RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
COMPRA E VENDA
DEFEITOS
Sumário

I- A responsabilidade decorrente da venda de um lugar de garagem onde não cabe um automóvel é de natureza contratual, emergente da compra e venda e não na culpa "in contrahendo".
II- Se houver dolo do vendedor fica afastada a necessidade de denúncia.
III- Apesar da letra da lei, o prazo previsto no artigo 917º do C. Civil não se restringe à acção de anulação, abrange o exercício dos demais direitos emergentes da venda de coisa defeituosa (reparação e substituição da coisa, redução do preço ou indemnização).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – B............., residente na Rua ......., ...., ......, Senhora da Hora, instaurou acção declarativa contra os réus C............. e mulher D............, residentes na Rua da ............, ...., ...., freguesia de ......, Gondomar, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 2.698.098$00, acrescida de juros à taxa legal.
Alega que, por escritura pública de 05/09/94, comprou aos RR a fracção autónoma “E” do prédio urbano sito à Rua ..........., ...., Senhora da Hora, composta por habitação, arrumos e lugar de aparcamento automóvel.
No lugar de aparcamento não é possível aparcar qualquer automóvel.
Antes da escritura, por não ter acesso à garagem, não lhe foi possibilitado ver o lugar de aparcamento, no que quer os RR quer a imobiliária mediadora actuaram de má fé para não prejudicar o negócio, pois bem sabiam os R que o lugar de garagem não era suficiente para aparcar um automóvel.
Só após a escritura pode verificar o lugar de aparcamento e que nele não era possível aparcar veículo, por pequeno que fosse, do que logo deu conta à intermediária no negócio e, depois, aos RR, revelando-se infrutíferas as tentativas para se chegar a um acordo.
Sem o lugar de garagem o apartamento que custou 11 000 000$00, seria vendido por 9 000 000$00, vendo-se o autor impossibilitado de vender o apartamento por um preço idêntico àquele por que o comprou.
Termina a pedir a condenação dos RR a indemnizá-lo pelo montante de Esc: 2 698 098$00, acrescidos de juros à taxa legal.

Os RR contestaram a acção. Excepcionam a caducidade do direito invocado, quer por intempestividade da denúncia quer por não propositura da acção nos seis meses seguintes à denúncia do alegado defeito.
Impugnam que ao A. não fosse facultado o acesso à garagem para inspeccionar o lugar de aparcamento que, na data do negócio, nunca valeria mais de 500 000$00, não tendo o autor o direito à indemnização que peticiona.
Requerem a intervenção provocada de E............, que lhes vendeu a fracção autónoma em causa, nas mesmas condições que o vendeu ao autor.
Concluem a pedir a improcedência da acção e a requerida intervenção.

O autor replicou pela improcedência das alegadas excepções, pelo indeferimento da intervenção provocada e pela procedência nos termos da petição.

II - Admitida a intervenção, veio o chamado contestar, alegando esgotados todos os prazos para a denúncia de qualquer defeito e bem assim o caso julgado, por os RR já terem demandado o ora chamado em acção com o mesmo objecto processual.

Proferido despacho saneador que julgou a instância regular e relegou para final o conhecimento da excepcionada caducidade, foi, de seguida, organizada base instrutória reclamada pelos RR sem acolhimento da reclamação.

Por óbito do Réu, na pendência da acção, foi habilitada, como sua única sucessora, a Ré D............. .

Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a pagar ao autor a quantia de € 13.458,05, correspondente a 2.698.098$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

III - Inconformada com o assim sentenciado, recorre a Ré, que alega e conclui:
“1 – A sentença recorrida julgou incorrectamente os concretos pontos de facto vertidos nos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 20 da base instrutória, ao dar-lhes resposta afirmativa.
2 – Os meios probatórios constantes do processo, designadamente a gravação dos depoimentos das testemunhas F............, G.........., H..........., assinaladas na acta e atrás localizadas impõem a alteração das respostas dadas aos referidos números da base instrutória devendo a resposta a todos eles ser negativa, pois as testemunhas I.........., J......... e L............ demonstraram falta de isenção e parcialidade.
3 – O Recorrido sustenta a sua pretensão em factos centrados única e exclusivamente na celebração, entre ambos, de um contrato de compra e venda de coisa defeituosa, segundo o qual aquele comprou um imóvel defeituoso, alegando que a coisa vendida tem um defeito essencial que a impede de realizar o fim a que se destina, desvalorizando-a assim na sua afectação normal invocando o direito a uma indemnização de acordo com o previsto nos artigos 913 e seguintes do C.P.Civil.
4 – Pelo que a causa de pedir invocada pelo recorrido é o alegado contrato de compra e venda de coisa defeituosa.
5 – O Sr. Juiz ao socorrer-se da norma genérica do artº 227 nº 1 do C.C desrespeitou o princípio da substanciação da causa previsto nos artºs 193, nº 2, e 498, nº 4 do C. P. Civil, decidiu sobre matéria não constante dos autos e conheceu de questões que não lhe competia conhecer, violando o prescrito nos artºs 660º, 661º e 668º nº 1 al. d) do C. P. Civil.
6 – Não foram alegados e muito menos provados factos que demonstrem que o falecido Réu agiu de má fé.
7 – Nem o A. podia socorrer-se de tal argumento pois competia-lhe, no uso da normal diligência do bom pai de família, ver a casa antes de a comprar o que certamente fez.
8 – A infundada sentença recorrida violou os mais elementares princípios de rigor e certeza e demonstrou condenável falta de exame crítico das provas que lhe cumpria conhecer e o estabelecimento de correctas medidas em qualquer hipotética condenação em desrespeito do artº 659º do C.P.C.
9 – A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto, na determinação das normas aplicáveis e na aplicação das mesmas sendo violado designadamente os artºs 193, 467 n. 1, 498, 638, 667, 668 n. 1 d) e 917 do C. P. Civil, 312 do C. Civil e nº 1 do artigo 4 do D. L. 67/2003 de 8 de Abril.

Termos em que, dando provimento ao presente recurso deve a sentença ser revogada e substituída por outra que julgando a acção improcedente absolva a Ré - Recorrente do pedido, assim se fazendo como sempre a mais elevada JUSTIÇA.”

O recorrido contra-alegou em defesa do sentenciado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

IV - Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não se que se trate de questões do conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, e 690º, ns. 1 e 3, do C.P.C.) e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu objecto delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, são questões a resolver:
- apreciação da matéria de facto;
- se o tribunal conheceu de questão que não devia conhecer,
- se não foi inovada e inexiste responsabilidade pré-contratual,
- se a sentença viola as norma dos arts. 917º e 312º do CC ou do art. 4º do DL 67/03.
- direitos do autor e obrigações da ré/recorrente.

V – A recorrente discorda da decisão da matéria de facto para o que apela aos depoimentos de testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento e que concretiza na conclusão 2ª das suas alegações.
Pretende que às questões 1 a 12 e 20, em contrário da decisão recorrida, sejam atribuídas respostas simplesmente negativas.

Nos termos do nº 1 do artigo 712º do Cód. Proc. Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Impugnando o recorrente a decisão da matéria de facto, deve dar cumprimento integral ao preceituado nos arts. 690º-A, nºs 1 e 2, e 522º-C do C.P.C. (na redacção do DL 183/2000, de 10/08).
Preceitua o artº 690º-A do C.P.C. o seguinte:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida;
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamentos do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º-C”.

