinha acusada a arguida, nem a situação sócio-profissional, e ausência de antecedentes criminais, foram correctamente valorados pelo Tribunal a quo na aplicação da pena à arguida, que foi desadequada e manifestamente excessiva.
Tendo-se violado o disposto nos artºs. 40º, 70º e 71º nºs 1 e 2 e 50º e 53º, todos do Código Penal.
X- E quanto à determinação da medida concreta da pena, e suspensão da sua execução, entende-se que o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs. 40º, 70º e 71º nºs 1 e 2 e 50º e 53º, todos do Código Penal, devendo ser absolvida do crime de homicídio, e condenada pelo crime de roubo agravado cfr. artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução,
Ou;
Caso V. Exªs. entendam que a arguida DD com a facada quis provocar com a sua conduta a morte do ofendido, por dever de patrocínio sempre se dirá que caberia a sua actuação com negligencia, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte artº. 210º, n.º 3 do C. Penal, devendo ser condenada em pena a fixar dentro dos limites mínimos da moldura abstracta de 8 a 16 anos, em pena não superior a 8 anos de prisão.
Z- Subsidiariamente, admitindo este Tribunal como provada a matéria de facto relatada no acórdão recorrido, e o enquadramento jurídico penal efectuado, na determinação da medida concreta da pena violou-se o disposto nos artºs. 40º, 71º nºs 1 e 2, todos do Código Penal, sendo a pena de prisão manifestamente excessiva e desadequada, porquanto a pena de prisão deveria situar-se nos limites mínimos, ou seja quanto ao crime de roubo, em 1 ano de prisão, e quanto ao crime de homicídio, em 12 anos, e, em cúmulo, devendo a arguida ser condenada em pena única de prisão nunca superior a 12 anos e seis meses de prisão, atendendo à ausência de antecedentes criminais, seu grau de culpa e actuação nos moldes a que se aludiu, sua personalidade anterior ao crime, e modo de vida anterior e posterior, e arrependimento demonstrado quanto aos factos.
Pelo que deve ser revogado o acórdão do recorrido, conforme supra exposto, fazendo-se a costumada Justiça!
1º Art. 412 n.º 2 alínea a) do CPP O ACORDÃO É NULO E VIOLADOR DA LEI E DA CONSTITUIÇÃO uma vez que a condenação da recorrente teve por base o uso de prova proibida, concretamente o exame preliminar do telemóvel de folhas 22 , mas também ás informações das operadoras de telecomunicações de folhas 390 a 392 e 410, meios de prova estes antes permitidos pela lei 32/2008, concretamente art. 4º, 6º e 9º e que foram agora em acórdão do tribunal constitucional consideradas inconstitucionais por violarem o princípio da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar (n.º 1 do artigo 26.º da Constituição), ao sigilo das comunicações (n.º 1 do artigo 34.º da Constituição) e a uma tutela jurisdicional efetiva (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição)
2º Aliás, já o TJUE considera ser contrária ao direito da União Europeia qualquer legislação nacional que preveja, para efeitos de luta contra a criminalidade, uma conservação generalizada e indiferenciada de todos os dados de tráfego e de todos os dados de localização de todos os assinantes e utilizadores registados em relação a todos os meios de comunicação eletrónica, ou - dizendo o mesmo por outras palavras -, qualquer legislação nacional que obrigue os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas a conservarem esses dados de forma sistemática, contínua e sem nenhuma exceção.
3º Estipula a constituição no artigo 32º, nº 8 da C.R.P que, como garantia de processo criminal “são nulas todas das provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada...”»;
4º O artigo 126º nº 3 do C.P.P. trata de métodos proibidos, respeitantes à reserva da vida privada e quanto a esta vigoram os art. 26º da CRP e o artigo 34º da CRP
5º À luz do artigo 18º, nº 2 da CRP., tendo presente que a restrição a direitos fundamentais só é admissível nos casos expressamente previstos na Constituição
6º O art. 32º, nº 8 da CRP sob a epigrafe garantias do processo criminal protege direitos fundamentais do arguido, e por ser a esta prova atribuída tamanha relevância probatória, a norma constitucional impõe no caso uma proibição de prova que torna nula a prova.
7º Assim sendo, serão proibidas todas as provas obtidas mediante uma compressão dos direitos fundamentais em termos não consentâneos com a autorização constitucional, ainda que aparentemente a prova seja admissível e apenas tenham sido violadas as formalidades processuais necessárias para a levar a cabo. Parecendo incorporar meras exigências formais, são, na verdade, condições essenciais para que a intervenção não seja abusiva (art. 32.º-8/2.ª parte da CRP e art.
8º - Atento o exposto e tendo a recorrente sido condenada com base em prova proibida conforme supra se expõe, a sua CONDENAÇÃO É NULA e Tendo o acórdão baseado a sua decisão em prova proibida e nula, é também este acórdão Nulo e violador da lei concretamente; art.º 1 do artigo 26.º da Constituição, n.º1 do artigo 34.º da Constituição, n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, art. 18º n.º 2 da CRP e art. 126º n.º 3 do CPPenal
9º Tendo em conta o supra exposto deve o presente acórdão ser declarado nulo e consequentemente revogado no sentido de concluir pela ABSOLVIÇÃO da aqui recorrente
10º QUANTO AO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICAVEL ART. 412º N.º 2 Alínea c) do CPP há que concluir que a recorrente foi condenada por dois crimes, um crime de roubo, art. 210 do Cpenal,, e um crime de homicídio qualificado131º, 132º n.º 1 e 132 alínea g) do CP
11º A recorrente entende que ao caso concreto deveria a arguida ser condenada por um crime de roubo agravado , com resultado morte art. do art. 210 n.º 2 alínea b) ex vi do art. 204 n.º 2 alínea f) do Cpenal e art. 210 n.º 3 do C Penal
12º Em nenhum momento o Coletivo fundamenta a intenção da recorrente cometer homicídio, veja-se os argumentos do acórdão:
- ”os arguidos elaboraram um plano para subtraírem os pertences de KK ( vitima). Para o efeito a arguida GG contactou telefonicamente KK…. Encontrou-se com este …. e ambos se deslocaram para o parque industrial do ..., onde já se encontravam a aguardá-los os arguidos DD e AA”
13º só porque a vítima desconhecia como ir ter a esse Parque Industrial ..., é que a aqui Recorrente teve de o levar ao local dos factos e esteve presente no local onde ocorreu o roubo e a agressão da vitima”
14º Assim sendo, o objetivo da recorrente era apenas o de facilitar o roubo da vitima mas nunca o de que este fosse assassinado
15º Pelo menos quanto a esta arguida, aqui recorrente, nunca houve qualquer plano ou dolo (ainda que eventual) de homicídio, conforme fundamenta o acórdão, sendo necessário separar a sua intervenção da dos restantes arguidos
16º Mais, o acórdão fundamenta ainda que: ..” o arguido AA desferiu-lhe pelo menos dois fortes golpes na cabeça com um extintor de incendio e a arguida PP desferiu-lhe um golpe na zona abdominal”., pelo que nenhum momento a aqui recorrente e arguida GG teve qualquer participação ou executou as agressões da vítima que culminaram na sua morte
17º Conclui-se que a pena aplicada à recorrente jamais poderia ser igual à pena aplicada à arguida DD que agrediu a vítima com a faca, pois houve efetivamente uma participação diferente na prática dos factos, com graus de culpa totalmente distintos face aos factos dados como provados, não esquecer que nos termos do art. 40º / 2 do Cpenal a medida da culpa limita a medida da pena, e também aqui o Coletivo aplicou mal a lei pois enquanto a Recorrente facilitou a prática do roubo, veja.se factos 4,6 e 7 da matéria dada como provada, as agressões que resultaram na morte foram praticadas pelos outros dois arguidos, veja-se factos 8, 9, 10
18º A recorrente é totalmente alheia ao facto do arguido AA ter decidido agredir a vitima com um extintor na cabeça e a arguida DD com duas facadas, pois o facto desta ir munida com uma faca seria unicamente para impedir a vitima de resistir, provocando-lhe receio, tal como se encontra previsto no art. 210º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do cpenal ex vi do art. 204º n.º2 alínea f) : ” trazendo no momento do crime arma aparente ou oculta”
19º O arguido AA é pessoa agressiva e violenta e com longo cadastro criminal e perante o facto da vitima não ficar imobilizada optou por usar um extintor na cabeça da vitima, facto que a recorrente não previa nem pretendia que acontecesse
20º Tanto assim é que A morte da vitima ocorreu devido às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e não devido às facadas que foram pouco profundas e que apenas tinham como finalidade “ manietar a vitima colocando-a em posição de não mais resistir, conferindo aos Arguidos, de forma determinante, superioridade” ,
Fundamenta ainda o acórdão que : “ e independentemente de quem deu o mote, o certo é que os três Arguidos se deslocaram ao local com a intenção de, pelo menos, assaltar o Ofendido” e “as agressões que provocaram as lesões mais graves foram levadas a cabo pelo Arguido AA que desferiu, pelo menos, dois golpes na cabeça daquele com um extintor; - DD também se encontrava no local, muniu-se de uma faca e desferiu, pelo menos, um golpe com a mesma, sendo que o Ofendido sofreu dois golpes, tendo forçosamente que o segundo ter sido desferido por um dos três Arguidos”
21º O crime de Roubo é um crime de natureza pluriofensiva de bens tão diversos como o património, a integridade física / vida e mesmo na liberdade individual de decisão e ação
22º Fundamenta ao acórdão que : “ no caso em apreço nada se apurou que permita concluir que os arguidos agiram de forma calculada, preparando a execução do crime com calma e reflexão…. o que daqui resulta que não houve qualquer premeditação, ou seja, plano intencional quanto ao homicídio
23º Assim, por tudo o supramencionado o Coletivo não poderá condenar a recorrente por um crime de homicídio em que esta não teve qualquer intenção ou participação, tendo por isso errado na determinação da norma aplicável e em vez da sua condenação ser a de roubo, art. 210 do Cpenal e Homicídio qualificado art. 132º do Cpenal, a norma jurídica aplicável e que a recorrente deve ser condenada é a de crime de roubo agravado nos termos do art. 210 n.º 2 alínea b) ex vi do art. 204 n.º 2 alínea f) do Cpenal
24º E entende ainda a recorrente que pode considerar-se aplicável ao caso concreto o crime de roubo agravado pelo resultado morte nos termos do n.º 3 do art. 210º do código penal, morte esta causada com negligencia ainda que se entenda negligencia grave ou grosseira e consciente que se define como sempre que o agente representou como possível o resultado ocorrido, mas confiou, não devendo confiar, que ele não se verificaria,
25º Art. 412 n.º 2 alíne ab) do cppc O Coletivo errou na aplicação do art. 71º do CPenal, Estipula este artigo art. 71º n.º 2 do Cpenal que na determinação da medida da pena se deve ter em conta todas as circunstancias que depuseram a favor do agente, e a verdade é que embora o Coletivo mencione que a aqui recorrente não tem antecedentes criminais e se encontre inserida social e laboral, há ainda a realçar o facto da recorrente sempre ter trabalhado e pago as suas despesas e do seu filho menor de idade, e também o fato da conduta da arguida ter sido uma atuação pluriocasional e não de tendência criminosa
26º O Coletivo em nada relevou aqueles factos atenuantes que levariam a uma pena menor, pelo que Também aqui, salvo melhor opinião, esteve o douto Coletivo mal
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente acórdão ser :
- Revogado no sentido de ABSOLVER a recorrente / arguida por assentar a sua condenação em prova nula e proibida por lei, bem como inconstitucional,
- Alterar qualificação jurídica da condenação da recorrente, para crime de roubo agravado pp art. 210º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do cpenal ex vi do art. 204º n.º2 alínea f) levando à aplicação de uma pena menor
- Apreciação das circunstâncias atenuantes da recorrente previstas no art. 71º do Cpenal levando à aplicação de uma pena menor
***
Relativamente ao arguido AA:
1. O arguido AA interpôs recurso no que concerne ao douto acórdão condenatório proferido nos presentes autos alegando, em síntese, o seguinte:
a) O Tribunal «a quo ao ter valorado em desfavor daquele as declarações prestadas na fase de inquérito pela co-arguida OO, a qual, em sede de audiência de discussão e julgamento usou do seu direito ao silêncio, violou o princípio do contraditório previsto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e, bem ainda, efectuou uma interpretação constitucional do artigo 144.º, do Código de Processo Penal;
b) As declarações da co-arguida DD desacompanhadas por qualquer outro elemento probatório, não têm valor suficiente para sustentar a condenação do arguido/recorrente AA;
c) No que tange à prova por reconstituição, o auto que documenta àquela é inexistente, por violação dos artigos 95.º e 99.º, ambos do Código de Processo Penal, na medida em que não se encontra assinado tanto magistrado do Ministério Público que presidiu, assim como, pelos inspectores da P.J. e arguida que participaram na diligência em causa, sendo certo também que, o aludido meio de prova se mostra inquinado por reproduzir as declarações da arguida OO;
d) Impugnação da matéria de facto vertida nos pontos 1 a 32 em face do referido nas alíneas a), b) e c);
e) Errada qualificação jurídica dos factos, porquanto, a factualidade dada como provada deverá ser enquadrada no crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado morte, sendo certo também que, inexistindo nos autos o dossier clínico do ofendido, fica o Tribunal «a quo» impedido de concluir que a morte deste foi necessariamente provocadas pela acção directa dos arguidos, razão porque, o acórdão sob recurso incorre no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cfr. artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal);
f) A pena de 22 anos de prisão aplicada ao arguido/recorrente AA mostra-se excessiva.
