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RECONHECIMENTO DE UNIÃO DE FACTO
OBTENÇÃO DA NACIONALIDADE
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário
Face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º/3, da Lei da Nacionalidade, são os tribunais cíveis os competentes para preparar e decidir as ações de reconhecimento da união de facto com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa.
Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. RELATÓRIO
LL e MN, intentaram ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum contra ESTADO PORTUGUÊS pedindo o reconhecimento da união de facto nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e, da Lei n.º 37/81.
Foi proferida decisão que declarou o tribunal cível incompetente em razão da matéria para conhecer da ação declarativa de simples apreciação positiva de reconhecimento de união de facto entre os autores, por entender que o tribunal materialmente competente para tramitar o processo será o tribunal de Família e Menores.
Inconformados, vieram os autores apelar da decisão, tendo extraído das alegações[2],[3]que apresentaram as seguintes
1. Contrariamente à douta sentença sob recurso, o MP pronunciou-se pela competência do tribunal cível para julgar a presente ação (23/05/2022, com o n.º de entrada citius 32637962), com fundamento em orientação Superior da PGR, de 9-5-2022, e no Ac. do STJ, supra plasmado (de 17/06/2021, Proc.286/20.4T8VCD.P1.S1, Relator João Cura Mariano, inserto em www.dgsi.pt). 2. Por lapidar, contrariando todas as decisões da Relações, incluindo o acórdão citado na sentença sob recurso, diz-nos o sumário do Acórdão do STJ, supra identificado: “Face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa.” 3. Em 6 alterações da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro), após a introdução, do n.º 3 do art.º 3.º, (pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04) que reza: “3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”, apesar da oportunidade, nunca o legislador alterou esta norma especial atributiva de competência jurisdicional. 4. Do mesmo modo, o legislador da LOFT e depois da LOSJ (esta, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08, e alterada por 11 vezes, sendo a mais recente versão a da Lei n.º 77/2021, de 23/11), manteve intocado o art. 3.º, n,º 3, da Lei da Nacionalidade, o que só pode ter um significado: o legislador quis manter e manteve a norma especial atributiva de competência aos tribunais cíveis, para as ações de reconhecimento das uniões de facto. 5. Interpretar de outro modo, é, procurar um falso caminho, absolutamente violador do art.º 7.º, n.º 3, do Código Civil (como fez a decisão sob recurso), pois nem expressamente, nem inequivocamente, o legislador quis que lei geral (a LOSJ) revogasse lei especial (a Lei da Nacionalidade). 6. Portanto, mantém o legislador a competência especial dos tribunais cíveis para julgar as ações de reconhecimento das uniões de facto. 7. A decisão sob recurso, procura fazer uma interpretação rebuscada da lei, violadora do art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil: “2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” 8. Portanto, a norma aplicada pelo julgador, assim imperfeitamente interpretada (art.º 122.º n.º 2 al. g) da Lei n.º 62/2013) viola a harmonia da ordem jurídica, porque pretende afastar a norma especial do art.º 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, supra identificada, que é a que deve ser aplicada aos autos. 9. A competência para julgar a presente ação de reconhecimento da união de facto, para efeitos de pedido de atribuição de nacionalidade portuguesa ao unido de facto estrangeiro, é do tribunal a quo e não dos tribunais de família, por ser de aplicação obrigatória a competência especial do art.º 3.º, n.º 3, da LN, face à competência geral da LOSJ.
