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CRIME DE PERSEGUIÇÃO
INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE ANOMALIA PSÍQUICA
MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAMENTO
SUSPENSÃO
Sumário
I - Na aplicação de uma medida de segurança, o que está em causa é a perigosidade penal do agente e não tanto a sua culpa ou necessidades de prevenção geral ou especial. II - Daí que a duração da medida de internamento seja determinada de modo diferente da pena. O prazo máximo, correspondente à pena de prisão máxima aplicável, não pode ser reduzido mas não existe prazo mínimo. III - Com efeito, o inimputável perigoso poderá sair do internamento logo que se verifique que cessou a sua perigosidade criminal, por cura ou compensação da sua doença psiquiátrica. IV – Numa situação, como a dos autos, em que o arguido, que já foi submetido a vários internamentos psiquiátricos, quando sai mantém actos de "stalking" ou perseguição relativamente à mesma vítima, impõe-se o internamento do arguido. V - A falsa crença delirante erotomaníaca e paranóide de que padece, num quadro psicótico, pode até levá-lo a condutas mais graves. VI - Do mesmo não se faz pois um juízo de prognose favorável, no sentido de que a prevenção da perigosidade possa ainda ser alcançada em liberdade, pelo que o referido internamento não será suspenso na sua execução, mas efetivo.
Texto Integral
1 – Relatório
Por sentença proferida nestes autos em 9 de Julho de 2 021,foi proferida decisão nos seguintes termos, relativamente ao arguido J. F.:
-foi condenado pela prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154º-A, C.P.;
- porque considerado inimputável perigoso por razão de anomalia psíquica, foi-lhe aplicada a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, com a duração máxima de 3 (três) anos, que será objeto de revisão nos termos do disposto nos arts.º 92º/1 e 93º/1 e 2), C.P. Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso o arguido L. C., peçaque sintetizou nas seguintes conclusões:
“1. Foi o Arguido, ora Recorrente, declarado autor de factos qualificáveis como crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A do Código Penal, aplicando-lhe a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, com a duração máxima de 3 (três) anos, que será objecto de revisão e cessará nos termos previstos nos artigos 92º, nº 1 e 93º, nº s 1 e 2, do Código Penal. 2. Acontece que, a extensão da medida de segurança aplicada ao Recorrente e a efectividade do seu cumprimento afigura-se manifestamente exagerada, atento as idiossincrasias do mesmo, ao seu percurso de vida, a sua inserção no mercado laboral e, ainda, tendo em vista a sua recuperação para a sociedade. 3. Nos presentes autos, vinha o Recorrente acusado da prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154.º-A, n.º 1 do Código Penal. 4. Os factos imputados ao Recorrente nos presentes autos encontram-se devidamente individualizados entre outubro de 2019 a 27.11.2019. 5. Na sentença recorrida, nada mais é dito, explicitado ou desenvolvido quanto ao silogismo que determinou à fixação, a final, da medida de segurança máxima de 3 anos. 6. Mas mais, a decisão a quo assenta, a este propósito numa premissa que não tem cabimento fatual ou jurídico no presente caso - o crime de violência doméstica. 7. Acresce ainda, que a decisão a quo não demonstra o raciocínio lógico-dedutivo que levou o Tribunal recorrido a fixar a medida de internamento de 3 anos, o que traduz uma violação ao disposto no art. 375.º do CPP. 8. Concomitantemente, impõe-se sublinhar que, os factos aqui em questão foram praticados há quase 20 meses. 9. Não há notícias nos presentes autos, nem a decisão a quo dá tal por provado, que o Recorrente tenha, para além desta factualidade, praticado quaisquer outros factos desta natureza persecutória. 10. Ao contrário do que sucedida à data dos factos aqui em questão, impõe-se considerar que, o Recorrente encontra-se hoje plenamente inserido profissional, social e familiarmente, 11. Tanto assim é que, em Janeiro de 2020, O Recorrente arranjou emprego, na empresa de Calçado ..., em Guimarães. 12. Aliás, é um trabalhador zeloso e cumpridos das suas funções. 13. Além disso, de molde a “cultivar-se”, obtendo novas valências e competências profissionais e curriculares, o Recorrente inscreveu-se em Outubro passado, para o presente ano lectivo de 2020/2021, no Curso de Educação e Formação de Adultos, realizado na Escola Secundária ..., 14. Aspirando, ainda, candidatar-se ao ensino superior. – vide ponto 47.º dos Factos Provados 15. Ou seja, desde então, para além do cumprimento das suas funções profissionais, o Recorrente está motivado para estudar, tendo retomado o seu estudo, de molde a concluir o Ensino Secundário, 16. O que demonstra que o mesmo, de forma responsável e motivada, conjuga o seu dia-a-dia entre os afazeres profissionais e os curriculares. 17. Sendo certo que, no cumprimento desta jornada diária casa-trabalho-escola-casa, o Recorrente circula pelos concelhos de Fafe – Guimarães – Felgueiras – Fafe. 18. O que denota e evidencia uma crescente e salutar autonomia e motivação para prosseguir com a sua vida. 19. Simultaneamente, mantém o Recorrente o cumprimento das consultas médicas e de enfermagem definidas e, bem assim, o cumprimento de toda a terapêutica medicamentosa prescrita, conforme ponto 48.º dos Factos Provados. 20. Pelo que, é indubitável que o Recorrente tem feito um caminho de progresso, quer a nível profissional, quer a nível social e familiar. 21. E que se repercute no facto de in casu, para além dos factos ocorridos em outubro e Novembro de 2019, não haver notícias de continuação da atividade criminosa. 22. Quer isto dizer, portanto, que ao contrário do que sucedia em 2019,o facto é que, em 2020 e mais presentemente em 2021, não há quaisquer referências de que o Recorrente continue a prática destes factos. 23. Pelo que, deve a medida de segurança decretada ser suspensa na sua execução, nos termos do art. 98.º do Código Penal, 24. Ordenando-se a suspensão da medida de segurança aplicada, nos termos do art. 98.º do Código Penal, subordinada, designadamente, a acompanhamento médico de que o mesmo tem sido alvo e, eventualmente, com a redefinição da dosagem da terapêutica medicamentosa e, ainda, com a fixação de um plano elaborado pela DGRS mais denso e incisivo no que toca à fiscalização comportamental do Arguido, garantidamente que episódios idênticos ao verificado no presente caso jamais se verificarão no futuro. 25. A suspensão da execução da Medida de Segurança mediante a aplicação de regras de condutas adequadas, mormente continuação atividade laboral, frequência escolaridade ou proibição de contratos, em nada beliscará as exigências de prevenção especial e de prevenção geral que o presente caso encerra. 26. Por outro lado, a definição de uma medida de segurança fixada no limite máximo do legalmente permitido, atento o tipo legal de crime aqui em questão, não se harmoniza com o grau de “culpa”, nem com a perigosidade que o presente caso encerra, devendo, por isso, a mesma ser reduzida equitativamente. 27. Por conseguinte, em prol da verdade, da justiça e do direito deve a decisão a quo ser revogada e alterada por uma outra, nos exatos termos acima enunciados. 28. As presentes alegações de recurso apresentam suporte legal no artigo 375.º do CPP, artigo 98.º do Código Penal e, bem assim, em todas as demais disposições legais que V/Exas. consideram aplicáveis ao caso sub judice.