2. O Tribunal «a quo» em total respeito pelo disposto no artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal e, conforme se exarou no acórdão sob recurso, não valorou as sobreditas declarações da co-arguida GG (prestadas em sede de interrogatório presidido por magistrado do Ministério Público), nomeadamente, na parte em que incriminava o arguido/recorrente AA.
3. Porém, coisa diversa, é a valoração das declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial por parte do arguido/recorrente AA e da arguida DD (onde cada um deles se encontrava assistido por ilustre defensor, sendo certo também que, pelo Mm.º Juiz que presidiu a tal interrogatório foram advertidos nos termos e para os efeitos do artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal), porquanto, aquelas [declarações] foram, nessa diligência, sujeitas ao contraditório por ambas as ilustres defensoras e, por conseguinte, podem ser apreciadas ao abrigo do disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, mesmo na parte em que sejam incriminatórias do co-arguido presente no sobredito primeiro interrogatório judicial (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/09/2018, cujo relator foi o Exm.º Desembargador José Carreto e que se mostra disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
4. A condenação do arguido AA não se baseou só nas declarações da co-arguida DD e, por outro lado, não existe no sistema processual penal português nenhuma regra tarifada impeditiva de que seja conferida credibilidade às declarações de co-arguido, as quais devem ser valoradas pelo Tribunal segundo «as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.» (cfr. artigo 127.º, do Código de Processo Penal)15.
5. Em face do supra exposto, cremos, ser despida de fundamento a alegação, por parte do arguido/recorrente AA, de que foi violado o princípio do contraditório previsto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e, bem ainda, que ocorreu uma interpretação inconstitucional do artigo 144.º, do Código de Processo Penal.
6. O auto que documenta a reconstituição encontra-se assinado pela ilustre defensora da arguida OO, assim como, pela senhora inspectora da P.J. interveniente na realização da diligência, sendo omissas as assinaturas do magistrado do Ministério Público e daquela.
7. Todavia, a falta de tais assinaturas, tem como consequência a mera irregularidade, a qual, não tendo sido atempadamente invocada (in casu no prazo a que se alude no artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), mostra-se convalidada.
8. De resto e, conforme se escreveu no acórdão sob recurso:
15 Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/04/2015, cujo relator foi o Exm.º Desembargador JOÃO GOMES DE SOUSA e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/02/2014, cuja relatora foi a Exm.ª Desembargadora EDUARDA LOBO. Ambas as decisões estão disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt
«Quanto à alegada falsidade do Auto de Reconstituição, nada há que aponte nesse sentido. Com efeito, considerando o depoimento da testemunha LL e as declarações prestadas pela Arguida GG perante magistrado do Ministério Público (a fls. 917 a 919 e a considerar nos termos que adiante analisaremos) e as fotografias que dele fazem parte (onde se visualiza, entre o mais, a referida Arguida a indicar os locais), temos por certo que a mesma teve lugar nos termos aí descritos.»
9. No que tange à circunstância de a reconstituição se encontrar inquinada por dela constarem declarações da arguida OO, também não assiste qualquer razão ao arguido/recorrente AA, porquanto, existe total independência entre, por um lado, a reconstituição e, por outro lado, as eventuais declarações daquela, nomeadamente, que possam ser consideradas incriminatórias relativamente a este último, sendo certo que, relativamente às sobreditas declarações, não foram as mesmas tidas em consideração para a condenação do recorrente, conforme consta da fundamentação do acórdão sob recurso.
10. O acórdão sob recurso não padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (nomeadamente por ausência nos autos de toda a documentação clínica relativa ao período de internamento da vítima) e, bem assim, integrou correctamente a factualidade dada como provada na prática dos crimes de homicídio qualificado e roubo.
11. Com efeito, retira-se, para além do mais, das conclusões insertas no relatório de autópsia médico-legal, o qual, teve por base toda a documentação clínica relativa ao período temporal em que KK esteve internado, a morte deste foi devida às lesões traumáticas – produzidas por instrumento de natureza contundente - crânio-meningo-encefálicas, as quais constituem causa adequada de morte e, bem assim, «médico-legalmente caracterizam etiologia homicida».
12. A alternativa aventada pelo arguido/recorrente AA de que a factualildade dada como provada integraria o crime de ofensa à integridade qualificada, esbarra na intenção dos arguidos que era a de matar e não de a ofender o corpo e a saúde da vítima.
13. De facto, quem, empunhando um extintor desfere, por duas vezes, com força, o mesmo na cabeça doutra pessoa e, bem ainda, empunhando uma faca lhe desfere dois golpes na zona abdominal e perfeitamente ciente de que a vítima se encontrava ferida, decide abandonar o local, bem sabendo que as ofensas infligidas eram adequadas a causar a morte, como se provou terem feito os arguidos agindo em concertação de esforços e meios, obviamente que representa e quer acabar com a vida dessa pessoa.
14. De resto, uma última nota para salientar que, existindo concurso efectivo entre o crime de homicídio doloso e o crime de roubo, quando aquele «é cometido para facilitar, executar ou encobrir o roubo»16, cremos, dúvidas não poder restar sobre ter sido certeira a integração jurídica efectuada pelo Tribunal «a quo» relativamente à matéria de facto provada.
15. In casu, tanto relativamente ao crime de homicídio qualificado, assim como, relativamente ao crime de roubo são muitas elevadas as exigências de prevenção geral17 e especial.
16 Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, 2015, p. 829 (anotação 34).
17 Cfr. a este propósito, respectivamente, o Acórdão do STJ de 02/06/2021, cujo relator foi o Exm.º Conselheiro PAULO FERREIRA DA CUNHA e o Acórdão do STJ de 11/02/2021, cuja relatora foi a Exm.ª Conselheira MARGARIDA BLASCO. Ambas as decisões estão disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt
16. Acresce ainda que, o acórdão sob recurso ponderou devidamente as exigências de prevenção especial e geral, conforme se alcança das seguintes passagens daquele que ora se transcreve:
Os Arguidos agiram com dolo directo na prática do crime de Roubo. Já quanto ao crime de Homicídio, os Arguidos DD e AA agiram igualmente com dolo directo e a Arguida GG com dolo eventual. Porém, o seu grau de participação ganha relevância considerando que a mesma era a única que conhecia o Ofendido, que falou dele aos co-arguidos e que o atraiu até ao local onde estes já se encontravam escondidos, tendo o seu contributo sido determinante para a prática dos demais factos. Também foi esta Arguida que contactou com MM com vista ao depósito do cheque subtraído à Vítima.
O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, dado o modo de execução dos factos e a pluralidade dos crimes cometidos. De sublinhar que KK foi isolado e surpreendido com a actuação dos três Arguidos e a multiplicidade das agressões de que foi vítima.
Acresce a leviandade do comportamento dos Arguidos traduzida na facilidade com que se determinaram à prática dos factos e ao modo de execução dos mesmos, apenas e tão-só com o intuito de se apoderarem dos pertences do Ofendido, ultrapassando, em muito, a barreira psicológica que impede qualquer homem comum de levar a cabo agressões e de tirar a vida de outra pessoa, com vista à obtenção de valores e objectos.
Já quanto ao Arguido AA, a sua actuação revestiu-se de maior violência, tendo sido as suas agressões que, em última instância, provocaram as lesões de causaram a morte de KK.
Assim e não obstante a relação com a actual companheira tenha criado melhores condições para este Arguido mudar o seu padrão de conduta e integração social, não podemos olvidar os seus vastos antecedentes criminais (a sua grande maioria pela prática de crimes de Roubo) e a ausência de capacidade de auto-censura. Acresce que cedo enveredou por comportamentos criminais que o levaram ao contacto com o sistema de justiça, cumprindo primeiro medida tutelar educativa e mais tarde penas de prisão efectivas, sem que tivesse alterado o seu percurso criminal.
Já quanto ao Arguido AA, a sua actuação revestiu-se de maior violência, tendo sido as suas agressões que, em última instância, provocaram as lesões de causaram a morte de KK.»
17. Termos em que, por o douto colectivo ter apreciado correctamente a prova validamente obtida nos autos e, integrado jurídico-penalmente de forma certeira a factualidade dada como provada e, bem assim, tendo estabelecido criteriosamente as penas parcelares e única aplicadas e, inexistindo a violação de qualquer norma legal, deverá ser julgado improcedente o recurso e, por conseguinte, ser mantido na integra o douto acórdão proferido nos presentes autos.
1. A arguida DD interpôs recurso no que concerne ao douto acórdão condenatório proferido nos presentes autos alegando, em síntese, o seguinte:
a) O acórdão sob recurso padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, razão pela qual, se impugna os seguintes pontos da matéria de facto provada: 10 a 15; 18; 21; 23; 26; 29; 30 e 38;
b) O Tribunal «a quo» incorreu em erro de julgamento ao ter decidido em contraposição ao relatório de autópsia (que constitui prova pericial);
c) A decisão em causa é nula por violação do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal ex vi o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do mesmo diploma legal;
d) O acórdão sob recurso violou, por erro nos seus pressupostos de facto, o disposto no artigo 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 alínea g), do Código Penal, sendo que, a arguida/recorrente DD deve ser absolvida da prática do crime de homicídio qualificado e, ao invés, apenas ser condenada pela prática do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 2, alíneas a) e b) e artigo 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal ou pelo crime previsto no artigo 210.º, n.º 3, do Código Penal;
e) A pena que foi aplicada à arguida DD mostra-se desadequada e manifestamente excessiva.
2. Os vícios a que se alude no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), nada têm que ver com a valoração que a arguida/recorrente DD faz da prova produzida em julgamento, sendo que, aqueles têm que ser verificáveis pelo simples exame do texto da decisão sob recurso considerado na sua globalidade, sem possibilidade de abrigo em quaisquer outros elementos exteriores àquela, ainda que constem dos autos.
3. In casu, o arguido/recorrente DD limita-se a discordar da avaliação que o Tribunal «a quo» efectuou (fundamentadamente) da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, das declarações que a mesma prestou em sede de primeiro interrogatório judicial (em detrimento daquelas que prestou em sede de audiência de julgamento), o que se mostra conforme às regras da experiência comum (cfr. artigo 127.º, do Código de Processo Penal)11.