A alteração da matéria de facto pelo tribunal da Relação pode ter lugar nas situações previstas nas als. a), b) e c), do nº 1 do artº 712º, do Código de Processo Civil.
No caso, não ocorre a circunstância prevista na al. c) desse normativo. Nenhum documento novo superveniente é junto que pela recorrente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão se baseou.
Também se não verifica a situação prevista na al. b), dado que não constam do processo elementos que imponham decisão diversa, insusceptíveis de ser destruída por quaisquer outras provas que hajam sido produzidas. Este fundamento está relacionado com o valor legal das provas, exigindo-se que o valor dos elementos coligidos no processo não pudessem ser afastado por outra prova produzida em julgamento, ou seja, se do processo consta um meio de prova plena (documento, confissão ou acordo das partes) não poderá atender-se a outros meios probatórios para se decidir em contrário da prova por eles obtida.
Nenhum elemento dessa natureza, nomeadamente documental, foi junto ao processo que implique resposta diferente da atribuída às questões atrás mencionadas e que não pudesse ser contrariado por outras provas efectivamente produzidas.

Os depoimentos prestados em audiência foram gravados – como consta da acta da audiência de fls. 154/157 dos autos. Estar-se-á perante a situação prevista no artº 712º, nº 1. a) do Código de Processo Civil.
Se impugnada a decisão de facto, nessa base, deve dar-se cumprimento integral ao preceituado no artº 690º-A, nº 1. b) e 2, do CPC, o que deve ser feito nas conclusões (que delimitam o objecto do recurso) e não apenas nas alegações.
A lei não exige a transcrição dos depoimentos, embora não o proíba.
Mas exige que se indiquem os pontos concretos da matéria de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, ónus que a recorrente cumpriu, e que se indiquem os concretos meios probatórios que impõem decisão diferente a respeita de cada ponto de facto impugnado (a recorrente refugiou-se numa simplista generalidade) e tratando-se de prova testemunhal ou que se encontre gravada, que se indiquem os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta.
Como se verifica da conclusão 2º, a recorrente baseia a sua pretensão nos depoimentos das testemunhas F............, G......... e H.........., por entender que as testemunhas I.........., J........... e L........... demonstraram falta de isenção e parcialidade (imparcialidade e parcialidade – dicotomia não original – que não é fundamentada e que, na espécie em análise e em quanto o suporte magnético permite aferir, nem tem subjacente razões que sustentem essa conclusão, de forma tão categórica afirmada pela recorrente).

VI - A impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador de primeira instância que é indissociável da oralidade e imediação em que decorre a audiência, o que permite ao julgador, usando as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, aperceber-se e apreender os diversos aspectos relevantes para a formação da convicção que não estão ao alcance de quem não está em contacto directo com as testemunhas ou depoentes.
No domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação - art. 396º do CC. - segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto - art. 655º, nº1 - sem embargo do dever do julgador analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida - art. 653º, nº 2, do CPC.

O juiz decide de acordo com a sua livre convicção, devendo, no entanto, especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida. A decisão da matéria de facto deve indicar os “fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”, o que se não destina à exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a convencer (terceiros) da correcção da decisão (M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 348).
Tendo sido posta em causa a credibilidade de depoimentos de testemunhas, deve ter-se em consideração, no que concerne à maior ou menor credibilidade desta ou daquela testemunha, que a apreciação da prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que estão presentes os princípios da imediação, concentração e oralidade, ao contrário daquela que não tem essa possibilidade do contacto directo com as testemunhas. Deverá ter-se presente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também, e porventura com muito maior relevo, por outras formas de comunicação, que permitem informação decisiva na valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Como escreveu Alberto dos Reis, em C.P.C. Anotado, IV, pág., 137, “é já hoje lugar-comum a nota de que tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento”. Cfr., também, no mesmo sentido, Antunes Varela, em Manual de Processo Civil, 2ª Ed., págs. 657”.
Tendo em atenção essas circunstâncias, em melhor situação se encontra o julgador de 1ª instância para apreciar os depoimentos prestados perante si, pela possibilidade de apreensão de um vasto universo de elementos, não apreensíveis na gravação dos depoimentos ou no relato escrito dos mesmos, e que são decisivos para o processo de formação da sua convicção, não tendo a Relação possibilidade de apreciar para lá daquilo que se mostra gravado ou escrito, daí que a alteração da matéria de facto, em reapreciação, só deva ocorrer em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, quando haja flagrante desconformidade entre os elementos probatórios e a decisão da matéria de facto.
Decorre do exposto ser de concluir que a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só terá justificação quando se “demonstre através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por outros meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade” (Ac. RL, de 13/11/01, na CJ, 2001, V, 85) e se especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. O tribunal ad quem não vai à procura de uma nova convicção mas averiguar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação ou outro registo da prova pode exibir perante si (conforme Ac. RC, de 3/10/2000, na CJ/IV/28), se a decisão se baseou em provas inidóneas ou indiferentes e descurou outras relevantes e decisivas, assim se há erro grosseiro ou manifesto na apreciação e valoração da prova.

Na apreciação da matéria de facto deve ponderar-se que não se procura uma certeza absoluta sobre a realidade dos factos, o que poderia revelar-se inalcansável e conduzir, frequentemente, à denegação de justiça. A prova não se destina a criar no espírito do julgador a convicção por uma certeza absoluta da realidade dos “factos” (alegações de facto) afirmados pela parte. Como ensina Antunes Varela, (RLJ, 116/339) “provar um facto no tribunal perante o juiz não é o mesmo que demonstrar um teorema na aula para o aluno, nem será o mesmo que realizar no laboratório uma análise clínica para o cliente.
A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador.
Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”.
“A prova tem (...) de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que neles se colhem) da verificação ou realidade do facto”. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)” - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, 191.
Assim, quando o tribunal julga a matéria de facto, deve fazê-lo numa medida de convicção necessária, levando em consideração as regras da experiência, de que todo o juiz dispõe em alguma medida, que pode e deve utilizar na sua actividade.
O grau de convicção do tribunal quando aprecie e decide a matéria de facto deve ser de probabilidade que baste para as necessidades da vida, uma vez que as provas não visam criar no espírito do julgador uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, dado ser normalmente impossível encontrar essa certeza absoluta, sem prejuízo de se persistir na sua procura como um objectivo.

