VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE MARCA
Sumário

Constitui requisito necessário para o decretamento da providência cautelar prevista no art. 345º do CPI a violação efectiva ou iminente do direito de propriedade industrial, sendo que no caso de a violação do direito ser iminente, cabe ao requerente a demonstração de que existe fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável desse direito.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem a Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

***


I.–RELATÓRIO


1.–Botão Azul – Comércio de Vestuário, SA. intentou o presente procedimento cautelar contra Terreno Fértil – Comércio de Têxteis, SA, Onda Choque Comércio de Têxteis, SA. e Rede Sustentável – Comércio de Têxteis, SA., requerendo que:

a)-Seja ordenado que a 1ª requerida cesse a utilização da palavra Blue na composição dos rótulos, denominações comerciais, nomes de estabelecimento, e de quaisquer outras expressões publicitárias relativas às lojas localizadas nos centros comerciais ‘Almada Fórum’, ‘Mar Shopping Matosinhos’ e ‘Ubbo Tejo’;
b)-Seja ordenado que a 2ª requerida cesse a utilização da palavra Blue na composição dos rótulos, denominações comerciais, nomes de estabelecimento, e de quaisquer outras expressões publicitárias relativas às lojas localizadas nos centros comerciais ‘Alegro Setúbal’, ‘Alegro Sintra’, ‘Nova Arcada’, ‘Guimarães Shopping’ e ‘Fórum Funchal’;
c)-Seja ordenado à 3ª requerida que cesse a utilização do nome de domínio ‘sacoorblue.com’;
d)-Seja ordenado às requeridas que não utilizem quaisquer rótulos, nomes de estabelecimentos, sinais comerciais, ou outros elementos identificativos das suas lojas físicas ou on line que incluam, na sua composição, a palavra ‘Blue’, bem como qualquer outra expressão que seja mera tradução deste termo.
e)-Sejam as requeridas condenadas no pagamento de uma sanção pecuniária Compulsória no valor de €1000,00 por cada dia de incumprimento da condenação na cessação do elemento ‘Blue’ na composição dos seus rótulos, denominações e nomes de estabelecimento das suas lojas.

Alegou, em síntese, que:
–É uma sociedade comercial constituída em 1995 e que tem por objecto a comercialização de artigos de vestuário, explorando uma cadeia de lojas de vestuário masculino denominada ‘Mr Blue’;
– Explora 38 lojas ‘Mr Blue’;
–Desde a inauguração da 1ª loja em 2005 a denominação ‘Mr Blue’ tem sido objecto de uma enorme difusão junto dos consumidores portugueses de vestuário masculino;
–A requerente também explora um website e loja online denominados ‘mrblue’;
–A requerente é titular da marca nacional nº 393737, registada para assinalar na classe 35 da Classificação Internacional de Nice ‘promoção de venda a terceiros de vestuário, botões de punho, bijuteria, sapatos, malas, carteiras, têxtil lar, perfumes, relógios e óculos’;
–Tal registo foi pedido em 13/09/2005 e concedido em 01/08/2006;

–A marca em causa granjeia um considerável grau de conhecimento e reputação junto dos consumidores portugueses, sendo que a requerente tem levado a cabo inúmeras iniciativas de divulgação e promoção do sinal;
–A requerida desde Abril de 2021 abriu oito lojas em centros comerciais denominadas ‘Sacoor Blue’;
–Os irmãos Sacoor são fundadores e beneficiários efectivos de um conjunto de sociedades que exploram uma cadeia de lojas de vestuário denominadas ‘Sacoor Brothers’;
–As sociedades requeridas foram criadas pelos irmãos Sacoor, tendo-lhes sido atribuída a missão de explorar uma nova linha de negócio corporizada em lojas de roupa casual masculinas denominadas ‘Sacoor Blue’;
–As duas primeiras requeridas têm lojas com a denominação ‘Sacoor Blue’ nos centros comerciais em que a requerente também tem as suas lojas;
–A terceira requerida é a responsável pela exploração das lojas online;
– Os rótulos ‘Sacoor Blue’ estão a ser utilizados pelas requeridas para atrair a clientela das lojas da requerente, sem que esta tal tenha autorizado;
– Visualmente e conceptualmente os sinais são semelhantes.

***
2.–As requeridas deduziram oposição, pugnando pelo indeferimento das providências requeridas, alegando que:
–As três requeridas integram a conhecida cadeia de lojas de vestuário, calçado e acessórios ‘Sacoor’, cuja história remonta a 15/11/1989, data em que os 4 irmãos Sacoor abriram a sua 1ª loja sita na Rua ..... ....., em Lisboa;
–Em 1997 o grupo Sacoor abriu a sua primeira loja dentro de um Centro Comercial – o Colombo - que na data, era o maior da Europa;
–Desde essa data o grupo foi abrindo sucessivas lojas;
–As lojas Sacoor são desenhadas e concebidas por um grupo de arquitectos e obedecem a critérios de qualidade, obedecendo a um ‘look’ próprio e específico;
–Só em Portugal, os produtos assinalados pelas marcas ‘Sacoor’ são vendidos em 39 lojas e em mais 14 países e on line em cerca de 48 países, espalhados por 3 continentes;
–A marca Saccor é notoriamente conhecida, estando registada em nome da Sacentro mais de 13 marcas que integram o nome ‘Saccor’;
–O grupo acompanha muito de perto a evolução da indústria têxtil e o sector da moda e apercebeu-se que havia uma mudança no mercado para uma maior procura de roupa sustentável, mais confortável e descontraída;
–E, nesse sentido acelerou o seu projecto de lançar mais uma linha das marcas ‘Sacoor’, mais casual, com tecidos orgânicos e leves,
–A esta nova linha foi atribuída a designação de ‘Sacoor Blue’, tendo sido escolhida a cor azul por ser a associada ao Planeta Terra (o planeta azul);
–Nesse sentido, em 29/07/2021 a ‘Friday Blue – Comércio de Texteis, SA’ pediu o registo da marca da UE nº 018524031;
–Este sinal tem sido implantado em várias lojas físicas, como seja na loja sita no Almada Fórum e também no site que é operado pela 3ª requerida;
–A marca da requerente é composta pelo conjunto gráfico-figurativo
– É este o conjunto protegido e não o elemento ‘Blue’, pelo que a requerente não tem qualquer exclusivo pelo elemento ‘blue’, para além de que ambos os sinais são totalmente distintos e não confundíveis;
–Tanto assim é, que existem muitas outras marcas registadas para assinalar vestuário que são compostas pela palavra ‘BLUE’;
***

3.–O Tribunal de 1ª instância proferiu saneador-sentença, decidindo:
“Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo o presente procedimento cautelar improcedente e, consequentemente, absolvo as três requeridas «Terreno Fértil – Comércio de Têxteis, SA.», «Onda de Choque – Comércio de Têxteis, SA.» e «Rede Sustentável – Comércio de Têxteis, SA.» de todos os pedidos contra si formulados por «Botão Azul – Comércio de Vestuário, SA.”
***