4. No que tange aos pontos 10 e 11, os mesmos resultaram provados, designadamente, em face do teor das declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial pela arguida/recorrente DD, com excepção da
11 Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/04/2015, cujo relator foi o Exm.º Desembargador JOÃO GOMES DE SOUSA e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/02/2014, cuja relatora foi a Exm.ª Desembargadora EDUARDA LOBO. Ambas as decisões estão disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt parte em que se refere (no ponto 11), que esta tinha luvas calçadas, o que resulta das declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento.
5. Relativamente ao ponto 12, o mesmo foi dado como provado, nomeadamente, com base nas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial pela arguida DD e pelas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pela testemunha MM.
6. Igualmente os pontos 13, 14, 15 e 18 da matéria de facto provada resultam, em particular, da prova feita com base nas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial pela arguida DD e as declarações prestadas pela testemunha MM em sede audiência de discussão e julgamento.
7. In casu, no que tange aos pontos 21 e 23 da matéria de facto provada, não se verifica o aventado erro de julgamento, porquanto, provado se dá o que consta do sobredito relatório de autópsia médico-legal, nos termos do qual, se refere, no item “discussão”, «As lesões mais graves são as crânio-meningo-encefálicas, sugerindo lesão traumática com superfície de aplicação larga; estas apresentam características idóneas a provocar a morte, que adveio da associação a estas de complicações médicas inerentes a este estado (pulmão de ventilador, enfarte do miocárdio, etc.).»
8. Acresce ainda que, o acórdão sob recurso, em lado algum dá como provado que, foram os golpes desferidos com a faca que causaram a morte de KK, sendo que, conforme se escreveu no acórdão sob recurso:
«- As agressões que provocaram as lesões mais graves foram levadas a cabo pelo Arguido AA que desferiu, pelo menos, dois golpes na cabeça daquele com um extintor;
(…). (…).
- KK veio a falecer devido às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, na sequência das quais veio a sofrer de complicações médicas inerentes a esse estado;
- se é certo que as lesões corto-perfurantes não provocaram a morte, também é certo que contribuíram para fragilizar a posição da Vítima. E se as mesmas não se mostram profundas, tal não significa a falta de intenção de matar, mas sim, a inexperiência e a hesitação de quem as desferiu ao que acresce o facto de KK ter oferecido muita resistência, não permanecendo imóvel. Embora a Arguida DD refira apenas ter desferido uma facada (quando KK já se encontrava no chão), resulta certo que a Vítima sofreu duas facadas que ajudaram forçosamente a manietá-la, colocando-a em posição de não mais resistir, conferindo aos Arguidos, de forma determinante, superioridade face à mesma e contribuindo para que lhe fosse tirada a vida. Note-se que, ao dar entrada no Centro Hospitalar do Algarve, este já apresentava, entre o mais, extenso e volumoso hematoma epidural agudo ao nível da convexidade cerebral direita; hemorragia subaracnoideia aguda; hematoma subdural agudo milimétrico adjacente à tenda; hemorragia recente no tronco cerebral e colecção extra-axial ao nível da convexidade cerebelosa direita; hematomas epicranianos frontoparietal temporais bilateralmente; fracturas recentes cominutivas na escama temporal direita, mantendo febre constantemente superior a 38,5ºC – cfr. fls. 34 a 36;»
9. Inexiste contradição entre o teor dos pontos 11 e 22 e 23 da matéria de facto provada. Com efeito, provado ficou que a arguida DD desferiu pelo menos uma facada e, bem ainda, que uma das outras facadas necessariamente foi desferida por um dos outros co-arguidos (ou mesmo pela arguida DD, a qual, em sede de primeiro interrogatório judicial afirmou que, para além dela, não viu mais ninguém desferir outra facada na vítima), porquanto, a vítima sofreu dois golpes, razão porque, ousamos sugerir que, o mencionado ponto 21 possa ter a seguinte redacção:
«Em consequência directa das pancadas na cabeça e facadas desferidas pelos arguidos, o Ofendido KK sofreu: (…)».
10. De resto, a circunstância de a viatura automóvel (carrinha) que era conduzida por KK ter embatido num muro e, na perspectiva da recorrente, poder ter alterado o estado físico deste, contende, por um lado, com o facto de as aludidas fotografias constantes de fls. 90, 91 e 97 dos autos, demonstrarem claramente estarmos perante um ligeiro embate cujas consequências se resumem a um pequeno estrago (raspão na pintura) na parte inferior da porta do condutor e no para-choques insusceptível de ter causado qualquer lesão física ao condutor, o qual, recorde-se, morreu devido às pancadas que lhe foram desferidas com um extintor e, não, devido a quaisquer mazelas relacionadas com um, imaginário, acidente de viação.
11. O ponto 26 da factualidade provada, na parte respeitante à arguida/recorrente DD, resultou provado com base nas declarações desta em sede de primeiro interrogatório judicial, diligência esta em que a mesma admitiu saber que o arguido AA transportava uma faca e que era habitual o mesmo transportar consigo tal tipo de objecto.
12. Relativamente aos pontos 29 e 30 da factualidade provada, a arguida/recorrente DD limita-se a discordar da valoração da prova efectuada pelo Tribunal «a quo» alegando que, aquela nunca quis matar KK, o que se mostra infirmado, para além do muito mais, pelas declarações prestadas pela mesma em sede de primeiro interrogatório judicial.
13. Por último, no que tange ao ponto 38 da factualidade provada, o mesmo foi dado provado, para além do mais, com base nas declarações prestadas pela arguida DD em sede de primeiro interrogatório judicial, diligência em que a mesma admitiu que «tendo tido consciência que o ofendido ainda não estava morto, não chamou o INEM porque estavam a fazer muita pressão.»
14. A mera leitura do acórdão infirma totalmente a verificação da nulidade do acórdão a que se alude no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, a qual, na verdade é invocada em face da discordância da arguida DD em ter sido condenada pela prática como co-autora material de um crime de homicídio qualificado.
15. Na verdade quem, empunhando um extintor desfere, por duas vezes, com força, o mesmo na cabeça doutra pessoa e, bem ainda, empunhando uma faca lhe desfere dois golpes na zona abdominal e perfeitamente ciente de que a vítima se encontrava ferida, decide abandonar o local, bem sabendo que as ofensas infligidas eram adequadas a causar a morte, como se provou terem feito os arguidos agindo em concertação de esforços e intentos, obviamente que representa e quer acabar com a vida dessa pessoa.
16. Sendo certo que, conforme anotou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, verifica-se uma situação de concurso efectivo entre o crime de homicídio doloso e o crime de roubo, quando aquele «é cometido para facilitar, executar ou encobrir o roubo»12, razões pelas quais, cremos, dúvidas não poder restar sobre ter sido certeira a integração jurídico-penal efectuada pelo Tribunal «a quo» relativamente à matéria de facto provada.
17. In casu, tanto relativamente ao crime de homicídio qualificado, assim como, relativamente ao crime de roubo são muitas elevadas as exigências de prevenção geral13 e especial.
12 COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, 2015, p. 829 (anotação 34).
13 Cfr. a este propósito, respectivamente, o Acórdão do STJ de 02/06/2021, cujo relator foi o Exm.º Conselheiro PAULO FERREIRA DA CUNHA e o Acórdão do STJ de 11/02/2021, cuja relatora foi a Exm.ª Conselheira MARGARIDA BLASCO. Ambas as decisões estão disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt
18. Acresce ainda que, o acórdão sob recurso ponderou devidamente, os factores elencados pela arguida DD, assim como, as exigências de prevenção especial e geral, conforme se alcança das seguintes passagens daquele que ora se transcreve:
«As necessidades de prevenção geral são prementes, sobretudo relativamente ao crime de Homicídio, pelo bem jurídico supremo tutelado que é a vida humana. O alarme social provocado é elevado, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade das normas violadas. É, pois, imperativo deixar um sinal claro à comunidade de que não são tolerados factos como os em apreço, sobretudo numa altura em que vai sendo dada nota de um crescendo da criminalidade muito violenta, sendo inquestionável a necessidade de fixação de penas eficazes, que não excedam, obviamente, os limites da culpa.
Os Arguidos agiram com dolo directo na prática do crime de Roubo. Já quanto ao crime de Homicídio, os Arguidos DD e AA agiram igualmente com dolo directo e a Arguida GG com dolo eventual. Porém, o seu grau de participação ganha relevância considerando que a mesma era a única que conhecia o Ofendido, que falou dele aos co-Arguidos e que o atraiu até ao local onde estes já se encontravam escondidos, tendo o seu contributo sido determinante para a prática dos demais factos. Também foi esta Arguida que contactou com MM com vista ao depósito do cheque subtraído à Vítima.
O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, dado o modo de execução dos factos e a pluralidade dos crimes cometidos. De sublinhar que KK foi isolado e surpreendido com a actuação dos três Arguidos e a multiplicidade das agressões de que foi vítima.
Acresce a leviandade do comportamento dos Arguidos traduzida na facilidade com que se determinaram à prática dos factos e ao modo de execução dos mesmos, apenas e tão-só com o intuito de se apoderarem dos pertences do Ofendido, ultrapassando, em muito, a barreira psicológica que impede qualquer homem comum de levar a cabo agressões e de tirar a vida de outra pessoa, com vista à obtenção de valores e objectos.
E apesar das Arguidas DD e GG terem admitido parte dos factos que lhe são imputados, procuraram, ainda assim, desresponsabilizar-se, apresentando um discurso ligeiro sem revelar a verdadeira interiorização da culpa.
Por outro lado, pese embora não sejam conhecidos antecedentes criminais a estas Arguidas e as mesmas revelem integração social e laboral (sobretudo, DD que, além do mais, conta com apoio familiar), esta circunstância não as afastou da prática dos factos ora em discussão, revelando, como acima referido, leviandade.»
19. Termos em que, por o douto colectivo ter apreciado correctamente a prova validamente obtida nos autos e, integrado jurídico-penalmente de forma certeira a factualidade dada como provada e, bem assim, tendo estabelecido criteriosamente as penas parcelares e única aplicadas e, inexistindo a violação de qualquer norma legal, deverá ser julgado improcedente o recurso e, por conseguinte, ser mantido na integra o douto acórdão proferido nos presentes autos.
1. A arguida GG interpôs recurso no que concerne ao douto acórdão condenatório proferido nos presentes autos alegando, em síntese, o seguinte:
a) O acórdão sob recurso é nulo, porquanto, a condenação da arguida/recorrente, no que tange ao crime de homicídio qualificado, deveu-se ao exame preliminar do telemóvel de fls. 22 e às informações das operadoras juntas a fls. 390 a 392 e 410, sendo certo que, em face do acórdão do Tribunal Constitucional datado de 10 de Abril de 2022 (que declarou inconstitucional a Lei n.º 32/2008), a condenação assentou em prova nula;
b) O Tribunal «a quo» errou na aplicação da norma aplicável, porquanto, o objectivo da arguida/recorrente era apenas o de facilitar o roubo da vítima, mas nunca que o mesmo fosse «assassinado», pois que, nunca teve a intenção de matar, razão porque, a mesma apenas deveria ter sido condenada pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.º 2, alínea b), ex vi artigo 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal ou eventualmente o crime previsto no artigo 210.º, n.º 3, do Código Penal;
c) Na determinação da pena aplicável, o Tribunal «a quo» violou o artigo 71.º, do Código Penal, porquanto, por um lado, não teve em devida conta a sua inserção social e profissional e, bem assim, por outro lado, não teve em conta que o grau de culpa da arguida/recorrente GG e menor daquele que corresponde ao da co-arguida DD, que foi quem executou a agressão da vítima com a faca.
2. In casu, não foi primordialmente com base no exame preliminar ao telemóvel da vítima e as informações das operadoras que levaram à condenação da arguida GG pela prática do crime de homicídio qualificado, mas, ao invés, sobretudo, porquanto, a mesma, em sede de interrogatório presidido por magistrado do Ministério Público (onde se encontrava assistida por ilustre defensora e tendo sido advertida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal) admitiu a prática de tais factos e, bem ainda, procedeu à reconstituição dos mesmos.