Nestes termos e nos melhores de direito que V/Exas. superiormente suprirão, devem as presentes alegações de recurso ser recebidas, por provadas, e em consequência, deve a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que se compatibilize com a factualidade que resulta da prova produzida e que respeite as exigências de prevenção geral e especial enunciadas nas Conclusões, com a qual farão V/ Exas. a devida e aliás acostumada JUSTIÇA!”
Contra-alegou o M.P. Referiu, em síntese, que já anteriormente lhe fora aplicada outra medida de segurança de internamento e que, os presentes factos surgiram durante o período de liberdade para prova. Além disso, corre nos serviços do M.P. mais um Inquérito de 2 020, em que também é ofendida a ora assistente L. L. e denunciado o ora arguido, novamente pelo crime de perseguição. Entende pois que o recurso é manifestamente infundado, pois que se justifica a duração da medida de segurança de internamento aplicada, tal como a sua efetividade. Considera pois, que deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, deve também ser mantida a decisão recorridanos seus precisos termos. Contra-alegou também, a assistente L. L.. Sublinhou que o arguido pratica este tipo de atos persecutórios desde há sete anos e praticou os presentes em pleno período de Liberdade para Prova após anterior condenação, aliás já revogada. Além disso, está curso ainda um Inquérito contra o arguido, por factos similares (Inquérito n.º 557/20.0PBGMR). Considera pois, a medida de segurança aplicada como correta, considerando que deve ser mantida. Sustenta a final, que o recurso deva ser julgado como “manifestamente improcedente”.
Já neste Tribunal, teve vista no recurso a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta, que emitiu o seu parecer. Considera que nos autos estão em causa uma espera do arguido à ofendida ocorrida em Outubro de 2 019 e entre 19 de Outubro e 27 de Novembro do mesmo ano, 13 (treze) mensagens. Entende que nas mesmas, o arguido declara o seu amor pela ofendida, sem utilização de linguagem ameaçadora, grosseira ou obscena. No seu entender, a medida de segurança aplicada não é proporcional à gravidade e ilicitude dos factos. Defende pois que seja reduzida para o máximo de 2 (dois) anos de internamento, medida que deve ser suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, condicionada aos deveres de ser submetido e regimes de cura ambulatórios apropriados e de se prestar a exames e observações nos lugares que lhe forem indicados (art.º 98º/3 C.P.), devendo ainda ficar sujeito a vigilância da D.G.R.S.P. Sustenta pois, que o recurso deva ter provimento, devendo pois reduzir-se o período máximo de internamento e suspender-se a execução do mesmo, sob as referidas condições. Notificados arguido e assistente (recorrente e recorrida) nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., só a assistenterespondeu ao parecer emitido. Concretizou que, nos autos, está em causa um caso de “stalking”. Concretizou ainda que no caso está presente erotomania, também denominada de “síndroma de Clerambault” que se traduz numa convicção delirante por parte do agente, de que está a ser amado, por alguém que está numa posição social proeminente. Daí que estes quadros possam acabar na prática de atos graves e que ponham em causa a integridade pessoal ou a vida das vítimas. Afirma ainda que esta doença psiquiátrica não é curável, mas apenas tratável. A assistente é perseguida por este arguido há cerca de 8 (oito) anos. Por seu lado, o arguido não tem consciência da ilicitude dos seus atos. Conclui como nas suas contra-alegações – propugnando que o recurso deva ser considerado totalmente improcedente e a sentença recorrida confirmada.
Os autos vão ser julgados em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.
2 – Fundamentos
Para melhor concretização das questões em causa nos autos transcrever-se-á de seguida, a sentença recorrida: “I. RELATÓRIO:
O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular, contra: J. F., filho de J. C. e de R. O., natural da freguesia de ..., concelho de Guimarães, nascido a ..-10-1991, solteiro, residente na Rua …, Fafe;
imputando-lhe a prática de factos que, objectivamente, integra a prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo artigo 154º-A, nº 1, do Código Penal, encontrando-se o arguido incurso em medida de segurança, devendo, pois, ser considerado inimputável perigoso (cfr. fls. 158/170).
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Não foi deduzido pedido de indemnização civil.
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O arguido não deduziu contestação, mas arrolou uma testemunha (cfr. fls. 211).
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Procedeu-se a julgamento com as devidas formalidades.
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A instância mantém a validade e regularidade nela oportunamente aferidas, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.
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II. OS FACTOS:
A. FACTOS PROVADOS:
Da acusação:
1) A ofendida L. L. nasceu no dia -.12.1989, e é tatuadora e animadora sócio-cultural.
2) O arguido J. T. sofre de perturbação psicótica do tipo paranoide.
3) Entre Maio a Junho de 2014, a ofendida ministrou uma formação de Malabarismo na “X – Associação para o Desenvolvimento das Comunidades …”, em ... – Guimarães.
4) Foi nessa formação que o arguido contactou com a ofendida pela primeira vez.
5) O arguido começou a aparecer nas diversas aulas que a ofendida ministrava, tendo a mesma permitido a sua presença alertando-o, no entanto, para o facto de não lhe poder dar atenção pois tinha o dever de se concentrar naqueles que se tinham inscrito, pelo que a sua participação no grupo seria, por isso, excepcional.
6) Terminada aquela formação, a ofendida não teve mais qualquer contacto com o arguido.
7) O arguido nesta altura desenvolveu ideação de tipo erotomaníaco dirigida à ofendida, passando desde aí a ofendida a ser vítima por parte do arguido do vulgarmente designado comportamentos de “stalking”.
8) Assim, e por factos ocorridos no período compreendido entre 14 de Agosto de 2014 a 18 de Janeiro de 2016, o arguido foi julgado no âmbito do processo nº 1786/14.0 TAGMR, que correu termos na Comarca do Braga - Instância Local Criminal de Guimarães, Juiz 2, sendo aí assistente a referida L. L..
9) Nesse processo, por sentença transitada em julgado a 21 de Novembro de 2016, o arguido foi declarado inimputável em razão de anomalia psíquica e foi aplicada a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, com a duração máxima de três anos, por factos qualificáveis como crime de perseguição.
10) Por decisão proferida pelo TEP do Porto, a 28 de Janeiro de 2019, e executada a 30 de Janeiro de 2019, foi concedida ao arguido liberdade para prova pelo tempo que faltava cumprir da medida de segurança, ou seja, até 5 de Dezembro de 2019, conforme decisão de fls. 17 a 20, a qual se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
11) Não obstante, em dia não concretamente apurado de Outubro de 2019, cerca das 21h30m, o arguido J. T. dirigiu-se à Avenida …, parou em frente à residência da ofendida L. L. e dos seus progenitores e ali se manteve durante cerca de uma hora.
12) No dia - de Outubro de 2019, encontrando-se a ofendida L. L. no seu local de trabalho, a loja “Tattoo …”, situada na Rua …, nº …, em Guimarães, pessoa não concretamente apurada dirigiu-se a este local e bateu insistentemente à porta, só abandonando o mesmo muito tempo depois, face à ausência de resposta.
