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IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MÁ FÉ
Sumário
I - A valoração da prova, em especial, na acção de impugnação pauliana deve ser realizada de acordo com as presunções judicias, tendo em conta: a) a eventual ligação familiar entre as partes; b) a utilização posterior do bem alienado; c) a necessidade efectiva da celebração do negócio; d) a existência de negociações prolongadas com o credor, e e) a coincidência temporal entre a declaração de insolvência/execução e a alienação. II - Não pode ser considerada provada uma factualidade, favorável à parte, unicamente com base no seu depoimento que é contrariado pela restante prova junta aos autos. III - O conceito de má fé, na impugnação pauliana, basta-se com o conhecimento da possibilidade real de, através da sua conduta, as partes virem a causar prejuízo efectivo aos credores. IV - Por isso, estando demonstrada que os RR tinham avultadas dividas e que o seu único património relevante eram os objectos alienados, é seguro que os seus familiares sabiam que assim prejudicavam os credores, cujos créditos conheciam.
1. Relatório
Banco 1..., CRL., , instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra: 1.ºs: AA e mulher, BB, 2.º: CC e mulher, DD; 3.º: EE, solteira, maior; 4.º: FF, solteiro, maior: 5.º: GG, solteiro, maior, residente na Rua ....
Pede que: a) Seja decretada a nulidade, por simulação, das escrituras de dação em cumprimento celebradas entre os 1.ºs RR, os 2.ºs RR e o 4.º R, identificadas nos artigos 36.º e 37.º da petição inicial, assim como as compras e vendas outorgadas entre os 1.ºs RR, 3.ª e 5.º RR, identificadas nos artigos 67.º e 97.º; b) Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deverá ser declarada a ineficácia relativamente à A. das escrituras de dação em cumprimento celebradas entre os 1.ºs, 2.ºs e 4.º R, referidas supra em 36.º e 37.º, bem como as compras e vendas outorgadas entre os 1.ºs, 3.ª e 5.º RR, identificadas em 67.º e 97.º da PI; c) Serem decretadas as referidas duas escrituras de dação em cumprimento, assim como as duas compras e vendas, totalmente ineficazes em relação à A. para efeitos desta poder executar os quatro imóveis em questão no património dos obrigados à restituição e praticar todos os atos de conservação da sua garantia patrimonial permitidos por lei, na medida em que tal se mostre necessário para obter o pagamento integral do crédito sobre os 1.ºs RR; d) Seja ordenado o cancelamento de todos os registos feitos com base nos já mencionados actos de alienação que aqui se impugnam, designadamente as: - Ap. ... de 2012.03.15, aquisição a favor da 3.ª R e relativa à fracção autónoma designada pela letra K, descrita na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ... ... da freguesia ...; - Ap. ... de 2012.03.16, aquisição a favor do 5.º R e respeitante ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ... da freguesia ...; - Ap. ... de 2012.03.27, aquisição a favor do 4.º R e respeitante ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeida com o n.º ... da freguesia ..., - Ap. ... de 2012.03.27, aquisição a favor dos 2.ºs RR e relativa ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeida com o n.º ... da freguesia ...; - Serem condenados os RR a reconhecer que à A. assiste o direito de executar no património dos 1.ºs RR os referidos 4 imóveis, fazendo – se pagar pelo produto da venda dos mesmos até ao limite do seu crédito sobre aqueles, acrescido de juros vencidos e vincendos calculados sobre os capitais em dívida, os legais e os contratualmente fixados, até efetivo e integral pagamento;
Para tanto, alega em suma que é credora dos primeiros réus, em valor que ascende a €322.442,97, crédito que tem como causa dívidas contraídas por uma sociedade, declarada insolvente em 2012, que identifica e créditos pessoais. Refere que os primeiros réus são proprietários de dois imóveis, que identifica, cujos valores são inferiores ao montante do crédito da autora e insuficientes para garantirem o seu ressarcimento. Mais alega que os primeiros réus, sabendo do valor do crédito da autora e da antiguidade da mesma, praticaram actos de dissipação do seu património em 2012, através de alienações realizadas com os restantes réus, alienações que considera serem nulas por simulação. Não sendo tais alienações nulas, sempre devem ser consideradas ineficazes em relação à autora, por estarem verificados os pressupostos legais para a procedência da impugnação pauliana. Acrescenta que instaurou contra os primeiros réus um processo de execução no âmbito do qual apenas foram penhorados os dois imóveis referidos. Sendo insuficiente o património dos primeiros réus, requereram a sua declaração de insolvência que foi decretada em 2015.
Apenas os primeiros réus deduziram contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção invocaram a incompetência relativa (em razão do valor) do Juízo de Competência Genérica de Anadia; a ilegitimidade activa da autora, por força da sua declaração de insolvência, em relação ao pedido de nulidade por simulação; a inutilidade superveniente da lide, como consequência da declaração de insolvência dos réus; a caducidade da acção quanto ao pedido subsidiário de impugnação pauliana. Invocam ainda o abuso de direito.
Por impugnação negaram a versão alegada pela autora, alegando que em 2012 o património dos primeiros réus era suficiente para garantir o crédito que, à data, existia, tendo sido proposto à autora a dação em pagamento com os dois imóveis identificados pela A. e propriedade dos réus, o que não foi aceite pela autora, que arrastou a situação provocando, por sua culpa, o avolumar da dívida, nomeadamente em relação aos juros. Referem que os negócios impugnados são válidos e correspondem à vontade real dos outorgantes. Concluíram pela procedência das excepções ou, se assim não se entender, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Por despacho proferido no dia 06-03-2019 foi julgada procedente a excepção de incompetência relativa do Juízo de Competência Genérica de Anadia e determinada a remessa dos autos para o Juízo Central Cível de Aveiro.
Foi proferido despacho de saneamento no âmbito do qual foram conhecidas e julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade processual activa da autora e de inutilidade superveniente da lide.
Foi conhecida a questão sobre a representação processual e legitimidade passiva dos primeiros réus, por força da sua declaração de insolvência, considerando-os partes legítimas e que a sua representação, nestes autos, não deve ser assegurada pelo Administrador de Insolvência, mas pelos próprios.
Foi conhecida a excepção de caducidade em relação ao pedido de impugnação pauliana, considerando-a procedente no que concerne às escrituras de compra e venda outorgadas no dia 14 de Março de 2012 (identificadas pela autora nos artigos 67º e 97º da PI) absolvendo os réus desse pedido. Foi julgada a caducidade improcedente em relação às escrituras de dação em cumprimento outorgadas no dia 21 de Março de 2012.
Após julgamento foi proferida sentença que decidiu: a) Julgar improcedente, por não provada, a simulação dos negócios jurídicos celebrados entre os réus e identificados nos pontos 26º, 32º, 33º, 36º dos factos provados, absolvendo os réus desse pedido, assim como dos pedidos de cancelamento dos registos efectuados com base nesses negócios; b) Julgar procedente o pedido de impugnação pauliana formulado em relação aos negócios jurídicos (dação em pagamento) identificados nos pontos 26º e 33º dos factos provados, considerando-as ineficazes em relação à autora e reconhecendo-lhe, no que for necessário para satisfazer o seu crédito, o direito de praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e de executar esses imóveis no património dos segundos e quarto réus.
Inconformados vieram os RR recorrer, recurso esse admitido de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
2.1. Foram apresentadas as seguintes conclusões pelos primeiros apelantes/RR
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2.2. Conclusões dos 3º e 4 RR.
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3. Questões a decidir
1. apreciar as nulidades invocadas.
2. Apreciar depois os recursos sobre a matéria de facto.
3. Por fim, determinar se existem ou não motivos para revogar a sentença recorrida, nomeadamente se existe abuso de direito por parte da autora e se estão ou não verificados os pressupostos da impugnação pauliana.
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4. Da nulidade da sentença
4.1. Pretende os 2ºs apelantes que a sentença é nula por falta de fundamentação, pois: “não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam esta decisão, ocorrendo ambiguidade e obscuridade que a torna ininteligível”.
Desde logo importa frisar que as nulidades da sentença só ocorrem quando existir um vicio absoluto que, por exemplo, impeça a sua compreensão pelas partes. Ora, in casu, a sentença é compreensível por todos os intervenientes menos os segundos apelantes que, até conseguem elaborar um extenso recurso sobre a mesma mas dizem, afinal que é “ininteligível”.