3. - Relativamente aos dados de tráfego e, em particular os metadados, ou seja, «os dados informáticos relacionados com uma comunicação efectuada por meio de um sistema informático, gerados por este sistema como elemento de uma cadeia de comunicação, indicando a origem da comunicação, o destino, o trajecto, a hora, a data, o tamanho, a duração ou o tipo de serviço subjacente;» (cfr. artigo 2.º, alínea c), da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro), salvo o devido respeito por melhor opinião, a declaração de inconstitucionalidade não produz qualquer efeito em relação àqueles que foram obtidos no prazo de seis meses, período máximo em que os fornecedores de serviços os podem conservar nos termos conjugados do disposto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, com o preceituado no artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, sendo para o efeito irrelevante que o fundamento utilizado no despacho tenha sido a norma declarada inconstitucional ou não.
4. No que tange ao exame preliminar do telemóvel da vítima KK: A recolha do mencionado aparelho no interior da viatura conduzida por aquele foi realizada pela Polícia Judiciária, no próprio dia em que ocorreram os factos, ou seja, no dia 12 de Fevereiro de 2018 e, dada a urgência (na descoberta dos agentes que tinham atentado – contra a vida de KK), ao abrigo do disposto no artigo 249.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, efectou exame ao telemóvel da vítima mediante o qual acedeu ao registo de chamadas efectuadas e recebidas por aquele no período temporal compreendido entre 06/02/2018 e 12/02/2018.
5. Acresce que, estando em causa o telemóvel da vítima e atento o estado de saúde da mesma, ou seja, totalmente impossibilitado de expressamente consentir na realização do exame ao seu telemóvel, (encontrando-se «entre a vida e a morte», recorde-se que o mesmo deu entrada na unidade hospitalar em “estado de coma” – cfr. fls. 34, 35 e 46) e, visando a diligência apurar, a identidade das pessoas que atentaram relativamente à vida da mesma, seria de presumir o seu consentimento10 (cfr. artigo 39.º, do Código Penal) com vista a que os órgãos de polícia criminal pudessem aceder ao conteúdo do sobredito aparelho.
6. No que tange às informações das operadoras constante de fls. 390 a 392 e 410, trata-se da facturação detalhada relativa aos cartões telefónicos n.º ...33 e ...41e identificação de cartões que funcionaram em determinado IMEI. O mencionado pedido não é efectuado ao abrigo da sobredita Lei n.º 32/2008, mas sim, ao abrigo do disposto nos artigos 187.º, n.ºs 1, alínea a) e 4 alínea a) e 189.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal e, dentro do período de conservação de seis meses nos termos conjugados do disposto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, com o preceituado no artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto (cfr. fls. 383-384 – 2.º volume)11, sendo certo também que, no caso da informação constante de fls. 410, está em causa dados de base, razões pelas quais, também aqui, a declaração de inconstitucionalidade é totalmente inaplicável.
10 Cfr. a este propósito PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, COMENTÁRIO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, 2008, p. 509 (anotação 7 alínea c)).
11 Cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/06/2022, cuja relatora foi a Exm.ª Desembargadora ALCINA DA COSTA RIBEIRO e que se mostra disponível em texto integral em www.dgsi.pt
7. Nestes termos, tanto o acesso aos dados do sobredito telemóvel, assim como, as informações solicitadas e prestadas pelas operadoras, não teve por base/fundamento qualquer norma da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, razão porque, a declaração de inconstitucionalidade em causa é totalmente inaplicável à situação em apreço.
8. A alternativa (ao crime de homicídio qualificado) de que a factualidade dada como provada integraria apenas o crime de roubo, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 2, alínea b) ex vi artigo 204.º, n.º 2, alínea f) e 210.º, e 3, do Código Penal, esbarra na intenção dos três arguidos que – agindo em concertação de esforços e intentos -, era a de matar KK, como efectivamente conseguiram.
9. Com efeito, quem, empunhando um extintor desfere, por duas vezes, com força, o mesmo na cabeça doutra pessoa e, bem ainda, empunhando uma faca lhe desfere dois golpes na zona abdominal e perfeitamente ciente de que a vítima se encontrava ferida, decide abandonar o local, bem sabendo que as ofensas infligidas eram adequadas a causar a morte, como se provou terem feito os três arguidos agindo em concertação de esforços e meios, obviamente que representa e quer acabar com a vida dessa pessoa.
10. De resto, conforme anotou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE12:
"Há uma relação de concurso efectivo entre o crime de homicídio doloso (…), e o crime de roubo, quando o homicídio é cometido para facilitar, executar ou encobrir o roubo."
11. In casu, tanto relativamente ao crime de homicídio qualificado, assim como, relativamente ao crime de roubo são muitas elevadas as exigências de prevenção geral13 e especial.
12. Acresce ainda que, o acórdão sob recurso ponderou devidamente as exigências de prevenção especial e geral, assim como, todos os factores acima mencionados, relativamente aos quais a arguida GG alegou não terem sido devidamente ponderados, conforme se alcança das seguintes passagens daquele que ora se transcreve:
«As necessidades de prevenção geral são prementes, sobretudo relativamente ao crime de Homicídio, pelo bem jurídico supremo tutelado que é a vida humana. O alarme social provocado é elevado, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade das normas violadas. É, pois, imperativo deixar um sinal claro à comunidade de que não são tolerados factos como os em apreço, sobretudo numa altura em que vai sendo dada nota de um crescendo da criminalidade muito violenta, sendo inquestionável a necessidade de fixação de penas eficazes, que não excedam, obviamente, os limites da culpa.
Os Arguidos agiram com dolo directo na prática do crime de Roubo. Já quanto ao crime de Homicídio, os Arguidos DD e AA agiram igualmente com dolo directo e a Arguida GG com dolo eventual. Porém, o seu grau de participação ganha relevância considerando que a mesma era a única que conhecia o Ofendido, que falou dele aos co-Arguidos e que o atraiu até ao local onde estes já se encontravam escondidos, tendo o seu contributo sido determinante para a prática dos demais factos. Também foi esta Arguida que contactou com MM com vista ao depósito do cheque subtraído à Vítima.
O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, dado o modo de execução dos factos e a pluralidade dos crimes cometidos. De sublinhar que KK foi isolado e surpreendido com a actuação dos três Arguidos e a multiplicidade das agressões de que foi vítima.
Acresce a leviandade do comportamento dos Arguidos traduzida na facilidade com que se determinaram à prática dos factos e ao modo de execução dos mesmos, apenas e tão-só com o intuito de se apoderarem dos pertences do Ofendido, ultrapassando, em muito, a barreira psicológica que impede qualquer homem comum de levar a cabo agressões e de tirar a vida de outra pessoa, com vista à obtenção de valores e objectos.
12 COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, 2015, p. 829 (anotação 34).
13 Cfr. a este propósito, respectivamente, Acórdão do STJ de 02/06/2021, cujo relator foi o Exm.º Conselheiro PAULO FERREIRA DA CUNHA e Acórdão do STJ de 11/02/2021, cuja relatora foi a Exm.ª Conselheira MARGARIDA BLASCO. Ambas as decisões estão disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt
E apesar das Arguidas DD e GG terem admitido parte dos factos que lhe são imputados, procuraram, ainda assim, desresponsabilizar-se, apresentando um discurso ligeiro sem revelar a verdadeira interiorização da culpa.
Por outro lado, pese embora não sejam conhecidos antecedentes criminais a estas Arguidas e as mesmas revelem integração social e laboral (sobretudo, DD que, além do mais, conta com apoio familiar), esta circunstância não as afastou da prática dos factos ora em discussão, revelando, como acima referido, leviandade.»
13. Todavia, conforme se alcança do excerto acima transcrito do acórdão sob recurso, na ponderação da pena aplicada, em particular, relativamente ao crime de homicídio qualificado, estamos em crer, salvo o muito e devido respeito, que o Tribunal «a quo» não tirou a consequência que impunha, ao ter concluído, que os arguidos DD e AA agiram com dolo directo e a arguida GG com dolo eventual.
14. Com efeito, relativamente à prática do crime de homicídio qualificado, tendo a arguida DD agido com dolo directo e a arguida/recorrente GG com dolo eventual, cremos que, esta degradação ao nível do ilícito subjectivo (e consequentemente ao nível da medida da culpa), deverá refelectir-se na medida da pena aplicável a esta última.
15. Assim, afigura-se-nos que, relativamente à arguida/recorrente GG, devendo-se manter a pena parcelar de 3 anos de prisão no que tange ao crime de roubo, deverá ser-lhe aplicada a pena parcelar de 16 anos no que tange ao crime de homicídio qualificado e, em cúmulo, deverá ser condenada na pena única de 18 anos de prisão.
16. Termos em que, por o douto colectivo ter apreciado correctamente a prova validamente obtida nos autos e, integrado jurídico-penalmente de forma certeira a factualidade dada como provada e, inexistindo (com excepção do ponto 14 das conclusões) a violação de qualquer norma legal, deverá ser parcialmente procedente o recurso no que tange à medid da pena - ousando-se sugerir que a pena única aplicada seja de 18 anos de prisão - e, por conseguinte, no demais, ser mantido na integra o douto acórdão proferido nos presentes autos.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal, respondendo o assistente.
B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. Em data não concretamente apurada, mas entre Janeiro de 2018 e 12 de Fevereiro de 2018, a Arguida GG conheceu KK no supermercado ... em ..., onde a Arguida trabalhava.
2. KK por diversas vezes abordou a Arguida GG, fazendo-lhe propostas de cariz sexual e, apesar da Arguida não aceitar tais propostas, guardou o número de telemóvel daquele dizendo-lhe que iria falar com uma amiga que talvez estivesse interessada.
3. No dia 11 de Fevereiro de 2018, após conversar com a Arguida GG sobre a proposta de KK, a Arguida DD deslocou-se ao ... acompanhada pelo seu namorado, o Arguido AA, tendo ambos pernoitado em casa da Arguida GG.
4. Ainda no mesmo dia, a Arguida GG contactou telefonicamente KK para o n.º ...55, utilizando para tal o seu n.º ...75, tendo agendado com o mesmo encontrar-se no dia seguinte de manhã no Parque Industrial ... em ....
5. Em momento anterior ao encontro com KK no dia 12 de Fevereiro de 2018, os Arguidos elaboraram um plano para subtraírem os pertences daquele.
6. Ainda nessa manhã, por KK ter dificuldades em encontrar o local acordado, encontrou-se com a Arguida GG no ... em ....
7. Dali, ambos se deslocaram para o Parque Industrial ..., onde já se encontravam a aguardá-los os Arguidos DD e AA.
8. Chegados ao local, a Arguida GG e KK deslocaram-se, por indicação daquela, para o interior do edifício, para a zona das casas de banho, onde se encontravam, escondidos, os Arguidos DD e AA.
9. Já no interior do edifício, enquanto a Arguida GG falava com KK, o Arguido AA surgiu pelas costas do Ofendido e procurou manietá-lo, agarrando-o pelo braço e, depois, pelo pescoço e, com um extintor de incêndio na mão, usando luvas de látex, foi-lhe desferindo-lhe pelo menos dois fortes golpes na cabeça.
10. Apesar de atordoado com as pancadas e já caído no chão, KK tentava soltar-se, remexendo-se, tendo um dos Arguidos pedido ajuda à Arguida DD, dizendo-lhe “espeta-lhe a faca”.
11. A Arguida DD, com luvas calçadas e munida de uma faca, desferiu pelo menos um golpe na zona abdominal de KK.
12. Os Arguidos retiram, então, do bolso de KK, 60 € (sessenta euros) em numerário, um cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos), com n.º ...60 do Banco Santander Totta, o cartão de cidadão e um telemóvel pertencentes ao Ofendido.