13) No dia 19 de Outubro de 2019, pelas 0h07m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “ola L. L.. Tens razão eu sou muito anormal, faço coisas fora do comum, se eu penso ao contrario? não sei mas eu imaginei um futuro perfeito para nos os dois e para aqueles que nos rodeiam se calhar não é amor como eu dizia se calhar tens razão nesse aspecto também, talvez seja apenas um sonho que eu tive, pensei que tivesses visto esse sonho também quero que saibas que eu não te quero mal nenhum por isso espero que não me denuncies a policia por te mandar este email visto que estou proibido de te contactar ... contudo desejo te as maiores felicidades e que continues a sonhar e a fazeres o que gostas.
J. T.+L. L. Estarei mesmo maluco ou apenas dei em doido? acho que sou apenas um parvo que acreditou em amor. enfim a vida continua”, conforme documento de fls. 15, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
14) No dia 22 de Outubro de 2019, pelas 22h16m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “O que eu quero L. L. é a tua companhia, desde que me lembro sempre me senti sozinho até te conhecer, a minha vida estava um desastre quando te conheci, e aquelas quartas-feiras que passei contigo era como se não existisse problemas na minha vida caótica, senti que finalmente não estava sozinho nesta vida, eu gosto de ti, gosto do teu sorriso e gostava de ter/sentir outra vez a tua companhia. J. T.”, conforme documento de fls. 16, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
15) No dia 25 de Outubro de 2019, pelas 23h18m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “L. L. se queres ficar com o N. fica, eu vou respeitar a tua decisão, só te peço que fales para mim (mesmo que eu não mereça) eu não te quero mal, gosto mesmo de ti. Não vou espiar as tuas redes sociais, eu só o fazia para comtemplar a tua beleza, eu errei contigo deixa-me corrigir, eu não consigo dormir direito sabendo que tu estás zangada comigo, espero que haja paz entre nós os dois. J. T.”, conforme documento de fls. 33, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
16) No dia 31 de Outubro de 2019, pelas 21h02m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “eu não sei ser humilde, podes me ajudar? não sei mais a quem pedir ajuda.”, conforme documento de fls. 34, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
17) No dia 1 de Novembro de 2019, pelas 15h47m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “quando disses-te que qualquer um podia ser palhaço falavas literalmente ou metaforicamente? eu não sei o que fazer com a minha vida não tenho nenhum talento…agradecia a tua ajuda se poderes… ps: eu não quero ir preso não sirvo para nada se tiver preso…preciso de ajuda e acho que tu me podes ajudar, se tu quiseres como é óbvio não és obrigada… eu envio-te emails porque consigo de alguma forma falar contigo de uma maneira que não consigo falar com a minha família agradecia que me ajuda-ses pois eu não sei por onde começar…”, conforme documento de fls. 35, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
18) No dia 7 de Novembro de 2019, pelas 22h23m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “Sexo”, conforme documento de fls. 36, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
19) No dia 11 de Novembro de 2019, pelas 15h259m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “Desculpa não ter confiado em ti em … o que eu fiz depois foi erro atrás de erro que ficava cada vez pior, eu não conseguia parar fiz asneira contigo gostava de poder emendar o que fiz, mas também sei tempo não volta atrás... eu gostava de te dizer que és a mulher mais bonita que conheci para mim és a mulher mais bonita do mundo, gostava de te dizer que és a única mulher do mundo mas não és mas no meu coração tu és única, gostava de te dizer que te amo (outra vez) bem eu já não sei ao certo o que é amo mas o facto de não desistir por si só não será um acto de amor? eu estou numa batalha contra o mundo pois toda a gente diz para eu te esquecer para eu desistir, que é crime o que eu estou a fazer... mas eu tenho uma luz dentro de mim que me diz para eu não desistir, uma luz que me diz para voltar a tentar, uma luz que me diz que eu vou conseguir, eu sei que só vou conseguir se tu permitires por isso te peço dá-me uma oportunidade porque no fundo a única coisa que eu realmente quero é ser feliz ao lado das pessoas que eu mais gosto.”, conforme documento de fls. 97, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
20) No dia 16 de Novembro de 2019, pelas 23h08m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “Tu és a luz da minha vida, sem ti a minha vida não tem sentido, por favor dá paz a minha alma, eu sem ti não sei viver”, conforme documento de fls. 98, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
21) No dia 18 de Novembro de 2019, pelas 12h13m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “Já vi que nunca me vais dar valor. Felicidades para ti e para o N.”, conforme documento de fls. 99, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
22) No dia 19 de Novembro de 2019, pelas 18h40m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “se calhar tu és a única mulher que eu não amo se calhar eu sou o único homem que tu amas não sei estou farto de pensar no assunto tu não falas comigo não consigo ver o teu ponto de vista só sei que me sinto atraído por ti e não consigo deixar de pensar nisso se calhar eu ia amar ser palhaço e tento falar contigo porque és a única pessoa que conheço com alguma experiência no ramo, não sei, se calhar vou tentar ser palhaço uma vez na vida quando eu era pequeno toda a gente me dizia "não sejas palhaço" e eu acabei por nunca ser palhaço deve ser esse o meu "fruto proibido" não faço ideia ... Eu fico pensando no assunto e concluo que ganhar a vida fazendo os outro sorrir/rir é melhor do que trabalhar numa fábrica ou num supermercado ... E também porque ninguém me leva a sério ... eu já não espero nada de ti apenas estou a desabafar contigo partilhando este pensamento já que tu és a única mulher com quem eu consigo desabafar não sei porquê mas prontos…”, conforme documento de fls. 100, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
23) No dia 19 de Novembro de 2019, pelas 19h35m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “L. L. se me amas salva-me de uma vida de solidão, salva-me de ir preso pois eu não me vou defender se achas que eu mereço estar entre os pedófilos e violadores assim seja a minha cabeça esta em paz se for preso vou de cabeça erguida e de cabeça erguida vou sair se sair…Pode não ser correto o que eu estou a dizer ou fazer mas eu sei que não fiz mal a ninguém e nunca foi minha intenção prejudicar alguém”, conforme documento de fls. 101, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
24) No dia 20 de Novembro de 2019, pelas 18h45m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “L. L. acho que a luz que me iluminava em relação a ti se apagou eu estou a tentar ser teu amigo e se quiseres algo mais…Tu dizes que não gostas de mim que não queres nada comigo mas ficas chateada se eu me envolvo com outra mulher dizes que me odeia sabes ao menos porquê me odeias tanto? Ou apenas é a primeira coisa que te vem à cabeça? Tu és uma mulher inteligente capaz de pensar com a própria cabeça se realmente não queres nada comigo eu sou livre se seguir a minha vida só ainda não o fiz porque gosto muito de ti…”, conforme documento de fls. 102, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
25) No dia 27 de Novembro de 2019, pelas 18h52m, o arguido, através do seu endereço electrónico ...@hotmail.com, enviou à ofendida a seguinte mensagem para o endereço electrónico da mesma ...@hotmail.com: “Pode ser loucura ou doentio mas eu gostava de te voltar a amar…tempo é o que tenho, tempo é tudo o que te posso dar neste momento se houver a mínima hipótese de tu me quereres, agradecia que tu tomasses uma atitude pois o meu tempo não dura para sempre”, conforme documento de fls. 91, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
26) Com as condutas descritas, o arguido agiu com o intuito de observar a ofendida e as suas rotinas, rondando os locais que frequenta com maior assiduidade (casa), por forma a saber as suas rotinas, controlar a sua vida querendo com isso impor a sua presença e encetar um relacionamento amoroso com a ofendida.