Parece que os próprios arguentes dessa nulidade conseguiram por em causa os fundamentos de facto e direito exprimindo a sua discordância com a decisão.
Só isso chega para concluirmos pela inexistência dessa nulidade.
4.2.Da falta de fundamentação
A sentença tem 44 páginas, fundamentou os factos provas e não provados ponto por ponto e cita abundante doutrina e jurisprudência. Acresce que só uma parte parece ter conseguido alegar essa falta de fundamentação porque as partes restantes nada dizem[1]. Por fim, se a fundamentação visa permitir o direito de recurso, até deve ter existido fundamentação a mais porque foram interpostos dois recursos, um com 27 páginas e outro com 73 páginas.
Inexiste, pois, qualquer nulidade nos termos do art. 615º, do CC.
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4.3. Das restantes nulidades
Dá-se por reproduzido o já exposto e julgam-se as mesmas improcedentes.
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5. Do recurso sobre a matéria de facto
Em tese geral teremos de frisar que, em casos como o presente, a prova é efectuado por meios indirectos, já que os factos dizem respeito a factos internos (intenção das partes) ou acordos supostamente simulados como tal efectuados de forma elaborada e oculta. Nesta medida, por exemplo, a consciência do prejuízo para os credores não é, em regra passível de forma directa (seria necessária uma confissão).
Ora, no caso presente teremos de ter em conta que existe prova indiciária [2] concordante entre si e que credibiliza o juízo probatório do tribunal a quo. Na verdade, esta será, como veremos, entre as impugnações paulianas, uma das mais evidentes e directa quanto à real intenção das partes.
Assim, existe uma especial ligação familiar entre as partes que, por um lado explica a alienação do bem e, por outro, torna pouco justificável, em termos de máximas da experiência que familiares diretos tenham necessidade de efectuar escrituras e dações em pagamento para garantir o pagamento das ajudas recebidas no seio familiar[3].
Em segundo lugar, temos a curiosa circunstância (bem reveladora da intenção das partes) de que o uso do imóvel continua a ser a residência dos apelantes, pois, está provado e não foi impugnado que 39.º Os dois imóveis objecto das escrituras de dação em cumprimento – artigo matriciais nºs ... e ... - continuam a ser a casa de morada de família dos 1.ºs RR, onde os mesmos moram, dormem, tomam as respectivas refeições e recebem familiares e visitas”. Portanto o uso das coisas faz presumir a alienação artificial do imóvel.
Depois, teremos de notar a coincidência temporal dos actos. É em 2012 (data da insolvência da sociedade) que a dação se torna necessária, na mesma data em que existiam negociações entre as partes. Mais, a dação foi celebrada cerca de uma semana após a data do recebimento da carta na qual a credora até aceitou a dação mas por outros valores. Ora, essa coincidência temporal demonstra que a alienação já estava preparada, pois, só assim a escritura poderia ser realizada nesse curto espaço de tempo.
Em quarto lugar, existe ainda o indício omnia boa, pois, num curto espaço de tempo, foram alienados todos os bens relevantes do seu património seja por compra e venda (que não foi apreciada nos autos por caducidade) seja por dação[4].
Por fim, teremos de notar que antes dessa alienação os apelantes “negociaram” com a entidade bancária, no decurso das quais alienaram o imóvel, logo que receberam a comunicação que aceitou a dação mas com valores diferentes.
Em quinto lugar, importa ter em conta que, se como veremos, não está demonstrado qualquer crédito, então não existe qualquer necessidade económica que justifique essa dação, o que revela de forma necessária o indicio necessitas.
1. Quanto ao montante dos juros/quantia em divida.
Apontam os apelantes no seu recurso, nesta matéria, a testemunha HH.
Teremos de notar porém que essa testemunha, funcionário bancário da Autora, confirma no seu depoimento os valores que aliás correspondem ao que consta dos documentos usados pelo tribunal e junto aos autos.
Acresce que a invocação da prescrição de juros é uma questão relevante mas que deveria ter sido invocada em sede própria e que, por isso, não pode impedir a comprovação da quantia em causa com base nos documentos (261 e segs) confirmados por uma testemunha.
Importa ainda frisar que face ao montante em dívida original (capital de cerca de 150 mil euros), e tendo em conta o tempo decorrido o montante final parece ser normal e comum nestas situações.
Desde logo, resulta dos documentos que em 27 de Janeiro de 2011 a livrança foi preenchida que pelo montante de €153.765,45; Em 4 de Junho de 2012, a execução foi intentada já para cobrança do montante de €164.144,09 com os juros de mora. Logo estranho seria que o valor da divida se mantenha em 160 mil euros, decorridos dez anos. Acresce que esse valor não incluiu vários empréstimos que não estavam na data incumpridos.
Por outro lado, esse valor foi reclamado e aceite nos autos falimentares, o que desfaz dúvidas sobre a sua veracidade, pois, foi verificado pelos restantes credores, administradores e insolvente. Note-se aliás o que foi dito na sentença recorrida que, nos parece mais do que válido: “valoramos, ainda no sentido de credibilizar os valores reclamados pela autora, os montantes reclamados pela autora no processo de insolvência de pessoa colectiva, no processo de execução e no processo de insolvência de pessoa singular e mencionados nos pontos 9º, 10º, 21º, 24º, 25º dos factos provados (matéria provada por documento) que os 1ºs réus não questionaram nesses processos, aceitando-os”.
Por fim, se consultarmos o próprio documento da insolvência particular junto pelos RR na sua contestação vemos, que o total do crédito reclamado pela ré era já de 268.608 euros (doc nº 16) e esse valor não foi impugnado, mas sim aceite pelos 1ºs apelantes.
Ou seja, com base nos próprios documentos juntos pelos apelantes podemos concluir que a sua tese factual não é conforme com a realidade.
Quanto aos argumentos das conclusões 26 e 27 diremos que os documentos em causa apresentam operações matemáticas e que o pedido de alteração dos factos provados teria sempre de se basear em meios de prova e não meras conjeturas. Ora, contra o teor desses documentos corroborados pela testemunha, nada foi apresentado pelos apelantes. Podemos aliás usar as suas palavras dizendo que estes nada comprovaram quanto “à falta de raciocínio lógico matemático” e é “evidente (a) falta de prova concreta (da sua versão)”.
Acresce que, como os apelantes admitem nos autos falimentares a autora reclamou uma quantia já então de aproximadamente 160 mil euros (em 2012), quantia essa que não terá sido posta em causa pelos outros credores, ou 1ºs apelantes.
Improcede, pois, por manifesta falta de prova o pedido de alteração deste facto.
2. Quanto ao não atendimento das prestações desde Setembro de 2012.
Pretendem os apelantes que a liquidação dessa quantia omite também o pagamento de prestações desde essa data perfazendo o valor de 10.692,37 euros.
E que: “XLIV. Julgou mal o Tribunal a quo ao referir que,” não sabemos, por ausência de prova, qual o destino dos depósitos efectuados”, porque a autora e testemunham admitiram os depósitos feitos a título de cumprimento do empréstimo em causa e, o mesmo resulta dos documentos juntos pelos ora Apelantes aos autos a fls. 389 a 414.”
Nesta matéria porém a sentença recorrida considerou que: “No entanto, decorre do valor em dívida a título de capital, por conta desse crédito, que foi diminuindo – veja-se o vertido no artigo 71º dos factos provados e o vertido neste mesmo artigo 17º em que o capital aqui considerado é menor. No entanto, não se pode retirar a conclusão pretendida pelos réus de que o crédito seria ainda menor (cujo valor nem sequer identificam e que o poderiam fazer pela junção dos extractos bancários que recebem) nem de que não estavam em incumprimento em data anterior à indicada pela autora. Isto porque, resulta também dos extractos que os réus juntaram e reportados ao ano de 2012 (fls. 392 verso a 395) – desconhecendo-se porque não juntaram os posteriores, o que só aos mesmos é imputável – que, por referência a essa conta, existiam outros débitos dos 1ºs réus.Não sabemos, por ausência de prova, qual o destino dos depósitos efectuados. A isto acresce o que já referimos, no sentido de que o crédito em causa foi reclamado pela autora no processo de execução e de insolvência de pessoa singular, acções anteriores a esta, valores que os primeiros réus aceitaram”.