13. Já no exterior, os Arguidos comentaram que “o homem devia morrer” e seguiram os três a pé até à estação de autocarros de ....
14. No percurso até à estação de autocarros de ..., um dos Arguidos atirou o referido telemóvel e o cartão de cidadão do Ofendido KK para o meio da vegetação.
15. Na estação de autocarros de ..., os Arguidos GG, DD e AA, com os 60€ que haviam retirado ao Ofendido KK, compraram três bilhetes com destino a ... - ....
16. Ainda durante a viagem até ..., a Arguida GG telefonou a MM, tendo marcado encontro com o mesmo no ....
17. Ainda no mesmo dia, já no ..., a Arguida GG apresentou MM aos Arguidos DD e AA.
18. Os Arguidos pediram então a MM para que procedesse ao depósito do referido cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos) na sua conta, para posteriormente lhes entregar o respetivo montante em numerário.
19. MM concordou e deslocou-se ao multibanco da agência do Banco Santander Totta, sito na Avenida ..., no ..., onde depositou o referido cheque.
20. Apesar de gravemente ferido, o Ofendido KK ainda conduziu a carrinha de matrícula ..-..-JO, até às instalações da empresa PLÁSFARO, onde, após ter tido paragem cardiorrespiratória, foi socorrido e transportado para o Hospital de Faro.
21. Em consequência directa das pancadas na cabeça e facadas desferidas pelos Arguidos DD e AA, o Ofendido KK sofreu:
- Hematoma subdural agudo adjacente a tenda, junção falcotentorial e à foice, hematoma no sobreolho esquerdo, hematoma volumoso epidural agudo convexidade cerebral dta. (38mm), lesões isquémicas agudas secundárias nas cabeças dos núcleos caudados e palidocapsulotalâmicos bilaterais, bem como lesão isquémica córtico-subcortical temporo-occipito mesial e basal direita e hemorragia de Duret no tronco cerebral;
- Coleção hemática extra-axial, subdural ou mista (componente epidural), na convexidade temporoparietal direita de 17mm de espessura, focos de pneumocefalia extra-axial nas convexidades frontais anteriores bilaterais e no hematoma extra-axial, fina lâmina hemática e pequenos focos de pneumocefalia subdurais agudos na convexidade frontotemporal esquerda. Escoriação médio-frontal com 21x15mm; equimose arroxeada com halo esverdeado na região ocular direita com 5,5x2cm e esquerda com 1x0,6cm;
- Duas feridas inciso perfurantes na zona da base lateral posterior do hemitórax esquerdo e direito que atingiram os tecidos moles e o fígado, com 1,5 cm de largura, sofreu hemorragia subaracnoideia aguda em sulcos da convexidade temporal homolateral, em fase de internamento e resultante das lesões sofreu um enfarte.
22. O Ofendido KK foi submetido a cirurgia e permaneceu em coma, vindo a falecer pelas 08h45m do dia 19 de Fevereiro de 2018.
23. Em consequência direta das condutas dos Arguidos GG, DD e AA, o Ofendido KK sofreu lesões crânio-meningo-encefálicas, complicações de pulmão e enfarte do miocárdio que lhe causaram a morte.
24. Os Arguidos GG, DD e AA, em conjugação de esforços, na concretização de um plano previamente traçado, usaram como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, violência física e psíquica contra o Ofendido KK, colocando-o na impossibilidade de resistir o que lhes permitiu apoderarem-se dos bens àquele pertencentes.
25. Ao assenhorearem-se da quantia monetária de 60€, do cheque no valor de 2.788,11 € (dois mil setecentos e oitenta e oito euros e onze cêntimos), do telemóvel e do cartão de cidadão do Ofendido, levando-os em seu poder, os Arguidos tiveram o propósito de os integrar no seu património, fazendo-os coisas suas, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam, sem o consentimento, contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário, KK.
26. Os Arguidos GG, DD e AA sabiam que DD tinha na sua posse uma faca, que utilizou, desferindo pelo menos um golpe na zona abdominal do Ofendido KK.
27. O Arguido AA, ao desferir várias pancadas na cabeça, zona vital de KK, utilizando para tal um extintor de incêndio, com este já prostrado no chão, esvaído em sangue, quis provocar a morte do Ofendido.
28. O Arguido AA conformou-se com os actos praticados por DD, aos quais aderiu.
29. A Arguida DD ao desferir pelo menos uma facada na zona abdominal, zona vital de KK, com este já prostrado no chão, quis provocar a morte do Ofendido.
30. A Arguida DD conformou-se com os actos praticados pelo Arguido AA, aos quais aderiu.
31. A Arguida GG tomou parte na execução do crime, tendo desempenhado um papel essencial, ao atrair de forma astuta o Ofendido KK para o local do crime.
32. A Arguida GG conformou-se com os actos praticados pelos Arguidos AA e DD, aos quais aderiu, representou como possível a morte do Ofendido KK e conformou-se com tal resultado.
33. Os Arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, pois bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
a) Apesar de atordoado com a pancada, KK agarrou o Arguido AA por trás com o braço no pescoço, vulgo “mata-leão”.
b) Ato contínuo, o Arguido AA desferiu várias cotoveladas no Ofendido KK.
c) Nas circunstâncias acima referidas em 11. a Arguida DD tinha calçadas luvas de látex.
d) Nas circunstâncias referidas em 10. e 11., KK disse aos Arguidos que se o problema era dinheiro que ele dava e o Arguido AA pegou novamente no extintor e desferiu pelo menos mais três fortes pancadas na cabeça do Ofendido.
«A convicção do tribunal quanto à matéria dada como provada e não provada assenta no conjunto de prova produzida, apreciada criticamente e com recurso às regras da experiência.
Desde logo, os Arguidos AA e GG, no exercício do direito que lhes cabe, não prestaram declarações em audiência de julgamento.
Por seu turno, a Arguida DD opta por se defender, vestindo as vestes de vítima dos co-Arguidos, justificando a sua participação nos factos com um alegado medo, primeiro, da Arguida GG para depois, também referir ter medo do Arguido AA por ter sido vítima de violência doméstica por parte deste.
Assim e, no essencial, conta que, uns tempos antes dos factos, a Arguida GG tinha ido passar uns tempos na sua casa, no ..., tendo-lhe então proposto assaltarem um senhor que tinha conhecido quando trabalhava no ... que andava sempre com muito dinheiro e que lhe fazia propostas de cariz sexual. Tendo DD respondido que não, GG foi falar com o AA (com quem DD namorava na altura) que já tinha praticado este tipo de factos, que era mais manipulável e que acabou por anuir.
Deste modo, veio para o ... juntamente com o AA um dia antes dos factos, sendo que a GG já cá se encontrava, tendo os três ido, nesse mesmo dia, à casa de um amigo desta Arguida que se situava no mesmo edifício onde os mesmos vieram a ser praticados.
Após, DD e AA pernoitaram na casa de OO, sendo que esta esteve ausente durante a noite até os acordar na manhã seguinte, para irem para o local, onde chegaram entre as 8 horas e as 9 horas. De seguida, esta Arguida ligou a KK e foi ter com o mesmo para o trazer ao local, onde os Arguidos DD e AA permaneceram escondidos.
Descreve que, uma vez no local dos factos, a Arguida GG puxou o Ofendido pelo braço para a casa-de-banho onde a ora Arguida DD se encontrava escondida e que o AA desferiu-lhe uma pancada com o extintor, pelo que ficou chocada e saiu daquele compartimento.
Após, percorreu o corredor do local para a frente e para trás até que GG lhe disse para tirar a faca do bolso do AA e dar uma facada no Ofendido que continuava a oferecer resistência.
Refere que apenas lhe cabia fazer de vigia e que o AA seguraria o Ofendido enquanto a GG lhe retiraria os pertences.
Contudo, o AA desferiu, pelo menos, duas pancadas com o extintor na cabeça de KK que continuou de pé, com aquele Arguido a agarrá-lo por trás, pelo pescoço, tendo DD apenas desferido um golpe com a faca porquanto a co-Arguida GG “obrigou-a”, tendo gritado consigo duas vezes “dá-lhe uma facada”, recordando-se então da ameaça que esta tinha feito contra o seu pai.
Acrescenta que depois da facada que desferiu, o Ofendido permaneceu de pé, tendo DD largado a faca que GG agarrou e desferiu um segundo golpe e apenas nesta altura é que aquele caiu ao chão.
De seguida, a Arguida GG retirou os pertences de KK (carteira, cheque, dinheiro e telefone) e ainda foi revistar a viatura deste, tendo AA levado um saco com roupa do Ofendido.
A caminho da estação rodoviária, a Arguida GG remexeu nas coisas e o Arguido AA revistou o saco que haviam retirado ao Ofendido, tendo o referido saco sido largado no mato e o telemóvel foi partido. Refere também que foi a Arguida GG quem pagou os bilhetes para a DD e o AA se deslocarem ao ..., quem comprou os bilhetes para ..., no dia dos factos, e ligou a um amigo que se deslocou a casa da DD no ... para depositar o cheque subtraído a KK. Afirma igualmente que o mencionado amigo (JJ) da GG foi, então, depositar o cheque acompanhado do AA, não tendo, porém, sido possível levantar qualquer quantia, pois havia sido cancelado.
Mais responde, por várias vezes ao longo do seu depoimento, que, uma vez no local, viu luvas e “capuz”, explicitando que, com excepção da GG, usaram luvas e “capuz”, sendo as suas de pano e as do AA de látex, as quais este jogou posteriormente no lixo.
Confrontada com as fotografias de fls. 842 a 850, reconhece nelas o local onde os factos ocorreram, nomeadamente, o hall de entrada, a casa-de-banho onde se escondeu antes de GG entrar com KK e a zona onde as agressões foram levadas a cabo.
De resto, vai dizendo que era a GG que dava ordem e dizia o que fazer, sendo pessoa com muita influência sobre as demais e justifica vir apenas agora contar que a segunda facada foi desferida por esta porquanto falou com o seu pai contando-lhe das ameaças daquela e este disse-lhe que se sabia defender, sossegando-a.
Este esforço de DD em jogar a responsabilidade para a co-Arguida GG e minimizar a sua é por demais óbvia das hipérboles usadas por DD e das contradições detectadas. Com efeito e após aventar que somente anuiu participar nos factos por estar “cheia de medo” porquanto aquela co-Arguida a ameaçou que faria mal ao seu pai que vive no mato, procura sustentar a seriedade de tal receio, dizendo que aquela tinha amigos traficantes. Não consegue, todavia, responder porque é que, tendo este tipo de amigos, GG foi pedir-lhe a si (que nem queria participar) e ao seu namorado que se deslocassem de ... para levarem a cabo o assalto.
Seja como for, mesmo sem essa alegada “chantagem”, o certo é que DD deslocou-se previamente ao ... já com a intenção de assaltar o Ofendido (conforme admite), embora, mais uma vez, justifique tal facto com a pressão a que foi sujeita, apesar de não ter sido obrigada como também reconhece.
E, ao mesmo tempo que diaboliza a co-Arguida GG, diz que aceitou participar nos factos para a ajudar, pois esta queria trazer o seu filho que estava em ... e DD sabe como é crescer sem mãe, pelo que sentiu pena daquela. Acrescenta que é pessoa influenciável, que se deixou levar e que não ia receber nada do assalto combinado, cujo produto seria dividido entre a GG e o AA.
Na mesma senda, afirma que também tinha medo do seu então namorado, o co-Arguido AA, pois já tinha sido vítima de violência doméstica por parte deste. E, no entanto, mantém que este não a obrigou a nada.
Mais adiante, vai mais longe e diz que GG disse-lhe para dar uma facada na barriga, que desconhecia que o AA tinha uma faca, a qual nunca tinha visto e que, tendo-se apercebido que KK estaria vivo, tentou ligar ao 112, no que foi impedida por aquela co-Arguida que lhe disse, depois, que a vítima devia morrer, caso contrário a iria reconhecer e “cairiam” todos.