VII - Postas estas considerações gerais, ouvidos integralmente os depoimentos que se mostram gravados (e não apenas as transcrições de frases soltas nem sempre contextualizadas, incompletas e truncadas que constam das doutas alegações), não se verifica de todo justificada a discordância da recorrente na medida que expõe nas suas alegações.
Não se deve esquecer que a prova testemunhal está sujeita á livre apreciação do julgador e que na sua apreciação não interfere ou se considera apenas o discurso verbal revelado nos depoimentos. Já exprimia Eurico Lopes Cardoso que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram produzidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras no crédito a prestar-lhe” - em BMJ, 80, 203.
Ora, aos items 1 e 2 – “o acesso à garagem do prédio mencionado em A) é feito pela porta da garagem, com comando eléctrico ou chave própria e pelo elevador que só desce à cave igualmente com chave própria?” e “…só os proprietários ou inquilinos que habitam no prédio e que têm lugar de garagem ou arrumos na cave é que possuem as chaves e comandos?” – foram atribuídas respostas positivas. Pelo que o registo dos depoimentos nos permite aferir, mostra-se irrefutável a correcção da decisão. Absolutamente nenhum elemento de prova aponta em sentido diverso. E os depoimentos das testemunhas L.......... (que a recorrente diz que demonstrou “falta de isenção e parcialidade”, mas que se revelam qualificativos sem o menor fundamento, que nem, na tese da recorrente, se explicita), testemunha proprietária de apartamentos no mesmo edifício e respectivos lugares de aparcamento e, portanto, conhecedora da situação do prédio e das características dos aparcamentos, e G.......... que habitava o prédio já antes da aquisição pelo autor, tendo exercido mesmo a administração do condomínio, e cujo depoimento, pelo que se pode aperceber, se mostra não só isento mas fundamentado e circunstanciado, e mesmo H........, actual esposa do autor, não poderiam ser outras as respostas a esses “quesitos”. Não se vê em que se baseia a recorrente para pretender o contrário, quando apela aos depoimentos destas duas últimas testemunhas – que apoiam inequivocamente as respostas - e a testemunha F......... nada disse em contrário, cujo conhecimento lhe parece advir da consulta recente do processo de venda da fracção. Aliás, a pretensão da recorrente, neste aspecto, insere-se na tese de que o autor poderia ter verificado o lugar de garagem, mesmo que a imobiliária ou os RR lho não mostrassem, como se necessitasse de se por de tocaia para, furtivamente e quando algum condómino entrasse ou saísse, se “infiltrar” furtivamente nas garagens a fim de ver as garagens ou o lugar de aparcamento do prédio que pretendia comprar. Nenhuma observação há a fazer à decisão.
Quanto aos pontos 3, 4, 5 e 6 – em que se perguntava se (3)“nas negociações que antecederam a celebração da escritura mencionada em A) jamais os RR facultaram ao A. o acesso à garagem para observar o referido aparcamento?, “se (4)“quando o Autor solicitava uma visita à garagem os RR respondiam com evasivas, chegando a dizer que a chave de acesso se tinha perdido mas que não havia problema porque «um lugar de garagem é sempre um lugar de garagem»”?, se (5)“… também a imobiliária, intermediária dos RR, através do F............ sempre se recusou a mostrar o lugar de garagem ao A?” e se (6)“…só em 5/9/94 o A. pode ver o seu aparcamento de automóvel e as chaves da garagem foram entregues?” – tiveram respostas de, respectivamente, (3)“provado”, (4) “provado apenas que quando o Autor solicitava uma visita à garagem os RR ou à imobiliária que os representava, respondiam com evasivas, dizendo que não dispunham de chave ou chegando a dizer que não havia qualquer problema porque “um lugar de garagem é sempre um lugar de garagem”, (5) “provado apenas que também a imobiliária, intermediária dos RR, através do F........... não mostrou o lugar de garagem aos autor” e (6) ”provado”. Quando à questão 5, no sentido de que a imobiliária, pelo F........, não mostrou a garagem ao autor, é este que afirma que nem sequer mostra as fracções a vender ao clientes, trabalho que é feito pelos vendedores, no caso pela dona M........... (que a recorrente quer fazer amiga do pai do autor – ver alegações – quando a H.......... apenas afirmou no seu depoimento que essa vendedora apenas o conhecia por morar na mesma zona). Anota-se que nesta resposta não é propriamente afirmado que o gerente da imobiliária houvesse recusado o acesso à garagem, sendo certo que não a mostrou ao autor (até porque, diz, nem seria o seu serviço). Neste aspecto, apelou-se aos depoimentos de I.......... e J..........., que a recorrente afirma não isentos e não imparciais, em certa medida pondo em crise o valor desses depoimentos por estes afirmarem ter ido à fracção adquirida pelo autor antes da escritura – o que rectificaram, quando reinquiridos se bem que não com convicção, quando pelo depoimento da H........., os amigos aí se reuniram depois (ou no dia?) da compra. Conjugando o depoimento da H......... com o dessas testemunhas e do F..........., o que é de questionar é se de facto essas pessoas não foram à fracção antes da escritura (mas que a distância do tempo pode justificar a imprecisão ou, melhor, insegurança dos depoimentos neste aspecto). É que refere esta testemunha (F..........) que antes do contrato promessa, o autor foi várias vezes (não uma, como poderia depreender-se do testemunho da H............) à fracção e, depois do contrato promessa e antes da escritura, voltou várias vezes à fracção (e não uma para ver se compravam o apartamento, como poderia extrair-se do mesmo depoimento) e foi aí tantas vezes que a M........... já estava chateada (di-lo o F............) com as solicitações do autor para aceder/ver fracção (qual a razão das insistências para se visitar a fracção? – não se disse). Mas se bem que de prova indirecta se trata, pois que – afirmaram-no – se baseiam no que o autor lhes dizia (que insistia pelo acesso à garagem junto dos RR e imobiliária sem sucesso), não se trata de fonte inepta, pois trata-se de conhecimento adquirido na data dos factos, sem motivo específico na sua aquisição, em roda de amigos e sem razão para as “informações” serem falsas ou eivadas de confabulação. Neste aspecto, ganham consistência conjugadas com o depoimento da H............. (que a própria recorrente parece ter como isento e imparcial – ver conclusão 2º) que sabe dos factos por si, presenciou-os e ouviu as declarações dos negociadores, e afirmou que quer a imobiliária pela M........... e gerente F............ que os RR nunca facultaram o acesso do autor, durante as negociações, à garagem e que só tiveram ensejo de a ver no dia da escritura e, mesmo ai, sem ficarem a saber qual o aparcamento que ao autor cabia. É sintomática a expressão que esta afirma proferida pela Ré, na data do contrato promessa, ao ser-lhe observado que o autor não havia visto o lugar de aparcamento, de que “um lugar de garagem é sempre um lugar de garagem, não tem janela para o mar”. E quanto ao item 6, se alguma observação haveria a fazer seria a de que nem nesse dia o autor ficou a saber ou viu o seu lugar de aparcamento, mas apenas a garagem do edifício como um todo, pois que nem sequer sabia qual era esse lugar. Esse conhecimento é adquirido mais tarde, em 4/10/94, mesmo já depois de ter consultado a administração do condomínio e, por essa razão, nessa mesma data reage perante a imobiliária – é o que se extrai dos depoimentos das testemunhas H..........., G........... (então administrador e a quem o autor perguntou qual era o seu aparcamento) e I........ . E não afasta o teor das respostas o depoimento da testemunha F........., que nunca mostrou a casa ao autor, embora tenha “garantido” que este verificou a garagem, e que nunca o autor teria, antes do contrato promessa, falado com os vendedores (para afastar a posição do Autor de que teria pedido junto dos RR o acesso à garagem), dando como motivo para essa afirmação o modo (que modo?) como eles se cumprimentaram que seria de pessoas que não se conheciam, não deixando de ser estranho que lhe tivesse ficado na memória o modo como os promitentes se cumprimentaram oito anos antes, tendo em conta os múltiplos milhares de negócios (afirma) de que tratou. Analisando os diversos depoimentos, sem desconsiderar as características concretas do aparcamento, temos por certo que as respostas atribuídas a essas questões nem se apoiam em prova indiferente nem desconsideram prova relevante a determinar decisão diversa, ou seja, que haja fundamento para a convicção do julgador de primeira instância. Nesta parte insubsiste a pretensão da recorrente.
Aos pontos 7 e 8 da base instrutória – em que se pergunta (7)“o Autor verificou então que o lugar de garagem tem de dimensões 2,95 metros utilizáveis em cumprimento e 3,70 metros de largura, quando o convencionado pela Câmara Municipal da Matosinhos como dimensões mínimas para lugares de garagem nos prédios é de 2 m de largura e 4,5 m de comprimento?” e (8)“Com aquela dimensões o lugar em causa não possibilita o aparcamento de qualquer automóvel?” – foi respondido “provado”. Face ao teor das informações colhidas na inspecção ao local (acta de fls. 238/241), à planta de fls. 18 e 19 (doc. 3 junto com a petição) e aos depoimentos das testemunhas L..........., H.......... e G.......... – todos com conhecimento directo do lugar de aparcamento em causa - não se vê como pretender que essas questões sejam respondidas meramente “não provado”. A este propósito é de lembrar o depoimento do professor Manuel Felgueiras, com conhecimento perfeito do lugar de aparcamento em causa, que refere que esse espaço tem mais ou menos metade da área necessária para um carro (como se verifica dos documentos citados, trata-se de um espaço enviesado) e mesmo um motociclo teria dificuldades para efectuar a manobra de aparcamento. E deve ter-se em conta um veículo dos utilizáveis normalmente ou em termos médios e não um de que, universalmente, se ande á procura para, por pequeno, se conseguir aparcar no espaço controvertido. Apenas se faz um reparo, nenhuma referência foi feita às medidas determinadas municipalmente nem está junto documento a referenciá-las, pelo que, nesse aspecto se elimina da resposta á questão 7 essa referência. No restante se mantém a decisão.
À questão 9 – perguntava-se se “Os RR sempre tiveram consigo as chaves de acesso á garagem mas impediram que o A. visse o lugar de garagem porque sabiam que tal facto inviabilizaria os termos do acordo mencionado em A)” – foi respondido “provado”. Que os RR sempre tiveram consigo as chaves do apartamento e garagem (não as haviam perdido) é questão que nem está em causa e a verdade é que as entregaram ao autor com a venda do apartamento. Por outro lado, é da lógica e da experiência comum que com o concreto aparcamento, o negócio teria de ser diferente, pois a fracção não valeria o que foi convencionado, por fraco que fosse o aparcamento. Nesse sentido apontam os depoimentos de H........., J........... e I......... (se bem que estes com pequeno relevo). Há que fazer funcionar as regras da vida e considerar que se numas negociações se procura esconder o objecto (parte) do negócio que foi efectuado, como se todos os elementos fossem conhecidos, e que se esse objecto, conhecido dos vendedores, vem a verificar-se sem as qualidades necessárias ao fim contratual e à realização da finalidade típica, é porque há alguma razão para se actuar daquela maneira e como os RR não podiam desconhecer (alias, sabiam a situação do aparcamento) é da lógica que se escondeu o “defeito” para não prejudicar o negócio. Não é excessivo nem sem fundamento a convicção pela resposta positiva à questão 9, mantendo-se a decisão nesta parte.
Aos pontos 11 e 12 da base instrutória - que se referem à denúncia da anomalia à imobiliária “Predial Dimensão” e aos RR quando o autor detectou a anomalia - foi respondido “provado”. Não aponta a recorrente qualquer motivo ou elemento probatório para se responder de forma diferente a essas questões. E existe motivação idónea – os documentos de fls. 20/26 (docs. 4 e 5 juntos com a petição) e o depoimento de H............ (com conhecimento directo dos factos), não se vislumbrando erro grosseiro ou manifesto na apreciação da prova. Nenhum motivo milita a favor da pretensão da recorrente.
Às questões 10 e 20 – em que se pergunta (10) “os RR sabiam que o referido lugar de garagem não permitia o aparcamento de nenhuma viatura e que um apartamento igual, no mesmo prédio, sem lugar de garagem, seria vendido por 9 000 000$00” e (20)“o valor do lugar de aparcamento à data da celebração da escritura mencionada em A) era de 2 000 000$00” – foi respondido “provado”. Quer a recorrente que seja respondido “não provado” como se da sua parte tivesse cumprido integralmente e o lugar de aparcamento correspondesse ao pactuado ou fosse adequado ao fim a que se destina. Quanto ao facto dos RR saberem que o lugar de garagem não permitia o aparcamento é irrefutável a prova documental que consta do processo. Eles mesmo propuseram acção a reivindicar (acção que improcedeu por inadequada) outro lugar de garagem pelo facto do aqui em causa não ter possibilidades de ser utilizado para aparcarem (cfr. docs. de fls. 285/297 e 89/91). É a aqui ré que diligencia junto da CMMatosinhos a solução do problema e afirma que o lugar de aparcamento “não tem medidas suficientes para estacionar um pequeno veículo automóvel (fls. 226/227), o que não se adequa à sua posição manifestada neste processo. E resulta do auto de vistoria camarária a impossibilidade dos veículos entrarem e saírem dos aparcamentos pelo desrespeito pelas medidas necessárias para o efeito (ver fls. 225). Acresce o depoimento do Professor Manuel Felgueiras que narrou o episódio em que conheceu o Réu, na garagem do prédio, e em que este lhe narrou a situação do aparcamento imprestável para o fim a que se destina e que entendia ser outro, como prometido pelo vendedor (o chamado), o seu aparcamento (mas cuja acção para obtenção de outro lugar improcedeu – fls. 89/91). Não se vê como pretender que não se considere provada a matéria de facto neste ponto. No que respeita aos valores – referiu F........... que o valor de aparcamento no local, em 1994, andaria por 500 contos e actualmente por, no máximo, 1250/1500, valores que é provável que se refiram ao concreto aparcamento que não serve para aparcar. De facto, tendo em conta o local, que se trata de prédio com número de aparcamentos muito inferior ao das habitações, são valores que não merecem credibilidade, tal como não a merece quando afirma que no concreto espaço em causa estaciona um carro médio (baixo), quando não deverá esquecer-se que o aparcamento inclui as manobras de aparcamento e desaparcamento, com outros veículos estacionados. Posição essa que afronta o afirmado com melhor conhecimento transmitido por L....... e G............. (ambos que também adquiriram espaços de garagem). Vem provado, sem controvérsia que a fracção foi vendida por 11 500 000$00. Deduzindo-se o valor de 2 000 000$00 atribuído ao espaço de aparcamento, o valor da fracção seria de 9 500 000$00, daí que é algo contraditório (mas não impossível) com a resposta ao ponto 10, quando se diz que sem o aparcamento, o apartamento seria vendido por 9 000 000$00. Face ao valor da venda, naquele caso, a ”desvalorização” seria superior ao valor do pedido por “defeito” do lugar de garagem. Aliás, esse valor não foi propriamente mencionado por testemunha alguma. A H......... (com algum interesse na causa, pois actualmente é esposa do autor) refere, sem grande convicção e sobretudo sem motivação do valor que menciona, que o preço do apartamento sem a garagem seria de 9 500 000$00 (como se disse, sem esclarecimento sobre a razão deste valor) e o lugar de garagem seria de 2 000 000$00 (assim perfazer-se-ia o valor de 11 500 000$00 escriturados) e o certo é que em nenhum depoimento se afirma o valor de 9 000 000$00, como aquele por que seria vendido o apartamento sem o lugar de garagem, valor que se fez constar da decisão. Parece-nos que não existe prova idónea em que assente a convicção por tal valor, que nem por presunção se poderá concluir. No entanto, a testemunha L.......... afirma ter comprado dois apartamentos com garagem e o custo de cada aparcamento seria da ordem de 1 500 contos, sendo de referir que, como afirmou, comprou ainda no papel (em planta) e, daí, com algum desconto, segundo refere, do que decorre, em atenção à evolução normal dos preços, que na data da compra pelo autor (bastante mais tarde) poderia o preço ser já algo superior. Por outro lado, a testemunha professor G......... afirma que o lugar de garagem andará actualmente por dois mil e tal a três mil contos, e esses seriam os valores já há cerca de três anos atrás (com referência à da audiência, de 28/10/2002) terá feito negócio com a sua fracção. Ora, atendendo ao exposto, entendemos que, neste aspecto, a resposta quanto aos valores não têm suporte probatório bastante para firmar convicção no sentido constante da decisão de facto. Por outro lado, o valor da fracção sem a garagem não seria inferior ao valor do conjunto deduzido do valor da garagem, por forma a dever considerar-se que o conjunto vale mais que a soma das partes, e de nenhum elemento de prova se dispõe que indicie esse maior desvalor. Temos, assim, que, analisando os depoimentos em conjunto, existe suporte bastante para afirmar o valor do aparcamento em, pelo menos, 1 500 000$00 à data da aquisição da fracção pelo Autor e que o valor da fracção autónoma sem o lugar de garagem não seria superior a 10 000 000$00. Deste modo, nos pontos 10 e 20 atende-se aos valores de 10 000 000$00 e 1 500 000$00, sentido em que se modificam as respostas a estas questões.