4.–Inconformada com tal decisão, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
1.–ENQUADRAMENTO E OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto da decisão final proferida a 4 de abril de 2022 pelo Tribunal da Propriedade Intelectual no âmbito das providências cautelares requeridas pela Requerente, ora Recorrente, BOTÃO AZUL – COMÉRCIO DE VESTUÁRIO, S.A. contra as Requeridas, ora Recorridas, TERRENO FÉRTIL – COMÉRCIO DE TÊXTEIS, S.A., ONDA DE CHOQUE – COMÉRCIO DE TÊXTEIS, S.A. e REDE SUSTENTÁVEL - COMÉRCIO DE TÊXTEIS, S.A., por força da utilização por parte destas, nas fachadas de várias lojas de vestuário masculino recentemente abertas por si, do sinal verbal, não registado, “SACOOR BLUE” , o qual é, no entender da Recorrente, confundível tanto com a marca nacional n.º 393737 da qual é proprietária como com a versão simplificada dessa marca que também costuma utilizar nas fachadas das suas próprias lojas de vestuário masculino “MR. BLUE”.
2.–A Recorrente sustentou os seus pedidos, em via principal, na violação do direito de exclusivo que emerge da titularidade da marca nacional n.º 393737 , registada desde 1 de agosto de 2006, para serviços de venda a retalho de vestuário na classe 35, nos termos dos artigos 210.º, n.º 1 e 249.º, n.º 1, alínea b), todos do Código da Propriedade Industrial.
3.–Sustentou ainda, a título subsidiário - para a hipótese de que o Tribunal viesse a considerar que o sinal SACOOR BLUE utilizado pelas Requeridas como rótulo de estabelecimento não viola a marca registada - que a utilização por parte das Requeridas do sinal SACOOR BLUE consubstanciaria à luz do disposto no artigo 311.º, n.º 1 alínea a) do CPI, uma conduta concorrencial desleal.
4.–Após ter proferido despacho a 9 de março, por meio do qual decidiu não realizar a audiência de produção de prova (não obstante a Recorrente tenha manifestado ser crucial que a mesma tivesse lugar), o Tribunal a quo proferiu sentença a 4 de abril, pronunciando-se exclusivamente quanto à verificação ou não da violação do direito de exclusivo da Recorrente emergente da titularidade da sua marca nacional n.º 393737, dando por verificada a titularidade da marca n.º 393737 por parte da Recorrente (e, assim, verificado um dos requisitos legais estabelecidos no artigo 345.º, n.º 2 do CPI) mas entendeu – erradamente, como veremos - não provada a infração do direito da Recorrente por parte das Recorridas, tendo-se abstraído de apreciar, como lhe competia então, a verificação da existência, ou não, de situações de concorrência desleal.
5.–Não se conformando com a referida decisão, vem a Recorrente interpor recurso da mesma, não sem antes se invocar da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
6.–NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA: Como se mencionou, a Recorrente sustentou, a título subsidiário, que as condutas da Recorridas consubstanciariam atos de concorrência desleal, com base no disposto no artigo 311.º, n.º 1 do CPI e, mormente, na alínea a) desse preceito (veja-se o artigo 122 do Requerimento Inicial), o que, inclusive, foi evidente para as próprias Recorridas, que apresentaram e autonomizaram a sua defesa quanto à alegação de atos de concorrência desleal na sua Oposição.
7.–Não obstante, o Tribunal a quo nada disse a este respeito, o que se impunha considerando o sentido decisório quanto à (não) verificação da infração da marca da Recorrente. A omissão de pronúncia quanto a este ponto é tão ou mais evidente que o Tribunal a quo claramente omite a verificação da existência de atos de concorrência desleal das questões a decidir, identificando unicamente duas questões no thema decidendum: a (i) Infração por parte da requerida do direito industrial – marca da requerente e (ii) Sanção pecuniária compulsória.
8.–Deve assim a sentença ser declarada nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, com as devidas consequências legais-
9.–ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO: Caso não se entenda que a sentença deva ser declarada nula – noque não se concede e apenas se equaciona por mero dever de patrocínio – sempre se diga que da análise da sentença recorrida, ressalta a necessidade de este Tribunal ad quem exercer os seus poderes ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC.
10.–DA NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA: Como acima se indicou, por meio de despacho datado de 9 de março de 2022, decidiu o Tribunal a quo não realizar audiência de produção de prova e optou por não proceder à inquirição das testemunhas oferecidas pela Recorrente com o seu Requerimento Inicial.
11.–Anteriormente, por despacho de 16 de fevereiro, o Tribunal a quo havia notificado as Partes para, querendo, se pronunciarem quanto a uma possível dispensa da realização da diligência de inquirição de testemunhas, tendo sido referido pela Meritíssima Juíza que “(…) em causa neste procedimento cautelar está a confundibilidade ou não das marcas da Requerente e Requeridas [e que, portanto] não haverá matéria que implique a inquirição de testemunhas, sendo bastante a documentação que se encontra nos autos”.
12.–No seu requerimento de 3 de março de 2022, a Recorrente expos que o presente procedimento não tem por objeto a aferição em abstrato da confundibilidade ou não entre dois sinais mas, antes sim, saber se a concreta utilização que as Recorridas têm vindo a fazer do sinal verbal “SACOOR BLUE” como rótulo de 8 lojas de venda de artigos de vestuário e que não conta com a cobertura formal de qualquer registo (ou pedido de registo) de marca, consubstancia, - à luz do disposto no artigo 249.º, n.º 1 alínea b) do CPI e atendendo às circunstancias factuais concretas de tempo, modo e lugar em que o uso desse sinal está efetivamente a ocorrer - uma intromissão indevida na zona de exclusão e de exclusividade detida pela Recorrente desde 2006 graças ao registo da marca “MR. BLUE”; ou, em alternativa àquela, é a questão de saber se a utilização desse sinal nos moldes concretos em que está a ocorrer, consubstancia no mínimo uma violação da norma geral constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 311.º do CPI, que proíbe a quem explora um estabelecimento comercial atrair clientela para esse estabelecimento através de métodos suscetíveis de induzir os clientes de outro estabelecimento que opera no mesmo ramo a pensar erradamente que ambos os estabelecimentos pertencem ao mesmo titular ou que pertencem a titulares jurídica ou economicamente vinculados entre si.
13.–Elencou assim existirem pelo menos dois fatores que se impunha atender – o primeiro, consistindo no apuramento das circunstancias de tempo, modo e lugar como o sinal “SACOOR BLUE”, que não está registado nem foi objeto de qualquer pedido de registo para serviços de venda a retalho de artigos de vestuário, está a ser utilizado pelas Recorridas; e o segundo, e porventura aquele em que a produção de prova testemunhal acaba por ser o único meio idóneo de prova, consistindo com a verificação de situações de confusão real e efetiva entre o sinal “SACOOR BLUE” e o sinal “MR. BLUE” – factualidade esta quanto à qual, por força da decisão do Tribunal a quo que determinou a dispensa da audiência, a Recorrente se viu impedida de produzir prova de forma cabal.
14.–Entre os numerosos fatores que devem necessariamente ser tidos em conta na aferição judicial da existência de confundibilidade entre duas marcas - veja-se, neste sentido, o que foi enunciado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no acórdão proferido no âmbito do Processo C-251/95 (Sabel v Puma), par. 23 - estão precisamente as provas de confusão real e efetiva que o titular da marca alegadamente violada decida trazer ao processo (cf. Guidelines EUIPO). É ainda é orientação decorrente da jurisprudência do TJUE que o objeto das ações judiciais cuja causa de pedir é a infração de uma marca registada consiste nos usos concretos e específicos que um terceiro esteja a fazer de um sinal que se assemelhe a essa marca, sendo as circunstâncias concretas de tempo, modo e lugar que caracterizam os concretos usos desse sinal que se pretendem proibir fatores incontornáveis para que se possa decidir com acuidade sobre o mérito dessas ações.
15.–Ora, como se viu, nenhum destes factos acabou por ser levado à sentença, e dificilmente o poderão ser sem que se produza prova testemunhal, razão pela qual deverá agora este douto Tribunal, fazendo uso dos poderes que sobre si recaem por força do artigo 662.º do CP, ordenar a produção de prova testemunhal, nos termos da alínea b), n.º 2 do referido preceito, procedendo-se assim à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, ora Recorrente, no seu Requerimento Inicial.
16.–ADITAMENTO DE FACTOS À LISTA DE FACTOS PROVADOS: Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, mas sem conceder, sempre se diga que a factualidade e prova trazida aos autos impunha decisão diversa quanto à matéria de facto, impondo-se, em concreto, que se aditem novos factos à lista de factos provados.
17.–Face aos registos fotográficos que se reproduziram no artigo 4 do Requerimento Inicial e cuja veracidade em si mesma não foi colocada em causa, bem como o Doc. 12 que se juntou com o Requerimento Inicial, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado i): As lojas da Requerente ostentam em lugar bem visível nas respetivas fachadas rótulos compostos pela expressão “MR. BLUE” conforme se passa a ilustrar de seguida: (ver imagens reproduzidas supra).
18.–Face à aceitação das Recorridas ínsita no artigo 154 da Oposição, onde pese embora contestem que as lojas se encontrem a alguns metros uma da outra (alvitrando que tal distância é de “cerca de 60 metros”), não contestam que se encontrem no mesmo centro comercial, nem no mesmo piso, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado ii): A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Almada Fórum, no mesmo pisoondea 1.ª Requeridatambém explora uma loja “SACOORBLUE”.
19.–Face à aceitação das Recorridas ínsita no artigo 155 da Oposição, onde pese embora contestem que as lojas se encontrem na imediação uma da outra, não contestam que se encontrem no mesmo centro comercial, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado iii): A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Mar Shopping Matosinhos, onde a 1.ªRequerida também explora uma loja “SACOORBLUE”.
20.–Face à aceitação das Recorridas ínsita no artigo 156 da Oposição, onde pese embora contestem que as lojas se encontrem na imediação uma da outra, não contestam que se encontrem no mesmo centro comercial, nem no mesmo piso, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado iv): A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Alegro Sintra, no mesmo piso onde a 2.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
21.–Face à aceitação expressa das Recorridas da alegação ínsita nos artigos 1 e 2 do Requerimento Inicial (veja-se artigo 148 da Oposição), como do facto por estas alegado nos artigos 38 e 39 da Oposição, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado v): Tanto as 38 lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as 8 lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, se dedicam à comercialização de vestuário masculino.
22.–Face ao que foi alegado pela Recorrente quanto aos artigos de vestuário comercializados nos seus estabelecimentos no artigo 12 do Requerimento Inicial, com remissão para o website da Recorrente, bem como pela alegação das Recorridas quanto aos artigos de vestuário por si comercializados, no artigo 38 da Oposição, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado vi): Tanto as lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, comercializam artigos de vestuário fabricados com tecidos orgânicos e sustentáveis.
23.–Face ao registo fotográfico que se reproduziu no artigo 114 do Requerimento Inicial e cuja veracidade em si mesma não foi colocada em causa, e ainda da própria aceitação das Recorridas ínsita no artigo 162 da Oposição, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado vii): Em algumas ocasiões, as Requeridas identificam as suas lojas suprimindo a referencia à expressão “SACOOR”, utilizando tão só a expressão “BLUE”.
24.–Face ao teor do Doc. 19 junto aos autos com o Requerimento Inicial, cuja veracidade não foi contestada, a Recorrente requer o aditamento à lista de factos provados do Facto Provado viii): No dia 17 de dezembro de 2021, a empresa de MAINETTI (que se dedica ao fabrico e comercialização de cabides) - enviou para uma loja “MR. BLUE” várias caixas com cabides contendo a inscrição “SACOOR BLUE”.
25.–FACTOS NÃO PROVADOS: Por outro lado, deverá ser eliminado do probatório o “facto” i) não provado acima identificado, porquanto não só o mesmo não resulta de matéria alegada, como ainda a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo em suporte da inclusão do mesmo no probatório, é, por um lado irrelevante e por outro juridicamente despropositada.
26.–DO PEDIDO DE REGISTO DE MARCA N.º 018524031 E DA INSUSCEPTIBILIDADE DO MESMO PARA CONSTITUIR CAUSA OBSTATIVA DO DECRETAMENTO DA PRESENTE PROVIDÊNCIA: A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo deu assim por relevante, para efeitos da análise da verificação do segundo dos requisitos previstos no artigo 345.º do CPI, a circunstância de “a Requerida” ter pedido “no EUIPO o registo da marca n.º 018524031 e, como tal, poderá usá-la”.