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo do saber de matéria de conhecimento oficioso. Assim, são questões a resolver, em função do teor dos três recursos:
Do arguido AA:
a) - Valor da prova por reconstituição;
b) - Valoração, quanto ao co-arguido ora recorrente, de declarações, por outro coarguido, prestadas na fase de inquérito que em audiência de julgamento faz uso do Direito ao Silêncio;
c) - Declarações de co-arguido na fase de julgamento
d) - Impugnação da matéria de facto dada como provada;
h) - Qualificação Jurídica dos factos;
i) - Medida da Pena;
Pretende-se seguir uma ordem de conhecimento que abarque os três recursos e que siga a sistemática mais adequada à ordem de conhecimento imposta pelo Código de Processo Penal e não uma análise autónoma de cada um dos recursos.
Por tais razões de sistemática conheceremos por esta ordem:
A – 1º Nível - Do recurso da arguida DD:
g) - Falta de fundamentação e inconstitucionalidade, por violação dos artºs. 32º, nº 1 e 205º da C.R. Portuguesa;
h) - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
i) - Erro notório na apreciação da prova;
B – 2º Nível - Do recurso do arguido AA:
a) - Valor da prova por reconstituição;
C – 3º Nível - Do recurso da arguida GG:
n) - Revogação do acórdão recorrido por assentar a sua condenação em prova nula e proibida por lei, bem como inconstitucional;
D – 4º Nível - Dos recursos dos arguidos AA e DD:
b) - Valoração, quanto ao co-arguido ora recorrente, de declarações, por outro coarguido, prestadas na fase de inquérito que em audiência de julgamento faz uso do Direito ao Silêncio;
c) - Declarações de co-arguido na fase de julgamento
d) - Impugnação da matéria de facto dada como provada;
j) - Impugnação da matéria de facto provada do acórdão recorrido –factos 10., 11, 12., 13., 14., 15., 18., 21., 23., 26., 29., 30., 38;
D – 5º Nível - Dos recursos dos arguidos AA, DD e GG:
e) - Qualificação Jurídica dos factos;
k) - Erro na determinação da norma jurídica aplicável - deveria a arguida ser absolvida do crime de homicídio e condenada por um crime de roubo agravado cfr. artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal;
l) - Actuação com negligência, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte - artº. 210 n.º 3 do C. Penal;
o) - Alteração da qualificação jurídica da condenação da recorrente, para crime de roubo agravado pp art. 210º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do C. Penal ex vi do art. 204º n.º 2 alínea f);
D – 6º Nível - Dos recursos dos arguidos AA, DD e GG:
f) - Medida da Pena;
m) - Determinação da medida concreta da pena e suspensão da sua execução;
p) - Apreciação das circunstâncias atenuantes da recorrente previstas no art. 71º do C. Penal.
A primeira questão suscitada que se impõem como prévia consta da al. g) do recurso da arguida DD, a nulidade da “sentença” por omissão do exame crítico das provas.
É sabido o enquadramento normativo da exigência de fundamentação das decisões judiciais e renunciamos, por isso, a percorrer a via-sacra da argumentação sobre a fundamentação da decisão judicial. Recordemos só o básico vertido no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Regulamentando o princípio com dignidade constitucional o nº 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal (requisitos da sentença) ao estatuir que a sentença deve conter fundamentação que consiste na “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Em caso de inobservância do indicado, rege o nº 1, al. a) do artigo 379.º do mesmo diploma, cominando com “nulidade” a sentença que “não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, alínea b)”.
Ora, que se passa no caso dos autos, no entender deste tribunal? Do que se trata, no caso concreto, é saber se é suficiente a motivação fáctica apresentada pelo tribunal recorrido, no uso do princípio da livre apreciação da prova.
Desde logo convém afastar a ideia de que a análise a efectuar assentará num mero critério quantitativo das razões de facto apresentadas. Bem ao invés, impõe-se apurar se a motivação apresentada – que pode e deve ser sucinta – é completa, no sentido de tornar límpidos, claros, os seus fundamentos, daí que se possa já afirmar que a sua insuficiência equivalerá à sua falta, para os efeitos do disposto no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal, na medida em que uma fundamentação insuficiente, porque obscura, não é completa.
Isto é, apresentará ela, decisão, “os motivos, de facto …. que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”?
Para esse desiderato é mister recordar que a motivação de facto visa, no mínimo, um triplo objectivo: obter uma maior confiança do cidadão na administração da justiça; assegurar o auto controlo das entidades judiciárias; assegurar o direito ao recurso.
Quanto ao primeiro, assim habitualmente referido pela doutrina, é bom recordar que se liga, intimamente, à natureza democrática do regime em que se insere o nosso processo penal e à própria afirmação da legitimidade judicial no dizer do direito. “É a motivação que confere um fundamento e uma justificação específica à legitimidade do poder judicial e à validade das suas decisões, a qual não reside nem no valor político do órgão judicial nem no valor intrínseco da justiça das suas decisões, mas na verdade que se contém na decisão”[1].
Quanto ao segundo objectivo, o auto controlo “obsta à comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização por parte das autoridades judiciárias de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas, a fundamentação será impossível. Assim, a motivação actua como garantia de apreciação racional da prova”. [2]
Finalmente, a motivação é “absolutamente imprescindível para efeitos de recurso, sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo dedutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgador se poderá avaliar da sua legalidade”. [3]
Ou, noutra terminologia, a livre apreciação da prova e consequente motivação deve, intra ou endoprocessualmente, assegurar aos sujeitos processuais e ao tribunal superior – via recurso – a análise da justeza ou acerto do processo lógico racional que conduziu à decisão de facto e, extraprocessualmente, asseverar à sociedade a legalidade da sentença e a independência e imparcialidade dos juízes.[4]
Nesta sede cabe ao tribunal assegurar que o significado positivo de livre apreciação da prova não está assente em critérios subjectivos, emotivos, não é arbitrária, imotivável e incontrolável. Nem é genérica, por remissão. Bem ao invés, ela deve reconduzir-se a critérios objectivos, racionais, motivável via razão e linguagem.
Encurtando razões, a motivação da decisão mais não é do que uma exigência de controlo objectivo e racional da livre apreciação da prova, algo de essencial numa sociedade democrática.
Se há quem afirme que a motivação se basta com a indicação das regras da experiência ou os critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se orientasse num determinado sentido, [5] preferimos ver nela uma mais alargada abordagem metodológica, assente quer no contributo da doutrina, quer da jurisprudência.
Naquela surge como adequada a consideração de três níveis necessários de análise na motivação de facto; a relação das provas carreadas para o processo e que sejam pertinentes; a análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova; a ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto.
Quanto ao contributo da jurisprudência, para além da afirmação da vertente negativa do princípio da livre apreciação da prova - o valor dos meios de prova não está legalmente preestabelecido (já salientado por Figueiredo Dias[6]) – insere naquela ponderação lógica das provas e dos factos o apelo às regras de experiência comum, das quais podem ressaltar “descontinuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”. [7]
Assim como o apelo às presunções naturais, “como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.” [8]
Ou seja, torna-se essencial saber porque razão o tribunal atribuiu relevo a determinadas provas, a razão porque não atendeu a outras e qual foi o percurso racional, lógico, por ele seguido para definir a totalidade da matéria de facto.
Tudo de forma a excluir que o tribunal veicule a ideia (que pode ser errónea, mas que a ausência de fundamentação bastante legitima) de que fez apelo a elementos não objectivos, a meras possibilidades ou impressões imediatistas.
Ou seja, o sistema da livre convicção consagrado no ordenamento jurídico português não é um sistema irracionalista, subjectivo, de apreciação probatória, [9] sim um sistema racionalista, assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas. [10]
Ora, que se passa no caso dos autos?
É entendimento deste tribunal que a decisão recorrida, para além de fazer o elenco descritivo das provas carreadas para os autos e que foram relevantes para a apreciação factual, procedeu à análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova, assim como fez uma ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto.
É patente que o tribunal recorrido explicitou, de forma lógica e racional, por referência ao teor dos depoimentos, às suas circunstâncias e às regras de experiência comum, as razões que fundaram a convicção do tribunal recorrido. Valorou os meios de prova com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais.
Isto é, a fundamentação do tribunal recorrido, é adequada e completa e, consequentemente não sofre de “insuficiência intolerável”.
Mas impõe-se apurar em concreto das razões aduzidas pela recorrente.
A recorrente DD apenas conclui – conclusões E) e F) – mas percorridas as motivações nelas não se descortinam razões que suportem tais conclusões, a sua asserção de “falta de fundamentação”, pelo que as referidas conclusões são a mera manifestação de discordância da apreciação probatória realizada pelo tribunal recorrido.
Isto num aspecto substantivo, pois que na vertente processual a recorrente nada disse, quanto a isto, pelo que – é sabido – aquilo que apenas consta das conclusões não pode ser atendido.
Não ocorre, portanto, a nulidade referida pelo artigo 379 al.ª a) do Código de Processo Penal, nem a inconstitucionalidade subsequentemente invocada.
Por isso que a questão deva ser retirada de uma sede – a nulidade - que já se viu não ser adequada à solução do caso sub iudicio na medida em que a insatisfação se centra na impugnação da matéria factual com a qual a recorrente não concorda.
Apesar da advocatura de que o acórdão recorrido sofre destas dois vícios de conhecimento oficioso, a recorrente não delineia no seu recurso razões que os sustentem com apelo exclusivo ao texto da decisão recorrida, apenas com o apoio das “regras de experiência comum”, como o artigo 410º, nº 2 do C.P.P muito claramente explicita.
Nos termos desse preceito o “recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”. E apenas! Se a recorrente se vê obrigada a invocar prova, como faz, esses dois vícios não podem ocorrer, na estrita medida em que não são notórios, óbvios, evidente, pela simples leitura da decisão recorrida.
Bem ao invés, a recorrente impugna factos e alinhava prova para impugnar os factos dados como provados, o que nos retira de uma simples análise da previsão do artigo 410º do Código de Processo Penal e nos reconduz para a previsão do artigo 412º do mesmo diploma.
Ou seja, a recorrente invoca os designados “erros de julgamento” por impugnação factual.
Se o faz de forma adequada, isto é, através do cumprimento dos requisitos previstos nos números 3 e 4 desse preceito, coadjuvados pelo AUJ nº 3/2012, essa será questão a apreciar na impugnação factual.
É, portanto, improcedente a presente invocação
O recorrente AA resume a sua insatisfação quanto a este tema nas suas conclusões 24 a 49ª. Sintetiza os temas que aqui pretende ver tratados nos seguintes pontos da sua conclusão 27ª:
27. Mas no que a este tema diz respeito erguem-se duas questões: 1ª – A validade formal do documento que faz fls. 923 a 939; 2ª – A validade enquanto elemento de prova que pode auxiliar na identificação de coarguido que não participe na referida diligência.
Daqui resulta que o primeiro ponto tem natureza processual formal, o segundo tem índole ainda processual, mas com um conteúdo mais substancial, probatoriamente falando.
Afirma o artigo 150.º do Código de Processo Penal (Pressupostos e procedimento da reconstituição do facto): “1 — Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”.
Partindo do nº 1 do artigo 150º do C.P.P., quando afirma que a reconstituição tem um único objetivo, o de “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, resta saber quem o pode realizar, para sabermos se há acerto na afirmação do recorrente quanto ao primeiro ponto referido.
Uma análise do disposto nos artigos 268º e 269º do C.P.P. diz-nos que a presidência de uma reconstituição não é da competência do Juiz de instrução, pelo que a mesma passa naturalmente a ser do Ministério Público por ter sido realizada em inquérito.
E o artigo 270.º, no seu nº 1, contém a regra geral sobre os actos que podem ser praticados pelo Ministério Público em inquérito – sob a epígrafe «Actos que podem ser delegados pelo Ministério Público nos órgãos de polícia criminal» - : “O Ministério Público pode conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito”.