27) O arguido reiterou a sua conduta ao longo de vários meses, usando de uma postura insistente e atormentando a ofendida para dessa forma lograr os seus intentos.
28) Ou seja, o arguido encetou uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar que a ofendida não pretendia qualquer relacionamento.
29) O arguido actuou sempre com o propósito conseguido por meio de violência psicológica impor a sua presença e encetar um relacionamento amoroso contra a vontade da ofendida.
30) O arguido sofre de perturbação psicótica de tipo paranóide, que se desenvolveu com actividade delirante de tipo erotomaníaco e persecutório e consequentes alterações de comportamento.
31) Aquando dos factos, o arguido encontrava-se por força da perturbação psicótica que o afecta incapaz de lhes avaliar a ilicitude, pelo que, deve ser considerado inimputável.
32) Há probabilidade de vir a repetir actos ilícitos como os acima descritos.
33) O arguido agiu impelido pela perturbação de que padece de forma não-livre e sem consciência das implicações penais e sociais das normas que violava.
34) Em consequência de tais condutas, a ofendida alterou a sua rotina diária, vive em constante sobressalto e medo.
Mais se apurou:
35) Por decisão de 11-11-2020, foi revogada a liberdade para prova referida em 10, encontrando-se tal decisão, contudo, sob recurso.
Da situação pessoal e económica do arguido:
36) J. F. é natural de Guimarães e o mais novo de dois descendentes dos progenitores. O pai trabalhador nos serviços de limpeza urbana da autarquia e a mãe costureira, asseguraram aos descendentes a resposta às suas necessidades materiais básicas de forma contida, mas sem especiais constrangimentos.
37) No decurso da sua adolescência (13/14 anos) a progenitora sofreu problema do foro oncológico, a que se associou um processo depressivo, assistindo-se progressivamente a uma desagregação familiar. Neste período, o arguido começou também a evidenciar alguns comportamentos de isolamento. Os pais separaram-se quando J. F. tinha 18 anos e este permaneceu com o pai na morada de família, verificando-se nessa fase um afastamento relacional entre o arguido e a progenitora.
38) O seu percurso escolar caracterizou-se pela instabilidade e dificuldade de adaptação, em especial após a entrada no segundo ciclo do ensino básico, tendo registado retenções no 5º, 7º e 8º ano. Estas retenções acabaram por orientar o arguido para um percurso alternativo ainda no terceiro ciclo do ensino básico e para o ensino profissional no secundário, mas abandonou a escolaridade sem concluir o 12º ano.
39) Iniciou a trajetória laboral com cerca de 20 anos, como operário de calçado na empresa Calçado …, onde permaneceu cerca de dois anos e meio. Por essa altura era consumidor diário de canabinoides.
40) Em 2013 ficou desempregado passando a depender economicamente do progenitor. Neste período desenvolveu uma “perturbação psicótica de tipo paranoide que se desenvolveu com atividade delirante de tipo erotomaníaco e persecutório”, dirigida à ofendida no atual processo. Este quadro deu origem a internamentos psiquiátricos entre 2014 e 2015, designadamente no Hospital de … e na Casa de Saúde … em Barcelos.
41) Na sequência desta situação é julgado inimputável em processo judicial, no qual é autor de crime de perseguição e sujeito a medida de segurança de internamento com a duração máxima de três anos, dando entrada no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo no início de 2017.
42) À data dos factos, o arguido encontrava-se em liberdade para prova que se iniciou em 29/01/2019 e cujo término se encontrava previsto para 05/12/2019. Esta medida de flexibilização foi monitorizada pela DGRSP, ERS do Ave.
43) Em liberdade para prova J. F. fixou residência em casa da sua progenitora, em Fafe, assistindo-se a uma reaproximação relacional/afetiva entre ambos ainda no decurso do período de internamento. Desde então mantém-se a residir com a mãe e com a avó materna na mesma morada.
44) No período da medida de flexibilização o arguido encontrava-se sujeito, entre outras, à obrigação de efetuar acompanhamento de saúde mental, o que passou a realizar na Unidade de Psiquiatria Forense do Hospital ... em Guimarães, tendo como médico assistente o Dr. M. P.. Efetuava plano de medicação psicofarmacológica oral e injetável, sendo esta última administrada no centro de saúde.
45) No decurso de 2019, pese embora a monitorização desta questão por parte dos serviços de reinserção, manifestou baixa motivação para o desenvolvimento de uma atividade profissional, mantendo alguns indicadores preocupantes de isolamento social.
46) Tinha ainda por obrigação judicial não contactar, por qualquer meio com a ofendida L. L.. Contudo, no decurso do mês de outubro de 2019 terá enviado três mensagens à mesma, por via eletrónica, mensagens essas que a ofendida reencaminhou para a DGRSP e que foram comunicadas ao TEP, dando origem à abertura de incidente de incumprimento.
47) Em janeiro de 2020 J. F. obteve colocação profissional novamente na empresa de Calçado .... Desde então mantém o seu posto de trabalho e tem respondido às exigências laborais. Simultaneamente frequenta o 12º ano, no ensino de adultos, na Escola Secundária ... e perspetiva candidatar-se ao ensino superior.
48) De acordo com informação do arguido, corroborada pela progenitora, mantém as consultas regulares de psiquiatria no Hospital ..., embora não seja clara a monitorização do plano de medicação estabelecido. J. F. continua a evidenciar indicadores de isolamento social e oscilações de humor. Atualmente não é identificada a existência de problemática aditiva.
49) J. F. tem um frágil juízo crítico relativamente à sua atual situação judicial. Mostra dificuldade em discernir entre condutas socialmente aceitáveis e interditos sócio-jurídicos.
50) Apresenta um discurso superficial e dificuldade em analisar criticamente as consequências deste tipo de comportamentos para as vítimas.
51) A acusação de que é alvo não é conhecida na sua comunidade residencial, pelo que não se regista impacto sobre a sua imagem. Por seu lado, pese embora a existência de alguma tensão relacional entre o arguido e a mãe, esta expressa apoio/suporte ao descendente.
B. FACTOS NÃO PROVADOS:
Da acusação:
a) Foi o arguido quem actuou conforme descrito em 12).
III MOTIVAÇÃO:
O Tribunal formou a sua convicção apreciando de forma crítica o conjunto da prova produzida em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
O arguido exerceu o direito a não prestar declarações (artigo 61º, nº 1, alínea d) e 343º, nº 1, do CPP).
A assistente L. L., num registo seguro, objectivo e coerente, descreveu toda a conduta do arguido, desde o momento em que o conheceu até à actualidade, nos precisos termos dados como provados. Mais confirmou a recepção das mensagens electrónicas, cujo teor e “estilo” são indubitavelmente da autoria do arguido, pois que era já essa a forma de contacto privilegiada pelo arguido no âmbito do processo judicial anterior. Mais aludiu a assistente aos sentimentos de medo e receio provocados pelas atitudes do arguido e de voltar a ser abordada pelo mesmo, bem como aos anos de saturação já suportados quer por si, quer pela sua família.