27.–Cumpre antes de mais referir que o pedido de registo de marca n.º 018524031 não só não foi efetuado por nenhuma das Recorridas nos presentes autos, como o registo de uma marca não legitima, per se, o seu uso, sobretudo quando o referido uso é passível de colidir com uma marca registada anterior - veja-se, neste sentido, o já mencionado acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo C-561/11 (Federation Canina Internacional).
28.–Além do mais, o sinal que as Recorridas usam nos rótulos afixados nas fachadas das suas lojas de venda a retalho de artigos de vestuário masculino e cuja licitude se põe em causa no presente processo não é o sinal misto “” que uma empresa relacionada com as Recorridas está a tentar registar junto do EUIPO para assinalar produtos pertencentes à classe 25, mas antes o sinal verbal “SACOOR BLUE”, que não só não está registado como nem sequer foi objeto de qualquer pedido de registo para serviços (estabelecimentos) de venda a retalho.
29.–A Meritíssima Juíza a quo entendeu ainda que sem ser recusado ou declarado nulo o direito que supostamente as Recorridas detêm de utilizar a marca “SACOOR BLUE”, a utilização dessa marca é completamente imune a eventuais ações de infração interpostas por terceiros que forem titulares de marcas registadas anteriores com as quais aquela marca se confunda, o que também se revela manifestamente errado e contrário à jurisprudência do TJUE – veja-se, novamente, o acórdão proferido no âmbito do processo C-561/11.
30.–DE COMO O USO DO SINAL “SACOOR BLUE” PELAS RECORRIDAS CONSTITUI UMA INFRAÇÃO AOS DIREITOS DE EXCLUSIVO CONFERIDOS À RECORRENTE PELO REGISTO DA MARCA NACIONAL Nº 393737DA REQUERENTE:Pode ainda ler-se na sentença sob recurso que caso não se entendesse que “enquanto não for recusado ou anulada a marca da requerida, tanto a requerente como aquela poderão usar os sinais em causa”, sempre a providência cautelar teria de ser julgada improcedente, aludindo aos requisitos ínsitos no artigo 238.º do CPI – artigo este que está intimamente ligado ao fundamento de recusa do registo de marca previsto no artigo 232.º, n.º 1 alínea b) do CPI (nos termos do qual constitui fundamento de recusa do registo de marca a imitação de marca anteriormente registada por outrem que possa induzir em erro ou confusão o consumidor),e que se reporta assim à aferição em abstrato da confundibilidade entre uma marca prioritária (registada) e uma marca registanda – o que é demonstrativo que a análise de confundibilidade efetuada pelo Tribunal a quo se limitou a um plano abstrato, sem atender à circunstância de se estarem já a verificar situações reais e efetivas de confusão provocadas pelo uso por parte das Recorridas do sinal “SACOOR BLUE”.
31.–DAS SEMELHANÇAS ENTRE OS SINAIS EM LIÇA E DA SUSCETIBILIDADE DAS MESMAS PARA GERAR RISCO DE CONFUSÃO NO ESPIRITO DOS CONSUMIDORES RELEVANTES: Cabe no entanto não só analisar o grau da semelhança entre os sinais aqui em liça, como também o modo e as circunstâncias que caracterizam a utilização que é dada a esses sinais pelos respetivos titulares.
32.–O Tribunal a quo começa desde logo por incorrer em erro ao referir que os sinais em confronto nestes autos são ambos sinais mistos. Parte desta perceção resulta da ideia – errada - de que a marca em uso pelas Recorridas se trata do pedido de marca com o n.º 018524031, ao invés do sinal verbal “SACOOR BLUE”.
33.–Ainda que considerássemos que em algumas configurações do uso do sinal “SACOOR BLUE” se inclui o elemento figurativo da bicicleta (o que só resultou quando muito provado relativamente a uma das lojas, a “SACOOR BLUE” situada no centro comercial Almada Fórum, por meio da inserção da figura da bicicleta – inserção esta que só terá sido incluída após a abertura desta loja e uma vez interposta a presente ação), também se diga que o referido sinal não assume a configuração adotada no pedido de registo da marca da União Europeia n.º 018524031 – o que expõe a nu que no suposto exercício comparativo levado a cabo pelo Tribunal a quo (e que teve somente em consideração uma única imagem referente a uma das oito lojas mencionadas no Requerimento Inicial), não foi sequer considerado o sinal das Recorridas tal como o mesmo se encontra a ser utilizado.
34.–O Tribunal a quo acaba por rematar, em poucas linhas, que as marcas em causa (que, insiste esta, são mistas) apenas têm em comum a palavra “Blue”, e que a Recorrente não tem o exclusivo desta palavra. A Merítissima Juíza ignorou assim que tanto o sinal “MR. BLUE” como o sinal “SACOOR BLUE” são compostos por dois elementos verbais, sendo em ambos os casos a palavra “BLUE” aquela que se encontra em segundo lugar, e que ambos os sinais apresentam semelhanças dos pontos de vista visual, conceptual e fonético.
35.–Em conflitos marcários análogos a este, as instancias judiciais e administrativas, tanto nacionais como daUnião Europeia, não hesitaram em vislumbrar a existência de um risco de confusão.
36.–Veja-se, por exemplo, as decisões proferidas pelo Tribunal Geral da União Europeia no âmbito dos Processos T-434/10, T333-13, T-804/14. Em todos estes casos, o Tribunal Geral da União Europeia considerou que o facto de o sinal posterior integrar na sua composição um dos elementos verbais que compunham o sinal anterior, apesar desse elemento não ser dotado de uma capacidade distintiva intrínseca particularmente forte, era em si suficiente para sustentar a conclusão da existência de um risco de confusão entre os sinais, e fê-lo porque em todas essas situações os sinais em liça tinham por objeto serviços idênticos e o grau de atenção do consumidor relevante era médio (não especialmente alto).
37.–Ainda que surja acompanhada do termo “Sacoor”, o elemento “BLUE” – elemento predominante da marca da Recorrente - é suficiente para conferir ao sinal em uso pelas Recorridas uma semelhança tal com a marca da Recorrente que é muito provável que, ao contemplá-los, boa parte dos consumidores relevantes seja levada a pensar que as lojas de vestuário com eles assinaladas são exploradas pela mesma empresa ou por empresas relacionadas entre si.
38.–DOS FATORES DESCONSIDERADOS PELO TRIBUNAL A QUO COM RELEVÂNCIA PARA A ANÁLISE DO RISCO DE CONFUSÃO ENTRE OS SINAIS EM LIÇA: Não obstante a decisão do Tribunal a quo de não realizar a audiência de produção de prova tenha comprometido a prova cabal de alguns dos factos alegados pela Recorrente, os factos e os elementos probatórios que foram trazidos aos autos através do seu Requerimento Inicial permitiam ao Tribunal aferir, ainda que perfunctoriamente, destas situações de confusão real, ou do risco real das mesmas virem a ocorrer.
39.–Não só a Recorrente demonstrou como tem vindo a fazer uso da marca “MR. BLUE”, apondo-a - tanto na configuração mista que consta do registo, como em versão simplificada circunscrita ao respetivo elemento verbal “MR. BLUE” – nos rótulos dos seus estabelecimentos, como demonstrou ainda que as Requeridas, ora Recorridas, têm vindo a utilizar nas fachadas de 8 lojas de venda a retalho de artigos de vestuário masculino, o sinal verbal, não registado, “SACOOR BLUE, o qual, sendo meramente composto pela palavra inglesa “BLUE” e por outra palavra estrangeira, apresenta semelhanças de vulto (tanto visuais, como conceptuais e fonéticas) com o sinal “MR. BLUE” da Recorrente.
40.–Conforme alegado pela Recorrente, e que resultou provado por força do Facto Provado 15 que consta da sentença, e dos factos cuja inserção agora se requereu na lista de Factos Provados [em concreto, Factos Provados ii), iii) e iv)], várias das lojas das Recorridas foram abertas nas imediações das lojas da Recorrida.
41.–Dos Factos Provados v) e vi) resulta ainda que tanto os estabelecimentos da Recorrente como os estabelecimentos das Recorridas se dedicam à comercialização do mesmo tipo de produtos, resultando, por fim, dos Factos Provados vii) e viii), cujo aditamento agora se requereu, que, por um lado, as Requeridas se referem aos seus estabelecimentos usando unicamente a designação “BLUE”, e que, por outro, pelo menos um dos fornecedores da “SACOOR BLUE” incorreu em confusão quanto aos sinais em liça.
42.–Todas estas circunstâncias, que não podem simplesmente ser ignoradas, propiciam forçosamente a confundibilidade dos sinais em liça.
43.–DA COEXISTÊNCIA NO REGISTO DE MARCAS COMPOSTAS PELA EXPRESSÃO “BLUE”:O facto de coexistirem outras marcas compostas pela expressão “BLUE” nas bases de dados dos institutos de propriedade industrial não significa que de facto coexistam, no dia a dia do mercado português, um grande número de estabelecimentos de venda de vestuário compostas pela palavra “BLUE”.
44.–Tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, até ao surgimento das lojas “SACOOR BLUE”, existiam apenas dois outros operadores no setor da venda de vestuário a utilizar marcas compostas pela palavra “BLUE” como nome ou rótulo dos respetivos estabelecimentos, sendo que uma delas (“Blue Kids”) se dedica à comercialização de roupa de criança (público relevante diferente) e a outra (“Under Blue”) coexiste com a marca “MR. BLUE” por força de um acordo tácito entre os respetivos titulares.
45.–Quanto às marcas “Japan Blue”, “Alma Blue” e “Blue Seven” que, de acordo com o Facto Provado 24, se encontram a ser comercializadas em Portugal, as mesmas são vendidas online, não se verificando a existência, pelo menos em território português, de estabelecimentos dedicados à comercialização de vestuário que tenham como rótulo desses mesmos estabelecimentos estas marcas.
46.–CONCLUSÃO QUANTO À CONFUNDIBILIDADE ENTRE AS MARCAS EM LIÇA: Ainda que perante a impossibilidade de se ter trazido aos autos elementos destinados a demonstrar a existência de situações de confusão real e efetiva entre os sinais “SACOOR BLUE” e “MR. BLUE”, entende a Recorrente que se encontra demonstrado que os sinais em liça são bastante semelhantes e que essa semelhança, em conjunto com as demais circunstancias que devem ser tidas em conta na aferição do risco de confusão previsto no artigo 249º nº1 do CPI, é suscetível de gerar situações de confusão por parte dos consumidores.
47.–Devem assim as 1.ª e 2.ª Requeridas, ora Recorridas, ser ordenadas a cessar a utilização da palavra “BLUE” na composição dos rótulos, denominações comerciais, nomes de estabelecimento, e de quaisquer outras expressões publicitárias relativas às lojas atualmente designadas “SACOOR BLUE” localizadas nos centros comerciais “Almada Fórum”, “Mar Shopping Matosinhos” e “Ubbo Tejo” (quanto à 1.ª Recorrida) e “Alegro Setúbal”, “Alegro Sintra”, “Nova Arcada”, “Guimarães Shopping” e “Fórum Funchal” (2.ª Recorrida), devendo ainda ser a 3.ª Recorrida ser ordenada a cessar a utilização do nome de domínio “sacoorblue.com”.
48.–DA CONCORRÊNCIA DESLEAL: Na eventualidade de que, quod non, se entendesse que a concreta configuração do sinal que a Recorrente tem vindo a utilizar na fachada das suas lojas não está abrangido pelo âmbito de exclusividade conferido à Recorrente pelo registo de marca nacional n.º 393737, sempre a utilização para fins comerciais da palavra “BLUE” por parte das Recorridas, nomeadamente na composição do sinal “SACOOR BLUE”, nos moldes concretos em que realmente está a ocorrer, consubstancia no mínimo uma violação da norma geral constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 311.º do CPI, que proíbe a quem explora um estabelecimento comercial atrair clientela para esse estabelecimento através de métodos suscetíveis de induzir os clientes de outro estabelecimento que há muito opera no mesmo ramo sob uma determinada marca de facto / não registada a pensar erradamente que ambos os estabelecimentos pertencem ao mesmo titular ou a titulares jurídica ou economicamente vinculados entre si.
49.–Sendo que se encontram verificados os requisitos previstos para o decretamento de medidas cautelares com base em atos de concorrência desleal – e isto mesmo que se considere que os requisitos enunciados para o procedimento cautelar nominado previsto no artigo 345.º CPI não se aplicam aos casos de concorrência desleal que não envolvam direitos de propriedade industrial registados.
50.–Como tal, deverão as 1.ª e 2.ª Requeridas, ora Recorridas, ser ordenadas a cessar a utilização do sinal SACOOR BLUE como rótulo ou nome comercial das lojas localizadas nos centros comerciais “Almada Fórum”, “Mar Shopping Matosinhos” e “Ubbo Tejo” (quanto à 1.ª Recorrida) e “Alegro Setúbal”, “Alegro Sintra”, “Nova Arcada”, “Guimarães Shopping” e “Fórum Funchal” (2.ª Recorrida).
51.–DO PEDIDO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA: A apreciação deste pedido deu- se por prejudicada face ao teor da sentença. Não obstante, sendo as medidas cautelares decretadas – tal como se espera - devem também as Recorridas ser condenadas, nos termos do artigo 349.º, n.º 4 do CPI e artigo 829.º-A do CPC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 1000 (mil euros) por cada dia de incumprimento da condenação que vier a ser proferida tendo em vista a cessação das condutas lesivas dos direitos da Recorrente, valor este que deverá ser aplicado por loja, física ou online.