As excepções a esta regra contém-se no seu nº 2, no qual se não pode integrar a realização de uma reconstituição, pelo que somos forçados a concluir que o Ministério Público podia delegar na Polícia Judiciária a realização da reconstituição.
E quanto a isso o despacho de fls. 907 é claro, contém uma delegação de poderes para tal à Polícia Judiciária:
«Realização de reconstituição do facto, nos termos do artigo 150.° do Código de Processo Penal, no local da prática dos factos indicado pela arguida em interrogatório, (..., em ...), em data a designar com a Polícia Judiciária, que terá como objeto os factos relatados pela arguida em interrogatório, com eventual recurso a meios audiovisuais.
Caso a arguida não constitua mandatário, deverá a Polícia Judiciária nomear defensor oficioso.
Prazo: 30 dias
Remeta os autos à Polícia Judiciária, para a realização das referidas diligências.»
Ou seja, nesta delegação de competências o Ministério Público não reservou para si a presidência da diligência.
Por isso é que o auto de reconstituição não tem – nem tinha que ter – a assinatura do Magistrado do Ministério Público que delegou poderes.
E, consequentemente, o auto de reconstituição é válido na parte em que a dita é, de facto, uma reconstituição do facto, o “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, ou seja, o auto é válido de fls. 923 a fls. 938.
Coisa diversa é o que ocorre quanto ao auto a fls. 920 e 921.
Aí, exceptuando a localização da diligência, o nome da inspetora que realiza a diligência a as assinaturas da defensora da arguida e da inspectora da PJ que realiza a diligência, que são válidas – o auto é nulo na medida em que daí constam as declarações da arguida. Aí a PJ, como é costume nefasto, não conseguiu resistir à tentação de plasmar as declarações confessórias da arguida e a identificação dos outros dois arguidos que, por isso, não podem ser atendidas.
Por isso que o recorrente não tenha razão quanto ao primeiro ponto, mas a tenha quanto ao segundo: a reconstituição é nula na parte em que o respectivo auto reproduz declarações da arguida e identifica os restantes arguidos (no sentido de tal identificação se bastar com a realização da reconstituição).
Mas um terceiro ponto desencadeado pelo recorrente deve ser abordado e diz respeito à sua conclusão 49ª, a saber:
49. Assim, a referida constituição corporizada no pretenso auto, não tem, pois, e quanto ao arguido qualquer valor probatório no que a si diz respeito, nomeadamente para permitir sua identificação como co-autor do facto descrito no douto libelo acusatório.
Uma “prova” tem por função a “demonstração da realidade dos factos” – artigo 341º do Código Civil – e “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma” é uma maneira de produzir prova.
Recordemos que a reconstituição é uma aproximação ao real acontecido, através de uma tentativa de reconstrução do facto ilícito praticado, com intuitos indiciários ou probatórios. É um meio de prova e, como tal, com objectivos potencialmente incriminatórios. Repetimos: a reconstituição é um meio de prova, como tal inserido no CapítuloV (de um só artigo) do Título II do Livro III, da Parte I do Código de Processo Penal.
A reconstituição também serve, através da análise da forma ou formas como o ilícito poderá ter sido praticado, para adjuvar na sua prova e para consolidar ideias sobre o modo de execução e auxiliar de forma importante outras provas “a descobrir um facto, a obter prova sobre ele e a determinar a autoria de dado facto”. Neste último caso a ajudar, inclusive, a formar convicção sobre o número de agentes intervenientes.
Como joga a pretensão punitiva do Estado através do uso deste meio de prova e o privilégio contra a auto-incriminação? Desde logo, e ao contrário do que acontece no reconhecimento onde a permanência na linha de identificação é obrigatória - na medida em que não exige, para a maioria dos casos, um facere do arguido - a reconstituição não é uma diligência em que o arguido tenha a obrigação de colaboração. E, precisamente, na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, privilégio este que se não limita aos meios de prova “declarativos”.
Aliás, neste campo foi já lavrada variada jurisprudência. Na essência, a ideia central foca-se na característica de prova (meio de prova) autónoma da reconstituição, no balanço a estabelecer com o exercício do direito ao silêncio em audiência de julgamento.
Ou seja, a reconstituição pode auxiliar na prova de que os factos se processaram de determinada forma e com a intervenção de certos agentes. É aliás prova que, para além de autónoma, é em regra pré-constituída (em momento anterior à audiência de julgamento) e não faz sentido excluí-la devido a facto futuro incerto, o saber se o arguido vai ou não exercer o seu direito ao silêncio.
Sem prejuízo, naturalmente, do exercício do contraditório em audiência de julgamento.
Daqui não resulta que a reconstituição, isoladamente considerada, faça prova de como os factos ocorreram e de quem são os seus agentes.
Há quem veicule a ideia de que as reconstituições não são admissíveis como prova porque os arguidos exerceram o direito ao silêncio em audiência de julgamento. Esta ideia – e esta constatada consequência na inadmissibilidade de valoração da prova no caso concreto – é rotundamente de afastar.
Ou seja, uma prova que é autónoma e que está pré-constituída no processo é riscada dos autos de uma penada por vontade do arguido. Isto significa a criação de um novo direito dos arguidos: sempre que uma reconstituição seja incómoda o arguido pode neutralizá-la com efeitos rectroactivos. Não se trata de privilégio contra a auto incriminação, trata-se de privilégio de decretar a inutilidade de prova incómoda já constante dos autos.
As questões controversas a este respeito têm-se colocado na destrinça a fazer entre “reconstituição” e “declarações” dos arguidos, prestadas em actos de reconstituição, quando se torna evidente que a polícia, quase exclusivamente e com demasiada frequência, “aproveita” as reconstituições para fixar/formalizar declarações confessórias.
Ou nos casos em que os arguidos ainda o não são e intervêm na reconstituição como testemunhas por ainda não terem sido constituídos arguidos – devendo sê-lo - aquando da realização da reconstituição. Eram testemunhas, logo eram obrigados a participar e a agir e depor de acordo com a verdade e estava-lhes vedado o exercício do privilégio contra a auto-incriminação. O que sempre remeteria para o disposto nos artigos 58º e 59º do C.P.P.
Não é o que ocorre no caso dos autos em que a reconstituição foi meio de prova para encontrar o rumo da investigação, parada muitos anos por ausência de elementos e com arguida jà constituída.
Relativamente à relação entre “reconstituição” e “declarações” dos arguidos convém fazer então uma afirmação excludente, um reparo e uma ressalva.
A excludente passa pela afirmação de que o privilégio contra a auto-incriminação, ideia geral que inclui o direito ao silêncio, não significa que o arguido tenha o privilégio de impedir que seja efectuada prova contra si. Esse sempre seria um enviesado privilégio.
O reparo vale para realçar que há um elemento da realidade e de racionalidade que não pode ser afastado.
Não há reconstituição sem linguagem, assim como não há processo sem linguagem. E exigir que a reconstituição feita exclusivamente por arguidos não tenha “declarações” é exigir que as reconstituições sejam mudas, despidas da linguagem, característica essencial da humanidade. A ideia é interessante mas abertamente pouco eficaz.
A ressalva surge depois de se reconhecer que uma reconstituição com arguidos contém, necessariamente, “declarações” dos mesmos na medida em que têm que verbalizar o conhecimento que tiveram do facto ocorrido para que o mesmo seja “reconstituído”. A cautela constante da ressalva impõe-se só e apenas se as forças policiais utilizarem a reconstituição como forma abusiva de obter uma declaração confessória, declarações estranhas ao objecto da reconstituição ou uso de expediente processual de não constituição como arguido, devendo ser.
O que nega a tese de que as reconstituições são mera formalização de “declarações” dos arguidos.
Mas não podem ser liminarmente excluídas.
Por toda essa jurisprudência tomamos como exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 Janeiro 2005 (Rel. Cons. Henriques Gaspar, Processo 3276/04). [11]
1. A reconstituição do facto, autonomizada como um dos meios de prova típicos (artigo 150° do Código de Processo Penal), consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.
2. A reconstituição do facto, prevista como meio de prova autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizada e documentada em auto ou por outro vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» - artigo 127° do CPP.
3. Pela sua própria configuração e natureza, a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126° do CPP.
4. A reconstituição do facto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição, e as declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido.
5. O privilégio contra a auto-incriminação, ou direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória.
6. Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, possibilitando a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática e actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova, como é a reconstituição do facto.
7. Vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modos e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do artigo 356º, nº 7 do CPP.»
Resumindo quanto a este ponto:
- o auto de reconstituição é válido na parte em que é, de facto, uma reconstituição do facto, o “determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma”, ou seja, o auto é válido de fls. 923 a fls. 938;
- o auto de reconstituição é nulo parcialmente relativamente a fls. fls. 920 e 921 por corporizar declarações da arguida;
- aí é válida a localização da diligência, o nome da inspetora que a realiza as assinaturas da defensora da arguida e da inspectora da PJ que realiza a diligência;
– o auto é nulo na medida em que daí constam as declarações da arguida e não pode ser utilizado como prova exclusiva da identificação dos restantes arguidos.
Por isso que o recorrente não tenha razão quanto ao primeiro ponto, mas a tenha quanto aos segundo e terceiro: a reconstituição é nula na parte em que o respectivo auto reproduz declarações da arguido e serve, exclusivamente (sem o acompanhamento de outros elementos probatórios), para identificar os restantes arguidos.
A essência da alegação da recorrente centra-se na violação do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa e por referência às informações das operadoras de telecomunicações constantes de fls. 390 a 392 e 410. Por sequência – e porque estamos face a uma co-autoria - a decisão a tomar neste ponto terá igualmente que considerar a validade probatória dos dados com origem no CD de fls. 380, do documento de fls. 405 e outros da mesma natureza.
O essencial da sua invocação assenta na sua conclusão 1º :
« a) O acórdão sob recurso é nulo, porquanto, a condenação da arguida/recorrente, no que tange ao crime de homicídio qualificado, deveu-se ao exame preliminar do telemóvel de fls. 22 e às informações das operadoras juntas a fls. 390 a 392 e 410, sendo certo que, em face do acórdão do Tribunal Constitucional datado de 10 de Abril de 2022 (que declarou inconstitucional a Lei n.º 32/2008), a condenação assentou em prova nula;
Estamos a tratar de dois pontos diversos, sendo que o exame do telemóvel da arguida nada tem a ver com a Lei nº 32/2008, e os autos não revelam – nem a recorrente demonstra – a prática de qualquer invalidade processual no exame de tal aparelho.
Coisa diversa ocorre com as informações das operadoras que foram juntas aos autos, essas sim dependentes na sua validade da leitura substantiva que se faça da Lei nº 32/2008.
A Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (Lei de Retenção de Dados), transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações.
Apesar dos variados problemas processuais suscitados por essa lei e pelos vários avisos feitos ao legislador português após a declaração de invalidade da Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de abril de 2014 C-293/12 - Digital Rights Ireland e Seitlinger de 2014, Tele2 Sverig AB, de 2016 e outros - o legislador português adormeceu!
A decisão do acórdão Digital Rights Ireland e Seitlinger foi curta e lapidar:
A Diretiva 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva 2002/58/CE, é inválida.
O acórdão Tele2 Sverig AB, mais explícito, não deixa de ser cristalino:
1) O artigo 15º, nº 1, da Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, lido à luz dos artigos 7.°, 8.° e 11.°, bem como do artigo 52º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê, para efeitos de luta contra a criminalidade, uma conservação generalizada e indiferenciada de todos os dados de tráfego e dados de localização de todos os assinantes e utilizadores registados em relação a todos os meios de comunicação eletrónica.
2) O artigo 15º, nº 1, da Diretiva 2002/58, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, lido à luz dos artigos 7.°, 8.° e 11.° bem como do artigo 52º, nº 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que regula a proteção e a segurança dos dados de tráfego e dos dados de localização, em especial, o acesso das autoridades nacionais competentes aos dados conservados, sem limitar, no âmbito da luta contra a criminalidade, esse acesso apenas para efeitos de luta contra a criminalidade grave, sem submeter o referido acesso a um controlo prévio por parte de um órgão jurisdicional ou de uma autoridade administrativa independente, e sem exigir que os dados em causa sejam conservados em território da União.