VIII – São os seguintes os factos provados:
1) Por escritura pública, datada de 5 de Setembro de 1994, os RR declararam vender ao A. e este declarou comprar-lhes, por 11 500 000$00, a fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão, um arrumo no vão do telhado e um lugar de aparcamento automóvel na cave, do prédio sito na Rua ............, na freguesia da Senhora da Hora em Matosinhos e inscrita ma matriz sob o art. 3731-E e descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 00351.
2) Por escritura pública, de 4/4/1990, cujo teor se dá por reproduzido, o chamado E.......... vendeu à ré mulher a referida fracção autónoma, com tudo o que a compõe.
3) Por sentença de 29/6/1993, proferida no processo 193/92, do 2º juízo, 4ª Secção, do Tribunal Judicial de Matosinhos, certificada a fls. 90/91 e cujo teor se dá por reproduzido, foi julgado improcedente a acção de reivindicação proposta pelos aqui RR contra o ora chamado E............. .
4) O acesso á garagem do prédio mencionado em 1) é feito pela porta da garagem, com comando eléctrico e com chave própria e pelo elevador que só desce á cave igualmente com chave própria.
5) Só os proprietários ou inquilinos que habitam no prédio e que têm lugar de garagem ou arrumos na cave é que possuem as referidas chaves e comandos.
6) Nas negociações que antecederam a celebração da escritura mencionada em 1) jamais os RR facultaram ao A. o acesso à garagem para observar o referido aparcamento.
7) Quando o A. solicitava uma visita à garagem, os RR, ou a imobiliária que os representava, respondiam com evasivas dizendo que não dispunham de chave ou chegando a dizer que não havia problema porque “um lugar de garagem é sempre um lugar de garagem”.
8) Também a imobiliária, intermediária dos RR, através do Sr. F.......... não mostrou o ligar de garagem ao A.
9) Só em 5/9/1994, o A. pode ver o aparcamento de automóvel e as chaves foram entregues.
10) O Autor verificou então que o lugar de garagem tem dimensões de 2,95 metros utilizáveis em cumprimento e 3,70 metros de largura.
11) Com aquelas dimensões o lugar de garagem não possibilita o aparcamento de qualquer automóvel.
12) Os RR sempre tiveram consigo as chaves de acesso á garagem mas impediram que o A. visse o lugar de garagem porque sabiam que tal facto inviabilizaria os termos do acordo mencionado em 1).
13) Os RR sabiam que o referido lugar de garagem não permitia o aparcamento de nenhuma viatura e que um apartamento igual, no mesmo prédio, sem lugar de garagem, não teria um valor superior a 10 000 000$00.
14) Depois de verificar que o seu carro não cabia no referido lugar, o A. deu conhecimento à Imobiliária, que os RR contrataram como intermediária no negócio, através de fax, de 04 de Outubro de 1994.
15) Dada a informação daquela, de que o assunto devia ser posto aos RR, viu-se o Autor obrigado a fazê-lo, através de carta registada de 11/10/1994.
16) O referido prédio tem 30 habitações e 22 lugares de garagem.
17) Os réus, após a aquisição da fracção descrita em 1), reclamaram junto do vendedor respectivo (Chamado nesta acção) pela exiguidade das medidas do aparcamento na garagem que não permitia a respectiva utilização.
18) Os RR adquiriram a fracção “E” ainda em construção com o objectivo de fazer uma aplicação financeira rentável.
19) Jamais habitaram a referida fracção.
20) Acordaram com a “N............, Lda”a mediação da venda da fracção facultando-lhes as chaves da mesma.
21) Até à celebração do contrato promessa os contactos com o autor relativos à venda da fracção “E” foram tidos com a “N........”.
22) O valor do lugar de aparcamento à data da celebração da escritura mencionada em 1) era de, pelo menos, 1 500 000$00.