Conclui a recorrente que deverá a sentença ser anulada, por omissão de pronúncia quanto à verificação de actos de concorrência desleal; ou, caso assim não se entenda, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que decrete as providências cautelares requeridas.
***

5.–As requeridas/recorridas ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença e apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
a)-A alegação da prática de atos de concorrência desleal, feita pela Recorrente, não foi formulada de forma objetiva porquanto a Recorrente imputou um animus nas atuações das Recorridas;
b)-É entendimento da melhor doutrina e jurisprudência que o dolo é um dos requisitos necessários à invocação do instituto da concorrência desleal, quer na sua vertente de ilícito contraordenacional, quer na sua vertente de ilícito civil;
c)-Na medida em que foi levado ao elenco de factos não provados que “as requeridas ao utilizarem o nome «Sacoor Blue” pretendem atrair clientela da requerente”, o tribunal a quo debruçou-se sobrea verificação da deslealdade da concorrência, invocada pela Recorrente, dando por não verificada a existência de dolo na atração de clientela, pelo que, apesar de a verificação da prática de atos de concorrência desleal não ter sido incluída no thema decidedum, essa questão foi apreciada e, por conseguinte, o tribunal conheceu de todas as questões que lhe foram submetidas, razão pela qual a sentença não está ferida de nulidade por omissão de pronúncia.
d)-A Recorrente insiste na necessidade da produção de prova testemunhal para aferir “se e em que medida o uso concreto que as Recorridas estão a fazer do sinal SACOOR BLUE em 8 estabelecimentos de venda ao público de vestuário masculino trespassa a zona de exclusividade inerente à marca MR. BLUE, cuja prova não pode ser feita exclusivamente através da exibição de documentos e que, portanto, carecem da produção de prova testemunhal”. Considera a Recorrente que importa apurar as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o sinal “SACOOR BLUE” está a ser utilizado pelas Recorridas e a verificação de situações de confusão real e efetiva entre o sinal “SACOOR BLUE” e o «sinal “MR. BLUE”».
e)-Salvo o devido respeito, não se concorda com a posição assumida pela Recorrente. Desde logo, se é esta a posição da Recorrente, cabia-lhe ter interposto recurso do douto despacho de 11 de março de 2022 que ordenou a produção imediata de alegações, com a dispensa de produção de prova testemunhal. Não o tendo feito, produziu-se caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º do Código de Processo Civil.
f)-Por outro lado, o Tribunal recorrido no exercício dos poderes de livre apreciação que lhe são conferidos e perante a vasta prova documental junta aos autos, entendeu que estava em condições de avaliar se existia uma tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza o consumidor em erro ou confusão. Tendo concluído pela negativa, sem necessidade de mais produção de prova e em obediência a princípios processuais como o da celeridade, da economia e da proibição de actos inúteis.
g)-Analisando os artigos invocados pela Recorrente (113.º e 116.º do Requerimento Inicial) os quais, alegadamente, exigiriam produção de prova testemunhal, observamos que o artigo 113.º é puramente conclusivo e que no artigo 116.º é referido um só caso de “confusão” referente a um fornecedor (facto, aliás, devidamente contextualizado no artigo 161.º da Oposição), o qual, ainda assim, sempre teria sido “ao contrário”. Daqui se depreende como irrelevante era a produção de prova testemunhal.
h)-Quanto à configuração concreta que o sinal “SACOOR BLUE” assume, a prova documental é suficiente para o efeito, com a certeza que a prova testemunhal em nada acrescentava a este respeito perante a clareza da documentação junta pelas partes nos seus articulados. Já quanto ao grau de proximidade física, tal só reforça o argumento da não confundibilidade, na verdade, a proximidade (repetidamente alegada pela Recorrente) é um factor que permite a qualquer potencial consumidor perceber que estamos perante diferentes estabelecimentos, de diferentes marcas, ao ser confrontado com as marcas em espaços (relativamente) próximos.
i)-Ainda a respeito da não produção de prova quanto à existência de situações de confusão, insurge-se a Recorrente contra a referência ao artigo 238.º do CPI, na sentença posta em crise, por nesse artigo estar em causa “a aferição em abstrato da confundibilidade entre uma marca prioritária (registada) e uma marca registanda”, ao passo que, no caso em apreço, está-se perante uma situação de abstenção de uso, nos termos do art. 249.º do mesmo Código e, nesse sentido, deve atender-se ao uso que está a ser feito, em concreto, do sinal, atendendo às circunstâncias. No entanto, a verdade é que quer o art. 238.º do CPI, referente ao conceito de imitação de marca, quer o art. 249.º do mesmo Código, referente aos direitos conferidos pelo registo de marca, são idênticos no que diz respeito ao requisito da confundibilidade.
j)-Ou seja, da redação dos artigos se vê que, quer num artigo, quer noutro, o que está em causa é a aferição da existência de risco de confusão por parte do consumidor. Ou seja, o legislador exige, em ambos os casos, que os sinais sejam confundíveis (em abstrato).
k)-Entendem as Recorridas que bem andou o Tribunal a quo ao dispensar a produção de prova testemunhal, uma vez que foram carreados para os autos documentos que atestam os factos relevantes para a boa decisão da causa, sendo que muitos destes não são sequer matéria controvertida e as questões a decidir traduzem-se, essencialmente, em matéria de direito.
l)-Sustenta a Recorrente que, caso assim não se entenda, ainda assim a factualidade e prova carreada para os autos impunha decisão diversa em relação à matéria de facto. E, nesse sentido, entende que devem ser aditados factos ao elenco de factos provados e eliminado um dos factos não provados.
m)-Quanto aos factos que a Recorrente pretenda aditar à lista dos factos provados, atente-se ao seguinte: Facto a aditar a pedido da Recorrente: As lojas da Requerente ostentam em lugar bem visível nas respetivas fachadas rótulos compostos pela expressão “MR. BLUE” conforme se ilustra em sede de alegações.
n)-Quanto a este facto, o mesmo consta do artigo 4.º do Requerimento Inicial e foi expressamente impugnado por parte das Recorridas (vide artigo 148.º da Oposição), logo, não pode o mesmo ser dado como provado.
o)-Sem conceder, este facto não prova a existência de qualquer confundibilidade entre o sinal “SACOOR BLUE” e “MR.BLUE”(aquilo que a Recorrente designa como versão simplificada da marca nacional n.º 393737).
p)-Aliás, basta a análise desta última fotografia para concluirmos com facilidade que não existe qualquer risco de confusão ou de associação entre os sinais em causa e que só por absurdo se pode imaginar que um potencial consumidor entenda, por exemplo, que ao entrar na loja SACOOR estará a entrar (por engano) na loja da Recorrente situada à sua frente ou que aquela loja pertence a esta.
q)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Almada Fórum, no mesmo piso onde a 1.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”. A Recorrente pretende aditar este facto na medida em que as Recorridas terão aceite o mesmo.
r)-Para sermos rigorosos, aquilo que as Recorridas referiram foi: “que no centro comercial Almada Fórum, a loja “SACOOR BLUE” fica no mesmo piso da loja da Requerente, mas esta fica na saída das escadas rolantes da praça central e aquela fica no corredor seguinte a cerca de 60 metros de distância, ou seja, a uma distância considerável.” (artigo 154.º da Oposição). Assim sendo, deve ser dado provado o facto com a redação que consta da Oposição (salvo o juízo conclusivo “ou seja, a uma distância considerável”).
s)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Mar Shopping Matosinhos, onde a 1.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
t)-As Recorridas aceitaram este facto (vide artigo 155.º da Oposição) acrescentando: “que a loja “SACOOR BLUE” não se situa na imediação da loja da Requerente, mas em pisos diferentes”, ou seja, esta redação deve ser acrescentada ao facto que a Recorrente pretende aditar. Mais uma vez, fica bem evidente, através da prova deste facto, o desnecessário da produção de prova testemunhal para avaliar as circunstâncias, tempo, modo e lugar em que o sinal “SACOOR BLUE” está a ser utilizado.
u)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Alegro Sintra, no mesmo piso onde a 2.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
v)-As Recorridas aceitaram este facto (vide artigo 156.º da Oposição) acrescentando que: “na medida em que a loja “SACOOR BLUE” não se situa na imediação da loja da Requerente, mas em corredores diferentes e com uma distância que é pelo menos de 100 metros.”, ou seja, esta redação deve ser acrescentada ao facto que a Recorrente pretende aditar.
w)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: Tanto as 38 lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as 8 lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, se dedicam à comercialização de vestuário masculino. As Recorridas aceitam a veracidade deste facto.
x)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: Tanto as lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, comercializam artigos de vestuário fabricados com tecidos orgânicos e sustentáveis.
y)-Este facto, constante do artigo 12.º do Requerimento Inicial, naquilo que diz respeito à Recorrente foi impugnado pelas Recorridas (vide artigo 148.º da Oposição), logo não pode ser dado como provado. Aceita-se, no entanto, a inclusão na lista dos factos provados do facto: “as lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, comercializam artigos de vestuário fabricados com tecidos orgânicos e sustentáveis.”
z)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: Em algumas ocasiões, as Requeridas identificam as suas lojas suprimindo a referencia à expressão “SACOOR”, utilizando tão só a expressão “BLUE”. Este facto foi alegado no artigo 114º. do Requerimento Inicial e foi expressamente impugnado no artigo 162.º da Oposição, logo, não pode ser dado como provado.
aa)-Facto a aditar a pedido da Recorrente: No dia 17 de dezembro de 2021, a empresa de MAINETTI (que se dedica ao fabrico e comercialização de cabides) - enviou para uma loja “MR. BLUE” várias caixas com cabides contendo a inscrição “SACOOR BLUE”. Este facto foi alegado no artigo 114º. do Requerimento Inicial e foi expressamente impugnado no artigo 169.º da Oposição, logo, não pode ser dado como provado.
bb)-Pretende a Recorrente eliminar o seguinte facto do elenco de factos não provados: Facto não provado i):“Não se provou que as requeridas ao utilizarem o nome “Sacoor Blue” pretendem atrair clientela da requerente”.
cc)-A Recorrente começa por referir que este facto não foi alegado, jogando com as palavras, na medida em que consta do seu Requerimento Inicial , nomeadamente, dos artigos 57.º, 117.º, 118.º, 120.º e 122.º do Requerimento Inicial, uma clara imputação às Recorrentes de um comportamento visando atrair clientela da Recorrente. Aliás, mal se compreenderia a presente providência cautelar se não existisse a imputação de um comportamento e de uma intenção às Recorridas que passa pelo aproveitamento intencional de uma eventual situação de confusão.
dd)-Depois, só por absurdo era admissível considerar que existiu essa intenção por parte das Recorridas, isto quando a marca e negócio SACOOR são muito anteriores à marca e negócio da Recorrente, como bem considera a decisão objeto de recurso. Isto para além de ter ficado claro que não existe qualquer semelhança gráfica, figurativa ou fonética queinduza o consumidor em erro ou em risco deconfusão, oque só por si prejudica ainvocação eprova dequalquer intenção.
ee)-Por fim, não se compreende a relevância deste facto não provado para a Recorrente, na medida em que se esta considera que não alegou este facto (a existência da intenção por parte das Recorridas) logo, é irrelevante que tal facto não seja dado como provado.
ff)- Os sinais/ - e, por maioria de razão, / apresentam diferenças significativas, as quais permitem, sem qualquer dificuldade, a sua distinção da marca registada da Recorrente, sendo a única semelhança entre as marcas, como entendeu – e bem – o tribunal a quo, o facto de ambas terem em comum o elemento “BLUE”, o que é claramente insuficiente para criar um risco de confusão no espírito do consumidor;
gg)-A marca nacional n.º 393.73 é composta pelo conjunto gráfico-figurativo …, pelo que a Recorrente não tem um direito de exclusivo sobre a expressão “MR. BLUE” ou sobre o elemento “BLUE”, em singelo, mas sim sobre a concreta composição gráfica-figurativa, uma vez que é este conjunto que está protegido por aquele registo de marca;
hh)-Do ponto de vista gráfico, os sinais em apreço são completamente dissemelhantes em face dos elementos nominativos que os compõem – “SACOOR BLUE” / “MR. BLUE” – tendo apenas em comum o elemento “BLUE”, o que é claramente insuficiente para criar risco de confusão no consumidor;
ii)-Pela diferente composição dos elementos nominativos, as marcas são também completamente distintas do ponto de vista fonético;
jj)-A marca nacional n.º 39373 é também composta por um elemento figurativo correspondente a um “B” envolto numa cercadura com asas, estando ainda os carateres correspondentes ao elemento nominativo grafados num lettering específico e em maiúsculas e minúsculas, o que contribui para distanciar (ainda mais) os sinais, os quais formam ainda, pela sua diferente dimensão, uma distinta mancha gráfica,
kk)-As marcas são completamente dissemelhantes do ponto de vista conceptual, aprendendo o consumidor médio português o elemento “Mr.” como uma abreviatura da palavra inglesa “Senhor”, ao passo que apreenderá o elemento “SACOOR” como sendo uma denominação de fantasia – isto é, sem significado na língua portuguesa –, a qual corresponde, ainda para mais, ao elemento característico das conhecidas marcas “SACOOR”, as quais assinalam produtos e serviços idênticos aos que aqui estão em causa (vestuário e acessórios), sendo, assim, os sinais apreendidos pelo consumidor com diferentes significados – “Senhor Azul” (marca da Recorrente) e “marca SACOOR Azul” (sinal usado pelas Recorridas) – e, tendo, por isso, uma representação ideográfica perfeitamente distinta;
ll)-O facto de as marcas “SACOOR” serem conhecidas pela generalidade do público-consumidor de produtos de vestuário e, em particular, de vestuário masculino – facto público e notório que não carece de alegação ou prova, nos termos do art. 412.º, n.º1 do CPC –, releva, e muito, eisso independentemente da qualificação ou não daquelas marcas como notórias – a qual é uma questão de direito –, uma vez que o consumidor, ao ser confrontado com uma nova marca composta pelo elemento característico das marcas “SACOOR” – “SACOOR BLUE” –, vai associar esta nova marca àquelas, as quais assinalam o mesmo tipo de serviços e produtos aos aqui em causa (vestuário e acessórios);
mm)-Ou seja, também por esta razão o consumidor não vai associar uma marca composta pelo elemento “SACOOR”, que tão bem conhece, ao sinal da Recorrente, apenas porque aquela tem o elemento “BLUE” na sua composição, o qual é apenas um dos vários elementos que compõem essa marca;
nn)-O único elemento comum às marcas em apreço é, assim, a designação “BLUE”, razão pela qual os sinais são, no seu conjunto, perfeitamente distintos entre si, não existindo, deste modo, um risco de confusão no espírito do consumidor, sendo que é este conjunto o que releva na análise comparativa de sinais distintivos do comércio;
oo)-Também não se verifica, em particular, risco de associação do sinal usado pelas Recorridas com a marca da Recorrente, uma vez que o consumidor, quando confrontado com o sinal …naturalmente que não o associa à Recorrente, julgando que as lojas de vestuário nas quais consta a aposição aquele sinal são exploradas por esta ou poroutra empresa com quem ela mantém uma relação de parceria.I sto porque os sinais são completamente distintos e porque as marcas “SACOOR” são conhecida pela generalidade do público-consumidor de produtos de vestuário e, em particular, de vestuário masculino, e este, ao ser confrontado com uma nova marca composta pelo elemento característico das marcas “SACOOR” – “SACOOR BLUE” –, vai associar esta nova marca às outras marcas “SACOOR”, as quais assinalam o mesmo tipo de serviços e produtos aos aqui em causa (vestuário e acessórios);
pp)-Os elementos probatórios carreados para os autos permitem chegar à conclusão de que não há confusão entre os sinais, seja esta confusão real ou potencial;
qq)-Para efeitos de violação do direito de exclusivo emergente de registo demarca, o que importa atender é ao sinal tal como registado, sendo o registo de marca da Recorrente composto pela composição gráfico-figurativa (…);
rr)-Mas mesmo que se admita, por benefício de raciocínio, que a alegada “versão simplificada” da marca da Recorrente está protegida, por si só, pelo exclusivo emergente do registo, essa “versão simplificada” continua a não ser “MR. BLUE”, mas sim “ … “, uma vez que esta expressão está grafada num determinado lettering e em maiúsculas e minúsculas, pelo que os sinais a ter em consideração serão, por um lado,“…”, e, por outro,“…” (e não, “MR. BLUE”), sendo que entre estes continua a não existir risco de confusão;
ss)-Do ponto de vista gráfico, a marca da Recorrente é composta pela expressão “MR. BLUE”, ao passo que o sinal usado pelas Recorridas é composto pelo elemento “SACOOR” e pelo elemento “BLUE”, sendo o elemento dissemelhante aquele que está posicionado em primeiro lugar e, por conseguinte, aquele que fica mais facilmente retido na memória do consumidor, sendo que a “versão simplificada” “ está grafada em maiúsculas e minúsculas, afastando-se, também por este motivo, do sinal , grafado em maiúsculas, apresentando ainda os sinais, pela sua diferente dimensão, uma distinta mancha gráfica aos olhos do consumidor;
tt)-Pela diferente composição dos elementos nominativos, as marcas são também completamente distintas do ponto de vista fonético;
uu)-Também a nível conceptual, o consumidor apreende o elemento “Mr.” como uma abreviatura da palavra inglesa “Senhor”, ao passo que apreende o elemento “SACOOR” como sendo uma denominação de fantasia – isto é, sem significado na língua portuguesa –, a qual corresponde, ainda para mais, ao elemento característico das conhecidas marcas “SACOOR”, as quais assinalam produtos e serviços idênticos aos que aqui estão em causa (vestuário e acessórios), sendo, assim, os sinais apreendidos pelo consumidor com diferentes significados – “Senhor Azul” (marca da Recorrente) e “marca SACOOR Azul” (sinal usado pelas Recorridas) – e tendo, por isso, uma representação ideográfica perfeitamente distinta;
vv)-Também como já referido, o facto de as marcas “SACOOR” serem conhecidas pela generalidade do público-consumidor de produtos de vestuário e, em particular, de vestuário masculino, faz com que aquele, ao ser confrontado com a marca “SACOOR BLUE”, a qual é composta pelo elemento característico das marcas “SACOOR”, associe aquela a estas, que tão bem conhece.
ww)-O que revela na análise dos sinais distintivos de comércio é o seu aspeto de conjunto e os sinais em apreço, pese embora apresentem o elemento “BLUE” na sua composição, são, no seu conjunto, perfeitamente distintos entre si;
xx)-A circunstância relativa à proximidade entre as lojas da Recorrente e das Recorridas contribui para que essa destrinça possa ser feita ainda mais facilmente e não para criar ou aumentar o risco de confusão, uma vez que, nesses casos, o consumidor não terá de se socorrer da lembrança que tem dos sinais para fazer um exame comparativo entre os mesmos, sendo, pelo contrário, (ainda mais) evidente que aqueles são completamente diferentes;
yy)-Ou seja, não só as marcas não são semelhantes, como a circunstância em que as mesmas são usadas permitem a fácil destrinça entre os sinais.
zz)-No caso de aditamento do facto pretendido aditar como i), relativo ao uso do sinal …, deste não resultaria qualquer risco de confusão com o sinal, uma vez que estes são perfeitamente distintos;
aaa)-No caso de aditamento dos factos pretendidos aditar como ii), iii) e iv), relativos a várias das lojas das Recorridas terem sido abertas nas imediações das lojas da Recorrente, não resultaria a existência de qualquer risco de confusão entre os sinais de ambas as partes, uma vez que as diferenças entre os sinais ficam ainda mais evidentes quando o consumidor pode fazer o respetivo confronto;
bbb)-Também o facto pretendido aditar como ponto viii), relativo ao envio de cabides para a loja da Recorrente, não permitiria concluir que existe confusão entre os sinais – a qual, em todo o caso, sempre teria sido “ao contrário –, na medida em que do mesmo não resulta que esse envio tenha sido originado por o fornecedor ter confundido os sinais, sendo, diversamente, mais provável ter existido um simples erro de verificação do número da loja por parte do fornecedor, situação que já se verificou, por exemplo, em datas muito anteriores, com outros fornecedores do grupo SACOOR;
ccc)-Ou seja, mesmo tendo todas estas circunstâncias em consideração – isto é, levadas ao elenco dos factos provados – resulta que não há risco de confusão entre os sinais;
ddd)-A existência de um elevadíssimo número de registos de marca contendo o elemento “BLUE”, para assinalar serviços e produtos idênticos ou afins aos que estão aqui em causa, com eficácia em Portugal, tem relevância para o caso em apreço, sendo estes sinais, tal como a marca da Recorrente e o sinal usado pelas Recorridas, todos compostos por outros elementos além do elemento “BLUE” e que por isso, são, no seu conjunto, perfeitamente distintos;
eee)-A existência desse elevadíssimo número de registos para assinalar produtos de vestuário e acessórios, bem como serviços de comercialização destes produtos (classes 25 e 35), é muito indiciadora da pouca ou nenhuma eficácia distintiva do termo “BLUE” para assinalar produtos de vestuário ou serviços com eles relacionados;
fff)-O facto de pelo menos algumas dessas marcas estarem a ser usadas é mais um indício da inexistência do risco de confusão por parte do consumidor quando é confrontado com várias marcas compostas pelo elemento em comum “BLUE”, para distinguir produtos de vestuário e serviços com estes relacionados, incluindo as marcas que estão a ser usadas para identificar produtos vendidos online, uma vez que estas vendas são feitas para Portugal;
ggg)-No que diz respeito, em particular, ao uso da marca nacional n.º 315.041 “UNDER BLUE”, o que releva não é se existe um acordo tácito ou não entre o titular deste registo e a Recorrente, mas sim que a marca “…”e a marca “UNDER BLUE” estão a ser usadas e coexistem no mercado português sem que haja nota de que os consumidores sejam induzidos em confusão ou associem uma marca a outra;
hhh)-Mesmo que este Venerando Tribunal entenda não acolher a teoria da distância e decida aferir somente se existe risco de confusão entre os sinais, desconsiderando os outros registos compostos pelo elemento “BLUE”, resultou também já demonstrado à saciedade, que, pese embora os mesmos apresentem em comum o elemento “BLUE”, são, no seu aspeto de conjunto, perfeitamente distintos entre si;
iii)-Não foi dado como provado qualquer facto relativo à “capacidade distintiva reforçada” da marca da Recorrente, sendo que, ainda que tivesse sido, continuaria a não existir risco de confusão, real ou efetivo, entre a marca da Recorrente e o sinal das Recorridas, uma vez que entre os mesmos existem diferenças significativas, sendo o conjunto dos sinais claramente dissemelhante;
jjj)-Por outro lado, dado o conhecimento generalizado das marcas “SACOOR”, por parte dos consumidores e, em particular, dos consumidores de vestuário masculino, estes associam a nova marca da linha “SACOOR” àquelas marcas, que tão bem conhecem;
kkk)-Em face de tudo o exposto, não pode a Recorrente impedir o uso do sinal “SACOOR BLUE”, pelas Recorridas, com base na violação dos direitos emergentes do seu registo de marca;
lll)-As Recorridas não estão a recorrer a quaisquer métodos desleais, uma vez que não existe risco de confusão entre o sinal por si escolhido, “SACOOR BLUE”, para assinalar mais uma linha das conhecidas marcas “SACOOR”, e a marca da Recorrente, quer na configuração que consta do registo, quer na “marca de facto”, conforme exposto ponto IV.I.B) das presentes contra-alegações;
mmm)-Também o facto de existirem lojas nos mesmos espaços comerciais, e até eventualmente próximas umas das outras, contribui ainda mais para afastar esse (inexistente) risco de confusão, uma vez que o consumidor não necessita de recorrer à memória que tem do sinal da Recorrente para fazer a distinção do sinal das Recorridas;
nnn)-O facto de as marcas “SACOOR” serem conhecidas pela generalidade dos consumidores de vestuário, e em particular de vestuário masculino, faz com que estes associem a marca “SACOOR BLUE” àquelas marcas;
ooo)-A nova marca, composta pela composição do elemento “SACOOR BLUE” com uma figura da bicicleta, contribui ainda mais para afastar qualquer risco – que se considera, em todo o caso, inexistente – entre os sinais.
ppp)-Do exposto resulta que não pode a Recorrida impedir o uso do sinal “SACOOR BLUE”, pelas Recorridas, com fundamento na prática de atos de concorrência desleal, nos termos do art. 311.º, n.º1, alínea a) do CPI.
qqq)-Não estão, assim, verificados os requisitos para serem decretadas as providências cautelares requeridas com fundamento na violação do direito de exclusivo emergente do registo de marca da Recorrente ou com fundamento na verificação de atos comerciais desleais , devendo, por conseguinte, manter-se a douta sentença recorrida;
rrr)-Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite por benefício de raciocínio, sem conceder, a fixação de uma sanção pecuniária compulsória só encontraria justificação se, além da violação dos direitos da Recorrente, viesse a ser proferida decisão de condenação na cessação e abstenção do uso da palavra “BLUE” e existissem fortes indícios de que essa condenação não seria acatada pelas Recorridas;
sss)-A Recorrente não alegou e, por maioria de razão, não provou que uma eventual decisão de decretamento das providências requeridas seria incumprida pelas Recorridas, sendo que era àquela que cabia fazer essa prova;
ttt)-O valor peticionado é manifestamente excessivo, não tendo sido também minimamente indicado qual foi o método de cálculo do mesmo.
***