Como a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, havia transposto para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, inquinada esta, aquela ficava em situação de instabilidade legislativa óbvia, pelo que avisada seria a sua profunda alteração.
Avisos não faltaram.
A CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados) pronunciou-se sobre esta matéria em dois Pareceres (24/2017 e 74/2021) e duas deliberações (641/2017 e 1008/2017) cuja leitura teria sido aconselhável, não só pelo acerto da interpretação jurídica, mas também pelo que revela de alertas que já fez ao legislador para que a Lei nº 32/2008 fosse alterada por via da existência de acórdãos do TJUE que muito claramente seguem a via dos arestos Digital Rights Ireland Ltd c. Minister for Communications, de 2014 e Tele2 Sverig AB, de 2016. [13]
O parecer de junho de 2021 (parecer 74 de 2021) enviado pela CNPD à AR por via da Proposta de Lei nº 98/XIV/2ª Gov. que pretendia transpor a Directiva (UE) nº 2019/713 relativa ao «combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário» é muito claro quanto à alteração proposta para a Lei nº 32/2008 e que ficou, ipsis verbis, a constar da Lei nº 79/2021, de 24 de novembro. Na sua conclusão 47ª do indicado parecer afirma-se:
47. Quanto à alteração à Lei nº 32/2008,de 7 de julho (Lei da Retenção de Dados), que vem proposta no artigo 4º da Proposta, limitando-se a aditar uma nova conduta às já constantes do conceito de 'crime grave', mal se compreende que, depois de o TJUE ter declarado inválida a Diretiva que esta lei transpõe e quando está a ser julgada a sua própria constitucionalidade, a alteração legislativa tenha este teor, em vez de corrigir ou suprir as normas em crise. Entende a CNPD, por isso, que ao legislador só resta proceder à revisão profunda e meticulosa do regime substantivo e processual da referida lei. Tal afirma-se como um imperativo resultante da jurisprudência constante do TJUE e condição essencial para superar a atual situação de fragilidade, para dizer o menos, em que a lei se encontra.
Destarte, a leitura da Lei nº 32/2008 que os pareceres da CNPD consideram claramente inconstitucional e a merecer revisão, já era urgente em 2017.
Para completar o quadro normativo já produzido devemos atender, igualmente, aos diplomas comunitários fonte parcial dos diplomas citados, a Directiva 2002/58/CE, a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e a tão badalada Directiva 2006/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15-03-2006, relativa a obrigações dos fornecedores de serviços de comunicações electrónicas publicamente disponíveis.
As Directivas aplicáveis ao longo do tempo – excluindo a Directiva de 2006, declarada inválida - centram-se no campo dos direitos do cidadão à privacidade colocam a questão e não no exercício dos poderes do Estado. Veja-se:
- Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados
- Directiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas (Directiva relativa à privacidade e às comunicações electrónicas)
- Directiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Novembro de 2009 que altera a Directiva 2002/22/CE relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, a Directiva 2002/58/CE relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas e o Regulamento (CE) n. 2006/2004 relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor.
Estamos, pois, a falar de intrusão do Estado na privacidade do cidadão já que a localização celular constitui violação da privacidade do cidadão.
Saber se a validade do legislado no contexto nacional em 2008 não foi afectada por essa decisão é uma interessante questão de aplicação do direito comunitário, expressa na dúvida sobre a validade formal de uma norma nacional de transposição face à invalidade judicialmente declarada da norma comunitária “transposta”, considerando o primado do direito comunitário.
Já negámos essa interpretação ab-rogante da Lei nº 32/2008 apenas devido à circunstância de se tratar de um diploma nacional que exigia interpretação autónoma, independente da leitura e validade dada hoje à Directiva nº 2006/24/CE.
A circunstância de um acto normativo comunitário ter sido declarado inválido não arrasta ipso facto a invalidade de um acto normativo nacional que o transpõe. Nada o afirma em termos normativos no Tratado da União Europeia ou no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Não há uma invalidade automática e subsequente do acto legislativo nacional de transposição.
Apesar de o acto legislativo nacional ter uma função de transposição legislativa, perde-a face à declarada invalidade do normativo comunitário de 2006 e apresenta uma autonomia assente na réstia de soberania nacional que os Estados membros ainda mantêm, implicando portanto uma análise jurídica autónoma.
Isto é, tratando-se de legislação nacional e não comunitária, a Lei nº 32/2008 deve ser interpretada como lei nacional na análise de cada caso concreto nacional, pelo tribunal nacional, sem prejuízo de eventuais efeitos de direito comunitário derivados da Directiva repristinada, no caso, a Directiva de 2002, que, esses sim, podem ser apreciados pelo TJUE já que este tribunal não pode apreciar a validade de actos legislativos nacionais isoladamente considerados.
Isto é, a Lei nº 32/2008 não é legislação nacional “inteiramente determinada” pelo direito comunitário (Acórdão TJUE Akerberg Fransson, processo C-617/10):
29 (…), quando um órgão jurisdicional de um Estado-Membro é chamado a fiscalizar a conformidade com os direitos fundamentais de uma disposição ou de uma medida nacional que, numa situação na qual a ação dos Estados-Membros não é inteiramente determinada pelo direito da União, aplica o direito da União na aceção do artigo 51º, nº 1, da Carta, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto pela Carta nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União.
Por outro lado, o que não pode ocorrer é interpretar-se a lei nacional com apoio de acto normativo comunitário declarado inválido pelo TJUE. É uma contradição nos seus próprios termos.
Sempre se entendeu que a reserva de soberania implicaria um juízo sobre a eventual validade da dita lei nacional de forma expressa por instância nacional que apreciasse substancialmente se os vícios apontados – violação dos artigos 7º, 8º e 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – inquinam a dita Lei 32/2008 e a tornam violadora da referida Carta de Direitos.
Para a necessária leitura substantiva (licitude dos normativos de carácter substantivo) e para demonstrar a natural repristinação da Diretiva 2002/58/C.E. apreciem-se os seguintes dois arestos, de 2020 e 2021, naturalmente posteriores ao aresto Digital Rights:
- Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de outubro de 2020 - processo C‑623/17, Privacy International contra Secretary of State for Foreign and Commonwealth Affairs, pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Investigatory Powers Tribunal (Tribunal de Instrução, Reino Unido):
Pelo que nos reconduzimos à questão essencial, o saber se a dita lei nacional (Lei nº 32/2008), norma que permitiu a junção aos autos das informações da empresas de comunicações, cumpre os requisitos da indicada Directiva de 2002, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição da República Portuguesa.
Não vimos isso a ser feito por qualquer acórdão nacional, à excepção dos acórdãos do Tribunal Constitucional nº 268/2022 e outros anteriores. A jurisprudência nacional, partindo de uma visão claramente alicerçada numa sobreposição dos interesses da investigação policial sobre os direitos acautelados por esses normativos no âmbito da privacidade, reduzi-os a zero.
Isto é, apesar dos repetidos avisos da CNPD o tema destas (in)conformidades da Lei nº 32/2008 passou à condição de tabu legislativo e jurisprudencial.
Recordando que a Lei 32/2008 é lei interna e que as Directivas são lei comunitária e, como tal, o primado do direito comunitário deve estar sempre presente, não permitindo que no caso a Lei nacional (ainda por cima de transposição de uma Directiva declarada judicialmente inválida), estabeleça um regime que significaria, de forma simples, a total revogação das ditas Directivas e a violação – sem resguardo judicial – da privacidade do cidadão e, nos termos da jurisprudência estabelecida nos processos Digital Rights Ireland Ltd (C-293/12) e Kärntner Landesregierung, Michael Seitlinger, Christof Tschohl (C-594/12) e nos outros dois supra citados, pelo menos.
Pelo que nos vemos agora reconduzidos à análise da Lei nº 32/2008 face à Constituição da República Portuguesa, já que para os autos resta demonstrada a sua inconformidade com a legislação e jurisprudência do TJUE.
Seria estultícia nossa tentar substituirmos ou repetir a clara e completa argumentação do Tribunal Constitucional no seu citado acórdão e da CNPD nos seus Pareceres e Deliberações, para mais num aresto com força obrigatória geral, pelo que nos limitamos a reproduzir o seu dispositivo.
Assim decidiu o Tribunal Constitucional:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
Constatado nos autos que as comunicações a este foram juntas em violação de ambas as alíneas deste dispositivo (artigos 4ª, 6º e 9º da Lei nº 32/2008), declaramos nula a junção aos autos de todas as informações das operadoras de telecomunicações, designadamente as constantes de fls. 380, 390 a 392, 405 e 410 e outras da mesma natureza e origem.
Tal constatação advém da simples aplicação do acórdão do Tribunal Constitucional com f.o.g.
Estas conclusões – as indicadas nos pontos B.3 e B.4 - determinam a impossibilidade de uso probatório parcial das declarações da arguida GG vertidas para o auto de reconstituição a fls. fls. fls. 920 e 921 e de todas as informações das operadoras de telecomunicações relativamente a todos os arguidos.
Implicam, além disso, o reenvio total dos autos para novo juízo sobre toda a matéria de facto com exclusão dos assinalados elementos, ficando prejudicado o conhecimento de todas as restantes questões suscitadas nos três recursos que, até aqui, não foram objecto de análise (Níveis 4, 5 e 6).
Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em declarar:
A – Do recurso da arguida DD:
1) – improcedente quanto às invocações de insuficiência de fundamentação, inconstitucionalidade por violação dos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa, erro notório na apreciação da prova e insuficiência factual;
2) – Mantendo-se tal auto válido quanto à localização da diligência, o nome da inspetora que realiza a diligência a as assinaturas da defensora da arguida e da inspectora da PJ que realiza a diligência e quanto a fls. 923 a fls. 938;
1) – parcialmente procedente quanto à invocação de inconstitucionalidade da Lei nº 32/2008 e, em consequência;
2) – Declarar probatoriamente nulas todas as informações das operadoras de telecomunicações relativamente a todos os arguidos.
3) – Determina-se o reenvio total para apurar da matéria de facto;
Do arguido AA:
- Valoração, quanto ao coarguido ora recorrente, de declarações, por outro coarguido, prestadas na fase de inquérito que em audiência de julgamento faz uso do Direito ao Silêncio;.
- Declarações de co-arguido na fase de julgamento
- Impugnação da matéria de facto dada como provada;
- Qualificação Jurídica dos factos;
- Medida da Pena;
Da arguida DD:
- Impugnação da matéria de facto provada do acórdão recorrido –factos 10., 11, 12., 13., 14., 15., 18., 21., 23., 26., 29., 30., 38;
- Erro na determinação da norma jurídica aplicável - deveria a arguida ser absolvida do crime de homicídio e condenada por um crime de roubo agravado cfr. artº. 210º, n.º 2, al. a) e b) e artº. 204º n.º 2, alínea f) do C. Penal, ou;
- Actuação com negligência, ainda que grave ou grosseira, representando como possível o resultado, mas confiando que ele não se verificaria, no crime de roubo agravado com resultado morte - artº. 210 n.º 3 do C. Penal;
- Determinação da medida concreta da pena e suspensão da sua execução;
Da arguida GG
- Alteração da qualificação jurídica da condenação da recorrente, para crime de roubo agravado pp art. 210º n.º 1 e n.º 2 alínea b) do C. Penal ex vi do art. 204º n.º 2 alínea f);
- Apreciação das circunstâncias atenuantes da recorrente previstas no art. 71º do C. Penal.
Sem tributação crime.
Independentemente do trânsito, comunique de imediato ao tribunal recorrido, via correio electrónico ou fax.
(processado e revisto pelo relator).
Carlos Campos Lobo (1º Adjunto)
Ana Bacelar (2ª Adjunta)