I. S., amiga da assistente, confirmou, de um modo que se nos afigurou sincero e objectivo, a factualidade referida em 11), tendo descrito o comportamento do arguido, o qual, sistematicamente parava junto à habitação da assistente. Mais esclareceu que de imediato avisou a assistente da presença do arguido, tendo aquela ficado receosa, tendo passado a ter maiores cuidados nas saídas.
R. O., mãe do arguido, aludiu às competências laborais do arguido e ao investimento que o mesmo tem feito na sua educação. Referiu que o arguido tem tomado a medicação prescrita, designadamente o injectável, desde que saiu em liberdade para prova. Admitiu que já tentou demover o arguido de continuar a nutrir sentimentos para com a assistente, mas em vão.
Da prova documental, foi valorada a seguinte: auto de apreensão (fls. 6); email (fls. 15/16; 33/36; 73/74; 85/91; 97/102; certidão judicial (fls. 41/65); relatório médico (fls. 114/115); relatório de perícia psiquiátrica médico-legal (fls. 148/150); cópia de informação extraída do Processo junto do TEP (fls. 17/21; 76/78; 132/133; 214/222; 248).
A análise do relatório de perícia médico-legal de psiquiatria, de fls. 189/191, foi fundamental para dar como provado a anomalia psíquica de que padece o arguido, bem como a sua incapacidade, à data dos factos e actualmente, de avaliar a ilicitude dos factos em causa e de se determinar segundo essa avaliação. Mais foi relevante para se concluir que o arguido tem uma propensão para a prática de factos ilícitos da mesma natureza, existindo, assim, sério risco de voltar a cometer novos ilícitos. De resto, tal juízo de perigosidade sai reforçado quando se atenta no facto de o arguido ter sido já sujeito a uma medida de segurança efectiva de internamento, o que não foi de molde a evitar que o mesmo voltasse a praticar ilícitos da mesma natureza, precisamente contra a mesma vítima.
Em suma, atendendo ao depoimento da assistente e da testemunha de acusação, que se revelaram credíveis, conforme referido supra, tendo mesmo sido corroborado pela prova documental, convenceu-se o tribunal da ocorrência dos factos da acusação tal como foram dados como provados.
Quanto à situação pessoal do arguido, foi valorado o relatório social junto aos autos.
O facto dado como não provado, resulta da falência da prova, uma vez que apesar da assistente ter relatado o episódio em causa, admitiu não ter visto o arguido na altura, presumindo apenas que fosse o mesmo.
IV. APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
Dispõe o n.º 1 do art.º 154.º-A do CP que “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”
Tal dispositivo legal foi introduzido no nosso Código Penal pela Lei n.º 83/2015 de 5 de Agosto, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul (artigo 34º), recomendando os Estados-Membros à adopção nos respectivos ordenamentos jurídicos de medidas que garantam a criminalização desta conduta.
A perseguição é uma forma de assédio que se assume como um conjunto de condutas reiteradas de um indivíduo contra outro, através de diversos modos de contacto não consentido ou indesejado, lesivo da esfera da sua privacidade, possível causador de danos psico-emocionais e/ou físicos e restritivo da liberdade de acção e decisão da vítima.
O ordenamento jurídico-penal português não previa especificamente a criminalização da perseguição, pese embora os crimes dos artigos 152º (violência doméstica), 153º (ameaça), 154º (coacção), 190º (violação de domicílio ou perturbação da vida privada), 192º (devassa da vida privada) ou 199º (gravações e fotografias ilícitas), todos do Código Penal, já abrangessem alguns dos comportamentos do crime de perseguição e a Constituição da República Portuguesa consagrasse nos seus artigos 33.º e 34.º a protecção dos cidadãos nesta vertente.
Com o intuito de atribuir dignidade e valoração jurídico-penal à proteção da integridade física e psíquica da vítima e permitir a punição dos delinquentes, a tipificação do crime de perseguição, integrada nos crimes contra a liberdade pessoal, vem criminalizar a conduta de quem «... de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar- lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação…», aditando assim o artigo 154.º-A ao Código Penal.
Para este crime de execução permanente, o artigo prevê no seu n.º 2 que a tentativa é punível e acresce no seu n.º 5, o requisito do procedimento criminal depender de queixa, reflectindo a necessidade de identificação, por parte da vítima, das condutas prejudiciais à sua liberdade pessoal.
Motivado, na sua essência, pela luta contra a desigualdade e violência de género, este crime semipúblico de natureza socialmente complexa introduz, a par da moldura penal principal de “…pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”, a previsão de penas acessórias, nomeadamente a “… proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos …”, sendo, a este propósito, indicado que a pena acessória “… deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho …” da vítima.
Stalking é um termo inglês que designa uma forma de violência na qual o sujeito activo invade repetidamente a esfera de privacidade da vítima, empregando tácticas de perseguição e meios diversos. Meios diversos estes tais como telefonemas, mensagens, boatos, esperas, frequência dos mesmos lugares, causando inquietação, medo, coacção, ofensa à sua reputação e à liberdade de movimentos. Um padrão de comportamentos de assédio persistente que se traduz naquelas referidas formas de comunicação, vigilância e contacto, vitimizando alguém que é alvo de um interesse e atenção continuados e indesejados que podem gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.
Os comportamentos do stalker são pois variados e complexos, por vezes imprevisíveis. Assumem variadas formas, como vários episódios semelhantes, ou, por vezes, completamente diferentes entre si, podendo mesmo assumir uma escalada de episódios de violência física, mesmo grave.
Torna-se assim difícil ser assertivo na intervenção e classificação do comportamento do stalker. Ou seja, o stalking é um fenómeno que não é singular, que consiste, frequentemente, numa combinação de condutas criminais e, dependendo do contexto, não criminais, que dificultam essa identificação e a intervenção.
Por outro lado, não há um padrão único e estandardizado de perfil de um stalker. O perpetrador pode ser alguém íntimo ou amigo da vítima ou, pelo contrário, ser um simples desconhecido. O seu comportamento pode ser motivado por sentimentos variados, como a vingança, o ciúme, o amor irracional, de carreira profissional, ou de perda de meios de subsistência do trabalho, etc.
Em conclusão, podemos dizer que stalking é a conduta:
- Intencionalmente direccionada para uma determinada pessoa (vítima);
- Perpetrada numa, ou mais ocasiões, durante determinado período de tempo mais ou menos longo;
- por um ou mais actos de perseguição, ou similares, como aproximação, ofertas, vigilância, assédio, ameaças, com ou sem violência física ou ao seu património e contacto da vítima por qualquer meio,
- Causando na pessoa um sentimento de persistente inquietação e/ou medo, quer pela sua integridade física ou de terceiros, ou de outro mal, limitando a sua liberdade pessoal e de determinação, como de autodeterminação sexual ou de bens patrimoniais.
É o impacto na vítima e o meio empregue, que determinará, em concreto, a sua tipificação penal.
Conforme é referido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 09-07-2019, publicado em www.dgsi.pt: “- O crime de perseguição ou “stalking” pode definir-se como uma forma de violência relacional e pode caracterizar-se por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc. - Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada. - Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 C.P. tem como seus elementos constitutivos objectivos, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção; - Comete o ilícito do art.º 154º-A, nº 1 do Código Penal, com dolo directo o arguido que, de forma reiterada, contacta telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso.”