6.–Na sequência do despacho proferido nesta instância recursiva em 8/6/2022, baixaram os autos ao tribunal de 1ª instância a fim de se pronunciar sobre a nulidade por omissão de pronúncia invocada pela recorrente, tendo ali sido proferida a seguinte decisão:
“Vem a requerente invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, pelo facto de o tribunal não se ter pronunciado sobre a invocada concorrência desleal.
Muito embora, tal apenas tenha sido invocado no art. 122º do Requerimento Inicial, e tal não faça parte do pedido formulado, entendo que tal omissão de pronúncia pode e deve ser suprida nos termos do disposto no ar. 615º, 1, d) do CPC.
Assim sendo, passarei a pronunciar-me sobre a alegada concorrência desleal invocada pela requerente.
Alegou a requerente que o uso por parte das recorridas do sinal ‘Sacoor Blue’ consubstancia uma conduta concorrencial desleal.
Vejamos:
O artigo 311.º, n.º 1 do CPI estabelece que “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”, nomeadamente, “os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue” [n.º 1, alínea a)].
Carlos Olavo, op. cit., p.252, diz-nos que “constituem concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela”.
De acordo com a norma do citado artigo 311.º, do CPI, a concorrência desleal pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- que haja um acto de concorrência;
- que esse acto seja contrário às normas e usos honestos;
- e de qualquer ramo da actividade económica.
A concorrência existe quando o consumidor é induzido a atribuir os produtos ao mesmo produtor (estabelecimento ou sociedade) ou a pensar que existem relações comerciais, económicas ou de organização entre as empresas que produzem ou comercializam os produtos. O consumidor atribui a origem dos produtos ou serviços a uma organização comum, pensando tratar-se da mesma e atribui os produtos à mesma origem, conforme se assinalou supra. – Neste sentido ver, Américo da Silva Carvalho, Marca Comunitária, Coimbra Editora, pág. 82 e segs.
Assim, e face à conclusão supra enunciada de que não só não existe risco de confundibilidade entre os dois sinais, como a requerente não tem o uso exclusivo do uso da palavra ‘Blue’ e não existe qualquer facto indiciador de que as requeridas pretendam fazer um uso do sinal ‘Saccor Blue’ com o intuito de confundir o consumidor ou tirar qualquer vantagem da marca da requerente, pois que conforme decorre da factualidade provada as requeridas desde 1997 usam tal sinal, pois que abriram várias lojas com o nome ‘Saccor Blue’ (facto 6), e a requerente apenas em 2005 pediu o registo da marca ‘Mr Blue’ (facto 3).
Assim, a existir algum tipo de colagem ou concorrência desleal, seria da parte da requerente para com as requeridas, e não o contrário.
Improcede, pois, também este argumento de existência de concorrência desleal.
Notifique.
Averbe este segmento ao registo de sentença, devendo a mesma ficar a constar antes do segmento decisório e antes dos dois últimos parágrafos do corpo da sentença, imediatamente antes de: «Atento o exposto, a presente providência cautelar terá de improceder».

***


7.–Notificada de tal decisão, veio a ora apelante apresentar alegações complementares quanto ao segmento decisório acrescentado à sentença, formulando novas conclusões, na sequência do que as apeladas apresentaram resposta a tais alegações.
***

8.–Notificada do despacho proferido neste Tribunal da Relação em 12/8/2022 (em turno), veio a recorrente apresentar as conclusões sintetizadas das suas alegações de recurso, nos termos que se seguem [transcrição]:

ERROS NO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
1.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “As lojas da Requerente ostentam em lugar bem visível nas respetivas fachadas rótulos compostos pela expressão “MR. BLUE” designadamente o rótulo.
2.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Almada Fórum, no mesmo piso onde a 1.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
3.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Mar Shopping Matosinhos, onde a 1.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
4.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Alegro Sintra, no mesmo piso onde a 2.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
5.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “Tanto as 38 lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as 8 lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, se dedicam à comercialização de vestuário masculino”.
6.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “Tanto as lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, comercializam artigos de vestuário fabricados com tecidos orgânicos e sustentáveis”.
7.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “Em algumas ocasiões, as Requeridas identificam as suas lojas suprimindo a referência à expressão “SACOOR”, utilizando tão só a expressão “BLUE”.
8.–Deve ser julgado provado o facto alegado de que “No dia 17 de dezembro de 2021, a empresa de MAINETTI (que se dedica ao fabrico e comercialização de cabides) - enviou para uma loja “MR. BLUE” várias caixas com cabides contendo a inscrição “SACOOR BLUE”.
9.–Deve ser eliminado do probatório o “facto” i) não provado, porquanto não só o mesmo não resulta de matéria alegada, como ainda a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo em suporte da inclusão do mesmo no probatório, é, por um lado, irrelevante e, por outro, juridicamente despropositada.
10.–Sem prejuízo da alteração da matéria de facto que se impõe nos termos anteriormente expostos, deve, ainda, pela enorme importância que reveste para a boa decisão da causa, ser ordenada a produção de prova testemunhal requerida pela Requerente sobre as circunstâncias de tempo, modo e lugar como o sinal “SACOOR BLUE” está a ser utilizado pelas Recorridas, bem como sobre a verificação de situações de confusão real e efetiva entre o sinal “SACOOR BLUE” e o sinal “MR. BLUE.
11.–O Tribunal a quo entendeu erradamente que o que está em causa nos presentes autos é a confundibilidade abstrata entre o sinal misto cujo registo como marca de vestuário foi recentemente pedido junto do Instituto Europeu da Propriedade Intelectual (EUIPO) por uma empresa relacionada com as Requeridas e a marca nacional n.º 393737 registada pela Requerente em 2006. Por essa razão, ignorou o sinal e não atribuiu a menor relevância às circunstâncias de tempo, modo e lugar que caracterizam o uso que as Recorridas têm vindo a fazer desse sinal e, nessa conformidade, decidiu não realizar audiência de produção de prova nem ouvir as testemunhas oferecidas pela Recorrente.
12.–Tendo essa decisão sido tomada com base em pressupostos errados, deve agora este Venerando Tribunal, partindo da correta configuração do conflito que subjaz aos presentes autos, fazer aquilo que o Tribunal a quo decidiu não fazer e, lançando mão dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC, ordenar a produção de prova testemunhal, procedendo assim à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente no seu Requerimento Inicial.
B.ERROS NO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
ERROS COMETIDOS PELO TRIBUNAL A QUO NO JULGAMENTO RELATIVO À ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA MARCA NACIONAL N.º 393737
13.–O pedido de registo de marca n.º 018524031 não constitui causa obstativa do decretamento da presente providência ou, caso esse pedido seja deferido, o registo dele decorrente não for anulado.
14.–O referido pedido de registo não foi efetuado por nenhuma das Recorridas, e mesmo que o tivesse sido, tal pedido jamais legitimaria a utilização por parte das Requeridas da marca que constitui objeto dos presentes autos (a marca ) posto que esta não é a marca que constitui objeto do mesmo. E ainda que o fosse, qualquer pessoa que possua uma marca que tenha sido registada antes da apresentação desse pedido pode - se considerar que a marca cujo registo se solicita é confundível com a sua - acionar os mecanismos judiciais tendentes a proibir o uso daquela, não sendo esse pedido de registo causa minimamente obstativa do decretamento judicial dessa proibição.
15.–O sinal cujo uso por parte das Requeridas está em causa nos presentes autos não é o sinal misto mas antes o sinal verbal .
Por outro lado, a Requerente não invocou apenas o sinal misto mas também, e sobretudo, a variante verbal do mesmo
.Este duplo erro de apreciação deita completamente por terra a acuidade do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo para chegar à conclusão de que a marca utilizada pelas Recorridas não é confundível com a marcas prioritária da Recorrente.
16.–O tribunal a quo errou ainda porque não teve em conta todos os fatores relevantes no processo de aferição da existência de risco de confusão entre os sinais em liça.
17.–A verificação de situações de confusão real entre duas marcas, como a descrita no facto provado constante da Conclusão 8 antecedente, deve levar o julgador a pronunciar-se pela existência de risco de confusão entre elas, o que foi completamente desvalorizado pelo Tribunal a quo.
18.–A localização das lojas das Requeridas e a proximidade das mesmas com as lojas da Recorrente, assim como o modo como esta utiliza o sinal nas fachadas das suas lojas, foram também aspetos indevidamente desconsiderados pelo Tribunal a quo no processo que o levou à conclusão de que é improvável que o consumidor relevante possa pensar que os estabelecimentos assinalados por essas marcas pertencem ao mesmo grupo ou pertencem a empresas relacionadas entre si.
19.–O tribunal a quo errou também ao atribuir relevância à coexistência nos registos públicos de marcas de sinais compostos pela palavra “BLUE”.
20.–O facto de coexistirem várias marcas compostas pela expressão “BLUE” nas bases de dados dos institutos de propriedade industrial não significa que o território português esteja inundado de lojas de vestuário que ostentem nas respetivas fachadas marcas compostas pela palavra “BLUE”.
21.–Finalmente, o tribunal a quo errou ao concluir que não existe violação da marca nacional n.º 393737.
22.–O sinal apresenta muitas semelhanças com a marca registada e semelhanças ainda mais acentuadas com a variante simplificada da mesma que também beneficia da proteção decorrente desse registo, as quais, somadas a todas as circunstancias que segundo a jurisprudência do TJUE devem ser tidas em conta na aferição do risco de confusão regulado no artigo 249º nº1 do CPI, são de molde a gerar no consumidor relevante a ideia incorreta de que as lojas assinaladas por esses sinais são exploradas por empresas do mesmo grupo ou por empresas relacionadas entre si.
ERROS COMETIDOS PELO TRIBUNAL A QUO NO JULGAMENTO RELATIVO À ALEGAÇÃO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL
23.–Caso, quod non, este Venerando Tribunal entenda que a específica configuração do sinal que a Recorrente tem vindo a utilizar na fachada das suas lojas (os dizeres ) não está abrangido pelo âmbito de exclusividade conferido à Recorrente pelo registo de marca nacional n.º 393737 deverá, contrariamente aquilo que decidiu o Tribunal a quo, estatuir que a utilização do sinal (e não o sinal , como erradamente considerou o Tribunal a quo), nos moldes concretos em que a mesma tem vindo a ocorrer, consubstancia no mínimo uma violação da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 311.º do CPI.
24.–O que se impunha ao Tribunal a quo em sede de concorrência desleal, era que utilizasse como referência o sinal que tem vindo a ser empregue pela Requerente há mais de 15 anos nas fachadas das suas 38 lojas, e que reconhecesse que esse sinal apesar de não estar registado é uma marca protegida contra atos de confusão em virtude do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 311.º do CPI, e que confrontasse com ela o sinal .
25.–Não decorre da factualidade que o Tribunal a quo deu por assente que as ora Recorridas tenham usado o sinal “SACOOR BLUE” desde 1997 nem que tenham aberto lojas com esse nome antes de que, em 2005, a ora Recorrente pedisse o registo da marca “MR. BLUE”! Aquilo que decorre da factualidade provada (Facto nº 6) é apenas e tão só que, desde 1997, os fundadores e beneficiários das sociedades ora Recorridas (os irmãos Sacoor) foram abrindo, através de sociedades comerciais por eles criadas, lojas de vestuário denominadas“SACOOR BROTHERS”.
26.–Atendendo ao alto grau de semelhança entre os sinais e e ainda (a) ao facto das lojas das Recorridas terem sido abertas nas imediações das lojas da Recorrente, (b) ao facto destas lojas terem sido abertas há mais de 15 anos, (c) ao facto de as lojas das Recorridas se dedicarem à comercialização de artigos de vestuário masculino e se destinarem exatamente ao mesmo público alvo que as lojas “MR. BLUE” da Recorrente, (d) ao facto de tanto nos estabelecimentos da Recorrente como nos estabelecimentos das Recorridas existir um especial enfoque na comercialização de peças de vestuário fabricadas a partir de materiais orgânicos e sustentáveis, e (e) ao facto de as Requeridas se referirem em varias ocasiões e plataformas aos seus estabelecimentos usando unicamente a palavra “BLUE”, verifica-se, in casu, uma situação de concorrência desleal.
27.–Na aferição da desconformidade da atuação das Recorridas com a norma constante do artigo 311 nº1 alínea a) do CPI é desnecessário apurar se as Recorridas, ao colocarem nas fachadas dos vários estabelecimentos por si recentemente abertos o sinal o fazem no intuito consciente e deliberado de confundir o consumidor sobre a existência de vínculos empresariais entre esses estabelecimentos e os 38 estabelecimentos que a Recorrente assinala há mais de 15 anos com o sinal
28.–A sentença recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 249.º, n.º 1, alínea b), artigo 311.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 345.º (aplicável à repressão de atos de concorrência desleal por força do artigo 311.º, n.º 2 todos do CPI), pelo que deve ser revogada, concluindo-se como se concluiu no requerimento inicial da providência cautelar de que depende o presente recurso.
***

9.–Foram colhidos os vistos.
***

II.–QUESTÕES A DECIDIR

De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º/4 e 639º/1 ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito suscitadas. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. art. 5º nº 3 do Cód. Proc. Civil).

Por outra banda, o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art. 608º nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º nº 2 do mesmo diploma).

Acresce que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, isto é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Tendo por base este quadro normativo, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela recorrente que as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
A -Erros no julgamento da matéria de facto
B -Erros no julgamento da matéria de direito, importando aferir se a conduta das requeridas violou os direitos de marca da requerente ou se existe fundado receio de que lhe cause lesão grave e dificilmente reparável.

Consigna-se que quanto à nulidade por omissão de pronúncia invocada nas alegações de recurso inicialmente apresentadas, face ao suprimento de tal nulidade pela decisão proferida pelo tribunal a quo em 8/6/2022, veio a recorrente nas alegações complementares subsequentes a considerar sem efeito essa parte do recurso, razão pela qual se mostra prejudicada a sua apreciação.