IX – Quanto à questão de saber se o tribunal conheceu de questão que não podia conhecer (não suscitada pelas partes) com a consequente nulidade da sentença?
Não obstante a recorrente nas conclusões de recurso falar em violação do disposto no artigo 661º do CPC, não se vislumbra em que aspecto a decisão afronta essa norma (nº 1), pois nem condenou em quantia superior à pedida nem em objecto diverso.
Quer a recorrente que na sentença conheceu-se de questão de que não podia conhecer-se, não suscitada pelas partes, com violação das normas dos artºs 193º, nº 2, e 498º, nº 4 (sem que, neste aspecto, se descubra o seu desrespeito pelo tribunal, como não se alcança na decisão afronta ao art. 312 do CC), 660º e 668º nº 1 al. d) do C.P.Civil, e isto porque, a Mma Juíza recorrida socorreu-se da norma do artigo 227, º 1, do CCivil, para decidir em desfavor da recorrente.
A iniciativa da acção pertence às partes. O tribunal não pode resolver conflito sem que a resolução por elas lhe seja pedida (artigo 3º n 1 do CPC).
Na decisão, o juiz está limitado não só pelas questões que lhe são colocadas para solução (salvo se outras surgirem do conhecimento oficioso) como também pelo cosmos factual alegado (salvo a existência de factos a que possa e deva recorrer, por notórios ou de si conhecidos por via do exercício das suas funções) – arts. 661º, 664º e 264º do CPC. O que tem como ónus das partes expor as questões que querem ver decididas e delimitar essas questões, alegando os factos que integram a causa de pedir, os factos fundamentos do pedido/direito invocado com a conclusão lógica vertida no/s pedido/s. Cabe às partes determinar o “quod decidendum” e ao tribunal julgar isso e só isso.
Da douta sentença recorrida expressa-se que o autor fundamenta o direito a indemnização no instituto da compra e venda defeituosa, mas que essa não foi a via adequada pois que a diferença de dimensões do controverso aparcamento não constitui um defeito ou vício de construção, mas uma divergência entre o objecto negociado e o adquirido, cujo regime se deve buscar no instituto da “culpa in contrahendo”, vulgo, responsabilidade pré-contratual. Quer dizer, a Sra. Juíza fez uma qualificação jurídica dos factos alegados e provados diferente da feita pela parte, entendendo que a divergência de dimensões não constituía um defeito e que o direito do autor tem apoio na norma do artigo 227 do CC e não no regime da venda de coisa defeituosa.
Como se sabe, o tribunal não está sujeito ás alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664 do CPC). Em sede de facto, o juiz está limitado pela alegação das partes. Não assim na indagação do direito aplicável, não está vinculado à qualificação jurídica feita pelas partes.
Nos termos do artigo 668º n 1. d) do CPC, a sentença é nula se conhece de questões de que não podia tomar conhecimento. A nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC é a sanção pela violação do disposto no art. 660º, nº 2, do C.P.C., preceito que impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação mas, por outro lado, de só poder ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso.
Há excesso de pronúncia quando o juiz se pronuncia sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se o âmbito da solução do conflito nos limites por elas pedido. A excesso de pronúncia gerador de nulidade prevista na al. d), 2ª parte, do art. 668º do CPC, refere-se aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do litígio, seja no que respeita ao pedido como às excepções; não respeita às razões de facto ou de direito afirmadas na decisão. Essas questões centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa, designadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções (cfr. Ac. Stj, de 8/1/04 e 5/2/04, em dgsi.pt, procs. 03B4168 e 03B3809).
No caso, o que sucede é que na sentença recorrida faz-se uma qualificação jurídica dos factos que não coincide com a do autor e faz-se a indagação do direito e a sua aplicação em consonância com essa qualificação. O tribunal conheceu das questões colocadas pelas partes, no que não interfere a solução que deu a essas questões, e conteve-se nos limites traçados pelos arts 660 e 661 do CPC. Pode haver errada qualificação jurídica, uma subsunção jurídica deficiente, uma interpretação e aplicação de norma não adequada ao caso ou por se concluir por uma solução que a lei não comporta. Não se trata de vício formal da sentença, não significa excesso de pronúncia, de ultrapassagem dos limites traçados pela causa de pedir ou pelo pedido, mas de erro de julgamento que se não analisa em nulidade da sentença.