O ilícito em causa, exige, ainda o dolo do agente, em qualquer das suas modalidades.
Ora, a análise da matéria de facto provada e as considerações supra aduzidas, permite, inquestionavelmente, dar-se por preenchida a tipicidade objectiva de um crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A do CP.
Contudo, está demonstrado que o arguido apesar de ter actuado de forma livre e deliberada, é incapaz, atenta a anomalia psíquica de que padece, de avaliar a ilicitude dos factos e de se determinar de acordo com essa avaliação.
Ora, como é sabido, só poderá ser punido pela prática de factos reconhecidos pela lei como crime aquele que os praticar com culpa, isto é, aquele sobre quem se possa dirigir um juízo de censura ética pelo facto de ter actuado como actuou, quando devia e podia ter actuado de modo diverso.
De acordo com o disposto no artigo 20º do Código Penal, é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
A norma encerra dois elementos: um biológico (a existência de uma anomalia psíquica) e outro psicológico ou normativo (a incapacidade de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação). Verificados estes dois pressupostos, em relação à conduta do agente não poderá ser formulado um juízo de censura, na medida em que não controla voluntária e conscientemente os seus actos – não se poderia exigir que o agente tivesse agido de outro modo, uma vez que não lhe era possível fazê-lo, em virtude da doença de que padecia.
Ora, está provado que, por força da anomalia psíquica de que padece, o arguido era incapaz de avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação, o que faz dele um inimputável – artigo 20º nº 1, do Código Penal - o que, por si só, não permite afirmar o pressuposto da punibilidade de que nos ocupamos: a culpa.
Daí que, perante a factualidade provada, sem outras considerações, impõe-se a consideração do arguido como inimputável, restando aquilatar da necessidade de aplicação ou não de uma medida de segurança, o que se fará infra.
***
Cumpre então agora aferir se o arguido se revela perigoso, de forma a determinar se ao mesmo deve ser aplicada uma medida de segurança de internamento, nos termos do disposto nos artigos 91º e segs. do Código Penal.
De acordo com o artigo 91º, n º1, do Código Penal, “quem tiver praticado um facto ilícito típico e for considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, é mandado internar pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da gravidade do facto praticado houver fundado receio de que venha a cometer outros factos da mesma espécie”.
Como se afirma no Acórdão do STJ de 25-03-1999, in CJSTJ, II, p. 169 e ss., “... a medida de segurança é, na realidade “toda a reacção criminal, detentiva ou não detentiva, que se liga à prática, pelo agente, de um facto ilícito típico, tem como pressuposto e princípio de medida a sua perigosidade, e visa, ao menos parcialmente, finalidades de defesa social ligadas à prevenção especial, seja sob a forma de pura segurança, seja sob a forma de (re)socialização.”
De acordo com o artigo 91º, nº 1, do Código Penal, são três os pressupostos de que depende a aplicação de uma medida de segurança de internamento: que o agente haja praticado um facto descrito num tipo legal de crime; que ele haja sido considerado inimputável, nos termos do artigo 20º, do Código Penal; e que, por virtude da anomalia psíquica e da natureza e gravidade do facto praticado, haja fundado receio que venha a cometer outros factos típicos da mesma espécie.
No que concerne aos dois primeiros requisitos ou pressupostos, estão os mesmos demonstrados, atento o supra referido, pelo que resta-nos apenas debruçarmo-nos sobre o terceiro.
Assente o risco de repetição de comportamentos que preencham ilícitos típicos da mesma espécie exige-se ainda a necessidade de uma medida, pois o risco de «reincidência» não deve ser suportado pela sociedade, mas por conta do agente perigoso. Como nos movemos no plano da estrita legalidade e tipicidade penal entra aqui o princípio da proporcionalidade e da menor intervenção possível para a escolha da medida. Não basta a perigosidade; daí não deriva a imposição automática de uma medida de segurança, exige-se ainda que se verifique a necessidade da medida e que esta seja proporcional.
Conforme refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 1993. p. 470, a respeito do último pressuposto: “o receio de repetição se há-de dirigir à prática de factos ilícitos-típicos e não de factos simplesmente típico. A segunda é a de que não podem ser factos ilícitos-típicos de qualquer espécie, mas têm de ser, desde logo, factos ilícitos típicos graves, de uma gravidade (ao menos) correspondente à gravidade daquele que foi praticado. O que não significa, já o sabemos, factos iguais (sc., integrantes do mesmo tipo de crime), mas significa, em todo o caso, factos que possuam uma conexão substancial com o praticado (v.g, factos violentos contra as pessoas, factos contra o património, crimes económicos ou contra a saúde, etc.). Em terceiro lugar, os factos prognosticados devem apresentar-se como consequência da anomalia psíquica de que sofre o agente e não resultar apenas, v.g., da possibilidade de o agente vir a encontrar-se em uma situação conflitual. Que o tribunal deva em princípio decidir, nestes casos, na base de uma perícia, médico-legal e psiquiátrica e (ou) sobre a personalidade, é uma exigência razoável e requerida pela própria natureza das coisas.”
No que concerne à gravidade dos factos, para formular um juízo desta natureza, o tribunal não pode deixar de ter como referência o tipo legal infringido, quer no que toca ao bem jurídico protegido, quer, especialmente, no que toca à moldura penal estabelecida pelo legislador – esta última reveladora do grau de danosidade que o legislador associa à conduta proibida.
No presente caso, importa referir que os factos praticados são graves, uma vez que o crime de perseguição é comunitariamente sentido como conduta que afecta valores sociais fundamentais e acarretam intensos riscos para bens jurídicos estruturantes cuja desconsideração perturba a própria coesão social, designadamente pelo enorme perigo e dano para a liberdade a saúde das vítimas.
Continuando, a perigosidade invocada no preceito acima mencionado, traduz-se na probabilidade séria de cometimento de factos da mesma natureza, que lesem ou ponham em perigo o mesmo tipo de bem jurídico, não bastando que se verifique a probabilidade de cometimento de outros factos típicos.
No caso dos autos, afere-se da matéria dada como provada que o arguido se mostra perigoso, posto que é de admitir que, atenta a anomalia psíquica de que padece, voltará a praticar factos ilícitos da mesma espécie, sendo certo que tal conclusão sai reforçada quando se sabe que o arguido já foi sujeito, em data anterior à prática dos factos objecto dos presentes autos, a uma medidas de segurança de internamento efectiva, na sequência da prática de factos que, objectivamente, apontam para o crime de perseguição, sendo a vítima a mesma, o que não foi de molde a evitar que o mesmo voltasse a praticar ilícitos da mesma natureza e graves.
Impõe-se, face ao exposto, ordenar o internamento do arguido. Tal medida de segurança, atenta a patologia de que o arguido padece, há-de ser em estabelecimento de tratamento e segurança (cfr. artigos 91º, nº 1, do Código Penal, e 501º, nº 1, do CPP).
Quanto à duração da medida de segurança, dispõe o artigo 92º, nº 2, do Código Penal que o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável, pelo que não sendo aplicável o disposto no artigo 91º, nº 2 (pois que o crime de violência doméstica é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos), inexiste qualquer limite mínimo.