***

III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou indiciariamente provados os seguintes factos:

1–A requerente foi constituída em 07/03/1995 e tem como objecto social a ‘comercialização de vestuário, podendo para tanto usar de quaisquer meios, designadamente a forma directa por catálogo’.
2–A requerida (rectificando-se aqui o lapso manifesto constante da decisão recorrida e passando a ler-se «requerente» onde se escreveu «requerida») explora uma cadeia de lojas de vestuário masculino denominadas ‘Mr Blue’.
3–A requerida (rectificando-se aqui o lapso manifesto constante da decisão recorrida e passando a ler-se «requerente» onde se escreveu «requerida») é titular da marca 393737 , pedida em 13/09/2005 e concedida em 01/08/2006.
4–Os irmãos Sacoor são fundadores e beneficiários de um conjunto de sociedades que exploram a cadeia de lojas ‘Sacoor Brothers’.
5–O negócio dos irmãos Sacoor iniciou-se com a abertura de uma loja, no mês de Novembro do ano 1989, na Rua ..... ....., em Lisboa, chamada ‘Modas Belize’.
6–A partir de 1997, os irmãos Sacoor foram abrindo, através de sociedades comerciais por eles criadas, novas lojas de vestuário denominadas ‘Sacoor Brothers’.
7–As sociedades requeridas foram constituídas pelos irmãos Sacoor, seus beneficiários efectivos, a fim de explorarem uma nova linha de negócio corporizada em lojas de roupa casual masculina, denominadas ‘Sacoor Blue’.
8–A 1ª requerida tem por objecto social a ‘importação, exportação, distribuição e comércio a grosso e a retalho de produtos têxteis, vestuário, calçado, malas, acessórios de moda e afins para homem, senhora e criança, perfumes, velas e fragâncias aromáticas, atoalhados e têxtil lar e utilidades para o lar’.
9–A loja ‘Sacoor Blue’ localizada no centro comercial Almada Fórum é explorada pela 1ª requerida e tem a seguinte imagem







10–A loja ‘Sacoor Blue’ localizada no centro comercial Mar Shopping Matosinhos é explorada pela 1ª requerida.
11–A loja ‘Sacoor Blue’ localizada no centro comercial Ubbo Tejo é explorada pela 1ª requerida.
12–A requerente tem uma loja no centro comercial Ubbo Tejo.
13–A 2ª requerida tem por objecto social a ‘importação, exportação, distribuição e comércio a grosso e a retalho de produtos têxteis, vestuário, calçado, malas, acessórios de moda e afins para homem, senhora e criança, perfumes, velas e fragâncias aromáticas, atoalhados e têxtil lar e utilidades para o lar’.
14–A loja ‘Sacoor Blue’ localizada no centro comercial Alegro Setúbal é explorada pela 2ª requerida.
15–Esta loja referida em 14 foi aberta em frente à loja da requerente


16–As lojas ‘Sacoor Blue’ localizadas nos centros comerciais Nova Arcada, Guimarães Shopping e Fórum Funchal são exploradas pela 2ª requerida.
17–A 3ª requerida tem por objecto social a ‘importação, exportação, distribuição e comércio a grosso e a retalho de produtos têxteis, vestuário, calçado, malas, acessórios de moda e afins para homem, senhora e criança, perfumes, velas e fragâncias aromáticas, atoalhados e têxtil lar e utilidades para o lar’.
18–A 3ª requerida explora o website www.sacoorblue.com, com a seguinte página inicial
19–O Website referido em 18 é explorado pela Sacoor Brothers (REDE SUSTENTÁVEL - COMÉRCIO DE TÊXTEIS,S.A.), sociedade constituída ao abrigo do direito português (“Sacoor”).
20–A 3ª requerida é a entidade responsável pela exploração da loja online acessível a partir do website www.sacoorblue.com.

21–A sociedade ‘Sacentro- Comércio de Têxteis, SA’ tem registadas as seguintes marcas:
a)-Marca Nacional n.º 427.328 “SACOOR” (nominativa), cujo registo foi pedido em 28.01.2008 e concedido em 12.09.2008, para assinalar “vestuário, calçado e chapelaria, para homem, senhora e criança” (classe 25).
b)-Marca Nacional n.º 406.375 , cujo registo foi pedido em 20.09.2006 e concedido em 23.01.2007, para assinalar, entre outros, “vestuário, calçado e chapelaria, para homem, senhora e criança” (classe 25).
c)-Marca Nacional n.º 528.286 “SACOOR KIDS” (nominativa), cujo registo foi pedido em 01.04.2014 e concedido em 12.09.2014, para assinalar “vestuário, calçado e chapelaria, para homem, senhora e criança” (classe 25).
d)-Marca da União Europeia nº 001409556 , cujo registo foi pedido em 03.12.1999 e concedido em 17.01.2001, para assinalar “artigos de vestuário, incluindo fatos de homem, camisas, gravatas, sapatos e coletes” (classe 25).
e)-Marca da União Europeia nº 005345211 , cujo registo foi pedido em 29.09.2006 e concedido em 27.11.2007, para assinalar, entre outros, “óculos de sol” (classe 9), “couro e imitações de couro, produtos nestas matérias não compreendidos noutras classes; malas e maletas de viagem; chapéus-de- chuva, chapéus-de-sol e bengalas; chicotes e selaria” (classe 18) e “artigos de vestuário, calçado e chapelaria para homens, senhoras e crianças” (classe 25).
f)-Marca da União Europeia n.º 008243991 , cujo registo foi pedido em 24.04.2009 e concedido em 21.01.2010, para assinalar, entre outros, “publicidade; gestão dos negócios comerciais; administração comercial; trabalhos de escritório, gestão empresarial” (classe 35).
g)-Marca da União Europeia n.º 001994938, “SACOOR WOMAN” (nominativa), cujo registo foi pedido em 12.12.2000 e concedido em 12.04.2002, para assinalar, entre outros, “óculos de sol e estojos de óculos” (classe 9) e “vestuário, calçado, chapelaria e cintos (tudo para senhoras)” (classe 25).
h)-Marca de Registo Internacional nº 1266947 “SACOOR KIDS” (nominativa) que designa a União Europeia, protegida desde 23.06.2015 para assinalar “clothing, footwear and headgear for men, women and children; clothing, namely, clothing for men, women and children, namely, belts, bermuda shorts, jackets, knitted shirts, overcoats, parkas, polo shirts, raincoats, scarves, shirts, shorts, socks, suits, sweatshirts, T-shirts, ties, trousers; clothing for men and women, namely, blazers and blouses; clothing for women and children, namely, dresses, skirts and tops; headgear for men, women and children, namely, hats and caps; footwear, namely, dress shoes, sport shoes, casual shoes, sandals, athletic shoes, all for men, women and children” / “vestuário, calçado e chapelaria para homens, mulheres e crianças; vestuário, nomeadamente, vestuário para homens, mulheres e crianças, nomeadamente, cintos, calções de bermudas, casacos, camisas de malha, sobretudos, parkas, camisas pólo, impermeáveis, cachecóis, camisas, calções, meias, fatos, sweatshirts, T-shirts, gravatas, calças; vestuário para homens e mulheres, nomeadamente, blazers e blusas; vestuário para mulheres e crianças, nomeadamente, vestidos, saias e tops; capacete para homens, mulheres e crianças, nomeadamente, chapéus e bonés; calçado, nomeadamente, sapatos de vestir, calçado desportivo, calçado casual, sandálias, calçado desportivo, tudo para homens, mulheres e crianças”.
i)-Marca Nacional n.º 346.085 “SACOOR BROTHERS” (nominativa), cujo registo foi pedido em 28.04.2000 e concedido em 15.11.2001, para assinalar “perfumes”(classe 3) e “relógios” (classe 14).
j)-Marca Nacional n.º 348.833 “SACOOR BROTHERS” (nominativa), cujo registo foi pedido em 03.08.2000 e concedido em 16.10.2001 para assinalar “óculos” (classe 9).
k)-Marca da União Europeia n.º 002358240 “SACOOR BROTHERS” (nominativa), cujo registo foi pedido em 30.08.2001 e concedido em 31.03.2003, para assinalar, entre outros, “perfumes” (classe 3), “óculos” (classe 9) e “relógios” (classe 14).
l)-Marca da União Europeia n.º 002723294 “SACOOR BROTHERS” (nominativa), cujo registo foi pedido em 05.06.2002 e concedido em 28.10.2003, para assinalar, “couro e imitações de couro, produtos nestas matérias não compreendidos noutras classes; peles de animais; malas (baús) e maletas de viagem; chapéus-de-chuva, chapéus-de-sol e bengalas; chicotes e selaria” (classe 18).
m)-Marca da União Europeia n.º 002723401 “SACOOR WOMAN” (nominativa), cujo registo foi pedido em 05.06.2002 e concedido em 28.10.2003, para assinalar, entre outros, “couro e imitações de couro, produtos nestas matérias não compreendidos noutras classes; peles de animais; malas (baús) e maletas de viagem; chapéus-de-chuva, chapéus-de-sol e bengalas; chicotes e selaria” (classe 18).
n)-Em 29.07.2021, a FRIDAY BLUE - COMÉRCIO DE TEXTEIS, S.A., pediu o registo de marca da União Europeia n.º 018524031 , a qual visa assinalar na classe 25 da Classificação Internacional de Nice “vestuário, calçado e chapelaria para homens, senhoras e crianças”.
22–Existem diversas marcas registadas compostas com o elemento ‘Blue’ para assinalarem vestuário, acessórios de vestuário da classe 25, designadamente:
- Marca nacional nº 225079 , pedida em 09/05/1984 e concedida em 17/08/1989.
- Marca nacional nº 315041 ‘under blue’ pedida em 25/01/1996 e concedida em 11/11/1996.
- Marca da UE nº 000821959 ‘South Blue’ pedida em 29/04/1998 e concedida em 08/10/1999.



- Marca da UE nº 002962082 pedida em 03/12/2002 e concedida em 28/10/2004.
- Marca da UE nº 007510001 ‘Japan Blue’ pedida em 09/01/2009 e concedida em 23/07/2009.
- Marca da UE nº 010743052 ‘Artic Blue’ pedida em 20/03/2012 e concedida em 20/08/2012.
- Marca da UE nº 010879724 ‘Anti Blue’ pedida em 14/05/2012 e concedida em 26/09/2012.
- Marca da UE nº 010798023 ‘Kennedy Blue’ pedida em 11/04/2012 e concedida em 05/11/2012.
- Marca da UE nº 015319148 ‘Sally Blue’ pedida em 07/04/2016 e concedida em 15/09/2016.
- Marca da UE nº 015483019 ‘Fit’n Blue’ pedida em 31/05/2016 e concedida em 22/09/2016.
- Marca da UE nº 016738783 ‘Ella Blue’ pedida em 19/05/2017 e concedida em 01/09/2017.
- Marca da UE nº 018081914
pedida em 13/06/2019 e concedida em 15/11/2019.
- Marca da UE nº 017976664 pedida em 30/10/2018 e concedida em 15/03/2019.
- Marca da UE nº 018478156 pedida em 24/05/2021 e concedida em 21/10/2021.
- Marca da UE nº 018496629 ‘Oxford Blue’ pedida em 18/06/2021 e concedida em 02/11/2021.
- Marca de registo internacional que designa Portugal, nº 482273 “Blue Seven’ protegida desde 21/12/1983.
- Marca de registo internacional, que designa a União Europeia nº 1159843, , protegida desde 18/12/2012.
- Marca de registo internacional, que designa a União Europeia nº 1113245 ‘Pyrmont Blue’, protegida desde 06/03/2012.
23–Existem lojas Under Blue e Mr Blue no Centro Comercial da Arrábida, no Freeport de Alcochete, no Strada Outlet de Odivelas e no Ubbo Tejo.
24–Comercializa-se em Portugal artigos das marcas ‘Japan Blue’, ‘Alma Blue’ e ‘Blue Seven’.
***

Foram considerados não provados os seguintes factos:
i)-que as requeridas ao utilizarem o nome ‘Sacoor Blue’ pretendem atrair clientela da requerente.
ii)-que a marca ‘Sacoor Brothers’ seja uma marca notória.
***

Foi ainda consignado na decisão recorrida que:
“Os demais factos alegados e contestados, são irrelevantes, pois para apreciação do que aqui está em causa – alegada violação de marca”.
***

IV.–FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A–Erro de julgamento quanto à matéria de facto
Nos termos do disposto no art. 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Resulta deste último preceito legal, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.

Como resulta das alegações e conclusões do recurso, a apelante deu cumprimento ao referido ónus de fundamentação da sua discordância nos termos do citado art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil, pelo que cumpre apreciar.

Sob as conclusões A.1 a 9. das alegações de recurso, entende a apelante que devem ser julgados provados factos alegados pela recorrente e que, sustenta, o Tribunal a quo desconsiderou, e deve ser eliminado o facto provado i).

São os seguintes os factos que a recorrente pretende sejam aditados à matéria de facto provada:
1.–“As lojas da Requerenteostentam em lugar bem visível nas respetivas fachadas rótulos compostos pela expressão “MR. BLUE” designadamente o rótulo
2.–“A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Almada Fórum, no mesmo piso onde a 1.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
3.–“A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Mar Shopping Matosinhos, onde a 1.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
4.–“A Requerente explora uma loja “MR. BLUE” situada no centro comercial Alegro Sintra, no mesmo piso onde a 2.ª Requerida também explora uma loja “SACOOR BLUE”.
5.–“Tanto as 38 lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as 8 lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, se dedicam à comercialização de vestuário masculino”.
6.–“Tanto as lojas da Requerente assinaladas com a marca “MR. BLUE”, como as lojas “SACOOR BLUE” exploradas pelas Requeridas, comercializam artigos de vestuário fabricados com tecidos orgânicos e sustentáveis”.
7.–“Em algumas ocasiões, as Requeridas identificam as suas lojas suprimindo a referência à expressão “SACOOR”, utilizando tão só a expressão “BLUE”.
8.–“No dia 17 de dezembro de 2021, a empresa de MAINETTI (que se dedica ao fabrico e comercialização de cabides) - enviou para uma loja “MR. BLUE” várias caixas com cabides contendo a inscrição “SACOOR BLUE”.

Analisemos cada um dos mencionados factos.


Facto 1
Defende a recorrente que tal facto é relevante para aferir da existência de confundibilidade entre o sinal não registado «SACOOR BLUE» que as requeridas utilizam como rótulo das suas lojas e a marca registada «Mr Blue» da requerente, assim como a confundibilidade entre o referido sinal «SACOOR BLUE» e a marca de facto «Mr Blue» também utilizada pela recorrente. Segundo esta, a prova deste facto resulta dos registos fotográficos que se reproduzem no art. 4º do requerimento inicial e do documento nº 12 junto com este articulado.
Tal facto já está contido no facto provado nº 15, pelo que não se divisa interesse no seu aditamento.

Facto 2
Corresponde esta factualidade ao alegado pela autora/ora recorrente no art. 34º do requerimento inicial, que foi impugnado pelas rés/apeladas quanto ao segmento em que se afirma que a loja “Sacoor Blue” fica a apenas alguns metros da loja “Mr Blue” (da requerente), mas sendo aceite pela ré que ambas se situam no mesmo piso do centro comercial Almada Fórum, embora a ré aponte para uma distância de cerca de 60 metros (art. 154º da oposição).
Assim, assiste neste ponto razão à recorrente, devendo o facto 2 ser considerado provado e como tal aditado ao elenco dos factos provados.