X – A sentença recorrida, em suporte da pretensão do autor e para motivar a condenação da recorrente, fez apelo à responsabilidade pré-contratual, partindo da ideia base que a diferença de medidas do aparcamento automóvel não constitui um defeito ou vício mas uma divergência entre o objecto negociado e o adquirido (o que, dizemos nós, traduzir-se-ia em coisa sem as qualidades negociadas e afirmadas, ou seja, em coisa defeituosa para os efeitos do enquadramento jurídico da questão).
Com o maior dos respeitos pela posição expressa, permitimo-nos discordar dela.
Preceitua o artigo 227º n 1 do CC que “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar á outra parte”. Visa esta norma proteger a parte nas negociações que actua de boa fé para a conclusão de um contrato que não chega a concluir-se por conduta censurável (lesiva da boa fé – como regra de conduta que impõe aos sujeitos de direito uma actuação honesta e leal, como pessoas de bem, evitando conduta que frustre as legítimas expectativas da outra parte, sem motivo justificado), visa proteger a parte contra os riscos de investimento na perspectiva da conclusão de um contrato que por actuação da outra que, por acção ou omissão, incentivou esse investimento, e o vê ruir por acto imotivado desta. O contrato é o resultado de um processo genético que principia com os primeiros contactos dos interessados em vista à sua celebração (fase negociatória) e culmina com o acordo vinculativo de vontades (G.Telles, Direito das Obrigações, 4ª/Ed,54). Até à sua ultimação, as partes podem desenvolver uma mais ou menos vasta teia de contactos e negociações, de forma a encontrarem o ponto de equilíbrio de interesses, opostos mas harmonizáveis, e esse acordo vinculativo de vontades. Quer nas negociações ou preliminares do contrato (durante o qual as partes preparam o conteúdo do negócio, discutindo os seus pontos de vista, cedendo aqui e ali, com vista à obtenção do acordo, quando as partes exprimirem a sua concordância sobre todas as questões suscitadas - ver artº 232º do CCivil), como na formação deste estão as partes obrigadas a proceder de acordo com as regras da boa fé, incorrendo aquele que a elas falta na obrigação de reparar os danos que culposamente causar à outra parte. É essa a responsabilidade (pré-contratual) a que se reporta aquela norma do artº 227º, assente na culpa na formação do contrato (culpa in contrahendo).
As negociações não são vinculativas, cabendo nos limites da liberdade contratual o direito que, em princípio, qualquer das partes tem de as romper. Porém as partes durante essas negociações devem comportar-se como pessoas de bem, com correcção e lealdade, segundo a boa fé (objectiva), como regra de conduta de conteúdo indeterminado, de que emergem vários deveres para os sujeitos de direito, não só lhes proibindo certas condutas na prossecução dos seus interesses como lhes impondo condutas positivas, nomeadamente de colaboração e cooperação com quem negoceiam. Nesta fase contrapõem-se dois interesses a defender – a liberdade negocial (que permita à parte, até ao último momento, contratar ou não) e o interesse da confiança ou legítima expectativa (que comporta uma graduação dependente das circunstâncias concretas, nomeadamente do avanço das negociações, dos acordos parcelares obtidos, do valor do contrato e das despesas já realizadas pelas partes, da renúncia a outros negócios, etc.) em contratar que as negociações e o seu avanço vão consolidando.
À medida que as negociações avançam, aquela liberdade de decisão vai “sendo progressivamente restringida, à medida e na medida em que, pelos seus comportamentos (positivos e omissivos), cada uma das partes cria, na respectiva contraparte, uma convicção de confiança na iminência da celebração do contrato”; “a confiança vai progressivamente ganhando corpo e consistência, pondo-se então o problema da injustiça da sua desprotegida frustração quando uma das partes, inesperada e arbitrariamente, rompe as negociações” (Ana Prata, Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual,17).
A razão de ser da responsabilidade pré-contratual reside na tutela da confiança dos sujeitos de direito na correcção, honestidade, lisura e lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporte a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos. A confiança digna de tutela é aquela que resulta duma apreciação objectiva dos actos e comportamentos das partes no quadro económico-social em se desenvolve o processo formativo do contrato (autora e obra citada, 43).
Não é o que se passa na espécie em análise. No caso submetido a escrutínio, as partes concluíram o contrato que negociaram e só a coisa adquirida não serve (ou não serve inteiramente) para o fim a que se destina porque não tem as qualidades necessária à realização desse fim, logo é defeituosa. Nem para fundamentar o pedido se apela a qualquer incorrecta actuação da parte (RR) durante os preliminares ou formação do contrato de que decorram prejuízos. Não é, de facto, a violação da boa fé, qualquer conduta desonesta dos RR, que serve de apoio à pretensão do autor ou em que a sedimentou; o fundamento da acção reside no defeito da coisa e não na violação da boa fé na formação do contrato (qual? pois foram celebrados um contrato promessa e um contrato de compra e venda). A base da pretensão está na inexistência dum aparcamento bastante para estacionar um automóvel, por não ter as medidas suficientes, quer para manobrar quer para nele caber um veículo normal, e não a violação de qualquer dever de informação nos preliminares ou formação do contrato ou em qualquer artifício fraudulento dos RR causador de dano ao autor. O que de facto alicerça o pedido do autor é o facto da coisa comprada não ter as qualidades afirmadas ou necessárias ao fim a que se destina, o que não tem que ver com a responsabilidade pré-contratual, destinada a não deixar sem garantia alguma a parte honesta, leal, que actua com probidade e seriedade, ou cobertura legal contra a desonestidade da outra parte que quebra as negociações depois de criar a convicção que negociava com seriedade ou adopta conduta lesiva do interesse (essencialmente patrimonial) desta parte.
A responsabilidade dos RR geradora de indemnização a que o A. tenha direito sustenta-se no contrato efectivamente celebrado e não na conduta das partes durante as negociações, o que não significa que essa conduta não releve na definição de eventual responsabilidade e sua medida, nomeadamente na definição dos termos do imperfeito cumprimento. Não é na violação de qualquer dever de conduta – nomeadamente de informação - por parte dos RR durante as negociações que o autor funda o invocado direito mas no facto da coisa (aparcamento) não prestar para o fim a que se destina.
A coisa vendida é defeituosa se “sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim …” (art. 913º, nº 1, do CC). E prescreve o nº 2 desse art. que “quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
A lei equipara os vícios às faltas de qualidades da coisa. Não se reporta apenas aos vícios físicos ou materiais, deficiências de confecção, fabrico ou construção, deficiências internas, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material. Também constitui defeito a falta de qualidades, seja das que foram asseguradas pelo vendedor seja das necessárias à realização do fim a que a coisa se destina. As coisas devem ter uma adequação normal relativamente ao uso normal da sua função típica. Se não tem essa adequação deve considerar-se defeituosa.
Como afirma P. Lima/A. Varela, CCAnotado, II, 2ª Ed/187, o artigo 913º cria um regime especial para as “quatro categorias de vícios que nele são destacadas:
a) vício que desvalorize a coisa,
b) vício que impeça a realização do fim a que é destinada,
c) falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina”.
Constitui vício ou defeito, para efeitos de aplicação do regime referido, “o vício que desvalorize a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina” (cfr. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 2º ed, 41). Veja-se em idêntico sentido, Pedro Romano Martnez, em Cumprimento Defeituoso, 184/185. A noção de defeito constitui um juízo de valor com respeito a um certo referente e este pode ser dado pelas características de coisas do mesmo tipo existentes no comércio.
Ora, os RR venderam e o A. comprou um lugar de aparcamento automóvel (integrado na fracção autónoma designada pela letra “E”) - facto 1. Foi previsto na convenção o destino do “aparcamento” e um lugar de aparcamento tem uma função típica. E, a não ser convencionado em contrário, essa finalidade só é obtida se nesse espaço se puder, em termos normais, aparcar um veículo automóvel (dos que normalmente circulam e são comercializados no mercado).
Verifica-se que o aparcamento vendido ao A. não tem as qualidades necessárias à realização do fim a que se destina, quer em resultado do contrato (que prevê um aparcamento automóvel) quer em função das coisas da mesma categoria (cfr. factos 10 e 11). O lugar de aparcamento não serve à realização da sua função típica, pois nele não é possível aparcar qualquer automóvel e não apenas por impossibilidade de realização das manobras de aparcamento/desaparcamento, mas porque não tem as medidas e área útil necessárias a esse fim.
A coisa vendida padece de defeito que a desvaloriza e impede a realização do fim a que se destina. É por assim ser que o A. pretende ser indemnizado pelos RR/vendedores e não porque estes, nos preliminares ou na formação do contrato desrespeitassem as regras da boa fé. Mesmo os RR, nas negociações, não omitissem qualquer informação, acedessem a todas as solicitações do autor, não estaria afastada a sua responsabilidade se a coisa vendida não servisse para realizar a sua função típica ou acordada.
A responsabilidade da recorrente, a existir, funda-se no contrato de compra e venda de coisa defeituosa, pretende efectivar-se a responsabilidade contratual, emergente da compra e venda, e não na culpa in contrahendo, como se decidiu na douta sentença recorrida.