Ou seja, afinal decorre da prova documental junta aos autos que a quantia em divida diminuiu pelo que os pagamentos parciais foram atendidos. Acresce que se na insolvência particular esse valor não foi posto em causa e foi aceite pelos RR/apelantes a questão em causa terá até formado caso julgado entre as partes que são idênticas nesses dois processos. Estranho é que, decorridos 10 anos e dois processos de insolvência diferentes, os apelantes ainda pretendam discutir a quantia em dívida, pondo em causa a sua aceitação anterior.
Acresce que os extractos juntos pelos apelantes (v.g. o doc nº 14 junto com a contestação) demonstram o valor do capital em divida desses empréstimos e a dedução das amortizações.
Concordamos, por isso, com a sentença recorrida que apreciou racional e objectivamente os meios de prova.
3. Quanto ao facto nº 19
Dizem os apelantes que: “XLVI. No que concerne ao facto provado no ponto nº19, em que foi valorado o documento de fls. 291 conjugado com o depoimento da testemunha, cabe-nos relatar que nada foi dito nem provado relativamente à a existência deste crédito sobre os Apelantes, resultante de um descoberto duma conta da empresa que dispuseram e da qual foram avalistas”.XLVII. A verdade é que desconhecem os aqui apelantes que conta é esta, reputada pela Autora, nem como é que apurou o seu saldo devedor, e conclui-se isso do documento de fls. 291”.
Remetemos para a já referida prova documental. Sendo que essa quantia é irrisória face ao teor global em divida, sendo que a parte aceita a existência dessa conta e sua responsabilidade. Logo, existe prova documental que credibiliza essa realidade, no quadro das relações contratuais entre as partes comprovadas por outros documentos e uma testemunha.
4. Quanto aos factos 42 e seguintes
Alegam que “os pontos nºs 42, 44, 45, 46 e 47 da matéria de facto provada, foram erradamente apreciados e julgados pois nenhuma prova foi produzida”.
Pretendem, no fundo, os apelantes que esses factos não sejam provados com base no seu depoimento de parte.
Ora, sempre com o devido respeito, como os apelantes bem sabem a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência, de forma racional e socialmente convincente. Nesses termos a palavra do réu como único meio de prova para comprovar a origem/empréstimos de vários milhares de euros não é suficiente. Deste logo, porque, seria fácil comprovar os movimentos de dinheiro por outro meio (os seus levantamentos) e por outro, sempre poderiam existir outros meios de prova. Acresce que, socialmente não podem ser credíveis as declarações de alguém que, além de devedor de uma elevada quantia (pelo menos o valor reclamado na insolvência estará aceite e é de 160 mil euros em 2012), contribuiu para a insolvência de uma sociedade com elevadas dívidas aos seus credores e, em data próxima celebra dações que produzem o efeito prático de colocar na esfera dos seus filhos (não dos credores) esse seu património.
No restante, basta dizer, que decorre das próprias alegações existir nessa data uma dívida superior a 150 mil euros. Por isso, a tentativa de negar o que se aceita (leia-se a conclusão 79 e por exemplo a 85), é manifestamente frágil, duvidosa e pouco, muito pouco, credível.
Note-se, que o doc nº 16 junto pelos próprios apelantes demonstra que na sua insolvência deviam:
a) cerca de 260 mil euros à apelada
b) 72 mil euros à Caixa geral de depósitos
Ou seja, com base nos documentos juntos pela parte, o valor da divida é, afinal, muito superior ao agora alegado.
Por último, importa frisar que o valor dos imóveis será, pelo menos controvertido, pois, segundo avaliação da entidade bancária/Autora, o mesmo não ultrapassa 110 mil euros (carta junta pelos apelantes na contestação).
Assim o património, pelos vistos, pode ser inferior ao agora alegado e o passivo é claramente superior.
Por fim, quanto à sua intenção de “saldarem a única divida”, bastará dizer que contra factos não deveria haver argumentos. Em primeiro lugar é falso que seja a única dívida (cfr. lista provisório credores junta pelos Apelantes). Depois, essa dívida decorridos dez anos ainda não está saldada o que fortalece unicamente a hipótese de não ter existido qualquer intenção efetiva de a saldar, mais a mais quando (em 2012) a sociedade foi declarada insolvente e no mesmo ano o património passou para a esfera de terceiros. Ou seja, os apelantes alegam muito, mas provam muito pouco omitindo realidades provadas por documentos juntos por si e coincidências temporais que põem em causa toda a sua argumentação. Bastará dizer que as regras da experiência e o normal comportamento social dizem-nos que quem vai pagar dívidas não transfere para terceiros os únicos bens que possui.
5. Pretendem ainda que alguns dos factos não provados sejam considerados como provados.
Assim, “os factos não provados, como pontos nºs 38, 50, 127 e 140 da contestação, foram erradamente dados como tal e a prova produzida em julgamento impunha decisão diversa”.
Nesta matéria a decisão impugnada afirma que: “Os incumprimentos dos réus resultam da prova documental junta aos autos pelos próprios réus, nomeadamente a carta mencionada no ponto 62º dos factos provados, carta de Janeiro de 2012, matéria que o réu no seu depoimento admitiu, nomeadamente que estava em incumprimento e cheio de dívidas”.
E que: “(os imóveis) (…) eram suficientes para pagamento das dívidas, nomeadamente enquanto avalistas, dívida essa que, no processo de insolvência de pessoa colectiva e em 29-05-2012 (ponto 8º dos factos provados) já era de €160.851,98”.
Concordamos totalmente com estas considerações. Na verdade, basta dizer que, conforme resulta do articulado e alegações a proposta de entrega de prédios foi inicialmente apenas de dois, cujo valor patrimonial não era suficiente para liquidar a divida (daí a necessidade de se alegar agora algo diferente do que consta da contestação e que implica a adição da hipoteca de um terceiro imóvel).
Depois, note-se por exemplo que a contestação dos RR admite factos que nega mais adiante, o que descredibiliza a sua versão da realidade. Nestes termos por exemplo alega que (art- 155) “Nas datas de realização de qualquer um dos actos que a Autora pretende impugnar, os 1ºs. Réus mantinham e ainda hoje, mantêm, bens de suficiente para liquidar o seu crédito, sendo a situação de incumprimento dos 1ºs. Réus, para com a Autora, desconhecida de todos os restantes”. Como vimos afinal nem há mais bens, como Os 1ºs Réus contaram com a ajuda de dois dos seus filhos (2º e 4º Réus), bem como da 3ª Ré, no período do declínio da sua empresa (2004/2011), “os quais lhes foram emprestando avultadas quantias monetárias, de forma a fazerem face a muitas dívidas que, nessa altura esta já dispunha, nomeadamente á fazenda nacional, segurança social, fornecedores, rendas de lojas e diferenças salariais das empregadas…2 (art. 142 da contestação)”.
Ou seja, afinal os restantes RR tinham conhecimento das suas dificuldades e da existência de várias dívidas a credores
Note-se aliás um pormenor curioso. Os apelantes receberam a carta de 12.3.2012 (junta por estes na contestação) da apelada onde esta informa que o valor de avaliação é diferente do apresentado. Estamos aqui na fase de negociação da suposta tentativa de cumprimento pelos apelantes. Mas, a sociedade K..., Lda. foi declarada insolvente no dia 20.03.2012 no âmbito do Proc. n.º 36/12.9 TBIDN e no mesmo ano de 2012, algum tempo depois, os Apelantes celebraram a escritura de cessão dos bens em causa. Ou seja, nesse ano deixaram voluntariamente de possuir qualquer activo, sem que tentem sequer explicar a urgência na realização da dação.
6. Quanto aos Pontos 127 e 142 dos factos não provados:
Tal como na apelação também remetemos para a fundamentação já efectuada.
Por fim, acrescentaremos apenas que na carta enviada a autora aceitou a dação que lhe foi proposta, apenas por um valor inferior ao pretendido. Nessa carta refere que foi esse o valor de avaliação, sendo que nomeadamente o artigo urbano com o n.º ...-C foi avaliado em 60 mil euros. Ora, resulta de documento aceite pelas partes que esse mesmo imóvel “foi vendido no âmbito do referido processo de insolvência, por escritura outorgada no dia 11 de Dezembro de 2018 pelo preço de €60.200,00 (sessenta mil e duzentos euros) – (fls. 536 verso a 540)”. Só isto seria suficiente para demonstrar que afinal a avaliação dos imóveis não é a pretendida pelos apelantes e que, assim, não possuíam bens suficientes para liquidar as suas dívidas.
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b) do recurso da matéria de facto dos 3 e 4 RR
Estes alegam que: “7. Com o respeito que merece o douto tribunal a quo, e salvo sempre melhor entendimento, os Recorrentes apontam à decisão recorrida os seguintes erros: • Não se pronunciou quanto ao valor do crédito da Autora à data da celebração das escrituras de dação; • Não se pronunciou quanto ao valor do património dos 1º Réus, identificado no ponto 4 dos factos provados, à data da celebração das escrituras públicas de dação; • Considerou o valor do crédito da Autora à data da instauração da ação e não à data da celebração das escrituras de dação; • Considerou que o crédito da Autora é de €322.442,97 sem que a Autora fizesse prova do respectivo valor; • Concluiu que o património dos 1º Réus era insuficiente para satisfazer o crédito de €322.442,97, quando deveria ter considerado o crédito vencido em 21 de março de 2012, no montante de €149.500,00 e, se o tivesse feito, a conclusão deveria ter sido no sentido de julgar não verificado o pressuposto da alínea b) do artigo 610º do Código Civil; • Não comparou o valor do crédito com o valor do património dos 1º Réus à data da celebração das escrituras; • Sem fundamentação atendível, converteu negócio plasmado nas escrituras em negócio gratuito; • Fazendo tabua rasa da força probatória dos documentos autênticos, violando o principio da repartição do ónus da prova, desconsiderando, em absoluto, o depoimento do Réu, sem sequer a ele se referir, e sem prova produzida pela Autora, dá como provado a inexistência dos empréstimos e entende que a dação declarada não correspondeu à vontade real”. Decidindo
Em primeiro lugar, parece que o ónus da prova da prova, de alguns elementos impende sobre os apelantes nos termos das regras especificas da acção pauliana.
Depois, essas questões já constam do recurso anterior, pelo que se remetem para o mesmo.
Bastará dizer que, podem os apelantes consultar os documentos juntos com contestação dos apelantes para saberem os valoras da dívida; o discutido valor dos imóveis, o número dos imóveis objecto da negociação e a existência afinal, de mais um credor pessoal.
Depois, a existência do alegado crédito ficou indemonstrado porque o único meio de prova é a confissão efectuada na escritura e o depoimento de parte.
Os meios de prova indicados são, novamente, a testemunha apresentada pela autora e o depoimento de parte do Réu.
Ora, quanto a este parece curial que isoladamente não possa fundamentar uma realidade que lhe é favorável. Desde logo, o depoimento de parte visa obter a confissão e não provar factos favoráveis à parte.
Conforme já decidiu esta mesma secção[5]: “As declarações de parte são valoradas de forma livre pelo tribunal, de acordo com as regras da experiência, as quais demonstram que, em regra, esse meio de prova é subjectivo e provêm da parte interessada na procedência da acção. Logo, em regra, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração do mesmo, sem qualquer corroboração de outros elementos de prova. “
Por isso, existem especiais cautelas na valoração deste meio de prova que, em regra, tem de se qualificar como interessado[6], sendo que “ o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da ação, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas”.[7]
Logo, não existe qualquer meio de prova de que os segundos RR tenham entregue qualquer quantia aos primeiros RR, o que desde logo implica a inexistência de causa para a dação e a afinal a gratuitidade da alienação.
Quanto á força probatória da escritura e da confissão
Em primeiro lugar nos termos do art. 371º, nº 1, 2ª parte, do CC, um documento autêntico só prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, isto é, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções. Portanto essa escritura não demonstra a existência de qualquer dívida.
Em segundo lugar, o valor da confissão está regulado no art. 358º, do CC e a mesma vincula apenas os intervenientes, nunca os seus credores. Porque, nos termos do nº 2 “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Depois, teremos de notar que a própria prova documental junta pelos RR demonstra claramente que:
a) o valor total da divida é superior ao referido;
b) o valor dos imóveis foi objecto de uma avaliação do credor que aponta para um valor inferior (carta junta pelo RR);
c) de qualquer modo a proposta apresentada era de apenas dois imóveis (carta junta pelo RR).
Deste modo, além de não existir qualquer meio de prova válido e eficaz que comprove a tese dos apelantes, os elementos juntos aos autos nomeadamente os documentais, e a própria confissão, demonstram a existência de sérias dificuldades financeiras; uma dimensão de dividas superior ao activo; e uma alienação desse mesmo activo precisamente na data em que a insolvência da sociedade é declarada e meses depois de o valor dos imóveis ser posto em causa.
Ora, esses elementos (e os restantes supra referidos) demonstram, com base nas regras da experiência concluir que, os apelantes combinaram entre si ocultar o seu património na pessoa e com a colaboração dos seus familiares.
Nesta medida, o Ac da RL de 27.9.16, 9448/12.7TCLRS.L1-7 (Filipe Sousa) reafirma a relevância da proximidade temporal dos actos e que “a venda de todo o património ou da parte mais significativa do mesmo num curto período de tempo ativa o indício omnia bona”.
Por tudo, isso, não podemos subscrever a valoração da prova efectuada pelo(s) apelante(s), mas sim subscrever a ponderação do tribunal a quo que, no nosso entender apreciou a prova de forma congruente, objectiva e racional.
6. Motivação de facto[8]
1.º A autora é uma instituição especial de crédito, sob a forma de cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária nos termos da legislação aplicável e, ainda, o exercício da actividade de agente da Caixa Central, nos termos previstos na lei e no contrato de agência que entre ambas venha a ser celebrado (fls. 160 a 175);
2.º Por Escritura de Fusão por Incorporação, a “Banco 1... de Idanha - a - Nova e Penamacor, CRL” absorveu e incorporou a “Banco 1... de Castelo Branco, CRL.” e alterou a respectiva denominação para “Banco 1..., CRL.” (fls. 176 a 212);
3.º Sendo, por via do referido no artigo anterior, a autora, actualmente, titular de todas as posições contratuais, activo e passivo, direitos e obrigações de que era titular e a que estava adstrita a “Banco 1... de Idanha - a - Nova e Penamacor, CRL”, mormente em relação aos aqui 1.ºs RR (fls. 160 a 212);
4.º Os primeiros réus são proprietários dos seguintes imóveis: a) Urbano sito em ..., concelho de Anadia, composto por casa de habitação de r/chão e 1.º andar, com a superfície coberta de 140,00 m2, currais e alpendre, com a superfície coberta de 40,00 m2, quintal, com a superfície descoberta de 100,00 m2 e logradouro com 104,00 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia com o n.º ..., com o valor patrimonial atribuído de 88.970,00€, (fls. 213 a 214 e 533 verso); b) Fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao rés – do – chão esquerdo e garagem n.º .. e arrumo n.º .. ao nível da cave, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... – Edifício ..., lugar de ..., freguesia ..., concelho de Oliveira do Bairro, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ..../....., com o valor patrimonial atribuído de 60.980,00€ (fls. 215 a 216 fls. 533 verso)
5.º Com data de 25.02.2004 a autora concedeu à sociedade comercial por quotas com a firma “K..., Lda.”, à data, com sede no Largo ..., freguesia e concelho de Idanha – a – Nova, pessoa colectiva n.º ..., a pedido e no interesse desta, o montante de 150.000,00€, para ser utilizado em conta corrente, nos termos constantes do contrato de empréstimo junto aos autos de fls. 217 a 223, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
6.ºAo qual foi atribuído internamente pela autora o n.º de ... e em que se constituíram avalistas os 1.ºs RR, AA e mulher, BB, ambos sócios – gerentes da referida empresa (fls. 217 a 223)
7.º A sociedade K..., Lda. foi declarada insolvente, por apresentação à insolvência, no dia 20.03.2012, no âmbito do Proc. n.º 36/12.9 TBIDN que correu termos pela Secção Única do extinto Tribunal Judicial de Idanha – a – Nova, tendo tal processo sido declarado encerrado em 29.05.2012, por inexistência de massa insolvente, decisão transitado em julgado (fls. 224 a 249);
8.º No pedido de apresentação à insolvência, declarou a sociedade, para além do mais que: “(…) Para tanto e em síntese, alega que, nos últimos anos suportou a sua actividade em financiamento bancário, concedido sob a forma de conta corrente caucionada pela Banco 1... de Idanha-A-Nova, apresentando tal conta em Novembro de 2011, o saldo devedor de €150.000,00, não tendo sido renovada e encontrando-se vencida. (…)” (fls. 227-228)
9.º No âmbito do processo de insolvência, foi provisoriamente reconhecido à aqui autora, na assembleia de credores realizada no dia 29-05-2012, um crédito no valor de €160.851,98 (fls. 239 a 249).
10.º O crédito da autora sobre a sociedade insolvente não foi liquidado no processo de insolvência, tendo a autora instaurado contra os primeiros réus, na qualidade de avalistas, um processo de execução para pagamento de quantia certa, em 04.06.2012, peticionando o pagamento coercivo da quantia de 164.144,09€, processo com o n.º 139/12.0 TBIDN, que correu termos na extinta Secção Única do Tribunal Judicial de Almeida, redistribuído actualmente ao Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 1 (fls. 250 a 260)
11.º Nesse processo foram penhorados os dois imóveis referidos no ponto 4º, alíneas a) e b), único património conhecido aos 1.ºs RR (fls. 326);
12.º Em 14-03-2017, o empréstimo do qual os primeiros réus são avalistas, com o n.º ..., apresentava um saldo devedor de 274.619,92€, sendo: a) 149.500,00€, a título de capital, b) 7.035,28€, a título de juros, c) 2,58 €, a título de comissão de imobilização, d) 5.198,53€, a título de juros de mora sobre juros, e) 108.022,06€, a título de juros de mora sobre capital, f) 4,00€, a título de comissão de processamento, g) 45,00€, a título de comissão de recuperação de valores em dívida, h) 4.812,29€, a título de imposto sobre pagamentos em atraso, i) 0,17€, a título de pagamentos na liquidação e j) 0,01€, a título de imposto sobre pagamentos na liquidação (fl. 261).
13.º Para além da importância mencionada no artigo anterior, devem ainda os 1.ºs RR à A., reportado à data de 14-03-2017, a importância global de 6.204,65€, respeitante ao empréstimo que foi processado internamente pela autora com o n.º de ... e correspondente ao Contrato de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Procuração, reduzido a escritura pública, que A. e 1.ºs RR outorgaram no dia 27.08.2002 no Cartório Notarial de Idanha – a – Nova e respectivo documento complementar, mediante o qual a autora concedeu aos 1.ºs RR que aceitaram e se obrigaram a pagar, um empréstimo no montante de 73.822,09€, pelo prazo de dez anos a contar da data da escritura e a ser integralmente pago no fim daquele prazo, destinado a ser aplicado na aquisição da fracção autónoma melhor identificada supra no ponto 4º, al. b) – artigo matricial n.º ....... (fls. 262 a 279 e 280)
14.º Pela referida escritura os 1.ºs RR constituíram a favor da A. hipoteca sobre a fracção autónoma atrás referida, destinando – se a dita hipoteca a garantir o bom e integral pagamento, designadamente, do capital do referido empréstimo no montante de 73.822,09€, respectivos juros remuneratórios à taxa anual contratada e que para efeitos de registo de hipoteca se fixou em seis vírgula quatrocentos e um pontos percentuais, acrescida, em caso de mora, a esse título e de cláusula penal, da sobretaxa de quatro pontos percentuais, capitalizáveis; despesas, incluídas as com honorários de advogados ou outros mandatários, feitas ou a fazer pela A. para assegurar ou haver os seus créditos e o cumprimento das cláusulas da referida escritura e respectivo documento complementar e que para efeitos de registo se computaram em 7.400,00€ (fls. 262 a 279)
15.º O empréstimo n.º ... encontra – se vencido desde o dia .../.../2012 e vencidas todas as prestações desde aquela data (fls. 280).
16.º O valor em débito no montante de 6.204,65€, corresponde a: a) 4.345,51€, a título de capital, b) 47,75€, a título de juros, c) 17,29€, a título de juros de mora sobre juros, d) 1.560,07€, a título de juros de mora sobre capital, e) 7,50€, a título de comissão de processamento, f) 125,00€, a título de comissão de recuperação de valores em dívida, g) 30,00€, a título de comissão sobre avisos de incumprimento, h) 71,53€, a título de imposto sobre pagamentos em atraso (fls. 280)
17.º Devem ainda os 1.ºs RR à A. a quantia global de 40.361,34€, reportado à data de 14-03-2017, referente ao empréstimo/crédito à habitação processado internamente pela autora o n.º ..., sendo: a) 33.192,67€, a título de capital, b) 723,03€, a título de juros, c) 159,87€, a título de juros de mora sobre juros, d) 5.491,01€, a título de juros de mora sobre capital, e) 20,40€, a título de comissão de processamento, f) 471,50€, a título de comissão de recuperação de valores em dívida, g) 55,00€, a título de comissão sobre avisos de incumprimento, h) 247,86€, a título de imposto sobre pagamentos em atraso, (fls. 281)
18.º O empréstimo referido no artigo anterior resulta do contrato de compra e venda e Mútuo com Hipoteca outorgado em 20.05.1999 no Cartório Notarial ... e respectivo documento complementar, em que a A., para financiar a aquisição do prédio urbano sito em Vale de ..., na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeida com o n.º ..., concedeu aos 1.ºs RR um empréstimo ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação regulado pelo DL n.º 349/98 de 11 de Novembro e demais disposições aplicáveis, no montante de onze milhões de escudos = equivalente a 54.867,77€ (cinquenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos) que os 1.ºs RR receberam e do qual se confessaram devedores e se obrigaram a pagar, acrescida dos juros vincendos, comissões e demais despesas nos termos e condições constantes da referida escritura (fls. 282 a 300)
19.º São ainda os primeiros réus devedores, em virtude do descoberto em conta da sociedade K..., Lda., conta sediada na A. da qual os 1.ºs réus são avalistas, internamente processado como empréstimo n.º ..., o qual apresenta um saldo global devedor de 1.257,06€, reportado à data de 13-03-2017, sendo: a) 1.206,86€, a título de capital, b) 48,27€, a título de comissão de recuperação sobre os valores em dívida e c) 1,93€, a título de imposto sobre pagamentos em atraso (fls. 391)
20.º Dos valores mencionados nos artigos anteriores resulta o valor total em dívida pelos primeiros réus, de pelo menos €322.442,97€ (trezentos e vinte dois mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e noventa e sete cêntimos) à data da instauração desta acção;
21.º Por força dos valores em débito e não ressarcidos no processo de execução a autora requereu a insolvência dos primeiros réus em 04.02.2015, tendo sido declarada a insolvência dos mesmos em 12.03.2015, no âmbito do Processo que correu termos pela então Comarca da Guarda – Almeida – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, com o n.º 15/15.4T8ALD, reclamando, à data, a autora um crédito sobre os primeiros réus no valor de €267.737,75 processo que em 10-05-2019 estava pendente (fls. 302 a 307 e 515);
22.º No âmbito do processo referido no artigo anterior foram apreendidos aos insolventes os bens identificados a fls. ... verso, nomeadamente os imóveis inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ...... e ......, referidos no ponto 4º;
23.º O artigo urbano com o n.º ...-C foi vendido no âmbito do referido processo de insolvência, por escritura outorgada no dia 11 de Dezembro de 2018 pelo preço de €60.200,00 (sessenta mil e duzentos euros) – (fls. 536 verso a 540).
24.º No âmbito do processo de insolvência de pessoa singular dos primeiros réus, que corre termos sob o n.º 15/15.4T8ALD, Comarca da Guarda, Tribunal de competência genérica de Almeida, foi provisoriamente reconhecido à autora um crédito sobre os insolventes no montante de €268.608,21 decorrentes de dois contratos de empréstimo celebrados com a reclamante e como avalistas de contrato de empréstimo em conta corrente concedido à s ociedade “K..., Lda.” (fls. 414-416);
25.º Posteriormente, no apenso de reclamação de créditos, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em 16-10-2015. A autora reclamou créditos, que não foi objecto de impugnação sendo: a) €37.029,01 correspondente ao um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca; b) €5.236,38, correspondente a um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca; c) €226.342,82, decorrente de aval em contrato de empréstimo em conta corrente concedido à sociedade “K..., Lda.” (fls. ... a 557)
26.º Por escritura pública outorgada no dia 21-03-2012 e denominada “Dação em pagamento” os primeiros réus, na qualidade de primeiros outorgantes e os segundos réus – CC e mulher, DD, na qualidade de segundos outorgantes, declararam, respectivamente, o seguinte: “(…) Pelos primeiros outorgantes foi dito: a) Que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel: Prédio urbano destinado a habitação constituído por casa de rés-do-chão, garagem e logradouro, em ..., Vale dos ..., inscrito na matriz (…) sob o artigo ..., com o valor patrimonial (…) de 11.760,94 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeida sob o número ... (…) Sobre o mesmo incide uma hipoteca voluntária a favor da Banco 1... de Idanha - a - Nova e Penamacor, CRL” registada (…); b) Que devem aos segundos outorgantes a quantia de quinze mil euros que estes lhes emprestaram; c) Que pela presente escritura dão aos mesmos segundos outorgantes, em cumprimento total da dívida referida, o prédio atrás identificado; d) Que assumem o pagamento da dívida titulada pela hipoteca atrás referida. Pelos segundos outorgantes foi dito: Que aceitam a presente dação em cumprimento e em consequência declaram a referida dívida extinta. (…)” (fls. 308 a 312);
27.º A aquisição com base na escritura referida no artigo anterior foi registada em favor dos segundos réus pela Ap. ... de 2012-03-27 (fls. 325);
28.º Em relação ao mesmo imóvel encontra-se registada uma penhora em favor da autora, penhora realizada no processo de execução identificado no ponto 10º, registo concretizado pela Ap. ... de 2012-07-20 (fls. 326);
29.º A hipoteca constituída em favor da autora está registada sob a Ap. ... de 1999-05-26 (fls. 325)
30.º Encontra-se descrito na CR Predial de Oliveira do Bairro, freguesia ... um prédio urbano, correspondente à fracção ..., com o valor patrimonial de €55.465,20, valor esse apurado em 2002, ano da inscrição na matriz sob o artigo ......, freguesia ..., concelho de Oliveira do Bairro (fls. 313 e 337-338);
31.º No ano de 2016 o valor patrimonial do imóvel referido no ponto anterior era de €108.994,97 (fls. 337-338)
32.º Pela Ap ... de 2012-03-15 foi registada a aquisição do direito de propriedade em relação ao imóvel identificado no artigo anterior, em favor da 3ª ré, EE, por compra aos primeiros réus (fls. 313);
33.º Por escritura pública outorgada no dia 21-03-2012 e denominada “Dação em pagamento” os primeiros réus, na qualidade de primeiros outorgantes e o segundo réu – CC, como de procurador do 4º réu, FF, segundo outorgante, declararam, respectivamente, o seguinte: “(…) Pelos primeiros outorgantes foi dito: a) Que são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel: Prédio urbano destinado a habitação constituído por casa de rés-do-chão, garagem e logradouro, em ..., Vale dos ..., inscrito na matriz (…) sob o artigo ..., com o valor patrimonial (…) de 11.760,94 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeida sob o número ... e trinta (…) Sobre o mesmo incide uma hipoteca voluntária a favor da Banco 1... de Idanha - a - Nova e Penamacor, CRL” registada (…); b) Que devem ao representado do segundo outorgante a quantia de vinte mil euros que este lhes emprestou; c) Que pela presente escritura dão ao representado do segundo outorgante, em cumprimento total da dívida referida, o prédio atrás identificado; d) Que assumem o pagamento da dívida titulada pela hipoteca atrás referida. Pelo segundo outorgante foi dito: Que, para o seu representado, aceita a presente dação em cumprimento e em consequência declaram a referida dívida extinta. (…)” (fls. 314 a 319)
34.º A aquisição com base na escritura referida no artigo anterior foi registada em favor do quarto réu pela Ap. ... de 2012-03-27 (fls. 329);
35.º A hipoteca constituída em favor da autora está registada sob a Ap. ... de 1998-10- 30 (fls. 325)
36.º Por documento particular com assinaturas notarialmente reconhecidas, celebrado em 14 de Março de 2012 e denominado como “Contrato de Compra e Venda”, os primeiros réus, na qualidade de primeiros outorgantes e o quinto réu – GG -, na qualidade de segundo outorgante e representado pelo réu, FF, declararam o seguinte: “(…) Primeira (…) Pelo presente contrato os primeiros outorgantes vendem ao segundo outorgante, que o aceita, o prédio rústico (…) com a área de dezoito mil novecentos e sessenta metros quadrados (…) concelho de Penamacor (…) descrito (…)sob o n. .. (…) inscrito (…) sob o artigo .. (…) com o valor patrimonial de cento e noventa e dois euros e vinte e seis cêntimos e o atribuído de duzentos euros (…). Segundo O imóvel é vendido pelo preço de 200,00€ (duzentos euros) que os primeiros contraentes já receberam e de que dão quitação (…) (fls. 320 a 324) 37.º A aquisição com base do documento referido no artigo anterior foi registada pela Ap. ... de 2012-03-16 (fls. 333);
38.º O valor patrimonial de € 192,26 em relação ao artigo matricial n.º ..., foi determinado no ano de 1989 (fls. 334-335)
39.º Os dois imóveis objecto das escrituras de dação em cumprimento – artigos matriciais nºs ... e ... - continuam a ser a casa de morada de família dos 1.ºs RR, onde os mesmos moram, dormem, tomam as respectivas refeições e recebem familiares e visitas;
40º Os imóveis inscritos na matriz sob os artigos ...... e ... têm, respectivamente, os valores patrimoniais tributáveis de €38.100,00€ e de €37.740,00, determinados no ano de 2015 (fls. 330 a 332);
41.º Os prédios identificados em 4º, em conjunto com os identificados nas escrituras de dação e pagamento e de compra e venda, respectivamente referidos nos pontos 26º, 33º, 30º, 32º e 36º, são e eram os únicos bens patrimoniais dos 1.ºs RR;
42. Nem os 2.ºs RR, nem o 4.º R, emprestaram aos 1.ºs RR as importâncias de 15.000,00€ e de 20.000,00€, respectivamente, referidas nas escrituras de dação em pagamento.
43.º Os réus são familiares uns dos outros, sendo o 2.º R marido e o 4.º R filhos dos 1.ºs RR (certidões de fls. 609-610 e 615-616)
44.º As declarações de reconhecimento de dívida, de quitação da dívida e de transferência formal da propriedade dos imóveis em causa, exaradas nas referidas escrituras de dação em cumprimento não correspondem à verdadeira e real intenção e vontade das partes contraentes;
45.ºNa altura em que foram outorgadas as escrituras de dação em cumprimento, 21.03.2012, os 1.ºs RR tinham perfeito conhecimento que estavam em dívida/mora perante a A. por referência aos empréstimos que esta lhes concedeu, mormente na qualidade de avalistas da atrás citada insolvente K..., Lda.;
46.º Sendo que, já na época, os 1.ºs RR revelavam dificuldades em pagar atempadamente as prestações respetivas àqueles empréstimos contraídos junto da A.,
47.º Entrando frequentes vezes em incumprimento e, consequentemente, em mora, pelo não pagamento das prestações dos empréstimos,
48.º O 5º réu não pagou e os primeiros réus não receberam o preço mencionado no contrato de compra e venda referido no ponto 36.º,
49.º Com a outorga desse contrato os 1.ºs RR permitiram que a propriedade formal do imóvel em causa se transferisse, para o nome do 5.º R,
50.º Sem que tivesse havido de facto o pagamento do preço,
51.º As declarações de quitação e de transferência formal da propriedade do imóvel em causa, exaradas no referido contrato de compra e venda não correspondem à verdadeira e real intenção e vontade das partes contraentes;
52.º Na altura em que foi outorgado o contrato, 14.03.2012, os 1.ºs RR tinham perfeito conhecimento que estavam em dívida / mora perante a A. por referência aos empréstimos que esta lhes concedeu, mormente na qualidade de avalistas da atrás citada insolvente K..., Lda.,
53.º Sendo que, já na época, os 1.ºs RR revelavam dificuldades em pagar atempadamente as prestações respetivas àqueles empréstimos contraídos junto da A.,
54.º Entrando frequentes vezes em incumprimento e, consequentemente, em mora, pelo não pagamento das prestações dos empréstimos,
55.º Ou seja, visaram os 1ºs RR impedir que posteriores penhoras sobre o referido imóvel alegadamente vendido pelo preço de 200,00€, pudessem surtir efeito, em virtude de se encontrar registado a favor do 5.º R, com registo de aquisição anterior;
56.º A 3ª R é mãe de um neto dos 1.ºs RR (fls. 613)
57.º Quando a 3ª ré procedeu à compra da fracção ..., sendo o registo da aquisição de 15-03-2012, os 1.ºs RR tinham perfeito conhecimento que estavam em dívida / mora perante a A. por referência aos empréstimos que esta lhes concedeu, mormente na qualidade de avalistas da atrás citada insolvente K..., Lda.,
58.º Sendo que, já na época, os 1.ºs RR revelavam dificuldades em pagar atempadamente as prestações respetivas àqueles empréstimos contraídos junto da A.,
59.º Entrando frequentes vezes em incumprimento e, consequentemente, em mora, pelo não pagamento das prestações dos empréstimos,
60º Os 1ºs RR, para além do valor mutuado pela Autora e referido no ponto 18º, já haviam efectuado o pagamento da quantia de 8.301,65 €, a título de sinal e princípio de pagamento, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda da dita fracção, contrato constante de fls. 385 verso-386 e cópia dos cheques de fls. 386 verso
61.º Antes da declaração de insolvência da pessoa colectiva, no início do ano de 2012, o primeiro réu enviou à autora a carta constante de fls. 372 verso, com data de 18 de Janeiro de 2012, tendo por assunto “Conta caucionada n.º ...”
62.º Da carta referida no artigo anterior consta, para além do mais, o seguinte: “(…) Na qualidade de sócio gerente da empresa K..., Lda.” (…) venho propor para pagamento integral do empréstimo concedido através da referida conta caucionada, no montante de €150.000,00, a transmissão da propriedade dos dois prédios urbanos, pertença dos sócios avalistas, AA e BB, sitos um na freguesia ... (…) inscrito na matriz sob o artigo ... e outro na freguesia ... (…) inscrito na matriz sob o artigo ..., fracção ..., por serem os mesmos suficientes para cumprimento da nossa obrigação para com Vºas Exªs. Assim, atentas as graves dificuldades económicas que esta empresa e sócios atravessam, o que não lhes permite a liquidação do valor em dívida por outra via, solicito se dignem apreciar a presente proposta para o seu cumprimento. (…)” (fls. 372 verso)
63º Com data de 27 de Janeiro de 2012 o primeiro réu subscreveu o pedido de avaliação dos imóveis referidos no artigo anterior (fls. 373-373 verso);
64º Com data de 5 de Março de 2012 a autor enviou ao primeiro réu a carta constante de fls. 374, cujo conteúdo se dá por reproduzido tendo por assunto: “Vossa Proposta de Dação em Pagamento para liquidação da conta caucionada (…)”, referindo: “(…) Em resposta à vossa carta datada de 18.01.2012 e uma vez analisada a vossa proposta, somos a informar que, perante o valor que resultou da avaliação efectuada aos imóveis indicados para liquidação da conta corrente caucionada e assunto, a que acresce o saldo devedor da conta de Depósitos à Ordem, verificamos que são insuficientes os bens para a concretização da dação proposta, pelo que será necessário acrescentar mais bens aos indicados ou, em alternativa, limitar a dação aos 122.000,00€ (para liquidar dívida e encargos adjacentes à operação), sendo o remanescente assumido pelos avalistas. Podemos para o efeito equacionar uma nova operação de crédito que inclua o ... e com garantias hipotecárias. (…)”
65.º Em resposta o primeiro réu enviou à autora a carta datada de 9-3-2021, constantes
de fls. 374 verso e da qual consta: “(…) Em resposta à Vossa carta de 5/3/2012 depois de lida e ponderada, sinto que a avaliação efectuada por V. Exas. se encontra vazia de esclarecimentos, pelo que solicito a informação mais concreta (…) Qual o valor da Fração C, inscrito na Matriz ... (…) Qual o valor da Matriz inscrito ... (…)”
66.º A autora respondeu pela comunicação de 12-03-2021 constante de fls. 375 e da qual consta:
“(…) somos a informar o resultado das avaliações feitas aos imóveis por V.Exa. indicados:
. Prédio urbano com o art. (…) ... (…) – avaliado em 62.500,00€ . Prédio urbano com o art. (…) ... (…) – avaliado em 60.000,00€ Respondida a v/questão (…) agradecemos que se dignem transmitir-nos, com a maior brevidade possível, qual a vossa decisão. (…)”
67.º O primeiro réu respondeu à autora por carta de 26 de Março de 2012, constante de fls. 375 verso-376, referindo: “(…) cumpre-me dizer discordar, na íntegra, pelos valores das avaliações propostas para os ditos prédios. (…) Ora, face à discriminação de valores, efectuada por Vªs. Exas, desconhecemos quais os parâmetros tidos em conta, sendo que alertamos para os seguintes (…) Assim, tendo em conta todos os mencionados parâmetros, pugno pela suficiência dos seus valores, quer para liquidação integral da referida conta caucionada, quer para liquidação do valor remanescente da hipoteca voluntária existente, neste último, seus juros e respectivas despesas a V/ favor. (…)”
68.º Por carta de 12-04-2012 junta aos autos a fls. 389 verso, remetida pelo primeiro réu à autora, referiu o seguinte: “(…) Na sequência da minha conversa com o Sr. Dr. HH e por informação do mesmo, venho solicitar a Vxas que tomem em consideração que todos os depósitos efectuados em conta N.º ...(…) se destinam Crédito do Contrato .... Hab (…) que se vence aos dias vinte de cada mês, esta minha pretensão deve ter efeitos já a partir da Prestação 155 c/ data de vencimento no próximo dia 20/04-2012 e seguintes. (…)”
69.º Por referência à conta referida no artigo anterior, conta de D.O com o n.º ..., a autora enviou ao primeiro réu o extrato constante de fls. 391 e que, reportado ao período de 01-04-2012 a 30-04-2012, as responsabilidades individuais do primeiro réu eram de € 41.970,28, sendo: € 34.124,26 decorrente de um crédito à habitação e €7.846,02, por outros créditos.
70º. Foram efectuados depósitos na conta bancária com o n.º ... nos meses de Dezembro de 2011, Janeiro de 2012 a dezembro de 2012, Janeiro de 2013 a Dezembro de 2013, de Janeiro a Dezembro de 2014, Janeiro e Fevereiro de 2015 de valores que rondavam os 265,23€ a 300,00€ mensais (fls. 395 verso a 414)
71.º Em 30-04-2012 o valor em dívida relativo ao crédito à habitação era de €34.124,26 (fls. 391- 392);
72.º Em 31-05-2012 o valor em dívida era de €33.928,08 (fls. 394 a 395)
73.º Em 30-06-2012 o valor em dívida era de 33.731,42€ (fls. 392 verso- 393 verso)
74.º À data das dações em pagamentos – Março de 2012 - os imóveis inscritos nas matrizes sob os artigos ... e ... tinham, ambos, o valor patrimonial de €11.760,94 (fls. 416 verso e 417)
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7. Motivação Jurídica
Neste recurso, está em causa apenas a decisão relativa à impugnação pauliana, pois as restantes não foram impugnadas.
São requisitos de procedência da impugnação pauliana, que o crédito seja anterior ao acto impugnado (artº 610º, nº 1, a), do C.C.), que deste resulte a impossibilidade para o credor obter a satisfação integral do seu crédito (artº 610º, nº 1, b), do C.C.) e, no caso do acto ser oneroso, se tiver sido praticado de má fé (artº 612º, do C.C.).
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In casu, todos estes elementos estão preenchidos.
O primeiro é evidente.
Quanto ao segundo basta dizer que, entre nós, a impossibilidade para o credor de obter a satisfação do seu crédito afere-se através duma avaliação da situação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar.
Ou seja, compara-se o valor do património do devedor antes e depois desse acto para se concluir ou não se desse acto resultou essa impossibilidade.
Ora, no caso é manifesta essa impossibilidade.
Já antes da alienação o património era inferior ao valor das dívidas (120 mil dos imóveis face a dívidas, na data, de pelo menos, 160 mil euros). Logo, sem esses imóveis é evidente que o pagamento integral ou parcialmente relevante se tornou impossível.
Note-se aliás, que nesta matéria, o ónus da prova da situação patrimonial cabe aos apelantes, pois, o artº 611º, do C.C., estabelece que “incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a provar de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”.
Esta regra já constava do artº 1043º, do Código de Seabra, tendo-se apenas previsto que a prova do valor dos bens penhoráveis existentes no património do devedor incumbe não só a este, mas também ao terceiro adquirente.
Por isso, “Ao credor bastará apenas provar a existência das dívidas conhecidas, procedendo a impugnação se o devedor ou o terceiro interessado não ripostar com a prova da existência no seu património de bens cujo valor seja igual ou superior ao montante dessas dívidas”.[9]
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Quanto ao terceiro requisito, importa notar que só quando a impugnação recai sobre actos onerosos é que é necessária a prova da má fé dos seus outorgantes (artº 612º, nº 1, do C.C.).
In casu, o acto foi gratuito, pois, está demonstrado que “42. Nem os 2.ºs RR, nem o 4.º R, emprestaram aos 1.ºs RR as importâncias de 15.000,00€ e de 20.000,00€, respectivamente, referidas nas escrituras de dação em pagamento”.
Mas, mesmo que assim não seja, está demonstrada essa má fé.
Esta, conforme dispõe o art. 612º, nº2, do C.Civil consiste na consciência do prejuízo do acto em causa para o credor.
Tem sido entendido entre nós que essa má fé não exige, por um lado qualquer concertação das partes - concilium fraudis , nem que exista a vontade directa - intenção de prejudicar o credor .
Ou seja esse conceito basta-se apenas com a mera consciência por parte do devedor e terceiro de que com a celebração desse acto estão a prejudicar o credor[10]().
Entre vários, o Ac da RP de 15.7.09 (in www.dgsi.pt) acentua que: “ No âmbito do Cód. Civil de 1867 (art. 1036) considerava-se de má fé o que tivesse conhecimento da insolvência do devedor, ao passo que, de acordo com o art. 612, nº 2 do Cód. Civil actual, está de má fé aquele que tem consciência do prejuízo que o acto causa ao credor. Ora, esse algo mais é precisamente a consciência do prejuízo, ou seja, a consciência de que o acto de alienação e o subsequente esbanjamento do preço recebido prejudicam o credor. Não se exige, porém, que haja com o acto a intenção de prejudicar o credor.”.
Ora, in casu está provado que:
“45.ºNa altura em que foram outorgadas as escrituras de dação em cumprimento, 21.03.2012, os 1.ºs RR tinham perfeito conhecimento que estavam em dívida/mora perante a A. por referência aos empréstimos que esta lhes concedeu, mormente na qualidade de avalistas da atrás citada insolvente K..., Lda.; 46.º Sendo que, já na época, os 1.ºs RR revelavam dificuldades em pagar atempadamente as prestações respetivas àqueles empréstimos contraídos junto da A., 47.º Entrando frequentes vezes em incumprimento e, consequentemente, em mora, pelo não pagamento das prestações dos empréstimos”.
Pelo que, podemos concluir pela demonstração efectiva da má fé dos intervenientes.
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Estão, por isso preenchidos, todos os pressupostos para a procedência da acção e improcedência das apelações.
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2. Do abuso de direito
Pretendem, porém, todos os apelantes que a conduta da entidade bancária constituiu abuso de direito e por isso a acção não deve proceder.
O art. 334.º, do CC, dispõe que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
O único fundamento alegado é a dilação temporal no exercício desse direito.
Teremos, porém, de notar que a autora teve de aguardar pelo decurso de uma execução e dois processos falimentares, o último dos quais ainda em 10-05-2019 estava pendente e só em 2015 ocorreu a declaração de insolvência dos 1ºs RR. (cfr. factos provados). Ora, a presente acção deu entrada em 2017, pelo que não se pode qualificar esse período de tempo como “abusivo” ou gerador de uma situação de conformidade e estabilidade nos negócios agora postos em causa.
Entre nós, a criação de uma situação de abuso de direito não é a última defesa de situações perdidas. Pelo contrário, o art. 334º, do CC impõe que esse abuso seja manifesto, o que significa patente, evidente, clamoroso, e pelo menos relevante.
Ora, in casu isso não acontece, já que, em rigor, não se vislumbra qualquer abuso muito menos clamoroso.
Depois, note-se que o mero decurso do prazo, sem qualquer outra conduta geradora de uma situação de confiança, não é apto a criar na contra-parte qualquer expectativa tutelável.
Com efeito, conforme ensinava ORLANDO DE CARVALHO, o abuso de direito pressupõe a “falta de interesse no exercício do direito, a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente”. [11]
Ora, aplicando estes critérios ao caso concreto, parece ser simples a conclusão pela inexistência de uma situação de abuso de direito, pois, se alguém está prejudicado e tem necessidade de recuperar uma pequena parte do seu crédito é a autora, sendo que, note-se bem desde 2012 os 1ºs RR alienaram os seus imóveis, mas: “39.º Os dois imóveis objecto das escrituras de dação em cumprimento – artigo matriciais nºs ... e ... - continuam a ser a casa de morada de família dos 1.ºs RR, onde os mesmos moram, dormem, tomam as respectivas refeições e recebem familiares e visitas; 41.º Os prédios identificados em 4º, em conjunto com os identificados nas escrituras de dação e pagamento e de compra e venda, respectivamente referidos nos pontos 26º, 33º, 30º, 32º e 36º, são e eram os únicos bens patrimoniais dos 1.ºs RR;”.
Improcedem, portanto, os fundamentos das apelações.
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8. Deliberação
Pelo exposto este tribunal, julga a presente apelação improcedente por não provada, e, por via disso, confirma, a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes porque decaíram inteiramente.
Porto em 15.9.22
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
António Carneiro da Silva
________________________________________ [1] A autora/apelada diz até que “atenta a proficiente análise e conclusões extraídas de tais elementos, devidamente evidenciados na motivação da douta sentença que em nosso aviso não merece qualquer reparo”. [2] Cfr. por todos Luís Filipe de Sousa, prova por presunção, pág. 279 e segs. [3] Note-se aqui a posição do Sr. Conselheiro Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 209, que defende que, apesar da presunção legal do anterior CPEREF ter desaparecido, deve manter-se em termos de presunção judicial de que exciste uma plausibilidade de má fé no que respeita às alienações a familiares diretos. [4] Está provado que “41.º Os prédios identificados em 4º, em conjunto com os identificados nas escrituras de dação e pagamento e de compra e venda, respectivamente referidos nos pontos 26º, 33º, 30º, 32º e 36º, são e eram os únicos bens patrimoniais dos 1.ºs RR;”. [5]Ac da RP de 4.5.2021, nº Processo: 1815/19.1T8AMT (Paulo Teixeira). [6] Carolina Martins, Tese UC, Declarações de Parte, pág. 21. E Luís Pires de Sousa, in AS MALQUISTAS DECLARAÇÕES DE PARTE, acessível em https://www.stj.pt. [7] Ac da RP de 20.11.2014, nº 1878/11, (Pedro Martins). [8] Dão-se por reproduzidos os factos não provados. [9] João Cura Mariano, ob cit. [10] Neste sentido e por todos Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, II, pág. 491; Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, em anotação a essa norma. [11] Teoria geral do Direito Civil. Sumários, Centelha, 1981, polic., págs. 45 e segs., em termos semelhantes António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Coimbra, 1990, pág. 733.