Facto 3
O facto foi alegado no art. 37 do requerimento inicial e impugnado parcialmente pelas requeridas no art. 155º da oposição quanto à proximidade das lojas (Sacoor Blue e Mr Blue), resultando, porém, assente que as lojas se situam mesmo no centro comercial (Mar Shooping de Matosinhos), pelo que o facto 3 deve ser aditado aos factos provados.

Facto 4
Este facto alegado pela requerente no art. 47º é aceite pelas requeridas no art. 156º da oposição, sendo que estas apenas contestam a distância entre as lojas, ambas situadas no centro comercial Alegro Sintra, no mesmo piso. Deve, pois, julgar-se provado o facto 4.

Facto 5
A ré aceita a matéria de facto vertida nos artigos 1º e 2º do requerimento inicial (cf. art. 148º da oposição), que também decorre do alegado no art. 38º e 39º da oposição, pelo que deve ser julgado provado o mencionado facto 5.

Facto 6
Este facto mostra-se alegado no art. 12º do requerimento inicial, mas não é aceite pela ré (cf. art. 148º da oposição), não podendo inferir-se do alegado no art. 38º da oposição que a ré aceita o vertido no art. 12º do requerimento inicial, donde resulta que cada uma das partes alega que comercializa, ela própria, vestuário fabricado com tecidos orgânicos e sustentáveis, o que é diferente de a ré aceitar que a autora o faça. Não assiste, pois, aqui razão à recorrente, não devendo o facto em causa ser considerado provado.

Facto 7
A apelante alega que este facto resulta do registo fotográfico reproduzido no art. 114º do requerimento inicial e da “aceitação das recorridas ínsita no art. 162º da oposição”. Mas não tem razão, porquanto as requeridas impugnam claramente este facto no art. 162º da oposição, referindo que “as Requeridas não identificam as suas lojas utilizando só a expressão “BLUE”, ao contrário do que se refere no artigo 114.º (o qual se impugna), ainda que pontualmente e de forma informal, possa existir referência a “BLUE” como existe também referência a “BROTHERS”, a “ONE” ou a “KIDS”. E o aludido registo fotográfico mais não é do que uma mensagem electrónica dirigida a um cliente das requeridas, onde é feita referência à loja «Almada Blue», não podendo daqui extrair-se que as lojas sejam identificadas tão só pela expressão «Blue». Não se verifica, pois, aceitação do facto, que resulta controvertido, não podendo, consequentemente, ser julgado provado.

Facto 8
A imagem que constitui o documento nº 19 junto com o requerimento inicial, para que a recorrente remete, ao invés do que esta pretende, não constitui prova bastante, ainda que indiciária, para se poder dar como assente o facto alegado no art. 116º do requerimento inicial, que a ré impugnou expressamente no art. 169º da oposição.
Concluímos que devem ser julgados provados os sobreditos factos 2,3,4 e 5, a aditar à matéria de facto provada, considerando-se os demais (factos 1, 6, 7 e 8) como não provados.
***

Pretende ainda a apelante a eliminação do facto não provado i), sustentando que “não só o mesmo não resulta de matéria alegada, como ainda a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo em suporte da inclusão do mesmo no probatório, é, por um lado, irrelevante e, por outro, juridicamente despropositada”.

Vejamos.

O facto não provado i) tem o seguinte teor: “Não se provou que as requeridas ao utilizarem o nome “Sacoor Blue” pretendem atrair a clientela da requerente».

Em sede de fundamentação do facto não provado em causa, pode ler-se na decisão recorrida que:
- O facto i) resultou não provado, pois a titular das marcas ‘Sacoor Brothers’ que detém também as requeridas, desde 1989 que tem lojas em diversos centros comerciais de todo o país com a sua marca Sacoor Brothers, limitou-se a conceber uma segunda marca a Sacoor blue, mantendo inócuo o elemento verbal que foi a génese daquela marca – os nome dos irmãos – Sacoor.
Mesmo que tivesse sido produzida prova testemunhal, não poderia existir uma testemunha que pudesse afirmar, com seriedade, que a pretensão das requeridas fosse atrair clientela da requerente. É que a marca e o negócio Sacoor foram concebidos muito anteriormente à requerente.
Por outro lado, a marca em causa foi solicitada no EUIPO, e a sua titular ou as requeridas, ou qualquer pessoa autorizada para tal poderá fazer uso da mesma enquanto não houver decisão definitiva”.

Sobre esta questão, as recorridas pronunciam-se nas contra-alegações, alegando que “(…) consta do seu Requerimento Inicial, nomeadamente, dos artigos 57.º, 117.º, 118.º, 120.º e 122.º do Requerimento Inicial, uma clara imputação às Recorrentes de um comportamento visando atrair clientela da Recorrente. Aliás, mal se compreenderia a presente providência cautelar se não existisse a imputação de um comportamento e de uma intenção às Recorridas que passa pelo aproveitamento intencional de uma eventual situação de confusão.
Depois, só por absurdo era admissível considerar que existiu essa intenção por parte das Recorridas, isto quando a marca e negócio SACOOR são muito anteriores à marca e negócio da Recorrente, como bem considera a decisão objeto de recurso. Isto para além de ter ficado claro que não existe qualquer semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza o consumidor em erro ou em risco de confusão, o que só por si prejudica a invocação e prova de qualquer intenção.
Por fim, não se compreende a relevância deste facto não provado para a Recorrente, na medida em que se esta considera que não alegou este facto (a existência da intenção por parte das Recorridas) logo, é irrelevante que tal facto não seja dado como provado”.

Como argumentam as recorridas, subjacente à presente acção está a imputação às mesmas de actos de concorrência desleal, consubstanciados no desvio de clientela da requerente para as recorridas. Quer dizer, além do risco de confusão/associação das marcas das recorridas com os sinais da recorrente, esta invoca precisamente o comportamento intencional das requeridas no sentido de atrair clientela da requerente. Tal resulta de todo o requerimento inicial e mostra-se expressamente alegado nos mencionados artigos 57.º, 117.º, 118.º, 120.º e 122.º desse mesmo articulado.

Por conseguinte, a matéria vertida no facto não provado i), objecto de impugnação, foi alegada pela recorrente, constituindo, como vimos, fundamento essencial e relevante das providências requeridas.

Não colhem, pois, as objecções da recorrente, que não apresenta argumentação válida e objectiva para a impugnação deduzida, não se descortinando a razão pela qual considera “irrelevante” e “despropositada” a fundamentação do tribunal a quo.

Concluímos pela improcedência da impugnação neste ponto.

Pelo exposto, procede parcialmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
***

Sob a conclusão 10. alega a recorrente que:
“Sem prejuízo da alteração da matéria de facto que se impõe nos termos anteriormente expostos, deve, ainda, pela enorme importância que reveste para a boa decisão da causa, ser ordenada a produção de prova testemunhal requerida pela Requerente sobre as circunstâncias de tempo, modo e lugar como o sinal “SACOOR BLUE” está a ser utilizado pelas Recorridas, bem como sobre a verificação de situações de confusão real e efetiva entre o sinal “SACOOR BLUE” e o sinal “MR. BLUE”.
Sustenta a necessidade da prova testemunhal para aferir “se e em que medida o uso concreto que as Recorridas estão a fazer do sinal SACOOR BLUE em 8 estabelecimentos de venda ao público de vestuário masculino trespassa a zona de exclusividade inerente à marca MR. BLUE, cuja prova não pode ser feita exclusivamente através da exibição de documentos e que, portanto, carecem da produção de prova testemunhal”.

Conclui que deve este Tribunal ad quem, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662º/2 b) do CPC, ordenar a produção de prova testemunhal, procedendo à inquirição das testemunhas arroladas pela requerente no seu requerimento inicial.

Refira-se, desde logo, que tal pretensão dos recorrentes foi deduzida em termos subsidiários relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, pelo que deverá considerar-se prejudicada face ao requerido aditamento de factos e eliminação do facto não provado i) – art. 608º/2 do CPC.

Ainda que assim não fosse e analisando a motivação do recurso neste ponto, verificamos que a recorrente se insurge contra o entendimento do Tribunal a quo acerca da desnecessidade de produção de prova testemunhal.

Sobre esta matéria o tribunal de 1ª instância proferiu os seguintes despachos, respectivamente em 16/2/2022 e em 9/3/2022:
“Em causa neste procedimento cautelar está a confundibilidade ou não das marcas da Requerente e Requeridas.
É meu entendimento que não haverá matéria que implique a inquirição de testemunhas, sendo bastante a documentação que se encontra nos autos.
Assim sendo, notifique as partes para, querendo, em 10 dias, dizerem o que entenderem por conveniente quanto à dispensa da realização da diligência de inquirição de testemunhas”
(despacho de 16/2/2022).

“Não obstante a oposição da requerente a que o Tribunal conheça do mérito da causa, este entende estar em condições de o fazer.
É que mesmo se admitindo que tivesse ocorrido alguma situação de confusão, isso não implicaria, necessariamente, que as marcas em causa fossem confundíveis.
Por outro lado, diversamente do invocado, resulta da documentação junta que a requerida pediu o registo da marca em discussão.
Por último, a notoriedade ou não das marcas da requerida, é prova que cabe às mesmas e não à requerente, e aquela nada disse sobre a desnecessidade de produção de prova, sendo que essa prova até é preferencialmente documental.
Assim sendo, e não obstante o mencionado pela requerente, o tribunal está em condições de decidir do mérito.
Notifique cada uma das partes, para, querendo, em 10 dias, alegarem, por escrito”.
(despacho de 9/3/2022)

Na sequência destes despachos, as partes apresentaram alegações escritas, tendo a recorrente concluído o respectivo requerimento pedindo que os factos alegados fossem dados por provados e as medidas cautelares fossem decretadas nos termos requeridos.
Quer dizer, a ora recorrente conformou-se com o despacho proferido em 9/3/2022, dele não interpondo recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado (art. 620º do CPC).

Acresce que do regime previsto no art. 367º do CPC decorre que a produção das provas requeridas apenas tem lugar quando tal for considerado necessário, competindo ao juiz ponderar se os elementos já existentes nos autos permitem uma pronúncia segura sobre a procedência ou improcedência da providência.

Como refere Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, pág. 196/197, “Nada obsta a que os procedimentos cautelares possam ser decididos apenas com base em prova documental, se esta por vontade das partes ou por entendimento do juiz, se mostrar suficiente para aferição dos requisitos legais necessários ao decretamento da medida cautelar.
Se outras circunstâncias ocorrerem no caso concreto, cabe ao juiz designar dia para produção de outras provas, dentro das seguintes balizas colocadas pelo legislador:
-Admissibilidade em abstracto de todos os meios de prova legítimos;
- Restrição dos meios de prova às necessidades do caso concreto;
- Liberdade de investigação por parte do juiz (…)”

Ora, no caso dos autos e analisando o seu objecto (aferir da confundibilidade entre os sinais em apreço e da invocada concorrência desleal), não foram alegados, em sede de recurso, motivos susceptíveis de pôr em crise o entendimento do Tribunal a quo acerca da prova documental existente nos autos e do juízo formulado quanto à (des)necessidade de produção de prova testemunhal, sendo que dos artigos invocados pela Recorrente (113.º e 116.º do Requerimento Inicial) que alegadamente exigiriam produção de prova testemunhal, o artigo 113.º é puramente conclusivo e no artigo 116.º é referido um só caso de “confusão” referente a um fornecedor (facto contextualizado no artigo 161.º da oposição).

Além do mais, importa ter presente que em sede cautelar o princípio da celeridade é especialmente relevante, em consonância com a natureza urgente dos procedimentos, pese embora o juiz deva procurar um equilíbrio entre os valores da celeridade e da certeza jurídica (juízo de verosimilhança, no caso das providências cautelares, e não de elevado grau de probabilidade, como se exige para as acções definitivas), afigurando-se que tal equilíbrio foi alcançado no caso vertente.
Termos em que improcede o recurso nesta parte.
***

B–Erros no julgamento da matéria de direito

Insurge-se a recorrente contra o entendimento do tribunal a quo ao considerar verificado apenas o primeiro (titularidade de um direito de propriedade industrial) e não também o segundo (violação efectiva ou iminente do direito) dos requisitos previstos no art. 345º do Código da Propriedade Industrial (CPI).

Entende que aquele tribunal incorreu em erro, desde logo, por atender ao sinal misto e não ao sinal verbal e por outro lado, por considerar apenas o sinal misto e não também e sobretudo a variante verbal do mesmo .
Mais alega que o tribunal recorrido não teve em conta todos os factores relevantes no processo de aferição da existência de risco de confusão entre os sinais em confronto, contestando o juízo formulado na 1ª instância relativamente à inexistência do risco de confusão e à não violação da marca nacional nº 393737.

Defende ainda que a utilização do sinal Sacoor Blue consubstancia a violação da norma do art. 311º/1 a) do CPI, imputando às recorridas actos de concorrência desleal.

Conclui, sob a conclusão 28, que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 249.º, n.º 1, alínea b), artigo 311.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 345.º (aplicável à repressão de atos de concorrência desleal por força do artigo 311.º, n.º 2 todos do CPI), pugnando pela sua revogação, concluindo como conclui no requerimento inicial da providência cautelar.

Cumpre decidir.

A ora apelante instaurou o presente procedimento cautelar ao abrigo do art. 345º do Código da Propriedade Industrial (CPI), pedindo que:
a)-Seja ordenado que a 1ª requerida cesse a utilização da palavra Blue na composição dos rótulos, denominações comerciais, nomes de estabelecimento, e de quaisquer outras expressões publicitárias relativas às lojas localizadas nos centros comerciais ‘Almada Fórum’, ‘Mar Shopping Matosinhos’ e ‘Ubbo Tejo’;
b)-Seja ordenado que a 2ª requerida cesse a utilização da palavra Blue na composição dos rótulos, denominações comerciais, nomes de estabelecimento, e de quaisquer outras expressões publicitárias relativas às lojas localizadas nos centros comerciais ‘Alegro Setúbal’, ‘Alegro Sintra’, ‘Nova Arcada’, ‘Guimarães Shopping’ e ‘Fórum Funchal’;
c)-Seja ordenado à 3ª requerida que cesse a utilização do nome de domínio ‘sacoorblue.com’;
d)-Seja ordenado às requeridas que não utilizem quaisquer rótulos, nomes de estabelecimentos, sinais comerciais, ou outros elementos identificativos das suas lojas físicas ou on line que incluam, na sua composição, a palavra ‘Blue’, bem como qualquer outra expressão que seja mera tradução deste termo.
e)-Sejam as requeridas condenadas no pagamento de uma sanção pecuniária Compulsória no valor de €1000,00 por cada dia de incumprimento da condenação na cessação do elemento ‘Blue’ na composição dos seus rótulos, denominações e nomes de estabelecimento das suas lojas.

Invocou, em síntese, a violação dos seus direitos de exclusivo conferidos pela marca nacional nº 393737 (MR BLUE), alegando que as requeridas se encontram a assinalar as suas lojas físicas de venda de vestuário casual masculino com o sinal não registado “SACOOR BLUE” sem para tal contarem com a anuência da requerente (cf. art. 82º do requerimento inicial), considerando que tal gera risco de confusão/associação no espírito do consumidor quanto à existência de vínculos ou relações empresariais entre as requeridas e a requerente (art. 84º do requerimento inicial), para além de constituir concorrência desleal, decorrente do desvio de clientela dos estabelecimento da requerente para as lojas das requeridas.

O tribunal a quo julgou improcedente o procedimento cautelar, absolvendo as requeridas dos pedidos formulados.

Considerou aquele tribunal que não se mostra verificado in casu o requisito da violação efectiva do direito da requerente ou a sua violação eminente susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável.

Vejamos.

Dispõe o art. 345º do CPI (Providências cautelares) que:
1–“Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a)-Inibir qualquer violação iminente; ou
b)-Proibir a continuação da violação.
2– O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.”

Tal como consta da sentença recorrida, a providência cautelar inominada prevista no citado art. 345º do CPI depende da verificação dos seguintes requisitos:

  • titularidade de um direito de propriedade industrial;
  • violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável.
Nos termos do aludido preceito legal, para a procedência da providência cautelar em causa, quando incida sobre situações em que já tenha havido violação de direitos de propriedade industrial, persistindo essa situação, ao requerente bastará provar sumariamente a violação atual do direito, a existência e titularidade do direito invocado (fumus boni iuris) e já não o receio, suficientemente justificado, de lesão grave e dificilmente reparável desse direito ou interesse (periculum in mora).

Atento o acervo factual indiciariamente apurado, constatamos que a requerente é titular da marca nacional 393737 concedida em 01/08/2006, explorando uma cadeia de lojas de vestuário masculino denominadas «Mr Blue», enquanto que as requeridas exploram lojas de roupa casual masculina denominadas «Sacoor Blue», situadas em centros comerciais, onde também se localizam lojas da requerente.
Mais se verifica que estão registadas, em nome da sociedade “Sacentro-Comércio de Têxteis, SA”, diversas marcas nacionais e europeias «Sacoor», quer marcas mistas, quer nominativas e para além disso, foi pedido (pela Friday Blue – Comércio de Texteis, SA) o registo de marca da União Europeia nº 018524031 para assinalar «vestuário, calçado e chapelaria para homens, senhoras e crianças» (classe 25 da classificação internacional de Nice) – cf. facto provado 21.

A pretensão da requerente nesta acção assenta precisamente na sua marca registada, que lhe confere os direitos emergentes do art. 210º do CPI, ou seja, o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que a marca se destina (cf. art. 208º do CPI). Confere ainda, como foi assinalado na sentença recorrida, ao respectivo titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles da marca registada, caso exista um risco de confusão ou associação (art. 249º do CPI).

Atendendo ao elenco factual indiciariamente apurado, importa aferir da existência ou não de violação por parte das requeridas dos direitos da ora apelante.

A este propósito, pode ler-se na sentença recorrida que:
“No caso, o sinal da requerente encontra-se registado, mas também a recorrida pediu o registo do seu, pelo que nos termos dos citados artigos e ainda do art. 5º do CPI e art. 11º, 2, do Regulamento da Marca da União Europeia de 14/06/2017, o respectivo titular também goza do direito de os usar e de se opor a usurpações da marca por parte de terceiros.
Se a requerente entende que a marca da requerida foi ou está em vias de ser concedida em violação de algum preceito legal, terá de lançar mão do mecanismo legal apto a tal ser declarado e daí serem retiradas as legais consequências.
Agora, a pretensão de que, em sede de providência cautelar, o tribunal decrete a proibição da titular do registo de marca a usar, é que já não poderá proceder, pois se a requerida faz uso de um direito legitimamente concedido – usa a marca que requereu-, então não viola qualquer direito da requerente.
Com efeito, o primeiro dos requisitos exigidos para que se decrete a providência cautelar - a titularidade de um direito de propriedade industrial, encontra-se verificado.

Mas, o segundo - a violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável, não está verificado, pois como se disse, a requerida pediu no
EUIPO o registo da marca nº

018524031 e, como tal poderá usá-la.

Assim sendo, enquanto não for recusado ou anulada a marca da requerida, tanto a requerente como aquela poderão usar os sinais em causa, pois tais registos conferem aos respectivos titulares o direito exclusivo de os utilizar e de proibir a sua utilização por terceiros sem o seu consentimento, cfr. arts. 210º 249º, 5º do CPI e 11º, 2, do Regulamento da Marca Europeia.
***

Mas, mesmo que assim se não entendesse, também a presente providência teria de ser julgada improcedente, pois para que se pudesse entender existir violação teriam de se verificar os três requisitos a que alude o art. 238º do CPI”.

Refira-se que, no que concerne às marcas – Sacoor - identificadas no facto provado 21, as mesmas estão igualmente registadas, à excepção da marca da União Europeia nº 018524031 , cujo registo foi pedido em 29/7/2021.
Conforme refere a própria apelante, o que está em causa não é o confronto entre esta última marca (ainda não registada) e a marca da requerente, mas antes a comparação, para efeitos de aferir da sua eventual confundibilidade, entre o sinal «Sacoor Blue» e o sinal «Mr Blue» (seja na versão mista ou simplesmente nominativa).

Embora se não possa acompanhar o afirmado pelo tribunal a quo relativamente aos efeitos do pedido de registo (quando sustenta que “se a requerida faz uso de um direito legitimamente concedido - usa a marca que requereu - então não viola qualquer direito da requerente), afigura-se que tal não assume relevo para a questão a dirimir, atendendo aos concretos sinais em confronto.Conforme adequado enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida, a violação da marca da requerente por imitação depende da verificação dos requisitos cumulativamente previstos no art. 238º do CPI, considerando-se preenchidos apenas os requisitos da prioridade das marcas [alínea a)] e da identidade/afinidade dos produtos assinalados pelas mesmas [alínea b)], mas já não o requisito previsto na alínea c) do citado preceito, ou seja, a semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada.

É de salientar que quer o art. 238º/1, quer o art. 249º/1 b) do CPI pressupõem o invocado risco de confusão /associação.

A este propósito, consta da decisão posta em crise, na parte que agora interessa considerar, que:
“No caso, as marcas em causa, são mistas e apenas têm em comum a palavra ‘Blue’. E é este termo que a recorrente pretende que a recorrida deixe de usar.

Mas, esquece-se a recorrente que a sua marca não é simplesmente ‘Blue’. Ela é composta pelo termo que a antecede ‘Mr.’ e pelo elemento figurativo composto pela letra B

circundada por duas asas - .

A requerente não tem o exclusivo do uso da palavra, seja ela em inglês ou noutra língua qualquer. E, tanto assim é que existem dezenas de outras marcas compostas com a palavra ‘Blue’.
Os elementos figurativos que compõem as marcas em comparação são suficientemente distintos para que não ocorra qualquer confusão de sinais e a marca usada pelas requeridas a ser associada a alguma é à preexistente – Sacoor Brothers e não à da requerente.
Atento todo o exposto, a presente providência cautelar terá de improceder.

Fica prejudicada a apreciação das medidas cautelares requeridas, bem como o pedido de condenação numa sanção pecuniária compulsória”.

Concordamos com a análise efectuada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, estamos perante sinais cuja única semelhança é a palavra «blue», que não é seguramente o seu elemento dominante, quer nas marcas nominativas, quer nas mistas.
O termo “BLUE” significa “azul” na língua inglesa, tendo reduzida eficácia distintiva para assinalar produtos de vestuário ou serviços com eles relacionados, só ganhando força distintiva quando associado a outras palavras e/ou elementos figurativos, como sucede no caso da marca da Recorrente, composta, além do elemento “Blue”, pelo elemento “Mr.” e por elementos figurativos correspondentes a um “B” envolto numa cercadura com asas.
Como referem as apeladas, a Recorrente não tem um direito de exclusivo sobre o elemento “BLUE” (que, aliás, é usado em tantas marcas para assinalar produtos da classe 25, conforme provado no facto 22), mas sim sobre a concreta
composição gráfica-figurativa “”, uma vez que é este conjunto que está protegido pelo registo de marca nacional n.º 393.737”.
Por seu turno, o sinal aposto pelas Recorridas nos seus estabelecimentos físicos e usado na sua loja online é composto pela expressão “SACOOR BLUE”, grafada num determinado lettering:






São estes sinais que a Recorrente pretende que as Recorridas cessem de usar.

Como se assinalou na sentença posta em crise, a comparação entre sinais deve fazer-se através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, considerando-se que o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das diferentes particularidades (vide Acordãos do TJ da EU de 11/11/1997 – Sabel.Puma, C-251/95, Col. p. I-6191; de 22/06/1999 – Lloyd Schuhfabrik, C-342/97, Col.p.-3819 e do TPI (TG) de 22/10/2003 – Asterix. T311/01). Por outras palavras, deve atender-se ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, porquanto interessa para a comparação a reminiscência que ficou na memória do consumidor e que lhe permitirá reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar.

Pese embora alguma semelhança fonética dos termos «Mr Blue» e «Sacoor Blue» decorrente do uso da palavra comum (Blue), tal efeito acaba por se diluir face à sonoridade bem diversa resultante das expressões completas, na medida em que, a parte coincidente não assume nem é percebida de forma independente na impressão global das marcas, sendo os sinais em confronto, no seu todo, perfeitamente distinguíveis em termos fonéticos.

Também ao nível gráfico, é patente a diferença, sendo uma das marcas da requerente uma marca nominativa (Mr. Blue) e outra uma marca mista (composta por um elemento figurativo correspondente a um «B» envolto em duas asas sobrepostas, que lhe confere um aspecto fisionómico diferente), enquanto que os sinais utilizados nas fachadas das lojas das recorridas são meramente nominativos, com os dizeres “SACOOR BLUE”. Mais, como referem as apeladas, os elementos nominativos não coincidentes de cada sinal estão posicionados em primeiro lugar e, logo, ficam mais facilmente retidos na memória do consumidor.

Assim, a intuição sintética da diferença entre os sinais que o consumidor apreende de imediato - quer pela diferença do grafismo, quer pela diferença da sonoridade - implica que o mesmo dificilmente associe a marca da apelante aos sinais existentes nas fachadas da recorrida.

Os sinais são igualmente distintos do ponto de vista conceptual, sendo apreendidos pelo consumidor (conhecedor da língua inglesa) com diferentes significados, no caso da marca da recorrente como «Senhor Azul» e no caso do sinal usado pelas recorridas como «Sacoor Azul».


Flui de todo o exposto que não ocorre risco de confusão ou associação entre os sinais em análise, o que conduz necessariamente à conclusão de que inexiste a invocada imitação das marcas de que a apelante é titular e consequentemente não ocorre violação das mesmas.

Analisemos de seguida se verificam os actos de concorrência desleal imputados às recorridas.

Constitui concorrência desleal, de acordo com o artigo 311º/1 a) do CPI, todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.

A possibilidade de concorrência desleal constitui, também, fundamento relativo de recusa de registo de marca, nos termos da alínea h) do artigo 232º, n.º 1 do CPI, embora não constitua actualmente fundamento da respetiva anulação, conforme resulta do disposto no artigo 260º n.º 1 do CPI.

Subjacente ao instituto em causa está a protecção dos interesses dos concorrentes e o regular funcionamento do mercado, impondo-se aos agentes económicos o dever de agir leal e honestamente, quando competem entre si.

No caso dos autos, não se divisa que da factualidade indiciariamente assente possa extrair-se a prática de actos de concorrência desleal por parte das requeridas.

Como vimos, não está demonstrado, ainda que indiciariamente, o risco de associação dos sinais, face ao juízo negativo quanto à imitação, pelo que também aquele outro risco de associação, inerente à concorrência desleal, não se verifica, nem decorre da matéria indiciariamente provada, não se mostrando, por conseguinte, preenchidos os pressupostos fácticos da concorrência desleal enunciados no artigo 311º/1 alínea a) do Código da Propriedade Industrial.

Não colhe, pois, a argumentação de que a proximidade das lojas da recorrente e das recorridas conduz ao desvio de clientela de umas para as outras.

Como referem as apeladas em resposta às alegações de recurso, a proximidade física das lojas, maxime quando estão frente a frente (cf. factos provados 14 e 15) é factor que afasta a confundibilidade (cf. ponto III.1 das contra-alegações), permitindo, aliás, aos consumidores melhor distingui-las.

Nem a factualidade indiciariamente provada demonstra factos que traduzam qualquer actuação consciente e deliberada das recorridas visando a confusão dos sinais e o desvio de clientela.

Não logrou, portanto, a requerente, como lhe competia (art. 345º/2 do CPI e 342º/1 do CC), fazer prova de violação dos seus direitos, nem da iminência de qualquer lesão (grave e dificilmente reparável) desses direitos, que pudesse justificar a tutela cautelar que requer.

Note-se que o mero receio subjectivo da apelante não é bastante para decretar a providência cautelar, exigindo-se que haja um fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial (periculum in mora).

O receio de lesão só será suficientemente fundado se for justificado e justo, ou seja, se assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação, e em dados objectivos (neste sentido, vide Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, 2ª edição, págs. 87, 88 e 89).

Atendendo à matéria de facto dada como indiciariamente provada, não se pode concluir que esteja minimamente justificado e objectivado o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial da apelante, que possa advir da demora na tutela definitiva da sua situação jurídica.

Destarte, diversamente do que sustenta a recorrente, não ocorreu erro de julgamento por errada interpretação pelo tribunal a quo dos artigos 249º/1 b), 311º/1 a) e 345º todos do CPI.

Concluindo, deve manter-se a decisão recorrida, porquanto não se mostram verificados os pressupostos de que dependia a procedência do procedimento cautelar.
***

V.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela apelante/requerente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante – artigo 527º/1 e 2 do CPC.
Notifique.
*



Lisboa, 12 de Outubro de 2022

Ana Mónica C. Mendonça Pavão - (Relatora)
Luís Ferrão - (1º Adjunto)
Rute Lopes - (2ª Adjunta)