XI – Baseando-se a pretensão do A. no contrato de compra e venda de coisa defeituosa, sujeita ao regime previsto nos arts. 913º e seguintes do CC, vejamos se operou a caducidade do direito, por intempestividade da acção. Pensamos que só por lapso a recorrente chama á colação o artigo 312º deste código, que se reporta às prescrições presuntivas, manifestamente sem aplicação à compra e venda de coisas defeituosas ou ao regime de caducidade do direito de acção.
A recorrente nas suas alegações continua a suscitar a caducidade dos direitos invocados pelo autor, atento o disposto nos arts. 916º (na reacção anterior à do DL 267/94) e 917º do CC. Não obstante, face ao cosmos factual provado, teria de concluir-se pela não ocorrência da invocada caducidade ao abrigo do artigo 916º do CC.
O vendedor da fracção não é o construtor, isto é, não se trata de imóvel que aquele tenha construído, modificado ou reparado para vender, pelo que inaplicável seria o disposto no art. 1225º, nº 4, do CC. E à data da entrada em vigor do artº 916º, nº 3, do CC, na redacção do DL 267/94, ou seja em 1/1/95, já havia decorrido o prazo para a denúncia do defeito previsto nessa norma, na redacção anterior, cujo conhecimento foi adquirido pelo autor em 5/9/94, segundo mesmo alega, quando a fracção e garagem lhe foi entregue efectivamente. Daí que, mesmo que se tenha a norma (na redacção desse DL), quanto a prazos, como de aplicação imediata, face ao disposto no artº 12º, nº 2, 2ª parte, do CC, (sentido em que aponta a finalidade da mesma, de defesa dos interesses do consumidor e adquirente de bens imóveis – cfr. STJ, de 6/7/04, em ITIJ/net, proc. 04B1686), o prazo para a denúncia já se havia extinguido (ver STJ, de 19/10/95, no BMJ 450/432).
Sucede que não ocorreu a caducidade pelo decurso do prazo de denúncia.
Se houver dolo do vendedor fica afastada a necessidade de denúncia (art. 916 n 1, in fine, do CC). Se o vendedor conhece o vício da coisa que vende não necessita de ser avisado do defeito. Bem o conhece como conhece que, estando obrigado ao perfeito cumprimento, a coisa vendida não corresponde ao devido.
Mostra-nos a factualidade assente que os vendedores actuaram com dolus malus. Não só sabiam que a coisa vendida, no que se refere ao aparcamento, não servia para o fim anunciado no contrato, nem para realizar o fim a que normalmente se destina, como omitiram conscientemente esse defeito para não prejudicar o negócio que estavam a realizar (cr. factos 7, 12 e 13), antes obterem o inerente benefício como se o aparcamento cumprisse de pleno a sua finalidade. Os vendedores, não só conheciam o defeito como tentaram encobri-lo e encobriram-no ao comprador, com o fim de não verem prejudicados os termos do contrato. Daí que estava o autor dispensado de denunciar o defeito aos RR, não caducando o seu direito por omissão de denúncia.