O preceito em referência traduz um equilíbrio ou compromisso ditado pela premência de eticização da medida de segurança de internamento. A norma não se baseia, contrariamente ao que já se tem sustentado, numa presunção “júris et de jure” de subsistência da perigosidade, mas em particulares razões de tranquilidade social, e tem ainda a faceta de servir de travão a possíveis tentativas de simulação de inimputabilidade, como meio de o delinquente se subtrair ao cumprimento da pena.
Nos termos do artigo 98º nº 1, do Código Penal, o tribunal que ordenar o internamento determina, em vez dele, a suspensão da sua execução se for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida.
Sobre esta questão decidiu-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24-03-2004, publicado em www.dgsi.pt: “O propósito socializador deve, sempre que possível, prevalecer sobre a intenção de segurança, como é imposto pelos princípios da socialidade e da humanidade que dominam a nossa constituição politico-criminal.”
A função de segurança surge com autonomia “sempre que à partida, a função de tratamento (e eventualmente de cura) se revele de consecução impossível, por se estar – segundo o estado dos conhecimentos da medicina – perante um incurável ao qual se ligue a nota da incorrigibilidade da sua actuação anti-social. – Cfr. Prof. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime”, pág. 455”.
Dito isto, relativamente à possibilidade de suspensão da execução do internamento, considerando a natureza e a gravidade dos factos apurados, o que acima ficou dito aquando da análise do pressuposto de aplicação da medida de segurança de internamento do prognóstico desfavorável de perigosidade e em que ficou provado haver fundado receio de que o arguido, em liberdade, voltará a praticar factos da mesma natureza e, sabendo-se, ainda, que o arguido praticou os presentes factos, em parte, no período de liberdade para prova concedida no âmbito da medida de segurança que já sofreu, não é razoável esperar que com o mero tratamento ambulatório (ao qual esteve sempre sujeito), ainda que acompanhado pelo tribunal, a finalidade da medida – a prevenção da perigosidade – possa ser alcançada em liberdade.
Consequentemente, não estando preenchidos os pressupostos previstos no artigo 98º do Código Penal, fica afastada a possibilidade de suspensão da execução da medida de internamento.
V. DISPOSITIVO:
Pelo exposto, declara-se a acusação procedente e, consequentemente, decide-se:
A) Declarar o arguido J. F. inimputável em razão de anomalia psíquica.
B) Declarar o arguido J. F. autor de factos qualificáveis como crime de perseguição, p. e p. pelo art.º 154.º-A do Código Penal, aplicando-lhe a medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento e segurança, com a duração máxima de 3 (três) anos, que será objecto de revisão e cessará nos termos previstos nos artigos 92º, nº 1 e 93º, nº s 1 e 2, do Código Penal.
C) Sem custas criminais.
Após trânsito em julgado:
- remeta boletim ao Registo Criminal.
- Proceda ao depósito – artigo 372º, nº 5, do Código Penal.”
2.1. – Questões a Resolver 2.1.1. – Da Duração da Medida de Segurança de Internamento 2.1.2. – Da Possibilidade de Suspensão da Medida de Segurança de Internamento
2.1.1. – Da Duração da Medida de Segurança de Internamento
A medida de segurança de internamento em instituição adequada deve ser aplicada quando o agente da infração é considerado inimputável por anomalia psíquica e tem perigosidade, isto é, há risco de que venha a cometer outros atos ilícitos da mesma espécie (art.º 91º/1 C.P.).
Naturalmente que tem finalidades de prevenção geral e especial, mas o que está sobretudo em causa é a perigosidade criminal do agente – cfr. Acórdão do S.T.J. de 28/10/1 998, Andrade Saraiva.
É essa perigosidade que se visa combater, instituindo-se um tratamento especializado do agente, em instituto adequado. Visa, se possível, a cura do doente psiquiátrico ou, pelo menos, a sua compensação, através sobretudo de meios farmacológicos dada a gravidade das doenças que provocam a inimputabilidade perigosa, mas também psicoterapêuticos ou de outros, que se julguem adequados.
Assim e independentemente do prazo máximo de internamento, o mesmo deve cessar, logo que cesse o estado de perigosidade criminal, que lhe deu origem – art.º 92º/1 C.P. Tal como é obrigatoriamente revisto, independentemente de requerimento, dois anos depois de iniciado o tratamento ou da decisão que o tenha mantido.
No caso e após produção da competente prova pericial, deu-se como provado que o arguido sofre de psicose paranóide delirante, de conteúdo erotomaníaco.
Ou seja, está em causa um fenómeno psicótico e não neurótico, em que o doente tem uma perceção distorcida da realidade, no caso de conteúdo delirante (e não por alucinação). Assim, tem certezas e crenças falsas, que não têm qualquer correspondência com a realidade, não tendo espírito crítico para disso se aperceber. E é em função dessas certezas e crenças falsas, que vai reagir.
Além disso, a ideação é paranóide ou seja, persecutória e muitas vezes com uma interpretação errónea dos comportamentos dos outros.
No caso dos autos tem conteúdo erotomaníaco, também denominado de “síndroma de Clerambault” – convicção delirante de que um paciente está a ser amado por alguém de posição social proeminente.
Estão em causa atos de “stalking”, que podiam não caber noutros ilícitos, como os de devassa da vida privada, ameaça ou outros. Dada a já alguma frequência com que estes atos vêm aparecendo e na ausência de previsão legal específica e precisa, o legislador criou, pela revisão ao C.P. operada pela L. n.º 83/15, 5/8, o art.º 154º-A, C.P., que finalmente criminalizou especificamente, os atos de “stalking”.
Ou seja, o arguido assedia e persegue a assistente há anos, tendo já sofrido internamentos compulsivos e medida de segurança anterior de internamento, estando em liberdade para prova e em liberdade, desde 30 de Janeiro de 2 019.
Os presentes factos datam de Outubro e Novembro de 2 019.
Ou seja: são pouco posteriores ao período de internamento que implica tratamento e estão em plena liberdade para prova, que incluía também um projeto de tratamento do arguido em ambulatório.
Os factos ora em apreciação duraram pouco mais de um mês e traduzem-se numa espera em frente da residência da ofendida, pelas 21.30 horas e durante cerca de uma hora e em treze mensagens, em que o arguido reporta de novo o seu amor, à assistente. Como diz e bem a Dignm.ª P.G.A. não houve “utilização de linguagem ameaçadora, grosseira ou obsecena”.
Tem sido afirmado que não se justifica a aplicação de uma medida de internamento quando estão em causa crimes bagatelares ou sem grande relevância social, por razões de proporcionalidade na reação penal.
Contudo, deve entender-se que se bem que estes factos não reflitam efetivamente grande gravidade, vêm já na sequência de outros, que este tipo de atitude por parte do arguido tem já anos e que, não obstante as tentativas de tratamento em internamentos compulsivos ou como medidas de segurança, continuam a persistir.
O arguido não tem consciência crítica sobre a prática destes atos o que, embora seja típico num inimputável por anomalia psíquica, lhe confere sempre perigosidade.
Tudo conjugado, não se afigura como desproporcionado aplicar ao arguido J. F. uma medida de segurança.
O recorrente entende que o internamento determinado, por 3 (três) anos é exagerado, tendo em conta a menor gravidade dos crimes praticados, no que é acompanhado pela Dignm.ª P.G.A.
E, com efeito, se estivesse em causa um crime de perseguição praticado por imputável, nunca a pena de prisão seria de 3 (três) anos, que se traduz no máximo legal do tipo.
Contudo e como já se referiu, na aplicação de uma medida de segurança, o que está em causa é a perigosidade criminal do agente e não tanto a sua culpa (que não tem, por não ter discernimento para poder agir de outro modo) ou necessidades de prevenção geral ou especial.
Assim, a forma de aplicação da medida de segurança de internamento é completamente diversa da forma de aplicação da pena.
Assim, é fixado um máximo legal para as medidas de segurança de internamento, que corresponde ao máximo da pena (art.º 92º/2 C.P.), só em casos de crimes graves podendo o internamento ser prorrogado judicialmente, por períodos sucessivos de dois anos (art.º 92º/3 C.P.).
Mas, não estando o caso dos autos previsto no âmbito do art.º 91º/2 C.P., também não há limite mínimo para esse internamento, que pode cessar logo que se verifique que cessou o estado de perigosidade criminal do arguido – por cura ou compensação da sua doença psiquiátrica.
Ou seja, é a reabilitação clínica do arguido que realmente interessa, fixando-se contudo um prazo máximo para o internamento. O que, naturalmente, não acontece numa pena.
Daí, que não haja necessidade de graduar o prazo máximo de internamento, visto que ele será sempre correspondente à pena de prisão máxima aplicável – art.º 92º/2 C.P. É que, se o arguido melhorar clinicamente, poderá sair a qualquer momento – também no sentido de que o prazo máximo previsto no art.º 92º/2 C.P. não pode ser reduzido caso a caso, os Acórdãos da Relação do Porto, de 12/9/21, João Cardoso e da Relação de Évora de 13/5/14, António Latas, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Com esta dupla possibilidade de libertação do internado, fica preenchida a proporcionalidade na aplicação de medidas de segurança de internamento.
O que quer dizer que, no caso e sendo o crime de perseguição p. e p. pelo art.º 154º-A, C.P. punível com pena de multa ou de prisão até 3 (três) anos, a medida de segurança máxima de internamento aplicável a este crime, será também e sempre de 3 (três) anos.
O foco principal está no tratamento e com ele, na cessação da perigosidade do agente, por via da melhoria do seu estado clinicopsiquiátrico. Improcede pois, este segmento do recurso interposto pelo arguido J. F..
2.1.2. – Da Possibilidade de Suspensão da Medida de Segurança de Internamento
Considera ainda o arguido que o caráter efetivo da medida de segurança aplicada se afigura como manifestamente exagerado.
Com efeito, os factos terão ocorrido durante pouco mais de um mês, não há notícia da sua repetição, o arguido está a trabalhar e a estudar e inserido e mantém o tratamento psiquiátrico.
Defende a suspensão da medida de internamento, subordinada a acompanhamento médico e a um plano denso de acompanhamento, por parte da D.G.R.S.P., com imposição de regras de conduta como sejam a continuação da atividade laboral, frequência de escolaridade ou proibição de contactos.
Ora, desde já se deve referir que do ponto 48) da sentença não se deduz com segurança que o recorrente venha cumprindo o plano terapêutico que lhe foi estabelecido. Aí, apenas se diz que, de acordo com informação sua e de sua Mãe, mantém as consultas de Psiquiatria no Hospital de …, “embora não seja clara a monitorização do plano de medicação estabelecido”.
Ou seja: a tão necessária frequência das consultas de Psiquiatria decorre apenas das declarações do arguido e de sua Mãe, desconhecendo-se se o mesmo vem cumprindo o plano de medicação traçado.
Não se diz que tem incumprido, mas também não há a certeza de que tem cumprido.
Tudo indica (contra-alegações do M.P. e da assistente), que está pendente um outro Inquérito por factos de 2 020 (Proc.º 557/20.0 PBGMR), em que o ora recorrente é também arguido, indiciado também por crime de perseguição e em que a ofendida é a ora assistente – em que ainda se presume inocente, mas que também quer dizer que estes factos em apreciação podem não ser os últimos.
Apresentava ainda, à data da sentença, dificuldade em analisar criticamente este tipo de comportamentos.
Ocorreram já vários internamentos psiquiátricos – compulsivos e como medidas de segurança – mas a verdade é que este tipo de atos de “stalking” ou perseguição perante a ofendida se vêm mantendo. É óbvio que o arguido estará medicado quando internado e, quando em ambulatório também terá terapêutica instituída. A verdade é que, ou por não a tomar ou por a mesma não ter o efeito que se desejava, o arguido tem mantido afinal, o mesmo tipo de comportamentos ilícitos.
Está efetivamente a trabalhar, a estudar e inserido familiarmente, vivendo com a Mãe e a Avó.
No caso dos autos está em causa medida de internamento, nos termos do disposto nos arts.º 91º/1 e 92º/2 C.P.
Nestes casos, a medida de segurança de internamento só pode ser suspensa, se “for razoavelmente de esperar que com a suspensão se alcance a finalidade da medida” – art.,º 98º/1 C.P.
Ora e como se referiu já, a finalidade da medida é a de desaparecer a “perigosidade do arguido”, isto é, a probabilidade e previsibilidade de prática de ilícitos homótripos.
É verdade que o arguido parece agora integrado, quer profissionalmente, quer familiarmente.
Mas, também o é, que após vários períodos de internamento para tratamento voltou a praticar o mesmo tripo de ilícitos contra a ofendida, que apresenta ideação paranoide e delirante erotomaníaca (vê nos atos da ofendida, atos de amor ou sedução também para consigo) e não tem ainda um juízo crítico, sobre os factos praticados.
Aliás e em julgamento, não confessou, nem demonstrou arrependimento, não tendo prestado quaisquer declarações. Isso não o pode desfavorecer, mas também não o favorece agora, quando essas atenuantes seriam tão importantes, no sentido de se sentir alguma necessidade de mudar de comportamentos, por parte do arguido.
A falsa crença delirante erotomaníaca e paranoide, num quadro psicótico, pode até levá-lo a condutas mais graves, que ponham em causa a liberdade sexual, integridade física ou a vida, da ora assistente.
Não se vê pois como se possa fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a prevenção da perigosidade, possa ainda ser alcançada em liberdade, o que é afinal o pressuposto da suspensão da execução da medida de segurança de internamento, nos termos previstos no art.º 98º/1 C.P. Não estando presente nos autos factualidade subsumível àquele dispositivo, o referido internamento não poderá ser suspenso, na sua execução – pelo que terá de ser efetivo.
Assim se decidiu em 1ª instância.
Termos em que, também esta parte do recurso do arguido J. F. deve improceder.
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Termos em que,
3 – Decisão
a) se julga totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido recorrente J. F., por via disso se mantendo na íntegra a sentença recorrida.
b) Custas pelo mesmo, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º/1 C.P.P., 8º/9 e tabela anexa 3), ao R.C.P.
c) Notifique.
Guimarães, 24 de Outubro de 2 022
(Pedro Cunha Lopes) (Fátima Furtado) (Armando Azevedo)