Inconformado, veio também o réu apelar da decisão, tendo extraído das alegações[5],[6]que apresentou as seguintes
1- O presente recurso incide sobre o despacho proferido em 08/06/2022, através do qual o Tribunal a quo se declarou incompetente em razão da matéria para conhecer da presente ação declarativa de simples apreciação positiva de reconhecimento de união de facto entre os Autores LL e MN, este último de nacionalidade brasileira, por entender que o Tribunal materialmente competente para tramitar o presente processo é o Tribunal de Família e Menores, ao abrigo do disposto no artigo 122º, n.º 2, al. g) da Lei n.º 62/2013 (LOSJ). 2- Todavia, não lhe assiste razão. 3- No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/2021, em que é relator o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro João Cura Mariano, disponível em www.dgsi.pt, decidiu-se que são os tribunais civis os materialmente competentes para o julgamento das ações de reconhecimento judicial de situação de união de facto entre duas pessoas com vista à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte do cidadão estrangeiro. 4- Concorda-se, na íntegra, com o decidido no mencionado Acórdão do S.T.J. e com os fundamentos aí invocados. 5- No mencionado Acórdão decidiu o S.T.J. que a competência material para o julgamento das ações de reconhecimento judicial da união de facto, com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa é dos tribunais cíveis, e não dos tribunais de família e menores, face à atribuição de competência específica constante do artigo 3º, n.º3 da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 (Lei da Nacionalidade). 6- Ao atribuir-se especificamente, na Lei da Nacionalidade, a competência material aos tribunais cíveis para conhecer este tipo de ações, norma esta que se manteve com a entrada em vigor da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, impõe-se concluir que a norma constante do art.º 3.º nº 3 da Lei da Nacionalidade é norma especial relativamente às regras gerais de distribuição de competência dos tribunais judiciais. 7- Dessa forma, não pode considerar-se que tal norma da Lei da Nacionalidade, tenha sido tacitamente revogada pela regra geral do art.º 122 n.º 1 al g) constante da LOSJ, já que a norma especial prevalece sobre a norma geral. 8- Ao considerar-se materialmente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação, o despacho de que ora se recorre padece de erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, no que concerne à norma aplicável no presente caso, uma vez que não aplicou o artigo 3º, n.º3 da Lei da Nacionalidade, norma essa especial face à norma constante do artigo 122º, n.º1, al. g) da LOSJ, tendo sido feita, pelo Tribunal a quo, uma errada interpretação e aplicação desta última norma. 9- O Tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos 3º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade, e 122º, n.º1, al. g) da Lei de Organização do Sistema Judiciário. 10- O douto despacho de que ora se recorre não deverá ser mantido, devendo ser revogado, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos.
Emerge das conclusões dos recursos apresentadas por LL e MN e, ESTADO PORTUGUÊS, ora apelantes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber qual o tribunal judicial materialmente competente para apreciar o pedido de reconhecimento judicial das uniões de facto entre duas pessoas com vista à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de cidadão estrangeiro.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS
1.) LL e MN, intentaram ação declarativa de simples apreciação sob a forma de processo comum contra ESTADO PORTUGUÊS pedindo o reconhecimento da união de facto. 2.) Foi proferida decisão que declarou o tribunal cível incompetente em razão da matéria para conhecer da ação declarativa de simples apreciação positiva de reconhecimento de união de facto entre os autores, por entender que o tribunal materialmente competente para tramitar o presente processo é o tribunal de Família e Menores.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[11](não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER QUAL O TRIBUNAL JUDICIAL MATERIALMENTE COMPETENTE PARA APRECIAR O PEDIDO DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DAS UNIÕES DE FACTO ENTRE DUAS PESSOAS COM VISTA À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA POR PARTE DE CIDADÃO ESTRANGEIRO.
Os apelantes alegaram que “o legislador da LOFT e depois da LOSJ (esta, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26/08, e alterada por 11 vezes, sendo a mais recente versão a da Lei n.º 77/2021, de 23/11), manteve intocado o art.º 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, o que só pode ter um significado: o legislador quis manter e manteve a norma especial atributiva de competência aos tribunais cíveis, para as ações de reconhecimento das uniões de facto”.
Assim, concluíram que “A competência para julgar a presente ação de reconhecimento da união de facto, para efeitos de pedido de atribuição de nacionalidade portuguesa ao unido de facto estrangeiro, é do tribunal a quo e não dos tribunais de família, por ser de aplicação obrigatória a competência especial do art. 3.º, n.º 3, da LN, face à competência geral da LOSJ”.
Vejamos a questão.
O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível – art.º 3º/3, da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 03/10, com as alterações decorrentes da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04. O estrangeiro que coabite há mais de três anos com português em condições análogas às dos cônjuges, independentemente do sexo, se quiser adquirir a nacionalidade deve declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto – art.º 14º/2, do DL n.º 237-A/2006, de 14/12, que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 26/2022, de 18/03. No caso previsto no n.º 2, a declaração é instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do cidadão português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto – art.º 14º/3, do DL n.º 237-A/2006, de 14/12, que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 26/2022, de 18/03.
A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código – art.º 60º/1, do CPCivil. Na ordem interna, a competência ordena-se pelas diversas categorias de tribunais, de acordo com a matéria, o valor da causa, a hierarquia e o território – art.º 60º/2, do CPCivil. Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território– art.º 37º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ). Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar ações relativas ao estado civil das pessoas e família – art.º 122º/1/g, da LOSJ. Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada – art.º 130º/1, da LOSJ.
Para se aferir da competência do tribunal em razão da matéria há que ter em conta o pedido e a causa de pedir em que aquele se funda, atendendo à relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo autor e ao pedido que dela decorre[12].
Assim, a competência do tribunal afere-se dos termos em que a ação é proposta, determinando-se, pois, pelo pedido do autor[13].
Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que o integram[14].
Na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objeto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada[15].
Nesta ação, os autores visam o reconhecimento judicial da situação de união de facto, tendo em vista a aquisição da
nacionalidade portuguesa.
A Lei Orgânica 2/2006, de 17-4, que introduziu alterações à Lei n.º 37/81, de 3-10, conhecida pela Lei da Nacionalidade, aditando um n.º 3, ao art.º 3.º, passou a permitir, que um estrangeiro que há mais de três anos viva em união de facto com um português, possa adquirir a nacionalidade portuguesa, desde que essa situação de união de facto seja reconhecida em ação própria que deve ser interposta no tribunal cível.
Este preceito dispõe que a ação de reconhecimento da situação de união de facto com uma duração superior a três anos deve ser interposta no tribunal cível.
Temos, pois, que previsão destas ações e a atribuição de competência aos tribunais cíveis para as julgar foi da responsabilidade da Lei Orgânica 2/2006, de 17-4, que introduziu alterações à Lei n.º 37/81, de 3-10, conhecida pela Lei da Nacionalidade[16].
Na época em que foi aprovada a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17-04, estava em vigor a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13.01[17].
Quando o legislador, pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17-04, previu a necessidade do reconhecimento da situação de união de facto como pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por pessoa estrangeira, atribuiu a competência para esse reconhecimento ao tribunal cível[18].
Com essa definição não se pretendeu efetuar uma atribuição diferente daquela que na altura resultava da aplicação das regras gerais da LOFTJ, uma vez que, não existindo a atribuição aos tribunais de família e menores da competência que hoje consta da alínea g), do n.º 1, do art. 122.º da LOSJ, a competência para o julgamento daquelas ações sempre competiria a um tribunal cível (podia ser uma vara cível, um juízo cível e, onde não existissem estes tribunais de competência específica, os juízos de competência genérica)[19].
Com a aprovação da LOSJ, pela Lei n.º 62/2013, de 26-08, a qual passou a definir as normas de enquadramento e organização do sistema judiciário português, na nova distribuição de competências dos tribunais judiciais, a competência para julgar este tipo de ações passou a ser dos tribunais de família e menores, devido ao aditamento da nova competência constante da alínea g), do n.º 1, do art.º 122.º da LOSJ - as ações relativas ao estado civil das pessoas e família[20].
Contudo, mantendo-se na Lei da Nacionalidade a atribuição de competência específica, constante do art.º 3.º, n.º 3 e, sendo esta norma, uma norma especial, ela não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu na distribuição de competências pela lei geral de enquadramento e organização do sistema judiciário[21],[22].
Assim sendo, o disposto no art.º 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade mantém-se vigente e aplicável, definindo uma competência específica dos tribunais, em razão da matéria, para o julgamento das ações de reconhecimento das situações de união de facto, com duração superior a três anos, como requisito de aquisição da nacionalidade portuguesa, por declaração, passando a constituir uma exceção às novas regras gerais da distribuição de competências dos tribunais judiciais entretanto aprovadas[23].
Temos, pois, que a alteração introduzida na lei da nacionalidade, em 2006, ao tomar uma posição específica sobre a questão da competência para as ações para reconhecimento da situação de união de facto tendo em vista a aquisição da nacionalidade, tratando-as especifica e autonomamente, em sede da mencionada alteração introduzida em tal diploma normativo e, atribuindo a respetiva competência a ação a interpor no tribunal cível.
Tal previsão legal não foi revogada pela atual LOSJ que, em termos de competência material, não atribui expressamente competência aos juízos de família e menores para a apreciação e julgamento das ações para reconhecimento da situação de união de facto tendo em vista a aquisição da nacionalidade[24].
Temos, pois, que dispondo o art.º 3.º/3 da Lei da Nacionalidade que a competência pertence aos tribunais cíveis, não é possível aplicar a regra geral constante do art.º 122.º/1/ da LOSJ e, considerar competente os juízos de família e menores, uma vez que o disposto numa norma especial prevalece sobre uma norma geral.
Concluindo, será, pois, o juízo local cível onde foi intentada esta ação de reconhecimento judicial da situação de união de facto, tendo em vista a aquisição de nacionalidade portuguesa, o competente, em razão da matéria, para a preparar e julgar[25],[26],[27], [28], [29],[30],[31].
Destarte, procedendo os recursos, há que revogar a decisão recorrida que entendeu ser “o tribunal de Família e Menores o materialmente competente para tramitar o presente processo”, determinando o prosseguimento dos autos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 1, por ser o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a ação, local onde foi instaurada a ação.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida determinando o prosseguimento dos autos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 1, por ser o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a ação.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Não há lugar ao pagamento de custas, quer com encargos, quer com custas de parte[32].
Se os autores tivessem pedido, sem mais, que o Estado fosse condenado a reconhecer que eles viviam em união de facto (e esta pretensão, só por si, preenche o pressuposto do interesse em agir – sendo que nada mais tem de ser alegado, nem, sendo-o, tem de ser considerado já que o fim mediato visado com a acção não é um elemento a ter em conta para aferição da competência do tribunal), o tribunal materialmente competente para o efeito seria o tribunal de família, por força do artigo 122/1-g da LOSJ, já que a união de facto é uma das formas que as pessoas têm de constituir família [várias posições doutrinárias neste sentido são referenciadas em (P) do acórdão do TRL de 24/10/2019, processo 2403/19.8YRLSB].
Se os autores juntassem essa sentença numa acção de aquisição de nacionalidade de forma a, com ela, preencherem o requisito de sentença judicial resultante de uma acção de reconhecimento da união de facto (artigo 3/3, da Lei 37/81, de 03/10, na redacção já de 2006), não haveria qualquer razão aceitável para que o tribunal recusasse a sentença.
Só haveria uma razão formal, qual seja, a de que a norma da lei da nacionalidade diz que a sentença teria de ser proferida numa acção interposta no tribunal cível. Mas isto não teria qualquer justificação material, antes pelo contrário, pois que é o tribunal de família que, naturalmente, tem mais competência (no sentido de saber especializado) para aplicar as normas de direito de família, entre elas as que estabelecem os requisitos para que haja uma união de facto protegida.
Aliás, entender que a norma do art.º 3/3 da Lei da nacionalidade, exige (para preencher o requisito da sentença de reconhecimento) uma sentença de um tribunal cível, recusando a sentença de um tribunal de família, no âmbito de uma acção que tem de aplicar normas do direito de família, para além de contrariar as normas que visam uma maior especialização dos tribunais, é fazer dela uma interpretação inconstitucional, porque tem o resultado de discriminar entre as várias formas de constituir família, contra o disposto na primeira parte do n.º 1 do art. 36 da CRP. É o mesmo que dizer que a união de facto é uma forma menos boa de constituir família ou que dá origem a uma família de menor qualidade, que não merece sequer que as acções que lhe digam respeito sejam tratadas pelo tribunal mais competente para o efeito, ao contrário das famílias constituídas por casamento.
De resto, o art.º 3/3 da Lei da nacionalidade pode ser interpretada em conformidade com a Constituição, como indicando qual o tribunal onde a acção de reconhecimento deve ser proposta, mas sem permitir a recusa de uma sentença judicial que reconhecesse a união de facto e tivesse sido proferida num tribunal de família. De resto, até bastaria interpretar aquela norma de forma correctiva, pondo-a também de acordo com a Constituição, pois que a lei terá querido apenas afastar a competência dos tribunais administrativos, tendo querido dizer que os tribunais judiciais seriam os competentes, apesar de ter escrito tribunais cíveis (neste sentido, repare-se, aliás, que o art. 14/4 do regulamento da lei da nacionalidade, fala só numa sentença judicial, não numa sentença cível).
Pelo que sigo antes a posição, por exemplo, do acórdão do TRL de 11/10/2022, proc. 18030/21.7T8LSB.L1-7 (que já considera todas as questões ultimamente discutidas); do TRP de 28/10/2021, proc. 5202/21.3T8PRT.P1; do TRE de 09/09/2021, proc. 2394/20.2T8PTM-A.E1; do TRP de 26/04/2021, proc. 12397/20.1T8PRT.P1 [I – A Constituição não admite a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é, à família “matrimonializada”; constitucionalmente, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família; II – O Juízo de Família e Menores, face à previsão da alínea g) do nº1 do art.º 122º da LOSJ, é o materialmente competente para a preparação e julgamento de uma acção em que é pedido o reconhecimento da existência de união de facto]; do TRL de 15/12/2020, proc. 379/20.8T8MFR.L1-7; do TRL de 30/06/2020, proc. 23445/19.8T8LSB.L1-7; do TRC de 23/06/2020, proc. 610/20.0T8CBR-B.C1; do TRC de 31/03/2020, proc. 136/20.1T8CBR.C1; do TRC de 08/10/2019, proc. 2998/19.6T8CBR.C1; do TRL de 11/12/2018, proc. 590/18.1T8CSC.L1-6 [embora o respectivo relator tenha entretanto mudado de posição, como se vê no ac. do TRL de 29/09/2022, proc. 1832/21.1T8CSC.L1-6]; de que o tribunal de família é competente para a acção em causa, mesmo que os autores digam que ela visa preencher um dos requisitos da lei da nacionalidade.
Pedro Martins
_______________________________________________________ [1] O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art.º 663º, nº 2, do CPCivil. [2] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões(art.º 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503. [3] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795. [4] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art.º 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil. [5] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões(art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503. [6] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795. [7] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art.º 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil. [8] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art.º 657º, n.º 2, do CPCivil. [9] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso. [10] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir. [11] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art.º 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829. [12] A competência em razão da matéria dos tribunais e agora das suas secções para a preparação e julgamento de uma ação deve ser aferida em concreto, tendo em atenção o respetivo regime legal, e a natureza da relação substancial em causa, a partir dos seus sujeitos, causa de pedir e pedido – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2015-02-05, Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES, http://www. dgsi. pt/jtrp. [13] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, p. 91. [14] ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 197. [15] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 94/5. [16] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-17, Relator: CURA MARIANO, http://www.dgsi.pt/jstj. [17] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-17, Relator: CURA MARIANO, http://www.dgsi.pt/jstj. [18] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-17, Relator: CURA MARIANO, http://www.dgsi.pt/jstj. [19] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-17, Relator: CURA MARIANO, http://www.dgsi.pt/jstj. [20] É certo que a Lei 62/2013 de 26 de agosto – LOSJ - veio alterar a competência para julgar as ações de reconhecimento da união de facto que até aí cabia aos tribunais cíveis, passando a atribuí-la aos Juízos de Família e Menores, ao estabelecer no art.º 122.º n.º 1 al. g) que estes têm competência para preparar e julgar as ações relativas ao estado civil das pessoas e família – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2022-07-07, Relatora: INÊS MOURA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [21] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-17, Relator: CURA MARIANO, http://www.dgsi.pt/jstj. [22] Constata-se ainda que as alterações legislativas da Lei da Nacionalidade, mesmo após a vigência da Lei 62/2013, não implicaram qualquer modificação do art.º 3.º n.º 3 daquela lei, norma especial que se manteve inalterada e que assim deve prevalecer – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2022-07-07, Relatora: INÊS MOURA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [23] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-06-17, Relator: CURA MARIANO, http://www.dgsi.pt/jstj. [24] Mantendo-se na Lei da Nacionalidade a atribuição de competência específica ao tribunal cível, constante do artigo 3.º, n.º 3 da Lei da nacionalidade (Lei nº 37/81, na redação operada pela Lei Orgânica nº 2/2006) e sendo esta norma, uma norma especial, a mesma não foi tacitamente revogada pela alteração que ocorreu na distribuição de competências pela lei geral de enquadramento e organização do sistema judicial. Dispondo tal preceito, especificamente, que a competência pertence aos tribunais cíveis, não é possível aplicar a regra geral constante do artigo 122.º, n.º 1, g), da LOSJ, e considerar competente os juízos de família e menores, uma vez que o disposto numa norma especial prevalece sobre uma norma geral. Não tendo sido revogada ou alterada a norma especial do art.º 3.º n.º 3 da Lei da Nacionalidade, são os tribunais cíveis os competentes para preparar e decidir a ação de reconhecimento da união de facto, desde que com ela o A. tenha em vista, como é o caso, a aquisição da nacionalidade portuguesa, por via da situação da união de facto – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-12-07, Relatora: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES, http://www.dgsi.pt/jtrl. [25] Se o pedido e a causa de pedir apresentados na petição inicial pelos AA. vai no sentido do reconhecimento judicial da sua situação de união de facto com vista à obtenção da nacionalidade, é o tribunal cível e não o de família e menores que é competente para preparar e decidir a ação, nos termos da norma especial do art.º 3.º n.º 3 da Lei da Nacionalidade que afasta a norma geral do art.º 122.º n.º 1 al. g) da LOSJ – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2022-07-07, Relatora: INÊS MOURA, http://www.dgsi.pt/jtrl. [26] A competência em razão da matéria para a ação declarativa, de simples apreciação, de reconhecimento da união de facto, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, prevista no n.º 3, do art.º 3.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, pertence ao Juízo Local Cível, nos termos da norma de fixação de competência residual do n.º 1, do art.º 130.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e não ao Juízo de Família e Menores, por não prevista, entre outras nas alíneas b) e g), do n.º 1, do art.º 122.º, da mesma Lei – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-12-16, Relator: ORLANDO NASCIMENTO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [27] É o juízo local cível – e não o juízo de família e menores - o tribunal competente, em razão da matéria, para apreciar e decidir das ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, para aquisição de nacionalidade portuguesa, a que se referem o artigo 3.º, n.º 3, da lei n.º 37/81, de 3 de outubro e o artigo 14.º, n.ºs. 2 e 4, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (aprovado pelo DL n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro) – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2021-12-16, Relator: CARLOS CASTELO BRANCO, http://www.dgsi.pt/jtrl. [28] A ação para reconhecimento da situação da união de facto com vista à aquisição da nacionalidade não é um processo de jurisdição voluntária. O tribunal cível é o competente em razão da matéria para julgar essa ação – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2022-06-23, Relatora: ANABELA CALAFATE, http://www.dgsi.pt/jtrl. [29] Face à atribuição de competência que consta do art.º 3º, nº 3 da Lei da Nacionalidade, os juízos de família e menores não são os competentes para julgar as ações destinadas ao reconhecimento judicial da situação de união de facto com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa. Essa competência cabe aos juízos cíveis – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2022-03-22, Relator: RODRIGUES PIRES, http://www.dgsi.pt/jtrp. [30] Essa ação para reconhecimento da situação da união de facto, só pode ter como sujeito passivo o Estado Português e, a própria norma (art.º 3º nº 3 da Lei da Nacionalidade) estabelece que a competência para a ação é do tribunal cível – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2018-10-25, Relator: ADEODATO BROTAS, http://www.dgsi.pt/jtrl. [31] Face à atribuição específica de competência constante do artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade, os tribunais de família e menores não são competentes para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa cível – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2022-07-07, Relator: VAZ GOMES, Proc. 10860/21.6T8SNT. [32] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – nº 1, do art.º 527º, do CPCivil.
A responsabilidade pelo pagamento das custas nos recursos, constante dos artigos 527.º e seguintes do CPCivil, só abrange os encargos e as custas de parte. Uma vez que o recurso não envolveu encargos e, não foram pagos no seu âmbito taxa de justiça ou honorários a mandatário judicial, não se constituiu qualquer crédito a favor de qualquer das partes. [33] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art.º 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pelaPortaria n.º 267/2018, de 20/09. [34] Acórdão assinado digitalmente. [35] O acórdão definitivo é lavrado de harmonia com a orientação que tenha prevalecido, devendo o vencido, quanto à decisão ou quanto aos simples fundamentos, assinar em último lugar, com a sucinta menção das razões de discordância – art.º 663º, nº 1, do CPCivil. [36] Funcionando em regime de colegialidade, se algum dos juízes discordar da decisão ou de algum dos seus fundamentos, expressá-lo-á mediante a apresentação de voto de vencido ou de declaração de voto – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.