Excepcionaram os RR e mantém a recorrente a caducidade do direito de acção.
Estabelece o artigo 917º do CC que “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do artigo 287º”.
No caso, não se está perante uma acção de anulação e, a sê-lo, não se bastria em simples erro mas em dolo do vendedor, pelo que não teria aplicação o disposto nessa norma. Em caso de dolo, o prazo de propositura está previsto no artigo 287º, nº 1, do CC, no prazo de um ano subsequente á cessação do vício que lhe (à anulabilidade) serve de fundamento, ou seja, no ano subsequente à data em que o comprador teve conhecimento do defeito e dolo do vendedor. “Havendo dolo do vendedor, o comprador pode intentar a acção de garantia (em qualquer dos remédios em que esta se concretize) dentro do ano subsequente à cessação do vício do consentimento, quer dizer, no prazo de um ano a contar do momento em que este teve conhecimento do dolo” - Calvão da Silva, ob. cit., 78.
Apesar da letra da lei, o prazo previsto no artigo 917º não se restringe à acção de anulação, abrange o exercício dos demais direitos emergentes da venda de coisa defeituosa (reparação e substituição da coisa, redução do preço ou indemnização).
Para a acção de reparação ou substituição da coisa, afirma-se no CCAnotado citado, fls. 193, que a norma é-lhes aplicável, por interpretação extensiva. Afirma-se ser essa a intenção do legislador e não se justificaria que a extinção desses direitos ficasse dependente do prazo de prescrição ordinária. No que respeita à acção destinada a exigir a reparação, teria de atender-se ao Assento (agora, com o valor de Ac. Uniformizador), de 4/12/2004, no DR, 1-A, de 30/1/97, que doutrinou que “a acção destinada a exigir a reparação de defeitos da coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-lei nº 267/94, de 25/10, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artº 917º do Cód. Civil”.
Justifica-se a extensão do prazo do artigo 917º às acções para o exercício dos demais direitos referidos porque e na medida em que através delas se realize ou materialize a mesma garantia. De facto, “seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edílica” (Calvão da Silva, ob. cit., 76). Não obstante o artº 917º ser omisso, “tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda”, “o prazo de seis meses é válido, não só para interpor a acção judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso” P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em especial Na Compra e Venda e na Empreitada, 413). Todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam no prazo de seis meses (ou de um ano, aplicando-se os nºs 2 e 3 do artigo 1225º do CC) subsequentes à denúncia, sejam para a acção de anulação, reparação ou substituição da coisa, de redução do preço ou de indemnização (cfr. Acs. da RC, de 31/5/94, na CJ/3/22, e RP, de 12/06/00 e 167/11/04, em ITIJ/net, procs. 0656593 e 0424911). Em idêntico sentido, STJ, de 18/2/03, em ITIJ/net, proc. 03B45, em que se afirma “nos termos do art.º 917º, e por aplicação extensiva desta norma: (a) caducam, se não for feita denúncia tempestiva do vício ou da falta de qualidade, os direitos do comprador de anulação do contrato, de redução do preço, de reparação ou substituição da coisa, de resolução do contrato e indemnização - art.º s 913º, conjugado com os art.º s 905º e 911º; 914º e 921º; 801º, 802º e 793º; 798º, 799º e 801º, nº 1; (b) caduca, decorridos seis meses sobre a data da denúncia, a acção do comprador destinada a exercer ou fazer valer aqueles direitos”. Se os prejuízos indemnizáveis têm origem no vício da coisa, não pode a acção deixar de obedecer aos prazos breves, previstos no art. 917º (e eventualmente, 1225º, nº 4) do CC, especialmente previstos para a venda de coisas defeituosas – ver Calvão da Silva, ob. cit., 73. Os prazos gerais de prescrição (art. 309º do CC) cedem perante os prazos especiais previstos nos arts. 917º e 287º do CC.
Na fixação dos curtos prazos previstos nos arts. 916, 917 e 921 do CC, para o exercício dos direitos emergentes de venda de coisa defeituosa, estão subjacentes razões de protecção do interesse do vendedor, sendo importante, do seu ponto, que a sua responsabilidade derivada de defeito esteja delimitada no tempo, evitando-se a indefinição das situações por largo período de tempo. No sentido da protecção do interesse do consumidor as alterações, pela dilatação dos prazos, introduzidas pelo DL 267/94. Como se escreve no douto AC. do STJ, de 23/4/98, no BMJ 476/389, a solução do problema para a determinação do prazo de exercício dos direitos do comprador de coisa defeituosa “passa pela sua uniformidade, dado que, como vimos, há um denominador comum na fundamentação da existência de tais prazos.
Eles só terão de variar se diversa for a posição do vendedor: simples erro ou dolo.
Agora ela é sempre a mesma para todos os casos de simples erro e, sendo naturalmente diverso, será sempre a mesma para todos os casos de dolo.
Ali aplica-se o decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 1996.
Aqui aplica-se o artigo 287º, nº 1, do Código Civil.”
Neste sentido, ver P. Romano Martinez, ob. cit., 413 e 418.
Tendo os RR actuado dolosamente, ocultando intencionalmente o defeito da coisa ao comprador, o autor, não é aplicável o prazo previsto no artº 917º, antes o do artigo 287º, nº 1, por via dos arts. 905º e 913º, todos do CC.

Que direitos exerce o autor na presente acção?
Diz que tem direito a uma indemnização, correspondente ao montante despendido pelo lugar de garagem e de todos os prejuízos que daí advieram.
Quanto ao valor do montante despendido pelo lugar de garagem (que não foi adquirido autonomamente, sendo o preço fixado globalmente, pelo que não despendeu tal quantia pelo aparcamento mas o valor total pela fracção autónoma “E” que incluía um lugar de garagem, esclarece o autor que esse valor (2 000 000$00) é pedido por redução do preço global que pagou (cfr. items 42 e 43 da réplica). Assim, o A. quer uma redução do preço do imóvel que comprou, em valor que entende ser de 2 000 000$00 (pretensão que, apesar de se não entrar no conhecimento dessa matéria, não teria base nos factos apurados).
Além disso pretende indemnização por danos excedentes, não compensados por via da redução do preço, no seu entender.
O comprador de coisa defeituosa tem direito a redução de preço, verificados os pressupostos previstos no art. 911º do CC, e com essa redução tem direito a cumular indemnização por prejuízos não ressarcidos por via da redução.
Estariam, segundo a sua alegação, as despesas acrescidas com sisa, registos de hipotecas (embora se desconheça, de todo por nem alegado, o valor da hipoteca e custo dos registos, nem sequer dos valores emprestados, com decisiva influência na determinação dos valores a amortizar e juros), despesas com empréstimo, despesas de condomínio acrescidas por causa da garagem (embora esta sejam calculadas normalmente em função da permilagem da fracção no total do prédio, que pode não ser influenciada pela insuficiência do aparcamento, não alegada diferente distribuição em assembleia de condóminos), despesas essas que o autor teve por via da aquisição de coisa que não tem as qualidades necessárias à realização da sua finalidade típica.
Afirma o Autor que tomou conhecimento das características do aparcamento, da sua insuficiência para o estacionamento de um veículo em 5/9/94, no dia em que celebrou a escritura e lhe foram entregues as chaves e conhecida era a conduta dos vendedores nas negociações e conclusão do contrato de compra e venda.
Na presença de dolo dos vendedores, desnecessária se tornava a denúncia do defeito invocado e provado mas deveria o autor propor a acção no prazo legal.
Desde o conhecimento do defeito, tinha o autor um ano para propor a acção, sob pena de caducidade do seu direito.
A acção foi proposta em 7/4/97, mais de um ano sobre a data do conhecimento do defeito e, mesmo que se considerasse a denúncia, mais de um ano sobre esta.
O prazo de caducidade não se interrompe nem se suspende.
Não alegada pelo autor nem provada causa que impedisse a caducidade, decorreu o respectivo prazo.
Consumado o prazo de um ano sobre o conhecimento do defeito, sem a propositura da acção, caducou o direito do autor, o que tem por consequência a improcedência da acção e a procedência do recurso.

XII - Pelo exposto, acorda-se nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se a ré/recorrente do pedido.
Custas pelo autor/apelado.
Porto,23 de Junho de 2005
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira